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Relatório de Estabilidade Financeira — Novembro 2024

Capa Relatório de Estabilidade Financeira — Novembro 2024

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Sumário executivo

Os riscos para a estabilidade financeira continuam ligados a desenvolvimentos económicos adversos que possam resultar das atuais tensões geopolíticas. Os conflitos militares em curso, um aumento do protecionismo global e um abrandamento nas principais economias do mundo podem condicionar a atividade económica nacional. O ressurgimento de pressões sobre a dívida pública de países europeus e a eventualidade de novos choques inflacionistas que limitem o alívio da restritividade da política monetária são também elementos de risco. No plano nacional, uma política orçamental expansionista no quadro do novo modelo de regras orçamentais europeias e possíveis atrasos na implementação do PRR poderão condicionar o crescimento económico e a evolução da dívida.

No último semestre, mesmo observando alguns sinais de abrandamento, a economia portuguesa manteve uma trajetória de redução das vulnerabilidades, em linha com os progressos dos últimos anos. O processo de ajustamento tem assumido uma natureza estrutural, interrompido apenas no período mais agudo da pandemia. O quadro macroeconómico central para 2025 e 2026, de crescimento próximo do potencial e estabilidade de preços, é consentâneo com a continuação desse processo. A atividade económica em Portugal deverá crescer no período de 2024 a 2026, a um ritmo próximo do potencial e superior ao projetado para a área do euro. A inflação deverá estabilizar em 2% em 2025–26, em linha com a área do euro.

Uma das dimensões estruturais do ajustamento é a significativa redução do endividamento. O rácio da dívida das administrações públicas diminuiu cerca de 35 pontos percentuais entre 2014 e 2023, ano em que atingiu 97,9% do PIB. Apesar de convergir para a média da área do euro, permanece em níveis elevados. O prolongamento da sua redução contribuirá para a melhoria do rating da República e para menores prémios de risco no custo de financiamento, com benefício para os vários setores da economia.

Partindo de níveis significativamente superiores aos valores médios europeus, os rácios de endividamento de famílias e empresas estão hoje abaixo das referências comunitárias. No final do primeiro semestre de 2024, o rácio de endividamento das famílias atingiu 82% do rendimento disponível, 2,6 pontos percentuais (pp) menor do que no final de 2023 e inferior em quase 50 pp ao seu máximo, verificado em 2009. Por sua vez, o rácio de endividamento das empresas diminuiu 2 pp no primeiro semestre deste ano, situando-se em 76% do PIB e elevando para 50 pp a redução acumulada face a 2012, quando o indicador atingiu o seu valor máximo.

Os riscos para as empresas estão associados a um maior abrandamento económico na área do euro, potencialmente agravados por custos elevados de energia e de produção e perturbações nas cadeias de abastecimento. Apesar da estabilização da rendibilidade operacional, a manutenção de taxas de juro em níveis ainda elevados condiciona a capacidade de serviço de dívida das empresas, especialmente nos setores mais vulneráveis. No entanto, estima-se que a proporção de empresas identificadas como financeiramente vulneráveis (isto é, com EBITDA inferior a duas vezes o montante de juros suportados) se reduza em 2024 e 2025, para cerca de 12% e 8%, respetivamente, abaixo dos 14% de 2023. A melhoria da situação financeira das empresas nos últimos anos contribui para a mitigação destes riscos.

Para as famílias, os principais riscos estão associados a desenvolvimentos que conduzam a perdas de rendimento, como uma subida do desemprego ou das taxas de juro. Contudo, estes fatores não fazem parte do cenário central de evolução da economia portuguesa. Projeta-se também um aumento da taxa de poupança, o que deverá reforçar a sua resiliência perante choques. Apesar da subida significativa da inflação e das taxas de juro entre 2021 e 2023, o incumprimento no crédito manteve-se contido. Esta resiliência beneficiou da redução sustentada no rácio de endividamento e da melhoria do perfil de risco dos mutuários — reforçada desde 2018 pelos efeitos da recomendação macroprudencial relativa aos novos créditos à habitação e ao consumo —, assim como da evolução positiva do mercado de trabalho e do rendimento disponível.

Também o setor bancário está exposto à potencial materialização de condições económicas e financeiras adversas, atendendo à composição do seu balanço. A concretização de um cenário dessa natureza tenderá a traduzir-se num maior risco de crédito, não se prevendo um impacto material de risco de mercado e de risco de liquidez. A rendibilidade do ativo atingiu 1,47% em junho, mas é sensível à esperada descida das taxas de juro por via da margem financeira, que deverá continuar acima da registada no período pré-2022, atendendo também à alteração da estrutura de financiamento dos bancos.

À semelhança do resto da economia, o setor bancário verificou um ajustamento notável, em termos de liquidez, qualidade de ativos, eficiência e capital. Em junho, o rácio total de fundos próprios e o CET 1 ascenderam a 20,5% e 17,8%, respetivamente, 0,66 pp e 1,4 pp acima da área do euro. Parte do ajustamento teve lugar durante um longo período de taxas de juro baixas, que condicionou significativamente a geração de rendimento por via da margem de juros. Em média, entre 2011 e 2021, a rendibilidade dos capitais próprios do setor foi de -3,1%. Nos últimos anos, níveis mais elevados de taxas de juro permitiram ao setor alcançar rendibilidades superiores para remuneração dos acionistas, reforço da sua resiliência e investimentos necessários para a sua viabilidade futura.

Neste contexto positivo, a qualidade creditícia dos ativos bancários tem-se mantido estável. No caso das empresas, cerca de metade das operações tem sido dirigida a grupos de menor risco. No crédito a particulares, a Recomendação macroprudencial tem fortalecido a resiliência do setor financeiro e dos mutuários. É fundamental que os bancos mantenham critérios e condições de concessão de crédito prudentes, que incluam nas suas análises todos os fatores de risco que podem afetar o valor dos seus ativos, incluindo o impacto de fatores ambientais, cuja relevância tem vindo a aumentar.

Apesar do cenário central favorável, as instituições devem ser prudentes na constituição de imparidades e na conservação de capital, reforçando a sua resiliência e a capacidade de financiar a economia em caso de choques adversos. Em outubro deste ano entrou em vigor a reserva de risco sistémico sectorial, de 4% aplicada a bancos que utilizam o método de notações internas (IRB), reforçando a sua resiliência face a desvalorizações no mercado imobiliário. Considerando o contexto económico atual, os níveis de rendibilidade e de capitalização dos bancos, e para reforçar a capacidade de absorção de perdas inesperadas associadas a choques sistémicos, o Banco de Portugal propõe-se fixar a percentagem da reserva contracíclica de fundos próprios em 0,75% do montante da exposição de crédito do setor bancário nacional ao setor privado não financeiro ponderada pelo risco.

Os notáveis progressos da situação financeira dos setores residentes desde a crise da dívida soberana não devem ser vistos como um convite à complacência, mas antes como uma conquista a preservar, exigindo determinação na redução sustentada de vulnerabilidades, em especial face aos desafios climático e tecnológico. A situação internacional tem-nos recordado que choques significativos podem ocorrer a qualquer momento e que uma preparação atempada é decisiva para os mitigar.

Perspetiva global da estabilidade financeira

Vulnerabilidades, riscos e política macroprudencial

Principais riscos e vulnerabilidades

A economia portuguesa apresenta um desempenho económico acima do da área do euro e próximo do seu potencial. Encontra-se, contudo, exposta a fatores externos, incluindo as tensões geopolíticas globais. O seu impacto materializa-se no curto prazo, em larga medida, por via dos fluxos de comércio internacional, ao nível dos preços ou diretamente sobre a atividade económica. Perante uma fragmentação crescente da economia mundial, esse impacto tende a persistir.

O abrandamento da economia chinesa, o ressurgimento de preocupação quanto à qualidade creditícia de emitentes soberanos e eventuais choques inflacionistas que condicionem a continuação do alívio da restritividade da política monetária das principais economias são outros elementos de risco. A materialização de algum destes fatores impactará a economia global e, assim, a economia portuguesa, com repercussões no valor de ativos financeiros e não financeiros, investimento e condições de financiamento a nível internacional.

Um cenário de desenvolvimentos económicos adversos, a nível nacional e internacional, em particular se associados a uma maior restritividade e/ou prolongamento da restritividade da política monetária, poderá ter efeitos negativos na procura e nos preços do mercado imobiliário. Todavia, esses efeitos tenderão a ser reduzidos, em particular no segmento residencial, face à escassez de oferta no mercado português, que tem sustentado uma significativa e prolongada subida dos preços.

No decurso dos últimos anos, os diferentes setores da economia registaram um ajustamento significativo das suas posições financeiras, promovendo a sua resiliência perante choques. De forma transversal, deve destacar-se a redução do endividamento para o total da economia, refletida ao nível da posição de investimento internacional, e dos rácios de endividamento de administrações públicas, empresas e particulares.

A melhoria da situação orçamental nos últimos anos e a redução sustentada do rácio de dívida pública, com reflexos na correspondente valorização do rating da República e nos prémios de risco no custo de financiamento, têm-se refletido numa redução dos riscos associados às administrações públicas no curto prazo. No entanto, o nível de endividamento público é elevado e, assim, vulnerável à volatilidade nos mercados financeiros internacionais. A evolução do custo da dívida encontra-se condicionada pela incerteza global, com consequências na condução da política monetária, e, a nível doméstico, pela orientação expansionista da política e o impacto da gradual redução das compras de ativos do Eurosistema. A maturidade prolongada da dívida e o papel estabilizador do BCE, através do TPI, são fatores que mitigam esses riscos.

Os riscos para as empresas estão, em larga medida, associados a desenvolvimentos geopolíticos mais disruptivos e a um maior abrandamento da atividade económica na área do euro. O potencial impacto poderá estar associado a um contexto de custos energéticos e outros custos de produção mais elevados e/ou perturbações nas cadeias de abastecimento. A manutenção de taxas de juro em níveis elevados continuará a desafiar a capacidade de serviço de dívida das empresas, em particular nos setores mais vulneráveis. A melhoria da situação financeira das empresas nos últimos anos, em termos de solvabilidade e liquidez, continuará a contribuir para a mitigação destes riscos. Tendo por base o cenário central de projeção da economia portuguesa, estima-se uma redução da proporção de empresas identificadas como estando em vulnerabilidade financeira até 2025.

As famílias mantiveram a redução sustentada no rácio de endividamento, na linha da tendência iniciada em 2010. Desde 2018, o perfil de risco dos novos mutuários beneficiou também da recomendação macroprudencial relativa aos novos créditos à habitação e ao consumo. Apesar da subida significativa da inflação e das taxas de juro entre 2021 e 2023, que condicionou a sua capacidade para servir a dívida, o incumprimento no crédito manteve-se contido. Para este resultado contribuíram também a robustez do mercado de trabalho e a evolução do rendimento disponível real, bem como as renegociações de crédito e as medidas de apoio governamentais. Os principais riscos estão associados a desenvolvimentos económicos que levem a perdas de rendimento, como a entrada no desemprego, ou aumentos das taxas de juro. O aumento da taxa de poupança do setor deverá contribuir para promover a sua resiliência perante choques.

O setor financeiro não bancário tem vindo a reduzir a sua importância em Portugal ao longo dos últimos anos, com o seu peso no PIB a ser claramente inferior ao da área do euro. Adicionalmente, as suas interligações face ao setor bancário também se têm reduzido, com as exposições cruzadas a representarem, de uma forma geral, uma fração muito limitada dos ativos/passivos de cada setor. Contrariamente ao setor bancário, o setor concentra as suas exposições em contrapartes não residentes, tornando-o particularmente sensível a desenvolvimentos nos mercados financeiros internacionais. A liquidez e alavancagem dos fundos de investimento nacionais comparam favoravelmente com a área do euro. Ao nível do setor segurador, os níveis de solvabilidade e liquidez asseguram resiliência e margem para absorção de desenvolvimentos adversos.

No primeiro semestre de 2024, os bancos continuaram a melhorar a sua rendibilidade, o que contribuiu para o aumento dos rácios de capital, que já atingiram níveis historicamente elevados, semelhantes aos da área do euro. A liquidez do setor manteve-se robusta e a qualidade creditícia dos ativos permaneceu estável, num nível historicamente elevado.

A concentração de exposições ao setor imobiliário é mitigada pelo peso limitado do crédito hipotecário com rácio loan-to-value (LTV) superior a 80%, limitando as eventuais perdas dos bancos resultantes de uma queda dos preços do imobiliário residencial. Adicionalmente, a reserva de fundos próprios para risco sistémico setorial (sSyRB) de 4%, em vigor desde outubro, reforça a resiliência das instituições à materialização de riscos com impacto sobre as famílias e sobre os preços do imobiliário residencial. Apesar da materialidade da exposição a dívida pública, o peso da componente contabilizada a custo amortizado permite mitigar o impacto das alterações de mercado sobre o valor de balanço dos títulos, tornando-o menos sensível a variações de taxas de juro, o que também contribui para a estabilidade do setor.

Neste quadro, globalmente positivo para a banca, não se tem assistido a uma deterioração da qualidade creditícia dos ativos bancários. No caso das operações com particulares, a recomendação macroprudencial promove a resiliência da carteira a choques. No caso das empresas, a maior parte das operações tem sido dirigida a empresas de menor risco.

Apesar de o cenário base ser benigno, é importante que as instituições sejam prudentes na constituição de imparidades e na conservação de capital, promovendo a sua resiliência e o financiamento à economia perante potenciais choques adversos. Neste quadro, considerando o contexto económico atual, os níveis de rendibilidade e de capitalização dos bancos, e visando o reforço da capacidade de resposta dos bancos a choques sistémicos, o Banco de Portugal propõe- se fixar a percentagem da reserva contracíclica de fundos próprios em 0,75% do montante total das exposições de crédito do setor bancário nacional ao setor privado não financeiro ponderadas pelo risco a partir de 1 de janeiro de 2026. Esta reserva surge numa fase em que o risco sistémico cíclico é considerado neutro.

Outros aspetos estruturais transversais permanecem críticos para a estabilidade financeira, nomeadamente os relacionados com as alterações climáticas e a digitalização. As alterações climáticas apresentam para o sistema financeiro riscos de transição, relacionados com a desvalorização de ativos em setores intensivos em combustíveis fósseis, e físicos, relacionados com os danos diretos de eventos climáticos extremos que ocorrem com maior frequência e gravidade. No caso da digitalização, para além dos investimentos necessários com vista à reconversão de estruturas produtivas e atualização de sistemas informáticos, colocam-se riscos crescentes relacionados com ciber-risco e concentração em fornecedores de sistemas críticos.

Enquadramento macroeconómico e de mercados

Enquadramento macroeconómico

O cenário central de evolução da economia portuguesa para o período 2024–2026 aponta para a manutenção da convergência para os níveis de rendimento europeus e um nível de inflação consistente com a estabilidade de preços (Quadro I.1.1). A resiliência da economia aos choques recentes é reflexo da redução de desequilíbrios macroeconómicos e outras fragilidades estruturais. Em particular, a diminuição dos rácios de dívida, privada, pública e externa, implicou uma menor vulnerabilidade à subida das taxas de juro. O mercado de trabalho tem-se revelado robusto e flexível.

  1. Projeções macroeconómicas 2024–26 | Taxa de variação anual em percentagem (exceto onde indicado)

 

setembro/outubro 24

junho 2024

 

2023

2024(p)

2025(p)

2026(p)

2023

2024(p)

2025 (p)

2026(p)

 

Área do euro

 
 
 

 

 
 
 
 
 

PIB

0,5

0,8

1,3

1,5

0,6

0,9

1,4

1,6

 

Inflação (IHPC)

5,4

2,5

2,2

1,9

5,4

2,5

2,2

1,9

 

Portugal

 
 
 

 

 
 
 
 
 

PIB

2,5

1,6

2,1

2,2

2,3

2,0

2,3

2,2

 

Inflação (IHPC)

5,3

2,6

2,0

2,0

5,3

2,5

2,1

2,0

 

Taxa de desemprego (% pop. ativa)

6,5

6,4

6,4

6,4

6,5

6,5

6,6

6,6

 

Balança corrente e de capital (% PIB)

1,9

4,2

4,1

4,0

2,7

4,4

4,4

4,5

 

Fonte: BCE (Projeções macroeconómicas de setembro de 2024) e Banco de Portugal (Boletim Económico de outubro de 2024). | Nota: p ― projetado.

Depois de abrandar em 2024, a atividade económica em Portugal recuperará em 2025–2026, mantendo-se a convergência com a área do euro. Em 2024, o crescimento da atividade é sustentado pelo consumo privado e pelas exportações. A aceleração em 2025–2026 reflete melhores perspetivas para o investimento, com o alívio das condições financeiras, melhoria das perspetivas globais e estímulo dos fundos europeus. Projeta-se também uma retoma gradual do investimento em habitação, suportada pela descida das taxas de juro, pelo crescimento do rendimento disponível e pelo dinamismo dos fluxos migratórios. As exportações deverão manter um contributo importante para o crescimento no horizonte de projeção, ainda que inferior ao de 2023, refletindo o contexto de normalização dos padrões de consumo globais. O turismo, apesar de abrandar, continuará a crescer acima do total das exportações. Para a área do euro, o BCE projeta que o crescimento do PIB real na zona euro regressará no médio prazo a taxas próximas das médias históricas, com base no aumento dos rendimentos reais, fortalecimento da procura externa e atenuação dos efeitos da política monetária.

O endividamento dos setores residentes continuará a reduzir-se. O rendimento disponível real das famílias deverá aumentar no triénio, embora de forma mais significativa em 2024, devido à situação favorável no mercado de trabalho e às medidas orçamentais. Ao longo do horizonte de projeção, a taxa de poupança deverá manter-se em níveis historicamente elevados, refletindo as taxas de juro mais elevadas do que na década anterior e precaução por parte das famílias. O mercado de trabalho continuará a evoluir favoravelmente, com aumento do emprego e dos salários reais, e a taxa de desemprego permanecerá baixa. A capacidade de financiamento da economia face ao exterior deverá aumentar para um valor médio de 4,1% do PIB em 2024–2026, permitindo a redução adicional do endividamento dos setores residentes.

O crescimento dos preços estabilizará em 2% em 2025–2026. Num contexto de desaceleração dos custos salariais e de pressões externas moderadas, a inflação média anual em Portugal deverá situar-se em torno de 2% em 2025 e 2026. Para a área do euro é projetado que a inflação também se reduza e se situe em torno do objetivo em 2025, refletindo expetativas de progressiva redução das pressões sobre os custos.

Os riscos destas projeções são equilibrados. Para a atividade, mantêm-se riscos de revisão em baixa associados às tensões geopolíticas internacionais e ao cumprimento atempado das metas do Plano de Recuperação e Resiliência. Em contrapartida, o consumo privado pode aumentar acima do esperado, em reação ao crescimento projetado do rendimento das famílias. Para a inflação, efeitos desfasados da política monetária mais marcados geram riscos em baixa, contrabalançados por possíveis choques sobre os preços das matérias-primas internacionais e as cadeias de abastecimento globais, bem como por um maior dinamismo dos salários.

Um abrandamento económico na Europa e na China, no quadro dos crescentes riscos geopolíticos e de políticas protecionistas, colocará mais incerteza na condução da política económica e monetária. A persistência e a possibilidade de agudização das tensões geopolíticas, a par de maiores tensões internacionais por via de aumentos de tarifas aduaneiras e políticas protecionistas, podem impactar o comércio internacional, originando pressões inflacionistas e afetar a atividade económica a nível internacional. A nível europeu deve também referir-se a crescente dificuldade em conciliar soluções governativas estáveis e o cumprimento das regras europeias de boa governação, o que tende a ser adensado num quadro internacional de transição, significativa a vários níveis (geopolítica, comércio internacional, despesas militares, transição climática).

Refletindo uma melhoria das perspetivas para a inflação, os bancos centrais das principais economias avançadas têm vindo a aliviar a restritividade da política monetária, tendo iniciado este ano o processo de descida de taxas de juro.

O BCE iniciou em junho a descida de taxas de juro. Desde então, a taxa de facilidade de depósito, que é atualmente a principal taxa de referência do BCE, foi reduzida em 75 pb, para 3,25%, e as taxas aplicáveis às operações principais de refinanciamento e à facilidade permanente de cedência de liquidez foram reduzidas em 110 pb, respetivamente para 3,40% e 3,65%. Em resultado da entrada em vigor do novo enquadramento de implementação da política monetária, o diferencial entre a taxa das operações principais de refinanciamento e a facilidade permanente de depósito reduziu-se de 50 pb para 15 pb. As condições de liquidez na área do euro permanecem abundantes, apesar dos vencimentos das operações de cedência de liquidez de prazo alargado (TLTRO-III) e da gradual redução das carteiras relativas aos programas de compra de ativos1. Em Portugal, o excesso de liquidez tem vindo a crescer desde novembro de 2023, contrariando a tendência de redução observada a nível do Eurosistema.

A disponibilidade no mercado de títulos que eram objeto dos programas de compra do Eurosistema tem vindo a aumentar, mas não se espera impacto significativo sobre os preços destes ativos. A adoção de medidas como a redução dos reinvestimentos no PEPP permitiu, na sequência de novas emissões de dívida, o aumento de High Quality Liquid Assets (HQLA) no mercado, nomeadamente títulos de dívida soberana, que assim têm sido crescentemente mantidos nos balanços dos bancos. O carácter gradual e previsível, ainda que retendo flexibilidade, da redução do excesso de liquidez na área do euro deverá minimizar impactos nos preços dos ativos. Acresce que o Instrumento de Proteção da Transmissão (TPI, na sigla inglesa), concebido em 2022, continua a fazer parte do leque de instrumentos à disposição do Conselho do BCE para assegurar que a orientação da política monetária é transmitida uniformemente em todos os países da área do euro.

Nos EUA, a Reserva Federal iniciou a descida de taxas de juro em setembro devido à redução dos riscos ascendentes para a inflação e ao aumento dos riscos descendentes para o mercado de trabalho. Em 7 de novembro, já após a divulgação dos resultados das eleições presidenciais, voltou a reduzir a taxa de referência para o intervalo entre 4,5%–4,75%

Caso o controlo da inflação se mantenha, perspetiva-se a continuação do ciclo de descida das taxas de política monetária e do processo de normalização do balanço dos bancos centrais das maiores economias avançadas. Em particular para a área do euro e os EUA é esperado que ao longo do resto de 2024 e 2025 prossiga a redução da dimensão do balanço. Porém, permanecem riscos quanto à evolução da inflação num contexto de possíveis políticas protecionistas e de expansão fiscal norte-americanas ou de materialização de outros riscos geopolíticos que poderão colocar em causa a magnitude do ciclo previsto de menor restritividade da política monetária.

Enquadramento de mercados financeiros

Desde o verão, os mercados financeiros internacionais têm mostrado resiliência a picos de volatilidade pronunciados, mas de curta duração.

Até recentemente, assistiu-se a um reforço de expetativas de descida de taxas de juro nos principais blocos económicos conduzindo a descida das taxas interbancárias. Na área do euro, a partir de junho de 2024, com o início do ciclo de descida de taxas de juro, assistiu-se ao reforço das expetativas de descidas adicionais pelo BCE, enquadrado pela deterioração dos dados económicos e o acentuar do processo desinflacionista. De acordo com os indicadores de mercado, no início de novembro, os futuros sobre a Euribor a 3 meses apontavam para uma convergência da taxa de juro de referência para cerca de 2% a partir de meados de 2025 (Gráfico I.1.1).

O mercado de dívida pública tem reagido às expetativas de descidas de taxas diretoras (Gráfico I.1.2). Nos EUA, onde as taxas de rendibilidade da dívida soberana vinham a acompanhar a expetativa de descida de taxas de juro oficiais, verificou-se a partir de outubro uma subida das taxas de rendibilidade perante a revisão em alta da taxa de juro terminal dos Fed funds, que reflete a divulgação de alguns dados macroeconómicos positivos e receios de deterioração da situação orçamental no seguimento dos resultados das eleições. Na área do euro verificou-se, a partir de final de outubro, algum impacto deste movimento dos US Treasuries, apesar de se terem intensificado as expetativas quanto ao ciclo de descidas de taxas de juro. A partir de junho de 2024, os diferenciais de taxa de rendibilidade a 10 anos face à Alemanha comprimiram na maior parte das jurisdições, com a dívida francesa a registar um alargamento, num contexto de instabilidade política e orçamental. Assinale-se o comportamento positivo da dívida pública portuguesa, cujo diferencial de taxa de rendibilidade face à Alemanha se reduziu neste período.

  1. Taxa de juro implícita nos contratos de futuros sobre a Euribor a 3 meses | Em percentagem

  1. Taxas de rendibilidade da dívida soberana a 10 anos

Fonte: Refinitiv e cálculos do Banco de Portugal. | Nota: Última observação: 7 de novembro de 2024.

Fonte: Refinitiv. | Nota: Última observação: 7 de novembro de 2024.

 

Os custos de financiamento de empresas e bancos no mercado de capitais da área do euro têm beneficiado da tendência de descida das taxas de juro de referência (Gráfico I.1.3). As taxas de juro interbancárias têm-se reduzido, mas os prémios de risco (spreads) aplicáveis a empresas e bancos têm-se mantido. Num quadro de elevada incerteza macroeconómica, a manutenção dos assets swap spreads de obrigações de empresas e bancos pode configurar alguma subestimação de risco. Face a elevadas necessidades de refinanciamento no mercado da área do euro nos próximos dois anos, surpresas negativas em termos macroeconómicos poderão elevar custos, em particular para o segmento high yield.

No mercado acionista o comportamento não foi homogéneo entre blocos económicos, salientando-se as valorizações expressivas nos EUA (Gráfico I.1.4). Desde início de junho 2024 observou-se uma valorização dos índices acionistas americanos, apesar das significativas tensões de mercado verificadas no início de agosto. Também o índice chinês, que estava a perder rendibilidade, teve um impulso significativo desde outubro, reflexo do anúncio de pacotes de estímulos pelo governo. No Japão, apesar de picos de volatilidade, o índice acionista recuperou para os valores de junho. Já na área do euro, embora os índices registem ganhos desde o início do ano, não valorizaram face ao final de maio. De salientar que as significativas valorizações no mercado norte-americano têm estado associadas a empresas tecnológicas, em particular ligadas a inteligência artificial, tendo sido ainda mais impulsionadas com o resultado das eleições. Num contexto de incerteza macroeconómica e geopolítica, esta valorização significativa levanta dúvidas quanto à sua sustentabilidade.

Os períodos de volatilidade nos mercados financeiros internacionais têm vindo a tornar-se mais frequentes, relacionados com alterações de expetativas em relação à orientação de política monetária, incerteza política e perspetivas sobre empresas tecnológicas, em particular ligadas a inteligência artificial. O episódio de maior volatilidade ocorreu no início de agosto, tendo sido espoletado por dados piores que o esperado no mercado de trabalho dos EUA, foi ampliado por fortes posições em derivados e reforçado pelo aumento inesperado das taxas de juro no Japão, que conduziu a uma reversão de carry-trades financiados com moeda nipónica e perdas significativas no mercado asiático. Outros episódios de volatilidade significativa nos índices acionistas dos EUA têm estado relacionados com o comportamento de empresas tecnológicas. Também a incerteza política tem tido impactos, em particular no mercado de dívida, como foi o caso ocorrido com a dívida pública francesa.

  1. Euribor 3 meses e asset swap spreads de obrigações de empresas e bancos na área do euro

  1. Índices acionistas de Portugal, Europa, EUA, Japão e China | Índice 2023=100

Fonte: Refinitiv. | Nota: Última observação: 7 de novembro de 2024.

Fonte: Refinitiv. | Notas: Índices acionistas tendo como base 100 a data de 31 de dezembro de 2023. Última observação: 7 de novembro de 2024.

Apesar da resiliência demonstrada nos choques mais recentes, o risco de ajustamentos súbitos nos valores dos ativos financeiros continua significativo. Até ao momento, os picos de volatilidade e as correções nos valores dos ativos têm sido rapidamente revertidos nos mercados acionistas, o que pode alimentar um acrescido apetite pelo risco por parte dos investidores. O agravamento do cenário macroeconómico, seja por materialização de riscos geopolíticos, maior fragmentação da economia mundial por via de políticas protecionistas, maior abrandamento da economia chinesa, ressurgimento de apreensão quanto à qualidade creditícia de emitentes soberanos ou outros choques, de natureza inflacionista, poderá condicionar o esperado alívio da restritividade da política monetária das principais economias. Na medida em que poderá impactar os preços dos ativos financeiros e as condições de financiamento, importa que investidores e emitentes adotem estratégias de mitigação adequadas para salvaguardar a estabilidade financeira.

Análise de risco setorial

Administrações públicas

Os riscos associados ao desempenho e à situação financeira das administrações públicas portuguesas têm vindo a atenuar-se na última década, mas permanecem presentes. O desempenho positivo é visível nos diferenciais de taxas de rendibilidade da dívida pública portuguesa face à dívida pública de outros países da área do euro. Não obstante, o endividamento público mantém-se elevado, o que expõe o custo de financiamento da dívida pública a potenciais focos de volatilidade nos mercados financeiros internacionais. Contudo, importa salientar a existência de fatores mitigantes, como a maturidade da carteira de títulos de dívida e o papel estabilizador do Banco Central Europeu (BCE), particularmente através do Instrumento de Proteção da Transmissão (TPI).

O rácio da dívida pública portuguesa apresentou, de 2015 até ao final de 2023, uma trajetória de forte redução, apenas interrompida pelo impacto da pandemia COVID. Com um valor de 132,5% em 2014 o rácio de dívida pública desceu para 97,9% em 2023 (Gráfico I.1.5). A diminuição de 13,3 pontos percentuais (pp) face a 2022 ocorreu por via da redução nominal da dívida, que contribuiu com 3,6 pp, enquanto o crescimento do PIB contribuiu com 9,7 pp. No terceiro trimestre de 2024, a dívida pública situou-se em 97,4% do PIB, uma redução de 8,9 pp face ao trimestre homólogo.

A redução sustentada da dívida pública é muito importante para a economia portuguesa, reforçando a credibilidade de Portugal perante os mercados financeiros internacionais. Atualmente, as quatro principais agências de notação financeira internacionais classificam Portugal na categoria A, refletindo uma melhoria significativa na perceção da qualidade creditícia do país. Esta apreciação positiva é particularmente importante num contexto de crescimento económico limitado na Europa e de apreensão quanto às finanças públicas de outras economias da área do euro, com reflexo positivo no desempenho relativo das taxas de rendibilidade da dívida pública portuguesa (Secção 1.2).

Prevê-se que, a manterem-se saldos orçamentais não negativos, o rácio da dívida pública continue a sua trajetória descendente nos próximos anos, o que contribuirá para mitigar a vulnerabilidade do país face a choques adversos e melhorar as condições de financiamento externo. De acordo com as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgadas em outubro de 2024 antecipam-se reduções adicionais deste rácio nos próximos anos, para níveis inferiores à média da área do euro a partir de 2026 (Gráfico I.1.6).

  1. Rácio de dívida pública portuguesa

  1. Projeções do FMI para a evolução da dívida pública | Em percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal e INE.

Fonte: FMI. | Nota: Projeções de outubro de 2024.

O custo da nova dívida pública portuguesa diminuiu ligeiramente em 2024, passando de 3,5% em 2023 para 3,4% em junho de 2024 (Gráfico I.1.7). Esta evolução deveu-se principalmente ao financiamento através de Obrigações do Tesouro, que compensou o aumento do custo das emissões de Bilhetes do Tesouro (BT). Em 2024, a taxa média ponderada dos leilões de BT situou-se entre 2,8% e 3,8%, comparado com 2,4% e 3,5% em 2023. Em 2024, foi emitida uma nova linha de Obrigações do Tesouro (OT) a 10 anos, com uma taxa de cupão de 3%, inferior à taxa de cupão das OT reembolsadas em 2023–24, contribuindo para a redução do custo médio no médio prazo.

O impacto do aumento das despesas com juros deverá ser limitado no total dos custos de financiamento. Apesar do aumento no custo das novas emissões em 2023 e 2024 face a 2022, é de notar o elevado stock emitido a taxas fixas e a elevada maturidade média residual do stock da dívida, 7,6 anos em agosto de 2024. Até final de 2026 cerca de 20% do stock da dívida existente no final de setembro será amortizado (Quadro I.1.2).

  1. Calendário de amortizações de dívida pública portuguesa | Mil milhões de euros

 

2024

2025

2026

Após 2026

Stock de dívida a ser amortizado

6,4

21,4

17,6

191,1

Bilhetes do Tesouro

4,0

5,1

0,0

0,0

Empréstimos oficiais

0,0

1,5

5,0

49,0

Outra dívida mlp

2,4

14,7

12,6

142,1

Peso no total do stock de dívida (%)

2,7

9,0

7,4

80,8

Peso no PIB de 2023 (%)

2,4

8,0

6,6

71,5

Fonte: IGCP. | Nota:. Cálculos com base no stock em final de setembro de 2024.

No final de junho de 2024, o Eurosistema detinha 29% do stock de dívida soberana nacional, o que compara com 32% em dezembro de 2023 (Gráfico I.1.8). A redução observada no primeiro semestre de 2024 foi acompanhada de um aumento por parte de não residentes e, em menor grau, por parte de bancos. A continuação da gradual redução do balanço do Eurosistema reforça a importância de manter condições competitivas no acesso aos mercados. O carácter gradual, previsível e flexível da redução dos programas de compras tem-se revelado essencial para a absorção pelo mercado dos montantes de dívida adicionais. O Instrumento de Proteção da Transmissão (TPI, na sigla inglesa) permite assegurar que a orientação da política monetária do BCE é transmitida uniformemente em todos os países da área do euro.

  1. Custo e maturidade da dívida pública portuguesa

  1. Estrutura de detentores de dívida pública portuguesa | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal, IGCP e INE. | Notas: O custo médio implícito do stock de dívida corresponde ao rácio entre a despesa com juros e o stock médio de dívida. O custo da dívida emitida em cada período é ponderado por montante e maturidade e compreende BT, OT, OTRV e MTN emitidos no ano correspondente. A maturidade média da dívida de médio e longo prazo emitida inclui emissões de OT e MTN ocorridas no ano correspondente.

Fontes: BCE, Banco de Portugal e IGCP. | Nota: Dados em fim de período.

A incerteza macroeconómica e geopolítica, com consequências na condução da política monetária, é um risco para o custo do serviço de dívida. É por isso importante que prossiga a trajetória de redução sustentada do rácio da dívida pública, que representa um elemento fundamental para a estabilidade financeira. Para isso, a pressão para o aumento da despesa pública líquida deve ser enquadrada numa perspetiva de sustentabilidade intertemporal e em conformidade com as regras orçamentais da União Europeia, recentemente revistas.

Sociedades não financeiras

As empresas continuaram a apresentar uma situação financeira robusta em junho de 2024, não obstante a moderação da atividade e um nível de custos de financiamento superior ao observado até 2022.

A capitalização das SNF continuou a aumentar no primeiro semestre de 2024, embora a um ritmo inferior ao observado em igual período de 2023. Nos últimos trimestres, o aumento dos capitais próprios decorreu sobretudo da retenção de resultados. A importância do capital na estrutura de financiamento das SNF portuguesas tem vindo a aumentar face ao período que antecedeu a crise da dívida soberana, não tendo esta tendência sido interrompida pela crise pandémica. O rácio de autonomia financeira das empresas aumentou 13,9 pp entre junho de 2009 e junho de 2024, de forma transversal aos diversos setores de atividade, embora persistindo diferenças estruturais (Gráfico I.1.9).

  1. Autonomia financeira das SNF em Portugal, por setor de atividade | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A autonomia financeira mede a percentagem do ativo das empresas que é financiada por capitais próprios. Um aumento da autonomia financeira sugere um reforço da capitalização das empresas. A linha a ponteado corresponde ao total das SNF. O rácio trimestral corresponde ao valor apurado para o ano acabado no trimestre. Última observação: junho 2024 (indicadores económico-financeiros trimestrais da Central de Balanços).

Na evolução da estrutura de financiamento, destacam-se as pequenas e médias empresas (PME), as quais detinham menor proporção de capital em 2009. No que toca a este segmento, registou-se um aumento desta proporção no financiamento do ativo de 19,0 pp, entre junho de 2009 e junho de 2024, o que compara com um aumento de 6,5 pp nas grandes empresas. Em contrapartida, no mesmo período observou-se uma redução no peso dos financiamentos obtidos e das dívidas a fornecedores no balanço das PME de, respetivamente, 12,2 pp e 3,9 pp. (Gráfico I.1.10).

  1. Estrutura de financiamento das SNF , por dimensão | Em percentagem do ativo

Painel A ― SNF

Painel B ― PME

Painel C ― Grandes empresas

Fonte: Banco de Portugal. A soma das parcelas pode diferir ligeiramente de 100 devido a arredondamentos.

A redução da importância dos financiamentos obtidos pelas SNF nos últimos 15 anos é quase inteiramente justificada pela evolução do crédito bancário, o qual representava 10% em junho 2024, face a 19% em junho de 2009. O financiamento através de instrumentos do mercado de valores mobiliários é principalmente relevante no caso das grandes empresas (7,8% em junho de 2024), o que se mantém ao longo de todo o período. O financiamento intragrupo, participantes e participadas, é relevante para os dois tipos de empresas (Gráfico I.1.11).

  1. Financiamentos obtidos, por instrumento/contraparte e dimensão | Em percentagem do ativo

Painel A ― SNF

Painel B ― PME

Painel C ― Grandes empresas

Fonte: Banco de Portugal.

O rácio de endividamento das empresas portuguesas em percentagem do PIB continuou a reduzir-se no primeiro semestre de 2024, situando-se em 76% em junho deste ano. A partir de 2021, este rácio tem-se situado abaixo do da área do euro e o diferencial entre ambos tem vindo a alargar-se, correspondendo a 6,0 pp no final de 2023 (Gráfico I.1.12). Nos últimos anos, o aumento do PIB nominal tem sido determinante para a redução do rácio de endividamento das SNF, em Portugal e na área do euro. Em Portugal, no primeiro semestre de 2024, este efeito foi apenas ligeiramente contrabalançado por um aumento dos financiamentos obtidos. No segundo trimestre, o montante de títulos de dívida de curto e longo prazo emitidos por SNF, em grande parte tomados por bancos residentes, superou a redução de empréstimos bancários que se verificou no primeiro trimestre do ano

Observou-se também a diminuição do rácio de endividamento líquido de depósitos para 50% no final do primeiro semestre de 2024, vis-à-vis 58% na área do euro em dezembro de 2023. Os depósitos das SNF aumentaram 2,5% no primeiro semestre de 2024, mantendo-se o seu montante 45% acima do observado em 2019.

Em 2024, a rendibilidade operacional das empresas estabilizou, após a trajetória crescente da última década, apenas interrompida pela pandemia de COVID-19. Em junho de 2024 apresentava um valor de 9,5%, o que compara com 9,8% em setembro de 2023. A evolução foi heterogénea entre setores de atividade, destacando-se, face ao período homólogo, um aumento no setor da construção (0,8 pp) e um decréscimo na indústria (-0,9 pp) (Gráfico I.1.13).

  1. Evolução do rácio de endividamento e do rácio de endividamento líquido de depósitos(1)| Em percentagem do PIB

  1. Rendibilidade operacional do ativo (EBITDA) | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: Valores consolidados. (1) O rácio de endividamento líquido de depósitos corresponde ao quociente entre a dívida total das SNF deduzida de depósitos e o PIB.

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A rendibilidade operacional média do ativo é definida como o rácio entre o EBITDA e o ativo médio do período. EBITDA, sigla inglesa para resultados antes de depreciações e amortizações, juros suportados e impostos. Última observação: junho 2024 (indicadores económico-financeiros trimestrais da Central de Balanços)

A transmissão do aumento das taxas de juro de mercado aos custos de financiamento das SNF ocorreu rapidamente, dado o predomínio das taxas de juro variáveis e os prazos de refinanciamento relativamente curtos. O custo dos financiamentos obtidos passou de 4,5% no final de 2023 para 4,9% no ano terminado em junho de 2024, tendo este custo implícito atingido o mínimo no ano acabado em março de 2022 (2,7%). Concomitantemente, a cobertura dos gastos de financiamento pelo EBITDA em termos agregados cifrou-se em 6,9 no ano acabado em junho de 2024, uma diminuição de 0,6 face a dezembro de 2023. A evolução foi heterogénea entre setores de atividade, destacando-se a redução na indústria (-1,4) e no comércio (-0,6). Por seu turno, refletindo a melhoria da rendibilidade operacional, no caso da construção observou-se um aumento de 0,3 (Gráfico I.1.14).

No entanto, a redução das taxas de juro em 2024 deverá contribuir para a moderação do aumento do custo de financiamento. A taxa de juro média das novas operações de empréstimos bancários baixou para 5,4% em junho de 2024, o que compara com 5,7% em dezembro de 2023 (apresentando uma redução adicional de 0,4 pp entre junho e setembro de 2024) (Secção 2 ― Sistema Bancário).

  1. Custo dos financiamentos obtidos e respetiva cobertura pelo EBITDA, por setor de atividade

Painel A ― Custo dos financiamentos obtidos (1)| Em percentagem

Painel B ― Rácio de cobertura dos gastos de financiamento (2)| Em número de vezes

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: (1) Os custos de financiamentos obtidos incluem os custos associados a empréstimos bancários, títulos de dívida e outros empréstimos. (2) O rácio de cobertura dos gastos de financiamento corresponde ao número de vezes que o EBITDA cobre esses custos. O rácio trimestral corresponde ao valor apurado para o ano acabado no trimestre. Os outros serviços incluem serviços exceto comércio e transportes e armazenagem. Indústria inclui as indústrias extrativas e as indústrias transformadoras. Última observação: junho 2024 (indicadores económico-financeiros trimestrais da Central de Balanços)

No ano acabado em junho de 2024, a rendibilidade dos capitais próprios das empresas reduziu-se 0,7 pp, dado o aumento dos custos de financiamento, o abrandamento da atividade e o incremento dos capitais próprios. No que toca a 2023, a informação disponível é mais granular, permitindo aferir o contributo de cada componente do rácio. O aumento de resultados excluindo gastos de financiamento foi, em média, superior ao contributo negativo decorrente do aumento dos juros suportados. No entanto, o impacto da acumulação de capital anulou este efeito, o que se traduziu numa redução do rácio. Esta evolução foi heterogénea entre setores de atividade (Gráfico I.1.15).

A redução da vulnerabilidade financeira das empresas tem sido acompanhada por um acréscimo da resiliência aos choques a que a sua atividade tem estado sujeita desde 2019. Apesar do aumento significativo das taxas de juro em 2022 e 2023, não se verifica um aumento do incumprimento no crédito bancário (Secção 2.3). Tendo verificado evolução semelhante em termos dos custos de financiamento dos empréstimos com garantia pública concedidos durante a pandemia de COVID-19, a materialização do risco de crédito nas empresas que recorreram a estes empréstimos é semelhante às restantes empresas (Caixa 1). Por seu turno, o número de insolvências declaradas no primeiro semestre de 2024 (1049) mantém-se abaixo da média observada em 2018–19 (1117). No entanto, no caso da indústria transformadora e do alojamento e restauração, foi superior à média 2018–19, correspondendo no caso da indústria transformadora ao valor mais elevado desde 2015, a par com o primeiro semestre de 2020. Estes setores encontram-se entre os mais afetados pelo aumento dos custos de energia e matérias-primas em 2022 e pela crise pandémica em 2020 (Caixa 4 ― Relatório de Estabilidade Financeira, junho 2022, Gráfico I.1.16).

  1. Rendibilidade dos capitais próprios e contributos para a variação entre 2022 e 2023

Painel A ― ROE | Em percentagem do capital próprio

Painel B ― Contributos para a variação do ROE, por setor de atividade (1)(2)| Em pontos percentuais

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: ROE — Rendibilidade dos capitais próprios. A rendibilidade dos capitais próprios é calculada como o quociente entre o resultado líquido e os capitais próprios. Os dados do painel da esquerda consideram os dados relativos a empresas privadas, excluindo o setor da agricultura, silvicultura e pescas. Neste painel, o rácio trimestral corresponde ao valor apurado para o ano acabado no trimestre. Última observação: junho 2024 (indicadores económico-financeiros trimestrais da Central de Balanços). Os dados do painel da direita consideram um universo de empresas que inclui empresas públicas e privadas (compreendendo também o setor da agricultura, silvicultura e pescas). (1) A decomposição por contributos do ROE considera o resultado líquido do período excluindo gastos de financiamento e, isoladamente, os gastos de financiamento das empresas. (2) Os dados necessários à decomposição dos contributos do ROE encontram-se disponíveis numa base anual na informação anual da central de balanços disponível no BPStat, pelo que se apresenta a evolução em 2023, ao invés do primeiro semestre de 2024.

  1. Insolvências declaradas | Em número de insolvências

Fonte: INE. | Nota: Última observação: 2.º trimestre de 2024.

Os custos de financiamento mais elevados e o menor dinamismo económico em parceiros comerciais relevantes na área do euro continuam a colocar pressão na atividade das empresas, aumentado o risco de crédito de forma heterogénea. No entanto, no cenário macroeconómico central para a economia portuguesa estima-se uma redução da proporção de empresas identificadas como estando em vulnerabilidade financeira em 2024 e 2025. A proporção de empresas em vulnerabilidade financeira, isto é, em que o EBITDA é inferior a duas vezes o montante de juros suportados, deverá reduzir-se em 2024 e 2025, para cerca de 12% e 8%, respetivamente, o que compara com 14% em 2023. Esta evolução traduz o perfil de redução esperada das taxas de juro de mercado, o que levará a uma redução do custo de financiamento das empresas, num contexto de persistência do crescimento económico. Embora esta evolução seja comum à maioria dos setores de atividade, a redução da vulnerabilidade no setor da construção e atividades imobiliárias apenas deverá materializar-se em 2025.

A taxa de investimento das empresas reduziu-se ligeiramente no ano acabado em junho de 2024 (‑0,5 pp), o que poderá ser justificado pelo nível dos custos de financiamento e pelo contexto de incerteza. Contudo, quando medida como o investimento em ativos reais face ao valor acrescentado bruto, a taxa de investimento continua a superar o valor de 2019 (+1,4 pp), por oposição ao observado na área do euro (-3,1 pp). De acordo com o Boletim Económico de outubro de 2024, o Banco de Portugal prevê em 2024 uma redução do contributo da FBCF empresarial para o PIB (-0,3 pp). No entanto, em 2025 e 2026 as previsões vão no sentido de uma recuperação do investimento, refletindo uma menor restritividade das condições de financiamento, a execução do PRR e melhores perspetivas de crescimento económico internacional.

Desenvolvimentos geopolíticos mais disruptivos e um maior abrandamento da atividade na área do euro constituem os maiores riscos para a atividade das SNF. Em particular, custos energéticos e outros custos de produção e/ou perturbações nas cadeias de abastecimento podem ter impacto significativo. De acordo com as expetativas de mercado, as taxas de juro irão descer, mas convergir para níveis superiores aos observados até 2022, condicionando a capacidade de serviço de dívida das empresas. Contudo, a atual situação financeira das empresas, em termos de solvabilidade e liquidez, será relevante para a mitigação destes riscos.

Particulares

A robustez do mercado de trabalho português continua a sustentar o crescimento do rendimento disponível das famílias. No primeiro semestre de 2024, o rendimento disponível nominal cresceu 9,6% em termos homólogos (6,3% no primeiro semestre de 2023), refletindo um contributo de 6,6 pp das remunerações do trabalho, e, em menor medida, de outros rendimentos (Gráfico I.1.17). No conjunto do ano é expectável que o rendimento disponível real cresça 6,6%, (6,5% no primeiro semestre de 2024), devido à redução da inflação, à situação favorável de emprego e salários, ao aumento de pensões e outras transferências e à redução do IRS. Em 2025 e 2026, o rendimento disponível real deverá registar uma tendência de menor crescimento (1,9% em média), tendo em conta a expectativa de moderação da massa salarial e a dissipação dos efeitos das medidas orçamentais (Boletim Económico, outubro 2024, Banco de Portugal). Segundo o Inquérito Qualitativo de Conjuntura aos Consumidores (IQCC) do INE, em junho de 2024 o indicador de confiança prosseguiu a evolução crescente que tem demonstrado nos últimos meses, atingindo o valor mais alto desde fevereiro de 2022.

  1. Variação do rendimento disponível nominal dos particulares e contributos | Em percentagem e pontos percentuais

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (a) Líquidas de transferências em espécie.

Depois de um forte aumento observado durante a pandemia (12,0% em 2020), a taxa de poupança dos particulares diminuiu em 2022 para valores próximos do período anterior à pandemia, mas recuperou em 2023 (Quadro I.1.3). No primeiro semestre de 2024 a taxa de poupança dos particulares ascendeu a 9,7%, projetando-se que atinja 11,5% no final do ano. A poupança foi maioritariamente alocada em numerário e depósitos e em investimentos em ativos reais (6,3% e 5,2% do rendimento disponível, respetivamente). Ao longo do primeiro semestre de 2024, registou-se um ligeiro desinvestimento em certificados de aforro, de 0,8% do rendimento disponível, e uma estabilização das aplicações em regimes de seguros, pensões e garantias.

  1. Taxa de poupança, origem e aplicação de fundos dos particulares | Em percentagem do rendimento disponível

 

2020

2021

2022

2023

24 S1

Taxa de poupança

12,0

10,9

7,3

8,0

9,7

Ativos

14,4

14,2

10,8

7,2

12,9

Investimentos em ativos reais (a)

5,4

5,8

5,9

5,4

5,2

Saldo das transferências de capital

-0,4

-0,4

-0,4

-0,4

-0,4

Aquisições líquidas de ativos financeiros

9,3

8,8

5,3

2,1

8,1

d.q. Numerário e depósitos em bancos residentes

8,3

6,9

5,7

-1,2

6,3

d.q. Certificados de aforro/tesouro

0,5

0,3

2,7

5,7

-0,8

d.q. Ações e outras participações

0,1

4,1

-2,9

1,3

2,5

d.q. Regimes de seguros, pensões e garantias

-1,4

-0,5

-0,6

-2,2

0,0

d.q. Outros

1,8

-2,1

0,4

-1,4

0,1

Passivos

2,3

3,3

3,4

-0,8

3,1

Dívida financeira (b)

1,5

3,3

2,8

0,1

2,1

Outros passivos financeiros (c)

0,7

-0,1

0,7

-0,9

1,1

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: Valores consolidados em termos nominais. A última coluna corresponde ao valor do semestre. (a) Corresponde à soma de formação bruta de capital fixo, variação de existências, aquisições líquidas de cessões de objetos de valor e aquisições líquidas de cessões de ativos não financeiros não produzidos; (b) Corresponde à soma de empréstimos e títulos de dívida; (c) Os outros passivos financeiros incluem os passivos associados a todos os instrumentos financeiros, definidos em sede de contas nacionais financeiras, com exceção de empréstimos e títulos de dívida (dívida financeira). Inclui também a discrepância estatística entre os saldos da capacidade/necessidade de financiamento apurada no âmbito da conta de capital e da conta financeira.

O rácio de endividamento dos particulares manteve a tendência de redução observada na última década e meia. Em junho de 2024, o endividamento dos particulares representava 82,3% do rendimento disponível (83,2% em base não consolidada), com uma redução de 2,6 pp face ao final de 2023, sendo este valor abaixo dos 87,0% da média da área do euro (Gráfico I.1.18), o que sucede desde 2019. O valor atual está próximo do observado em 2001. A evolução recente reflete o aumento significativo do rendimento disponível num contexto de crescimento moderado do crédito concedido a particulares (Secção 2.2).

Em Portugal, o peso do crédito à habitação no rendimento disponível das famílias também se encontra abaixo da média da área do euro. No final do segundo trimestre de 2024, o crédito à habitação representou 53,8% do rendimento disponível das famílias em Portugal, menos 2,7 pp do que no final de 2023. A média da área do euro, de 56,8%, igualmente diminuiu 2,9 pp face a dezembro de 2023 (Gráfico I.1.19).

  1. Rácio de endividamento dos particulares | Em percentagem do rendimento disponível

  1. Rácio entre o stock de crédito à habitação e o rendimento disponível | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e Eurostat (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Valores não consolidados da dívida total. Para o rendimento disponível, são considerados valores não ajustados do saldo das transferências sociais em espécie. A área cinza corresponde ao intervalo entre o terceiro e o primeiro quartil da distribuição para um conjunto de países da área do euro (Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos e Portugal).

Os empréstimos à habitação representavam, em junho de 2024, 77,3% dos empréstimos bancários a particulares. O crédito ao consumo correspondia a 16,6%, o crédito para outros fins a 4,8% e os empréstimos a empresários em nome individual a 1,3%.

Depois do aumento significativo nos últimos três anos, a taxa de juro média do stock de empréstimos à habitação diminuiu em 2024. Esta taxa de juro atingiu os 4,6% no segundo trimestre de 2024, 0,1 pp abaixo do registado no final de 2023 (Gráfico I.1.20). Esta evolução deve-se à redução generalizada das taxas Euribor, uma vez que a maior parte do stock de empréstimos à habitação (cerca de 70%) corresponde a contratos com taxa variável (Secção 2.2). Na área do euro a proporção de contratos a taxa variável é de 15%, pelo que a taxa de juro média do stock de empréstimos à habitação manteve a trajetória ascendente no segundo trimestre de 2024, com uma subida de 0,1 pp, para 2,5%.

  1. Evolução da taxa de juro média do stock de empréstimos | Em percentagem

Painel A ― Habitação

Painel B ― Consumo e outros fins

Fonte: BCE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A área cinza corresponde ao intervalo entre o percentil 10 e 90 da distribuição para um conjunto de países da área do euro (Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos e Portugal). Última observação: junho de 2024.

A redução das taxas de juro de curto prazo e da taxa de inflação, em conjugação com a robustez do mercado de trabalho, contribuem para a contenção do incumprimento das famílias. As expectativas de mercado são de continuação da redução gradual das taxas Euribor até ao final de 2025 com um ligeiro aumento ao longo de 2026 e 2027 (Gráfico I.1.1, Secção 1.2). A redução das taxas Euribor até ao final de 2025 para valores próximos de 2% nos diferentes prazos deverá continuar a refletir-se numa redução das prestações nos contratos de crédito à habitação indexados à Euribor a todos os prazos e, conjugada com o esperado aumento do rendimento, numa melhoria na capacidade de serviço de dívida das famílias. Com algum desfasamento, esta trajetória de redução beneficiará também os devedores com empréstimos a taxa mista (novos, transferidos ou renegociados) dado que a fixação da taxa de juro ocorreu por períodos relativamente curtos, tipicamente até 2 anos (Secção 2.2).

A redução dos encargos com o serviço da dívida dos empréstimos à habitação contribuiu para a descida de 2,2 pp do rácio médio entre a prestação e o rendimento médio (LSTI, Loan service-to-income), entre dezembro de 2023 e junho de 2024, para 23,7%. Tendo por base o stock de empréstimos à habitação em junho de 2024, considerou-se a evolução esperada para as taxas Euribor até dezembro de 2025 para quantificar o impacto no serviço da dívida desses empréstimos. Para cada contrato, o rendimento foi projetado para 2024 e 2025 com base na taxa de crescimento da remuneração média por trabalhador (Boletim Económico de outubro de 2024). Refletindo a expetativa de evolução favorável do rendimento e a descida das taxas Euribor, estima-se que a percentagem de contratos com LSTI igual ou inferior a 30% aumente dos 74,2% em junho de 2024 para 77,3% em dezembro de 2024 (85% em dezembro de 2025), e que a proporção do stock com LSTI superior a 50% diminua dos 5,5% em junho de 2024 para 5% em dezembro de 2024 (3,3% em dezembro de 2025). No caso dos empréstimos no 1.º quintil de rendimento, esta última percentagem é estimada em 37,4% em dezembro de 2024 (27,8% em dezembro de 2025). Os empréstimos neste quintil representavam, contudo, apenas 7% do stock de empréstimos à habitação em junho de 2024 (Quadro I.1.4).

  1. Stock de empréstimos à habitação por classe de LSTI e quintil de rendimento | Em percentagem

 
 

Classe de LSTI

 Montante médio

Memo items:

 
 

>0%

≤20%

>20%

≤30%

>30%

≤40%

>40%

≤50%

>50%

Dívida

Contratado

Peso no stock

N.º de Contratos

 

 

 

 

Quintil 1

jun. 23

5,9

14,8

22,5

19,4

37,4

46 068

69 434

6,7

82 753

 

dez. 23

4,5

11,7

20,7

20,3

42,9

44 991

69 348

7,2

111 694

 

jun. 24

5,8

14,7

23,1

19,3

37,1

44 663

69 568

6,9

112 791

 

dez. 24

6,4

16,4

22,7

17,1

37,4

46 433

 

 
 
 

dez. 25

10,1

23,6

23,7

14,8

27,8

44 651

 

 

 

 

Quintil 2

jun. 23

14,5

29,4

26,1

15,3

14,7

56 771

77 986

14,0

141 746

 

dez. 23

11,2

26,1

26,6

17,7

18,4

56 393

78 428

14,2

174 635

 

jun. 24

14,8

30,2

27,5

14,9

12,7

55 778

77 563

13,6

176 514

 

dez. 24

18,1

33,3

26,5

12,5

9,6

54 999

 

 
 
 

dez. 25

28,3

38,1

21,2

7,1

5,2

53 209

 

 

 

 

Quintil 3

jun. 23

30,3

35,1

21,4

8,2

4,9

64 338

87 260

18,4

163 502

 

dez. 23

24,6

33,3

24,5

11,0

6,7

64 886

87 983

18,4

196 777

 

jun. 24

29,8

36,2

22,6

7,4

3,9

65 052

87 333

18,3

204 712

 

dez. 24

35,0

37,2

19,4

5,5

2,9

64 189

 

 
 
 

dez. 25

48,9

35,4

11,7

2,6

1,4

62 201

 

 

 

 

Quintil 4

jun. 23

48,7

32,4

13,2

3,7

1,9

72 690

96 174

20,3

160 207

 

dez. 23

40,0

34,5

17,2

5,6

2,8

74 726

98 473

20,4

189 599

 

jun. 24

45,6

35,6

14,0

3,3

1,5

75 755

98 588

20,9

200 655

 

dez. 24

51,4

33,7

11,3

2,5

1,1

74 793

 

 
 
 

dez. 25

66,2

26,3

5,8

1,1

0,6

72 574

 

 

 

 

Quintil 5

jun. 23

78,3

15,8

4,4

1,0

0,5

94 515

124 320

40,6

246 356

 

dez. 23

71,3

19,5

6,7

1,7

0,8

98 471

128 911

39,8

280 242

 

jun. 24

74,9

18,3

5,3

1,0

0,5

99 940

129 766

40,3

292 578

 

dez. 24

78,1

16,5

4,2

0,8

0,4

98 609

 

 
 
 

dez. 25

85,6

11,7

2,1

0,4

0,2

95 568

 

 
 
 

Total

jun. 23

49,7

24,6

13,6

6,1

6,0

72 125

97 037

100,0

794 564

 

dez. 23

43,0

25,4

16,0

7,8

7,8

72 832

98 171

100,0

952 947

 

jun. 24

47,6

26,6

14,5

5,8

5,5

73 579

98 419

100,0

987 250

 

dez. 24

51,2

26,1

12,8

4,8

5,0

72 773

 

 
 
 

dez. 25

61,5

23,5

8,8

2,9

3,3

70 487

 

 

 

 

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: O LSTI corresponde ao rácio entre a prestação do empréstimo à habitação e o rendimento médio mensal dos mutuários (rendimento anual dividido por 12 meses). Exclui contratos associados a exceções ao limite do rácio DSTI previstas na Recomendação macroprudencial. A informação de rendimento tem como fontes a Instrução 33/2018 e a Central de Responsabilidades de Crédito. Apenas considera 77% do stock de empréstimos à habitação. A evolução dos rendimentos individuais ao longo do ciclo de vida dos mutuários não foi tida em conta. Rendimento atualizado entre a última data de atualização e o que se espera que vigore até 2025 para cada contrato, com base na taxa de crescimento da remuneração média por trabalhador (das previsões macroeconómicas subjacentes ao Boletim Económico de outubro de 2024).

Mercado imobiliário residencial e comercial

O crédito doméstico a particulares garantido por imóveis representava 24,6% do ativo do setor bancário português em junho de 2024, enquanto o stock de empréstimos à construção se situava em 8,7% do total de empréstimos bancários a SNF (em contraste com 23% em 2009). O peso destas rubricas justifica um acompanhamento cuidado da evolução do mercado imobiliário e dos riscos e vulnerabilidades a que pode expor o sistema financeiro.
Mercado imobiliário residencial

Com a recuperação das transações em 2024, os preços da habitação continuaram a aumentar. Os preços da habitação subiram 7,4% no primeiro semestre, em termos homólogos, depois de um aumento de 8,2% em 2023 (Gráfico I.1.21). O número de transações de habitação aumentou 3%, em termos homólogos, após a queda de 19% em 2023. As transações de habitações existentes representaram 80% do total.

Na área do euro, o mercado imobiliário residencial apresenta sinais de recuperação, os preços cresceram 0,5% no primeiro semestre de 2024, após uma contração de 1,1% em 2023 (Gráfico I.1.22). Alguns países que registaram quedas de preços em 2023 apresentaram, no primeiro semestre, reduções menos acentuadas (Alemanha, França ou Áustria) ou aumento (Países Baixos e Eslováquia) dos preços. A evolução do número de transações foi também no sentido de menor queda ou recuperação.

  1. Índice de Preços e número de transações de habitação | Em percentagem

  1. Índice de Preços e número de transações de habitação na área do euro | Em percentagem

Fonte: INE.

Fonte: Eurostat. | Notas: O gráfico inclui apenas os países da área do euro para os quais existe informação comparável de preços e transações de habitação (Bélgica, Irlanda, Espanha, França, Países Baixos, Áustria, Eslovénia e Finlândia). Cada ponto no gráfico corresponde a um país.

Em Portugal, apesar de alguma heterogeneidade, o aumento dos preços e das rendas foi transversal às principais regiões. No segundo trimestre de 2024, o valor mediano da habitação alcançou os 1736 euros por metro quadrado, correspondendo a um crescimento homólogo de 6,6% (Quadro I.1.5). As regiões onde o valor mediano é o mais elevado (Lisboa, Porto e Algarve) apresentaram crescimentos homólogos inferiores à média nacional. O mercado de arrendamento revelou-se também dinâmico, com o crescimento das rendas superior ao crescimento dos preços de venda.

  1. Preço e renda medianos por metro quadrado, por região | Em euros e em percentagem

 

Preço venda €/m2

Taxa de variação homóloga do preço mediano/m2

Tvh do número de transações

Renda €/m2

Taxa de variação homóloga da renda mediana/m2

Tvh do nº. de contratos de arrendamento

2024 T2

2021

2022

2023

2024 T1

2024 T2

2024 T1

2024 T2

2024 T2

2022

2023

2024 T1

2024 T2

2024 T1

2024 T2

Portugal

1736

8,9

14,8

8,6

5,0

6,6

-4,1

10,4

8,1

8,3

10,6

10,7

11,1

3,5

6,9

Norte

1512

8,2

13,4

8,8

6,8

8,8

0,1

14,2

7,0

7,7

11,7

11,1

12,5

4,4

8,8

AM Porto

1957

10,5

17,7

11,6

6,9

8,6

-0,4

17,7

8,9

9,8

12,1

11,2

13,0

4,2

9,2

Porto

3031

7,6

13,2

11,6

10,9

6,1

 

 

12,9

13,2

18,0

5,4

7,5

3,0

6,0

Centro

1027

3,4

9,7

4,1

-0,2

7,9

2,1

13,9

5,6

7,4

13,9

8,7

9,8

4,4

11,0

Grande Lisboa

2801

8,1

14,2

11,6

4,3

1,4

-5,1

10,7

13,0

11,6

12,7

9,6

9,7

2,5

5,7

Lisboa

4367

3,8

9,4

7,8

2,1

2,2

 

 

16,0

15,5

18,0

4,7

5,1

1,9

9,6

Alentejo

841

3,0

7,5

1,6

3,1

3,2

-7,2

14,5

5,4

9,9

10,9

11,2

16,1

2,7

-6,0

Algarve

2735

9,1

18,7

11,4

2,2

5,9

-25,2

-3,7

9,5

9,3

10,8

12,6

14,0

11,0

4,4

RAA

1209

2,5

16,5

6,5

0,7

11,4

-1,3

12,4

4,8

9,0

9,1

9,5

-2,8

7,6

-13,9

RAM

2080

10,1

11,2

19,8

20,6

8,6

-22,5

5,2

8,3

16,7

14,7

8,9

27,6

-2,8

23,5

Por memória: Taxa de variação homóloga do índice de preços

9,4

12,6

8,2

7

7,8

 

 

       

Fonte: INE. | Notas: Preço mediano — valor mediano por m2 das vendas de alojamentos familiares. Renda mediana — valor mediano por m2 dos novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares. A evolução do preço mediano por metro quadrado pode diferir da evolução captada pelo índice de preços da habitação, que entre outras diferenças metodológicas, controla por alterações nas caraterísticas/qualidade dos imóveis transacionados. AM Porto: Área Metropolitana do Porto; RAA: Região Autónoma dos Açores; RAM: Região Autónoma da Madeira.

De acordo com o inquérito aos promotores e mediadores que operam no mercado imobiliário residencial2, a atividade na primeira metade de 2024 foi moderada, sendo que as expetativas relativamente às vendas e procura de habitação são mais favoráveis para a segunda metade de 2024. A expetativa de retoma das vendas é acompanhada de uma expetativa de continuação do aumento dos preços dos imóveis residenciais. As respostas ao inquérito poderão estar a refletir a evolução recente das taxas de juro e as recentes medidas governamentais, que deverão traduzir-se num aumento da procura por habitação, com possível impacto nos preços.

A escassez de oferta de habitação, contribui para o aumento dos preços no mercado imobiliário residencial. A escassez atual da oferta de habitação em Portugal deve-se à reduzida atividade de construção e conclusão de novas habitações nos anos subsequentes à grande crise financeira, que restringiu o crescimento do parque habitacional. Nos últimos oito anos (entre 2015 e 2023) construíram-se menos de metade do número de novas habitações construídas nos oito anos anteriores (entre 2007 e 2014). Num estudo recente Lourenço et al. (2024)3 concluem que, nos últimos anos, a oferta de habitação em Portugal foi incapaz de contrabalançar a pressão ascendente sobre os preços associada aos fatores do lado da procura. Portugal está entre os países da Europa com menos licenciamentos de novos fogos para habitação (Gráfico I.1.23). Entre 2013 e 2022, licenciaram-se, em Portugal, 17 fogos por cada mil habitantes, o que compara com 60 em França e 34 na Alemanha. Países com maior intensidade de licenciamento de novos fogos para habitação, como sejam a Finlândia, Chipre, França e Suécia, apresentam um crescimento mais moderado dos preços da habitação.

  1. Preços da habitação e novos fogos para habitação

Fonte: Confidencial Imobiliário.

Depois da forte queda observada entre 2007 e 2014, o número de fogos para habitação familiar construídos por ano tem vindo a aumentar lentamente. No primeiro semestre de 2024, os novos fogos concluídos aumentaram 3% enquanto os licenciamentos caíram 8%, contrariando a trajetória de crescimento que se verificava desde 2016 (Gráfico I.1.24). O inquérito aos obstáculos à atividade de construção identifica a falta de mão-de-obra e de materiais e a dificuldade na obtenção de licenças de construção como os principais condicionantes da atividade. A percentagem de empresas que apontam ter dificuldade em obter crédito e em lidar com o nível das taxas de juro permanece contida. A falta de mão-de-obra e de materiais reflete-se em custos de construção elevados, que se transferem para o preço das novas habitações. Entre dezembro 2019 e dezembro 2023, os custos da construção subiram 25% (a inflação acumulada neste período foi de 15%), sendo que, ao longo de 2024, o custo dos materiais estabilizou e o custo da mão-de-obra continuou a aumentar (tvh de 8,5% em setembro ― Gráfico I.1.25).

  1. Fogos licenciados e construídos | Em milhares

  1. Variação homóloga dos custos de construção | Em percentagem

Fonte INE. | Nota: Fogos para habitação familiar em construções novas.

Fonte INE.

A escassez de oferta coexiste com a pequena dimensão do mercado de arrendamento e com um número elevado de habitações secundárias e desocupadas. Em 2021, 922 mil alojamentos familiares estavam arrendados, correspondendo a 15% do parque habitacional. Um número significativo de países tem um peso do mercado de arrendamento superior a 30%. Adicionalmente, 31% do parque habitacional português não tem ocupação permanente, sendo que 19% são habitações secundárias e 12% são habitações desocupadas. A percentagem de habitações desocupadas figura entre as mais elevadas da área do euro, comparando com 14% em Espanha, 8% em França, 7% na Irlanda e 3% nos Países Baixos (Observatório Europeu da Habitação).

Em 2022, o parque habitacional contava com 6 milhões de alojamentos familiares, mas uma parte poderá não corresponder às atuais caraterísticas da procura. A menor dinâmica de construção na última década refletiu-se no envelhecimento dos alojamentos familiares. Entre 2011 e 2021 aumentou o número de alojamentos familiares com necessidade de reparações, sendo que em 2021 um terço dos alojamentos familiares estavam localizados em edifícios com necessidade de reparações. A reabilitação do parque habitacional, apesar de se ter intensificado nos últimos anos, é reduzida (O Parque Habitacional: Análise e Evolução ― 2011–2021, INE). Por sua vez, o aumento do número de agregados familiares nos últimos anos (9% entre 2011 e 2023) foi superior ao crescimento da população (0,8%), colocando uma pressão adicional na procura. Os agregados familiares têm atualmente uma menor dimensão em termos médios e, por isso, diferentes necessidades no que se refere às caraterísticas da habitação.

Aumentou a participação de compradores não residentes no mercado imobiliário residencial nos últimos anos. No primeiro semestre de 2024, os compradores de imobiliário residencial não residentes representaram 6% do número de transações e 10% do montante, um pouco abaixo do observado nos últimos anos. O valor médio de aquisição de uma habitação de um comprador não residente (345 mil euros) manteve-se superior ao valor médio dos residentes (198 mil euros). Entre os não residentes, também se observa uma diferenciação no valor médio das aquisições entre compradores com residência fiscal na União Europeia, 280 mil euros, e nos restantes países, 408 mil euros. Por sua vez, a população estrangeira residente em Portugal tem crescido significativamente, compensando os saldos naturais negativos e contribuindo para o crescimento da população total, com impacto nos preços da habitação (Caixa 2). A procura por parte de estrangeiros com maior poder de compra e, assim, em segmentos mais elevados, com possíveis efeitos de contágio sobre outros segmentos, foi potenciada por algumas medidas. Numa primeira fase, destacou-se o regime de vistos-gold (Pereira dos Santos e Strohmaier, 2024), que atribuiu o direito à residência a um comprador de habitação estrangeiro, perante a aquisição de uma habitação de valor igual ou superior a 500 mil euros. Por sua vez, nos últimos anos, os benefícios fiscais incluídos no regime de residentes não habituais (em vigor desde 2009), tem-se destacado como fator de atratividade. De acordo com o “Parecer sobre A Conta Geral do Estado de 2023” do Tribunal de Contas, o número de residentes não habituais alcançou 115 mil inscritos, em 2023.

O crédito a cidadãos estrangeiros (residentes e não residentes) aumentou no período recente. Entre dezembro de 2022 e junho de 2024, o peso dos cidadãos estrangeiros no stock de crédito à habitação aumentou de 6,9% para 8,2%. O aumento da população estrangeira residente e a procura de habitação por não residentes contribuem para este crescimento. Em termos agregados, este efeito estará também a ser potenciado por uma alteração no perfil de procura, em particular por uma maior procura de habitação própria e permanente por estrangeiros em idade ativa e de escalões etários mais baixos. Em 2023 e no primeiro semestre de 2024, 18% dos novos empréstimos à habitação (excluindo renegociações e transferências de crédito) foram concedidos a cidadãos estrangeiros.

Os indícios de sobrevalorização no mercado residencial português persistem. No primeiro semestre de 2024, os indicadores estatísticos continuaram acima dos valores de referência para sinalizar potenciais situações de sobrevalorização. O rácio entre o índice de preços da habitação e o rendimento das famílias estava 24% acima da média de longo prazo e o rácio entre os preços e as rendas 28% acima (Gráfico I.1.26). Também o índice de preços da habitação em termos reais se encontra acima da sua tendência de longo prazo, em 15% (Gráfico I.1.27).

  1. Rácios normalizados de preços da habitação face ao rendimento e às rendas

  1. Desvio face à tendência de longo prazo dos preços da habitação em termos reais

Fonte: OCDE. | Notas: (a) A evolução das rendas reflete o índice de rendas efetivas pagas por inquilinos de residências principais (COICOP 04.1), incluído no cálculo do Índice de preços do consumidor. Consideram-se períodos de sobrevalorização aqueles em que os rácios normalizados se encontram acima do limiar de 100. Última observação: 2024 T2.

Fonte: OCDE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Tendência de longo prazo obtida utilizando o filtro HP. Consideram-se períodos de sobrevalorização aqueles em que o índice se encontra 10% acima da sua tendência de longo prazo. Última observação: 2024 T2.

De igual forma, dois modelos baseados em determinantes macroeconómicos continuam a apontar para uma sobrevalorização do mercado (Gráfico I.1.28). Contudo, as estimativas produzidas pelos modelos devem ser interpretadas com especial cuidado, devido às limitações metodológicas e consequente incerteza associada aos resultados. Adicionalmente, as estimativas poderão não estar a captar adequadamente a participação de não residentes no mercado e os efeitos do turismo na determinação da oferta e da procura no mercado de habitação, fatores determinantes para a evolução dos preços durante os últimos anos. A oferta limitada de habitação nova e o stock de casas disponíveis no mercado igualmente limitado mitigam o impacto sobre os preços em caso de redução da procura.

As taxas de juro mais elevadas, no seguimento de um período mais restritivo de política monetária iniciado em meados de 2022, contribuíram para uma redução da importância relativa do crédito no total das transações de habitação, atingindo-se valores próximos aos observados durante a crise da dívida soberana. No primeiro semestre de 2024, os novos empréstimos à habitação (excluindo transferências) representaram 35% do montante de transações de habitação, sendo que esta percentagem é inferior à média no período compreendido entre 2018 e 2023 (Gráfico I.1.29). Desde 2016, os preços da habitação quase duplicaram, enquanto o stock de crédito à habitação teve um crescimento moderado de 5%.

  1. Preços da habitação e medidas de valorização em termos reais | Índice 2015=100

Fontes: BCE e OCDE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Os períodos de sobrevalorização e de subvalorização correspondem a situações em que pelo menos dois modelos de um total de três, identificam um desequilíbrio nos preços da habitação. Para mais detalhe metodológico ver Tema em destaque “Metodologias de avaliação dos preços da habitação: uma aplicação a Portugal”, Banco de Portugal, Relatório de Estabilidade Financeira, dezembro de 2019. Última observação: 2024 T2.

  1. Transações de habitação financiadas com recurso a crédito | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: A informação disponível até dezembro de 2014 não permite isolar os novos empréstimos associados a renegociações. Contudo, estima-se que estes empréstimos representassem uma percentagem residual do volume total de novas operações e, por conseguinte, sem impacto na comparação em termos históricos apresentada. Por sua vez, também não é possível isolar o impacto das transferências de crédito entre bancos até 2019. Última observação: 2024 T2.

Mercado imobiliário comercial

Na primeira metade de 2024, o mercado imobiliário comercial manteve-se resiliente, em linha com o sucedido em 2023. A escassez de oferta de qualidade tem sido identificada pelos operadores de mercado como o principal fator a sustentar a valorização do imobiliário comercial. De acordo com a JLL e a Cushman & Wakefield, o segmento de retalho manteve-se atrativo, continuando a representar uma parte significativa do investimento em imobiliário comercial. Em contraste com a área do euro, o segmento de escritórios em Portugal foi particularmente resiliente. A dimensão do segmento industrial e de logística em Portugal é significativamente inferior por comparação com as maiores economias da área do euro mas foi o que mais cresceu nos últimos anos, registando uma sucessiva valorização dos ativos imobiliários. Por fim, o segmento de hotelaria apresenta um crescimento sustentado e resiliência de preços, associado ao dinamismo e às expetativas favoráveis para o setor do turismo.

No primeiro semestre de 2024, a percentagem de investidores que avaliam os imóveis comerciais como caros ou muito caros reduziu-se ligeiramente face a 20234. Menos de um terço dos investidores consideram que o mercado de imobiliário comercial se encontra numa fase contracionista. Em alguns países da área do euro, após a correção dos preços observada em 2023, a percentagem de investidores que avaliam os imóveis comerciais como caros ou muito caros, ou que consideram que o mercado está em contração, também se reduziu.

O investimento no mercado de imobiliário comercial totalizou 675 milhões de euros no primeiro semestre de 2024, representando uma redução de 18% face ao semestre homólogo. O investimento no mercado imobiliário comercial português continuou a ser dominado por investidores não residentes, na sua maioria institucionais, representando 70% do montante total investido na primeira metade do ano (mais de 80% entre 2014 e 2023). Esta caraterística torna o mercado mais sensível aos desenvolvimentos internacionais. O mercado é também caraterizado por uma concentração dos montantes investidos num número relativamente contido de ativos imobiliários de valor muito elevado.

A evidência apresentada não indica um aumento dos riscos e vulnerabilidades no mercado imobiliário comercial em Portugal, que permanecem reduzidos. A exposição do setor bancário ao imobiliário comercial é contida e diversificada (Secção 2.4 Concentração) e os requisitos de capital para este tipo de crédito são superiores ao crédito garantido por imobiliário residencial. Adicionalmente, os riscos relacionados com a atividade dos Fundos de Investimento Imobiliário são baixos (Secção 1.3.5 Setor financeiro não bancário). Estes fatores contribuem para que desenvolvimentos adversos neste mercado tenham um impacto reduzido na estabilidade do sistema financeiro.

Setor financeiro não bancário

Em junho de 2024, o ativo financeiro do setor financeiro não bancário (SFNB) português representava 87% do PIB, mantendo-se estável face a 2023, o que compara com 370% na área do euro. Estes intermediários compreendem fundos de investimento (11%), sociedades de seguros e fundos de pensões (26%) e outros intermediários e auxiliares financeiros (50%) (Gráfico I.1.30). A diversidade de atividades desempenhadas, as diferenças na arquitetura financeira de cada país e especificidades de contexto, entre outros fatores, traduzem-se numa dimensão e composição do SFNB bastante heterogéneas entre os países da área do euro. Em Portugal, as interligações que este setor estabelece com os vários setores institucionais, financeiros e não financeiros, são limitadas, tendo-se reduzido na última década (Caixa 3).

  1. Dimensão relativa dos subsetores financeiros (em Portugal e na área do Euro) e respetivas interligações (em Portugal)

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: Valores não consolidados. Para o cálculo do ativo financeiro foram considerados depósitos, títulos de dívida, empréstimos, ações e outras participações de fundos de investimento e ações cotadas.

A dispersão de ativos e passivos por contrapartes não residentes limita os efeitos de contágio, caso se materializem riscos no SFNB. Em Portugal, uma grande parte dos ativos financeiros do SFNB são responsabilidades de contrapartes não residentes (40%), principalmente no que toca a organismos de investimento coletivo (fundos de investimento, sociedades de seguros e fundos de pensões). Na ótica da obtenção de fundos, o principal setor de contrapartida são também entidades não residentes (35%).

Não obstante, permanecem interligações fortes entre alguns setores residentes. Em particular, salienta-se o papel do SFNB no financiamento das sociedades não financeiras, sobretudo pelas instituições financeiras cativas e prestamistas (IFCP), refletindo as relações entre os grupos económicos. De igual forma, observa-se a detenção por particulares de unidades de participação de fundos de investimento e de direitos sobre os fundos de pensões.

Fundos de investimento

No primeiro semestre de 2024, as subscrições líquidas de amortizações de unidades de participação de fundos de investimento foram negativas (-64,3 milhões de euros). As subscrições líquidas positivas nos fundos de investimento mobiliário (FIM) não compensaram o fluxo negativo que se verificou nos fundos de investimento imobiliário (FII). No entanto, decorrendo de variações de valor e volume positivas nos ativos sob gestão, o stock de unidades de participação aumentou 985,8 milhões de euros.

Em particular, os ativos não financeiros (imóveis) sob gestão valorizaram-se 2,3%. Estes ativos concentram-se exclusivamente nos fundos cuja estratégia de investimento predominante é o imobiliário (FII), representando 86% das suas carteiras em junho de 2024. No primeiro semestre do ano, observou-se ainda a entrada em atividade de novos FII. Os fundos de investimento mobiliário (FIM), que detêm 58% do total de ativos dos fundos de investimento, podendo ser de ações, obrigações ou mistos, apresentam uma estrutura de ativos mais diversificada, destacando-se neste período a valorização das ações e outras participações (Gráficos I.1.31 e I.1.32).

  1. Ativos dos fundos de investimento, por estratégia de investimento e instrumento (junho 2024)

Painel A ― Fundos de investimento

Painel B ― Fundos de investimento imobiliário (FII)

Painel C ― Fundos de investimento mobiliário (FIM)

Fonte: Banco de Portugal.

  1. Ativos dos fundos de investimento ― variação de posição, transações e outras variações de valor e de preço no primeiro semestre de 2024

Fonte: Banco de Portugal. OVVP refere-se a Outras variações de volume e de preço, incluem-se valorizações/desvalorizações, reclassificações e outras variações de volume não explicadas por transações.

Em Portugal, em junho de 2024, os FII fechados representavam 69% das unidades de participação emitidas por FII, mitigando assim o risco de liquidez. A probabilidade de materialização deste risco aumenta quando a frequência de resgate das unidades de participação permitida pela política de gestão do fundo é superior ao período necessário para que a venda dos ativos em carteira possa ser efetuada sem perdas de valor significativas. A iliquidez dos ativos imobiliários leva a que este risco seja superior nos FII, em particular nos fundos abertos que tipicamente oferecem liquidez diária aos investidores, ao valor de mercado. Por sua vez, os FII fechados, ao emitirem um número fixo de unidades de participação, não transacionáveis em contínuo, são menos suscetíveis a alterações nas condições de mercado. Observe-se ainda que os gestores de FII estabeleceram comissões de resgate relativamente desincentivadoras de uma desmobilização relevante de capital.

A manutenção de uma carteira de ativos líquidos contribui para mitigar o risco de liquidez. No que toca a Portugal, em junho de 2024, o numerário e depósitos na carteira de ativos dos fundos de investimento representavam 9,2% do total, o que compara com 5,9% a nível da área do euro. Ainda neste âmbito, no mesmo período, os ativos sob a forma de numerário e depósitos correspondiam a 11,0% do total de ativos dos FII abertos, acima da média observada no conjunto dos fundos de investimento (9,2%).

Níveis elevados de alavancagem potenciam a materialização de perdas decorrentes, inter alia, de vendas de ativos efetuadas em condições desfavoráveis, para fazer face a resgates de unidades de participação. A alavancagem pode decorrer de financiamento da atividade dos fundos através de dívida ou, sinteticamente, através da adoção de posições negativas/passivas no mercado de derivados. Em junho de 2024, os empréstimos e títulos emitidos correspondiam a 4,5% do total de ativos dos fundos de investimento, enquanto os derivados financeiros apresentavam um montante negligenciável. Na área do euro o rácio equivalente, incluindo derivados e outros passivos, é 8%.

Metade das unidades de participação de fundos de investimento emitidas em Portugal são detidas pelas famílias, correspondendo a 3,8% do total dos seus ativos financeiros (Gráfico I.1.33). A materialização de perdas neste setor iria assim penalizar os investimentos dos particulares. O investimento em unidades de participação pelos particulares concentra-se nos FIM, dos quais detêm 62% das unidades de participação emitidas. A estratégia de investimento diversificada, incluindo unidades de participação em fundos de investimento não residentes, deste tipo de fundos funciona como um mitigante para a materialização de perdas. Adicionalmente, a duração da dívida detida por FIM permaneceu em valores historicamente baixos durante o primeiro semestre de 2024, reduzindo assim a reatividade do valor destas carteiras a variações das taxas de juro de mercado. Por seu turno, as unidades de participação emitidas por FII são detidas maioritariamente por não residentes (37%) e entidades do setor financeiro (21%).

  1. Detentores das unidades de participação dos fundos de investimento, por estratégia de investimento (junho 2024) | Em mil milhões de euros

Painel A ― Fundos de investimento

Painel B ― FII

Painel C ― FIM

Fonte: Banco de Portugal. Legenda: SNF: AP: Administrações Públicas; Part: Particulares, RM: Resto do mundo; Sociedades não financeiras; SF: Setor financeiro

Sociedades de seguros e fundos de pensões

No primeiro semestre de 2024 interrompeu-se a tendência de queda da produção do ramo Vida, que aumentou 19,5% face ao primeiro semestre de 2023. Face à normalização do regime de taxas de juro, tem-se vindo a observar o realinhamento do modelo de negócio Vida para moldes mais tradicionais, o que se traduz num aumento significativo na produção de produtos de retorno garantido (31,9% face ao primeiro semestre de 2023), em detrimento dos seguros ligados, onde o risco é do tomador do seguro (-1,5% tvh). No que toca aos montantes pagos, que incluem os resgates, observou-se uma redução de 3,3% (tvh).

No negócio não Vida, verificou-se um aumento global de produção de 11,1%, em termos homólogos, de forma transversal a todas as principais linhas de negócio, nomeadamente Doença (18,5%), Automóvel (11,4%), Acidentes de Trabalho (9,8%), e Incêndios e Outros Danos (6,1%). A taxa de sinistralidade apresentou um aumento de 1,2 pp face ao primeiro semestre de 2023, com evoluções heterógenas entre as principais linhas de negócio.

O valor das contribuições pagas a fundos de pensões apresentou um crescimento de 48,6% (tvh), impulsionado por contribuições extraordinárias realizadas em alguns fundos e pelo aumento de subscrições dirigidas a fundos PPR. Também os benefícios pagos aumentaram face ao período homólogo (5,4%).

O total de ativos financeiros do setor segurador e fundos de pensões aumentou 1,1% no primeiro semestre de 2024. Os ativos financeiros do setor segurador aumentaram 1,5%, enquanto no caso dos Fundos de Pensões o aumento foi de 0,1%. Em termos de transações, observou-se uma redução de depósitos e um aumento de títulos de dívida de longo prazo e unidades de participação em fundos de investimento emitidos por não residentes. No que toca às variações de volume e de preço, destaca-se a valorização das ações e outras participações.

As obrigações de dívida pública reduziram a sua proporção nas carteiras de investimento das sociedades de seguros e dos fundos de pensões. Embora continuem a representar a maior fatia dos ativos de sociedades de seguros (34,4%), no caso dos fundos de pensões as unidades de participação em fundos de investimento passaram a ser o ativo com maior peso (38,9%) (Gráfico I.1.34).

  1. Ativo das Sociedades de seguros e Fundos de pensões | Em percentagem do total da carteira

Fonte: ASF.

A descida das taxas de juro de mercado tenderá a levar à erosão parcial dos impactos favoráveis do aumento das taxas de desconto observados em 2023. Uma vez que nestes setores a duração das responsabilidades é superior à dos ativos em carteira, para a mesma redução das taxas de juro, ceteris paribus, o aumento das responsabilidades é superior à valorização dos ativos.

Em termos de risco de mercado, a preponderância de títulos soberanos nas carteiras de investimento minimiza eventuais perdas decorrentes de comportamentos de aversão ao risco por parte dos investidores. As exposições a dívida privada e a fundos de investimento mobiliários constituem as principais vias de exposição a este risco.

De acordo com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), os níveis de solvabilidade consolidados pelo setor segurador asseguram alguma margem para absorção do impacto de desenvolvimentos adversos, associados ainda a um perfil de risco de liquidez tendencialmente contido. Este decorre dos elevados níveis de liquidez dos ativos nas carteiras de investimento, da utilização limitada de instrumentos financeiros derivados (e exposição às margens subjacentes), e da evolução do modelo de negócio do ramo vida num contexto de taxas de juro mais elevadas do que no período anterior a 2022. No caso do negócio não vida, observa-se ainda o recurso a práticas de gestão e de transferência de risco como o resseguro.

Outros riscos e desafios para a estabilidade financeira

As ameaças à cibersegurança continuam a representar, a nível internacional, um risco elevado para a estabilidade financeira, uma vez que podem perturbar operações críticas, comprometer dados sensíveis e afetar a confiança do público. A situação geopolítica complexa, a contínua transição digital do setor, assim como as sucessivas inovações tecnológicas, nomeadamente a Inteligência Artificial, contribuem para acentuar o potencial sistémico e disruptivo de um eventual ciber-incidente. Autoridades como o FMI ou a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA na sigla em inglês) têm apontado para um crescente número de incidentes e perdas associadas. Em Portugal, o Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) registou cerca de dois mil incidentes em 2023, dos quais 10% afetaram a banca nacional, quase três vezes mais do que os observados quatro anos antes. As recentes falhas de atualização em sistemas de software amplamente utilizados e os ataques a serviços digitais públicos ilustram o potencial disruptivo e a necessidade de uma postura proativa relativamente à resiliência operacional digital das instituições.

Ao nível do sistema bancário nacional, o teste de ciber-resiliência operacional conduzido pelo Banco de Portugal em 2024 reforçou a compreensão e capacidade de avaliação da ciber-resiliência deste setor (Caixa 4). Este exercício foi importante para o fomento da consciencialização do potencial sistémico do ciber-risco, por via de uma avaliação efetiva de como as instituições são impactadas por um incidente severo e da sua capacidade para responder e recuperar face ao mesmo. Contribuiu ainda para a identificação de fragilidades individuais e transversais ao sistema, e de ações para as mitigar. Adicionalmente, o Fórum com a Indústria para a Cibersegurança e Resiliência Operacional (FICRO) contribui para a resiliência operacional do setor bancário, destacando-se dois grupos de trabalho que funcionam sob a sua égide: o TIBER-PT, que realiza testes avançados de cibersegurança, e; o CIISI-PT, que promove a partilha de informação.

Transversal ao setor financeiro, os desenvolvimentos regulamentares e iniciativas de cooperação com autoridades de supervisão têm também contribuído para o reforço da ciber-resiliência. A transposição em curso da Diretiva relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União (em inglês, Directive on measures for a high common level of cybersecurity across the Union, NIS2) para a legislação nacional, bem como o esforço empreendido pelas instituições para o cumprimento do Regulamento sobre Resiliência Operacional Digital do setor financeiro (em inglês, Digital Operational Resilience Act, DORA), diretamente aplicável a partir de 17 de janeiro de 2025, contribuem para um sistema mais preparado e robusto relativamente ao ciber-risco.

Também as alterações climáticas assumem uma relevância cada vez maior entre os riscos e desafios que atualmente se impõem ao sistema financeiro. As instituições devem consolidar os seus esforços, recursos e competências para garantir a integração orgânica dos fatores climáticos e ambientais nas diversas dimensões da sua atividade, permitindo-lhes avaliar e mitigar os seus impactos no curto, médio e longo prazo, ao nível dos vários riscos prudenciais “tradicionais” (e.g. crédito, mercado, liquidez).

A evolução do enquadramento de regulação prudencial aplicável às instituições de crédito é fundamental para essa indispensável mudança (e.g., implementação de standards de divulgação de informação de sustentabilidade aplicáveis a PME), sendo assinaláveis as alterações recentemente implementadas por via da CRD6 e do CRR3, publicados em 19 de junho de 2024. Neste enquadramento regulatório, tendo em vista uma gestão robusta dos riscos, as instituições devem testar a sua resiliência aos impactos de longo prazo dos fatores ESG, a começar pelos fatores climáticos, recorrendo a cenários credíveis desenvolvidos por organizações internacionais. A EBA encontra-se a desenvolver orientações dirigidas às instituições de crédito no âmbito da análise de cenários de stress climático, bem como do conteúdo dos planos (de transição) ao abrigo da CRD e dos indicadores e metodologias para identificação, gestão e mitigação dos riscos financeiros relacionados com o clima, sendo expectável a publicação destas orientações ao longo dos próximos anos.

A identificação de áreas em que as “credenciais” ambientais da instituição e/ou dos produtos comercializados possam ser contestadas, bem como a adoção de práticas transparentes, consistentes e fundamentadas em políticas sólidas de sustentabilidade e conformidade regulatória assume uma importância acrescida, tendo em conta a oferta de produtos financeiros de retalho com caraterísticas sustentáveis e a crescente disponibilização de informação de sustentabilidade em linha com os desenvolvimentos regulatórios,. De igual forma, os riscos de reputação e de litigância associados a alegadas práticas de greenwashing, particularmente evidente na gestão de ativos, também devem ser considerados pelas instituições nas políticas e procedimentos de gestão de risco. Estes riscos podem tornar-se um fator material, com consequências negativas não apenas para as instituições e para a estabilidade financeira, mas também para os seus clientes. Este tema foi objeto do relatório final da EBA (EBA/REP/2024/09), publicado em junho de 2024, a pedido da Comissão Europeia junto das três ESAs.

As dimensões antes referidas são tanto mais importantes no quadro de insuficiência da cobertura de perdas por seguros decorrentes da materialização dos riscos climáticos ― climate insurance protection gap. Num contexto em que os desastres naturais tendem a ser mais frequentes e intensos, esse gap dificulta a recuperação da atividade económica e potencia perdas no valor dos imóveis de particulares e empresas dados como garantia nas operações de crédito, podendo assim ter impactos materiais nas instituições de crédito e na estabilidade financeira.

Também no plano da transição climática, e dada a necessidade de significativos volumes de investimento privado e público, permanecem relevantes os desafios relacionados com a adequação da arquitetura institucional da União Europeia. Neste contexto, refira-se que em maio de 2024 foi aprovado o Plano de Ação do Eurogrupo, que visa dar um impulso decisivo na concretização de uma União dos Mercados de Capitais (Capital Markets Union ― CMU). Em outubro, o Eurogrupo prosseguiu o acompanhamento das áreas prioritárias para ação política e iniciativas concretas para a prossecução desse plano, incluindo na forma como se poderá desenvolver os mercados de capitais para apoiar as pequenas e médias empresas na UE, bem como no papel fundamental que o Banco Europeu de Investimento (BEI) poderá desempenhar na concretização deste objetivo. As conclusões do “Relatório Draghi”, apresentado em setembro de 2024, que certamente contribuirão para o trabalho da Comissão Europeia sobre um novo plano para a prosperidade sustentável e competitividade da Europa, realçam o papel crucial da CMU na promoção do crescimento económico sustentável e na estabilidade financeira da União Europeia. O relatório refere também que a conclusão da União Bancária é complementar ao progresso em direção à União dos Mercados de Capitais, sendo fundamental para permitir que bancos com operações transfronteiriças tenham o seu risco desconectado de um país da União em particular.

No âmbito da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT), o Banco de Portugal concluiu o Relatório da Consulta Pública n.º 10/2023 e publicação da Instrução n.º 8/2024, de 5 de junho, que define os elementos de informação a reportar anualmente ao Banco de Portugal pelas entidades financeiras sujeitas à sua supervisão em matéria de prevenção BC/FT (RPB). Em matéria de supervisão onsite, destaca-se o início de um ciclo inspetivo que visa a avaliação dos ambientes de controlo em matéria de prevenção do BC/FT de sete instituições de pagamento. Por sua vez, no que concerne a supervisão offsite, prosseguiram os trabalhos das três ações supervisivas reforçadas de acompanhamento contínuo relativamente a um conjunto circunscrito de medidas supervisivas emitidas sobre temas de maior criticidade em matéria de prevenção do BC/FT. Sinalizam-se também os trabalhos desenvolvidos pelo workstream especificamente criado sob a égide do Fórum de prevenção do BCFT do Banco de Portugal ("Fórum BCFT"), tendentes à elaboração de um documento de “Boas Práticas sobre mecanismos de controlo BCFT no contexto de fraude digital”, com vista ao reforço da capacitação das entidades supervisionadas nessa matéria. Destaca-se ainda a preparação da segunda reunião do Fórum BCFT, que terá lugar no próximo mês de dezembro de 2024.

Política macroprudencial

A evolução do ciclo financeiro é atualmente caracterizada pela ausência de sinais de acumulação ou de materialização do risco sistémico cíclico, mantendo-se um ambiente de risco neutro. No primeiro trimestre do ano, verificou-se uma redução ligeira do indicador para risco sistémico cíclico doméstico (Gráfico I.1.35), em resultado da redução do défice da balança corrente, da contração do crédito concedido a sociedades não financeiras (SNF) e a particulares e do crescimento do PIB. Em sentido inverso, o crescimento dos preços da habitação continua a exercer pressão para um aumento do risco sistémico cíclico, embora se tenha verificado um abrandamento da magnitude deste contributo face a anos anteriores.

O potencial impacto de eventos extremos decorrentes da materialização de risco cíclico sobre o crescimento económico atenuou-se face a igual período homólogo. De acordo com o modelo Growth-at-Risk (GaR), a materialização de eventos extremos teria associada, com probabilidade até 10%, uma taxa de variação homóloga do PIB inferior a 0,06% (Gráfico I.1.36), traduzindo-se numa estagnação do crescimento da atividade económica.

  1. Indicador de risco sistémico cíclico doméstico | Desvios padrão em relação à mediana

  1. Contributos das variáveis explicativas para o Growth-at-Risk | Em percentagem e pontos percentuais

Fontes: BCE e BIS (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O IRSD, desenvolvido por Lang et al. (2019), é um indicador compósito que pretende identificar a acumulação de desequilíbrios cíclicos gerados no setor privado não financeiro doméstico. Para uma descrição pormenorizada do IRSD para Portugal, ver o Relatório de Estabilidade Financeira de junho de 2019.

Fontes: BCE, Banco de Portugal e INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O Growth-at-Risk é a estimativa do percentil 10% da distribuição da taxa de variação homóloga do PIB para Portugal, para um horizonte de projeção de 1 ano, com base em informação disponível desde T1 1991 até ao trimestre da projeção. O modelo inclui como variáveis explicativas o PIB, um indicador de stress financeiro (CLIFS) e o indicador de risco sistémico doméstico (IRSD). Os contributos estão apresentados em pontos percentuais.

A pandemia de COVID-19 ilustrou a importância de as autoridades macroprudenciais assegurarem que o sistema financeiro dispõe de resiliência suficiente para enfrentar perdas inesperadas. Neste período, várias autoridades macroprudenciais europeias libertaram reservas, parcial ou totalmente, de forma a apoiar o fluxo de crédito à economia. Com o objetivo de reforçar a resiliência numa fase inicial do ciclo financeiro, após a pandemia de COVID-19, 15 países do Espaço Económico Europeu (EEE) implementaram uma taxa positiva para a reserva contracíclica de fundos próprios (CCyB) na fase de risco neutro do ciclo financeiro5.

Considerando o contexto económico atual e o cenário macroeconómico, bem como os atuais níveis de rendibilidade e capitalização do sector bancário, o Banco de Portugal propõe a aplicação de uma nova taxa de CCyB de 0,75% na atual fase em que o risco sistémico cíclico se encontra num nível que é considerado neutro (i.e., não se encontra numa fase de acumulação excessiva, nem de materialização do risco sistémico cíclico). Caso o risco sistémico cíclico se venha a materializar no futuro, o Banco de Portugal libertará a reserva contracíclica, total ou parcialmente, dependendo da materialidade do choque, da mesma forma que a poderá aumentar no futuro se a acumulação de riscos assim o recomendar (TeD “Reserva Contracíclica num ambiente neutro").

A reserva de risco sistémico setorial (sSyRB) de 4% está em vigor desde o dia 1 de outubro de 2024. Aplica-se à carteira de crédito a particulares garantidos por imóveis destinados à habitação, aplicada a bancos que utilizam o método das notações internas (IRB, na sigla em inglês). Visa reforçar a resiliência das instituições de crédito face a uma eventual materialização do risco sistémico no mercado imobiliário residencial em Portugal, a que o sistema bancário está exposto de forma material.

O aumento das reservas de fundos próprios libertáveis (reserva CCyB e reserva (s)SyRB) no início do ciclo financeiro permitirá às instituições absorver melhor as perdas resultantes de choques sistémicos inesperados, sem restringir significativamente a concessão de crédito, e mitigar potenciais efeitos negativos na atividade económica. Com a introdução de uma taxa de CCyB de 0,75%, Portugal posiciona-se próximo de um conjunto de países da área do euro no que se refere às reservas de fundos próprios libertáveis (Gráfico I.1.37). Em termos do impacto no sistema financeiro, o sSyRB representa aproximadamente 0,26% do total dos ativos ponderados pelo risco (RWAs) do sistema bancário, tomando como referência junho de 20246.

  1. Reservas totais libertáveis para um conjunto de países da área do euro | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal (com base em informação recolhida junto de outras autoridades macroprudenciais) e Comité Europeu de Risco Sistémico (ESRB). | Notas: Incluem-se todas as reservas anunciadas que ainda não entraram em vigor. No caso de Portugal, planeia-se que o CCyB entre em vigor a 1 de janeiro de 2026 e no caso da Espanha será efetivo a 1 de janeiro de 2026. Em relação à Letónia, a taxa de CCyB de 0,5% aplicar-se-á a partir de 18 de dezembro de 2024, sendo posteriormente aumentada para 1% a partir de 18 de junho de 2025 (para fins de cálculo, foi considerada a taxa de 1%). No que concerne à Grécia, a taxa de CCyB de 0,25% aplicar-se-á a partir de 1 de outubro de 2025, sendo que, posteriormente, deverá aumentar até alcançar a taxa-alvo de 0,5%.

O Banco de Portugal continua a promover a adoção de critérios prudentes na concessão de crédito. A Recomendação do Banco de Portugal no âmbito dos novos contratos de crédito celebrados com consumidores (“Recomendação”) estabelece, entre outros, um limite máximo de 50% para a taxa de esforço dos mutuários (rácio ― debt service to income) considerando uma subida futura das taxas de juro, assim como um limite máximo de 90% para o rácio entre o montante do empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente e o mínimo entre o preço de aquisição e o valor de avaliação do imóvel adquirido (LTV ― loan-to-value). Estes limites têm como objetivo promover a adoção de critérios de concessão de crédito prudentes contribuindo para reforçar a resiliência dos mutuários e das instituições, face a riscos decorrentes, por exemplo, de eventuais aumentos nas taxas de juro, queda de preços do imobiliário ou alterações negativas no rendimento.

No primeiro semestre de 2024, as instituições continuaram a cumprir, globalmente, as orientações definidas na Recomendação. A percentagem de crédito concedido a mutuários de risco elevado manteve-se em níveis muito baixos. Do montante associado a novos créditos à habitação e ao consumo, 92% foi concedido a mutuários com um rácio DSTI inferior ou igual a 50% (Gráfico I.1.38). A totalidade das operações realizadas durante esse período registou um LTV inferior ou igual a 90%, sendo que para 66% dos novos contratos o LTV foi inferior ou igual a 80% (Gráfico I.1.39). Estes valores poderão estar condicionados pelo adiamento da contratação de crédito por parte dos mutuários com menos de 35 anos, com intuito de aguardar a entrada em vigor das isenções de IMT e Imposto de Selo, de acordo com as informações reportadas pelas instituições de crédito (Gráfico I.1.40).

  1. Distribuição das novas operações de crédito à habitação e ao consumo por rácio DSTI | Em percentagem

  1. Distribuição das novas operações de crédito à habitação por rácio LTV | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: Com base em informação reportada por uma amostra de 13 instituições que representam, em 2023, cerca de 91% do mercado de crédito a particulares. O rácio DSTI foi calculado assumindo choques sobre a taxa de juro e sobre o rendimento do mutuário, como previsto na Recomendação.

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: Informação reportada por uma amostra de 9 instituições que representam, em 2023, cerca de 97% do mercado de crédito à habitação.

O DSTI efetivo médio (calculado sem o choque de taxa de juro) reduziu-se ligeiramente para 26,3%, consequência da redução do indexante de referência dos empréstimos concedidos a taxa variável (Gráfico I.1.41). Esta ligeira redução pode estar relacionada com a atual reduzida expressividade dos empréstimos a taxa variável nos novos contratos, que representam 15% do total (face a 80% com taxa mista e 5% com taxa fixa) no primeiro semestre de 2024, percentagem que compara com a de 90% dos contratos celebrados em 2022, no período que antecedeu a subida das taxas de juro.

  1. Distribuição etária do crédito hipotecário para habitação própria e permanente | Em percentagem

  1. Distribuição do rácio DSTI efetivo para novos créditos às famílias | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal.

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: Os extremos inferior e superior correspondem ao percentil 10 e ao percentil 90, enquanto os extremos inferior e superior das caixas correspondem aos percentis 25 e 75.

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 44/2024 de 10 de julho, foram estabelecidas as condições em que o Estado pode prestar garantias pessoais a instituições de crédito, com vista à viabilização de concessão de crédito à habitação própria e permanente a jovens até aos 35 anos, até à totalidade do valor da transação. A concessão de crédito à habitação por parte das instituições numa percentagem superior a 90% do valor da transação interfere com o limite definido na Recomendação (e exigirá um acompanhamento próximo por parte do Banco de Portugal, que atuará, sempre que necessário, por forma a mitigar o impacto de acumulação excessiva de risco que comprometa a estabilidade financeira).

A garantia do Estado pode contribuir para o aumento do endividamento das famílias e para o agravamento do risco de crédito, num cenário em que se mantém constante o rendimento do mutuário e os fatores que influenciam as taxas de juro no mercado. Ademais, perante uma oferta limitada e pouco reativa do mercado da habitação em Portugal, um aumento significativo da procura pode levar a que os preços da habitação aumentem. Neste contexto, o Banco de Portugal informou as instituições (Carta Circular n.º CC/2024/00000032, publicada a 15 de outubro de 2024) sobre como fará a monitorização dos créditos à habitação concedidos com recurso à garantia do Estado e as expetativas que tem quanto à fundamentação dos desvios à Recomendação e quanto a aspetos no plano prudencial.

A Recomendação e os limites aí definidos mantêm-se inalterados, sendo expetativa que continue a ser seguida pelas instituições. Assim, à luz do procedimento de comply or explain, as instituições que excedam os limites (v.g. LTV, DSTI, maturidade máxima) ou que não cumpram com o requisito de pagamentos regulares aí previstos devem justificá-lo de um ponto de vista prudencial e de avaliação do risco. Esta justificação aplica-se sempre a cada um dos contratos em que aqueles limites não sejam respeitados.

O Banco de Portugal monitoriza a materialidade destes créditos e o respetivo perfil de risco quer no momento da concessão, quer ao longo do tempo. Desta forma, avalia em que medida os créditos abrangidos pela garantia se traduzem num risco acrescido para as carteiras das instituições e para o sistema bancário como um todo. Se, no contexto dessa avaliação, se identificar um aumento significativo do risco das carteiras das instituições de crédito, o Banco de Portugal poderá atuar no plano macroprudencial, recorrendo aos instrumentos que tem à sua disposição para mitigar ou reduzir os riscos identificados.

Por último, importa referir a reflexão, ao nível internacional, sobre os desafios para a política macroprudencial decorrentes de riscos associados ao ciber. Estes desafios decorrem do facto destes riscos terem uma natureza sistémica, i.e., poderem propagar-se rapidamente pelo sistema financeiro e para a economia em geral. Assim, o Comité Europeu de Risco Sistémico (CERS) e o Banco Central Europeu (BCE) têm estado envolvidos na definição de um quadro operacional para a mitigação deste tipo de riscos7. A Caixa 4 analisa os resultados do stress test conduzido pelo Banco de Portugal para avaliar a resiliência e capacidade de resposta do sistema bancário face a um incidente cibernético grave.

Sistema Bancário

Os desenvolvimentos positivos que se têm consolidado em anos recentes no sistema bancário português refletem o processo de desalavancagem do setor ao longo dos últimos quinze anos e, mais recentemente, fatores cíclicos favoráveis, como a subida rápida das taxas de juro em 2022 e 2023 e um crescimento da economia portuguesa acima do seu potencial. No primeiro semestre de 2024, os bancos continuaram a operar num quadro caraterizado por liquidez robusta, estabilidade da qualidade creditícia dos ativos e níveis crescentes de rendibilidade com reflexo positivo nos rácios de capital.

A rendibilidade do ativo continuou a aumentar para níveis historicamente elevados, fixando-se em 1,47% em junho de 2024. Esta evolução continuou a beneficiar do crescimento da margem financeira, apesar do abrandamento devido à subida significativa das taxas de juro dos depósitos de particulares. Nos próximos semestres, é expectável que a margem se venha a reduzir, atendendo à redução das taxas de juro do mercado interbancário, registada desde o final do ano passado, e à prevalência de empréstimos indexados a taxa variável. No entanto, a margem financeira deverá manter-se acima dos níveis observados no período de taxas de juro muito baixas. A maior proporção de empréstimos à habitação com taxa fixa ou mista concedidos em anos recentes e o recurso à cobertura de risco de taxa de juro através de derivados financeiros contribuirão para mitigar o impacto na margem. O aumento da rendibilidade do ativo foi também sustentado pela redução das imparidades para crédito, que se fixaram em mínimos históricos, refletindo perspetivas benignas para o mercado de trabalho e expectativas de reduções adicionais nas taxas de juro.

O ativo total do sistema bancário português aumentou 4,4% no primeiro semestre de 2024, sobretudo devido à expansão da carteira de títulos de dívida. Esta carteira é maioritariamente constituída por dívida pública (68%), componente que registou aumentos significativos nos últimos anos e que representa 17% do ativo total (+1,5 pontos percentuais (pp) face a dezembro de 2023). A dinâmica recente desta carteira reflete a posição robusta de liquidez do setor, que se traduz em níveis cada vez mais baixos do rácio de transformação (75%) sendo justificada pelo aumento dos depósitos de clientes e pela evolução contida dos empréstimos à habitação e a empresas. Os bancos continuam também a apresentar exposição relevante a imobiliário (34%), maioritariamente sob a forma de empréstimos a particulares garantidos por imóveis. A reserva de fundos próprios para risco sistémico setorial introduzida pelo Banco de Portugal e a baixa percentagem dos empréstimos a particulares garantidos por imóveis com rácio loan-to-value (LTV) superiores a 80% contribuem para a resiliência dos bancos face a potenciais desenvolvimentos adversos no mercado imobiliário residencial.

Os indicadores referentes à qualidade creditícia dos ativos mantiveram-se estáveis, permanecendo os fluxos de novos incumprimentos em níveis contidos. O rácio de non-performing loans (NPL) bruto diminuiu marginalmente, fixando-se em 2,6% em junho de 2024. O rácio de empréstimos em stage 2 diminuiu para 10% (-0,7 pp do que em dezembro de 2023), tendo a descida sido transversal aos principais segmentos. Estes desenvolvimentos beneficiaram de um ambiente macroeconómico benigno e, no crédito à habitação, das medidas de apoio aos devedores introduzidas pelo governo. A transição em curso para taxas de juro mais baixas deverá contribuir para a redução do risco de crédito dos mutuários, antecipando-se alguma reversão de empréstimos de stage 2 para stage 1.

Os fundos próprios totais do setor bancário português continuaram a ser reforçados por via da geração orgânica de capital. O aumento sustentado dos níveis de solvabilidade do setor tem permitido a convergência para a média da área do euro, verificando-se, em Portugal, uma maior preponderância dos fundos próprios principais de nível 1 (CET 1).

A descida de 75 pontos base das taxas de juro do BCE, verificada até à data e a expectativa de descidas adicionais no futuro próximo reduzem o grau de restritividade da política monetária e alteram o enquadramento de concessão de crédito e obtenção de financiamento por parte dos bancos. É prioritário que os bancos aproveitem a fase positiva do ciclo económico para constituir imparidades de forma prudente e conservar o capital, de forma a salvaguardar a sua resiliência e o financiamento à economia perante potenciais choques adversos.

Considerando o contexto económico atual e o cenário macroeconómico, bem como os atuais níveis de rendibilidade e capitalização do sector bancário, o Banco de Portugal implementou em outubro deste ano uma reserva de risco sistémico setorial e propôs a aplicação de uma taxa de CCyB de 0,75% na atual fase em que o risco sistémico cíclico se encontra num nível que é considerado neutro (i.e., não se encontra numa fase de acumulação excessiva, nem de materialização do risco sistémico cíclico). Se o risco sistémico cíclico se materializar, o Banco de Portugal libertará a reserva contracíclica, total ou parcialmente, dependendo da materialidade do choque (TeD "Reserva Contracíclica num ambiente neutro").

Rendibilidade

  1. No primeiro semestre de 2024, a rendibilidade do ativo (ROA, na sigla inglesa) aumentou 0,31 pp face ao período homólogo de 2023, situando-se em 1,47%. A dispersão entre instituições do sistema bancário manteve-se praticamente inalterada, com aumentos nos percentis 10 e 90 da distribuição deste indicador (Quadro I.2.1).

    O aumento do ROA refletiu o contributo positivo da margem financeira (0,31 pp) e das provisões e imparidades líquidas (0,26 pp). O contributo da margem financeira foi inferior face ao observado no primeiro semestre de 2023. Tal contrasta com o contributo das provisões e imparidades líquidas, que passou de negativo a positivo por via da redução da constituição de imparidades para crédito. Em sentido contrário, destacam-se os contributos dos resultados de operações financeiras (-0,10 pp) e dos custos operacionais (-0,08 pp) para a variação do ROA. O contributo dos resultados de operações financeiras é explicado, em grande medida, pelo efeito base do reconhecimento, por uma instituição, dos ganhos obtidos com a venda de uma subsidiária no primeiro semestre de 2023. Os contributos da margem financeira e dos custos operacionais refletiram-se no resultado de exploração, sendo que as comissões líquidas apresentaram um contributo residual (0,02 pp). Este agregado incorpora as componentes tipicamente mais estáveis dos resultados e teve um contributo de 0,25 pp para a variação do ROA, em linha com o registado em 2022.

O crescimento mais moderado da margem financeira em percentagem do ativo médio refletiu a subida significativa dos juros pagos em resultado, sobretudo, do aumento das taxas de juro dos depósitos de particulares. No primeiro semestre de 2024, a componente de juros recebidos continuou a aumentar, alicerçada na evolução dos juros dos empréstimos a clientes (Quadro I.2.2) que beneficiaram da transmissão de taxas de juro do mercado interbancário observadas em 2023. Os juros recebidos também tiveram contributos positivos da carteira de títulos de dívida, em especial títulos emitidos pelas Administrações Públicas. Do lado dos juros pagos, o principal contributo esteve associado aos depósitos de particulares, refletindo também o seu peso no financiamento no sistema bancário a que acresceram, em menor medida, os contributos dos depósitos das sociedades não financeiras e dos títulos emitidos.

  1. Rendibilidade | Contributos para a variação do ROA

 

2021

2022

2023

 

2023 S1

2024 S1

ROA

0,46

0,69

1,28

 

1,16

1,47

Percentil 10

0,03

0,14

0,85

 

0,69

0,95

Percentil 90

0,77

1,21

1,88

 

1,70

1,98

Contributos para a variação homóloga do ROA

 
 
 
 
 
 

Margem financeira

-0,01

0,32

1,04

 

1,01

0,31

Comissões líquidas

0,05

0,05

-0,01

 

0,00

0,02

Resultados de operações financeiras

0,13

-0,05

0,04

 

-0,00

-0,10

Custos operacionais

0,01

-0,12

-0,04

 

-0,11

-0,08

Provisões e imparidades líquidas

0,32

0,13

-0,24

 

-0,34

0,26

d.q. Imparidades para crédito

0,40

0,02

-0,09

 

-0,18

0,20

Impostos sobre os lucros do exercício

-0,09

-0,04

-0,24

 

-0,15

-0,09

Outros resultados

0,06

-0,03

-0,00

 

0,00

0,03

Resultado de exploração

0,05

0,25

0,98

 

0,90

0,25

Ativo médio

0,00

-0,02

0,03

 

0,02

-0,04

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A rendibilidade do ativo (ROA) é definida como resultado líquido em percentagem do ativo médio. A rubrica “Outros resultados” inclui outros resultados de exploração, goodwill negativo, apropriação de resultados de filiais, joint ventures e associadas, resultados de ativos não correntes classificados como detidos para venda e não qualificados como operações descontinuadas, aumento ou diminuição do fundo para riscos bancários gerais, resultados de modificações/renegociações contratuais dos fluxos de caixa, resultado de operações descontinuadas antes de impostos. O “Resultado de exploração” é o agregado da margem financeira e das comissões líquidas deduzido dos custos operacionais.

  1. Margem financeira | Em percentagem do ativo médio

 

2021

2022

2023

 

2023 S1

2024 S1

 

Margem financeira

1,42

1,65

2,80

 

2,58

2,78

 

Títulos de dívida

0,27

0,35

0,61

 

0,55

0,75

 

d.q. Administrações Públicas

0,15

0,22

0,33

 

0,31

0,43

 

d.q. Sociedades não financeiras (SNF)

0,08

0,08

0,16

 

0,14

0,18

 

Empréstimos

1,29

1,58

2,97

 

2,69

3,21

 

d.q. Sociedades não financeiras

0,53

0,60

1,07

 

0,98

1,14

 

d.q. Particulares

0,67

0,83

1,62

 

1,45

1,73

 

Outros ativos

0,00

0,03

0,27

 

0,24

0,32

 

Depósitos

-0,03

-0,17

-0,81

 

-0,63

-1,27

 

d.q. Sociedades não financeiras

-0,02

-0,06

-0,12

 

-0,10

-0,19

 

d.q. Particulares

-0,05

-0,09

-0,36

 

-0,23

-0,74

 

Títulos emitidos

-0,07

-0,10

-0,17

 

-0,15

-0,22

 

Outros passivos

-0,04

-0,03

-0,05

 

-0,05

-0,05

 

Fonte: Banco de Portugal.

  1. O diferencial entre taxas de juro de empréstimos e de depósitos em operações com o setor privado não financeiro (SPNF) diminuiu para o stock e nas novas operações no primeiro semestre de 2024 (Gráfico I.2.1). A redução nas novas operações refletiu uma subida da taxa de juro média dos novos depósitos superior ao aumento da taxa de juro média das novas operações de empréstimo. A evolução da taxa de juro das novas operações passivas traduziu-se num incremento da taxa de juro média dos stocks, que foi acompanhado por uma ligeira redução da taxa de juro média do stock dos empréstimos ao SPNF. Apesar da diminuição observada neste período, o diferencial entre as taxas de juro dos stocks de empréstimos e de depósitos a prazo manteve-se elevado face à área do euro (em 2,6 pp).

    O rácio cost-to-core income diminuiu, apesar do aumento dos custos operacionais. Este rácio reduziu-se 1,48 pp, em termos homólogos, para 39,9%, devido ao aumento da margem financeira (Gráfico I.2.2). O aumento dos custos operacionais teve origem nos custos com o pessoal e, em menor medida, nos outros gastos gerais administrativos. O peso destas rubricas manteve-se, no entanto, relativamente estável, fixando-se em 0,78% (variação de 0,01 pp) e 0,47% (variação de 0,01 pp) do ativo médio, respetivamente.

    O custo do risco diminuiu 0,34 pp para 0,12%, atingindo valores historicamente baixos (Gráfico I.2.2). Esta evolução refletiu, em larga medida, a diminuição do fluxo de imparidades para crédito, o que poderá indicar uma melhoria da perceção dos bancos em relação ao risco de crédito dos seus clientes, refletindo as perspetivas benignas para a atividade económica e o mercado de trabalho e expectativas de reduções adicionais nas taxas de juro de mercado.

  1. Diferencial entre taxas de juro de empréstimos e depósitos do SPNF | Em pontos percentuais

  1. Cost-to-core-income e custo do risco do crédito | Em percentagem

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: O setor privado não financeiro inclui SNF e particulares. As séries referem-se ao reporte em base individual das outras instituições financeiras monetárias residentes em Portugal. As novas operações consideram taxas médias anuais ponderadas pelos seus respetivos montantes. (a) Diferencial entre as taxas de juro de empréstimos e de depósitos com prazo acordado.

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: O cost-to-core-income consiste no rácio entre os custos operacionais e a soma da margem financeira e das comissões líquidas. O custo do risco de crédito consiste no fluxo das imparidades para crédito em percentagem do total do crédito bruto médio concedido a clientes.

No primeiro semestre de 2024, o ROA do sistema bancário português foi 0,76 pp superior à média da área do euro (Quadro I.2.3), salientando-se o maior contributo da margem financeira e a redução mais acentuada de provisões e imparidades. A diferença na evolução da margem financeira entre Portugal e a área do euro reflete, sobretudo, o maior aumento em Portugal do diferencial entre as taxas de juro dos empréstimos concedidos e dos depósitos no SPNF (Gráfico I.2.1). As taxas de juro variáveis associadas à maioria do crédito à habitação em Portugal tiveram subidas mais acentuadas e ultrapassaram as taxas de juro praticadas na área do euro, onde o financiamento a taxa variável é menos significativo. Já as taxas de juro de depósito na área do euro aumentaram de forma mais pronunciada do que em Portugal.

 

  1. Rendibilidade ― Comparação internacional | Em percentagem do ativo médio

2024 S1

Valores em % ativo médio

Contributo para Δ ROA (y-o-y)

PT

AE

PT

AE

Margem financeira

2,78

1,43

0,31

0,12

Comissões líquidas

0,73

0,68

0,02

0,05

Resultados de operações financeiras

0,05

0,18

-0,10

0,00

Custos operacionais

-1,40

-1,27

-0,08

-0,09

Provisões e imparidades líquidas

-0,28

-0,18

0,26

-0,02

Impostos sobre os lucros do exercício

-0,54

-0,23

-0,09

-0,02

Outros resultados

0,12

0,11

0,03

0,02

ROA

1,47

0,71

0,31

0,03

 

 

 

 

 

Por memória: Ativo médio

-

-

-0,04

-0,03

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: Valores anualizados. PT corresponde a Portugal e AE a área do euro.

  1. No contexto da descida das taxas de juro, espera-se que rendibilidade do sistema bancário português diminua, refletindo um menor contributo da margem financeira. Todavia, este contributo deverá manter-se relevante. No quadro de política monetária menos restritiva, a redução das taxas de juro do mercado interbancário deverá contribuir para uma diminuição gradual do diferencial entre taxas de juro ativas e passivas, em resultado de uma velocidade de transmissão distinta para estas componentes. Espera-se, ainda, que o diferencial entre essas taxas de juro permaneça em níveis superiores aos observados antes de 2022, atenuando também o impacto negativo sobre a margem financeira. Adicionalmente, o ajustamento que os bancos fizeram a partir da crise financeira de 2008, através do aumento do peso dos depósitos de clientes no seu financiamento e redução das responsabilidades representadas por títulos, contribui para um custo de financiamento mais baixo, que se traduz numa margem financeira superior. No tema em destaque “Risco de taxa de juro da carteira bancária”, o exercício de descida paralela das taxas de juro (200 pb) assinala uma redução da margem financeira na generalidade dos bancos do sistema bancário português, mantendo-se, no entanto, para o total do sistema, acima dos níveis observados no período de taxas de juro muito baixas. A cobertura do risco de taxa de juro através da contratação de derivados financeiros, no atual contexto em que existe maior proporção de crédito à habitação contratado a taxa de juro fica ou mista, poderá contribuir também para a mitigação do impacto da descida das taxas de juro sobre a margem financeira.

Critérios de concessão de crédito

Crédito concedido a particulares

Em junho de 2024, a taxa de variação anual ajustada do stock de empréstimos bancários a particulares foi de 1,2%, tendo registado uma tendência crescente desde o início do ano (Gráfico I.2.3). Esta evolução deveu-se ao crescimento continuado do stock de empréstimos ao consumo (6,7% em junho de 2024), assim como à recuperação do stock de empréstimos à habitação (0,1% em junho de 2024. A par da recuperação dos novos empréstimos à habitação, a evolução do stock de crédito continuou a refletir um volume de reembolsos antecipados acima do observado antes do início do aumento das taxas de juro.

  1. Taxa de variação anual ajustada do stock de empréstimos a particulares | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: As taxas de variação anual são calculadas com base na variação dos stocks de empréstimos bancários em fim de mês, ajustados de todos os efeitos não considerados como transação, nomeadamente reclassificações, abatimentos ao ativo, reavaliações cambiais e de preço. As tva designadas como 'tva ajustadas' são ajustadas adicionalmente de operações de titularização e cedências de créditos. Última observação: junho de 2024.

O fluxo semestral de novos empréstimos para aquisição de habitação (excluindo renegociações) registou aumentos homólogos desde dezembro de 2023 (Gráfico I.2.4). A tendência de crescimento em meses recentes nos novos empréstimos para aquisição de habitação observa-se na maior parte dos outros países europeus, tendo Portugal a segunda maior taxa de variação homóloga no primeiro semestre de 2024 (Gráfico I.2.5). As transferências de crédito entre instituições mantiveram, contudo, um peso significativo no total de novas operações. Entre janeiro e junho de 2024, as transferências totalizaram 2,1 mil milhões de euros, um aumento de 54% face ao período homólogo, ainda que apresentando uma trajetória de redução desde março de 2024. Em junho de 2024, representaram 23% dos novos empréstimos à habitação (excluindo renegociações) e 37% dos reembolsos antecipados totais. No primeiro semestre, excluindo estas operações, o crescimento dos novos empréstimos à habitação foi de 20% em termos homólogos.

  1. Novos contratos de crédito à habitação (acumulado de 6 meses) | Em milhares de euros e percentagem

  1. Taxa de variação anual do stock e taxa de variação homóloga das novas operações de crédito à habitação entre janeiro de junho de 2024 | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: As taxas de variação anual do Gráfico I.2.5 não são ajustadas de operações de titularização e cedências de créditos, pela indisponibilidade de informação para os países da área do euro. No caso de Portugal, no período recente estas operações têm sido residuais, pelo que a tva e a tva ajustada têm apresentado valores muito próximos. Última observação: junho de 2024.

Os reembolsos antecipados de empréstimos à habitação totalizaram 6,1 mil milhões de euros no primeiro semestre de 2024, um aumento de 8,8% face ao período homólogo, e representaram 0,9% do stock de crédito à habitação em junho de 2024. Após terem perdido alguma relevância em 2023, os reembolsos antecipados totais recuperaram algum peso face aos reembolsos parciais ao longo do último ano, aumentando assim a sua proporção para 88% do total de reembolsos em junho de 2024, 7 pp acima do verificado em junho de 2023. O reembolso antecipado parcial reduz o nível e o serviço da dívida dos mutuários e, consequentemente, o impacto que variações futuras das taxas de juro possam vir a ter no serviço da dívida, assim como os custos com seguros de vida, contribuindo para diminuir a vulnerabilidade financeira das famílias. Os reembolsos antecipados totais, para além das situações em que os mutuários simplesmente liquidam a dívida sem qualquer nova operação de crédito associada, incluem também situações de troca de habitação e de transferência de empréstimos para outras instituições. Nestes últimos casos, o impacto positivo sobre a vulnerabilidade das famílias será mais limitado.

A evolução das taxas de juro dos novos empréstimos à habitação refletiu a redução generalizada das taxas Euribor. Em junho de 2024, a taxa de juro média (Taxa Acordada Anualizada ― TAA) dos novos empréstimos à habitação registou uma queda de 0,4 pp face ao mês homólogo, situando-se nos 3,7%, valor idêntico à média da área do euro. Por outro lado, a Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG) média, que inclui outros encargos como comissões associadas ao empréstimo, seguros exigidos na obtenção do crédito ou impostos relativos ao registo da hipoteca, fixou-se em junho de 2024 em 6,3%, o mesmo valor registado em junho de 2023, 2,4 pp superior à média da área do euro.

A proporção de novas operações de crédito à habitação com taxa de juro fixa ou mista no montante total de novos empréstimos apresentou um ligeiro aumento desde o início de 2024, depois do acréscimo significativo observado em 2023. Em janeiro de 2024, o montante destas operações representava cerca de 71% do montante total de crédito à habitação concedido nesse mês, ao passo que em junho de 2024 essa proporção atingiu os 77% (Gráfico I.2.6). O aumento do peso destas operações desde a segunda metade de 2023, que incluem transferências de crédito, refletiu-se num incremento da proporção de empréstimos a taxa fixa ou mista no stock total de crédito à habitação, de 13% em junho de 2023 para 30% em junho de 2024 (Gráfico I.2.6).

  1. Fluxo mensal de novos empréstimos e stock de crédito à habitação por tipo de taxa de juro | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A classificação de taxa mista tem como referência o momento da celebração do contrato, momento a partir do qual vigora um período de taxa fixa, que difere de contrato para contrato. A percentagem do stock com taxa mista pode incluir contratos que se encontram já no período de taxa variável ou perto de terminarem o período de taxa fixa.

De acordo com o Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito (BLS, na sigla inglesa), os critérios de concessão de crédito a particulares para aquisição de habitação permaneceram praticamente inalterados ao longo do primeiro semestre, enquanto na finalidade de consumo se observou um aumento da restritividade (Gráfico I.2.7). As instituições reportaram também um nível da procura de empréstimos para aquisição de habitação ligeiramente menor face ao semestre anterior. Na área do euro, os bancos reportaram critérios de concessão de crédito ao longo do primeiro semestre de 2024 ligeiramente menos restritivos no caso da habitação e mais restritivos no caso do consumo. No BLS de outubro de 2024, referente ao terceiro trimestre de 2024, os bancos portugueses reportaram um ligeiro aumento no nível da procura de empréstimos para aquisição de habitação ― com expectativa de continuação do aumento no último trimestre de 2024, tendo em conta a expectativa de descida das taxas de juro de referência e as medidas recentes do governo de apoio à compra de casa por parte de jovens —, assim como uma manutenção da restritividade dos respetivos critérios de concessão de crédito.

  1. Procura e Oferta de crédito à habitação | Índice de difusão

Painel A ― Oferta

Painel B ― Procura

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: A oferta de crédito corresponde aos critérios de concessão reportados pelos bancos. Um aumento (diminuição) do índice de difusão significa um aumento (diminuição) da restritividade por parte das instituições e um aumento (diminuição) da procura no segmento de crédito. A última observação para cada variável corresponde à expetativa que as instituições têm para o quarto trimestre de 2024 (parte a tracejado).

Comparando os primeiros seis meses de 2024 com o período homólogo, o montante de novos empréstimos ao consumo aumentou cerca de 9%, o que contribuiu para que a taxa de variação anual ajustada do stock de crédito ao consumo tenha vindo a aumentar desde o início do ano, atingindo um valor de 6,7% em junho de 2024 (Gráfico I.2.3). A taxa de juro média (TAA) e a TAEG dos novos empréstimos neste segmento de crédito aumentaram 0,8 pp e 1,1 pp, respetivamente, em junho de 2024 face ao mês homólogo de 2023, atingindo 8,8% e 11,2%, o que compara com 7,7% e 8,5% para a área do euro. Observou-se um aumento do spread em relação às correspondentes taxas no crédito à habitação, que se tem vindo a verificar desde novembro de 2023, que confirma a restritividade crescente nos critérios de concessão de crédito ao consumo. Contrariamente ao crédito à habitação, a maioria destes contratos são com taxa de juro fixa. Em junho de 2024, os contratos com taxa de juro variável representavam apenas 8,0% do stock de crédito ao consumo.

Crédito concedido a sociedades não financeiras

No primeiro semestre de 2024, a taxa de variação anual do stock de empréstimos a empresas manteve-se negativa, embora aumentando gradualmente. A taxa de variação anual do stock de empréstimos concedidos por bancos residentes foi de -0,5% em junho de 2024, o que compara com uma taxa de -1,1% no final de 2023. Verifica-se alguma heterogeneidade setorial: alguns setores registaram ainda taxas negativas, mas mais moderadas, como é o caso das indústrias (- 7,3% em junho de 2024) e do alojamento e restauração (- 2,6%). No caso dos setores da construção, das atividades imobiliárias, e das atividades de consultoria e administrativas continuou a observar-se um crescimento (1,9%, 3,8% e 5,4%, respetivamente). Por dimensão de empresa, os empréstimos continuaram a diminuir nas pequenas e médias empresas, enquanto as microempresas mantiveram um crescimento (5,4%). Por sua vez, os empréstimos a grandes empresas registaram uma ligeira recuperação (0,6%) (Quadro I.2.4).

  1. Taxa de variação anual dos empréstimos concedidos a SNF | Em percentagem

 

% stock jun. 24

dez. 19

dez. 20

dez. 21

dez. 22

jun. 23

dez. 23

jun. 24

Área do euro

 

2,6

6,5

3,8

5,5

2,5

-0,1

0,2

Portugal

 

0,4

9,7

4,2

0,6

-2,6

-1,1

-0,5

Microempresas

30

5,4

13,6

7,3

5,7

2,3

4,0

5,4

Pequenas empresas

25

-1,0

14,5

5,1

-2,2

-3,8

-3,7

-3,9

Médias empresas

24

-1,0

7,1

2,0

-1,9

-4,8

-5,7

-6,0

Grandes empresas

19

-4,2

3,4

2,6

1,7

-5,2

-1,9

0,6

Indústrias

19

0,2

11,2

10,1

2,0

-6,1

-9,1

-7,3

Comércio

19

2,9

10,8

5,2

5,5

1,5

-0,3

-0,9

Transportes e armazenagem

7

-8,0

2,5

-0,2

-2,1

-1,6

-2,5

-5,2

Alojamento e restauração

9

4,8

25,5

7,8

-6,7

-7,3

-4,5

-2,6

Construção

9

-6,4

4,9

0,1

-0,2

-1,5

1,9

1,9

Atividades imobiliárias

13

8,3

3,7

0,4

6,3

5,5

2,3

3,8

Consultoria e admin.

7

0,9

9,8

11,3

2,3

1,6

3,3

5,4

Portugal(a)

 

1,1

10,0

4,5

0,8

-2,5

-1,0

-0,2

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: As taxas de variação anual são calculadas com base na variação dos stocks de empréstimos de bancos residentes a SNF residentes em fim de mês, ajustados de todos os efeitos não considerados como transação, nomeadamente reclassificações, abatimentos ao ativo, reavaliações cambiais e de preço. Indústrias, alojamento e restauração e comércio correspondem, respetivamente, aos seguintes setores: “Indústria transformadora e indústria extrativa”, “alojamento, restauração e similares” e “comércio por grosso e retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos”. As Sedes Sociais, não individualizadas no quadro, representavam 3% do crédito concedido a SNF em junho de 2024. (a) Série adicionalmente corrigida de cedências de crédito, as quais têm tido um impacto marginal no período mais recente.

De acordo com o BLS, no primeiro semestre de 2024, a evolução negativa da procura de crédito moderou-se em relação a 2023, enquanto os critérios de concessão de crédito se mantiveram globalmente inalterados. Em Portugal, desde o segundo semestre de 2023, os bancos identificaram que a diminuição da procura de crédito se tornou mais moderada, acompanhando a evolução observada na área do euro. Segundo o BLS de outubro de 2024, no terceiro trimestre de 2024, a procura e a oferta mantiveram-se inalteradas. A expetativa para o quarto trimestre de 2024 é de um aumento da procura e de uma estabilização dos critérios de concessão de crédito.

Os dois fatores que mais contribuíram para a queda da procura de crédito pelas empresas em Portugal, desde o segundo semestre de 2022, foram o nível geral das taxas de juro e a redução das necessidades de financiamento para investimento. Esses contributos tornaram-se menos negativos a partir do último trimestre de 2023. Em relação às condições da oferta, os fatores mais importantes que explicaram a restritividade na concessão de crédito em 2023 estavam ligados aos riscos associados à situação económica e à qualidade creditícia dos mutuários. No primeiro semestre de 2024, os bancos não reportaram alterações relevantes nesses fatores.

 
  1. Procura e oferta de crédito a SNF | Índice de difusão

Painel A ― Oferta

Painel B ― Procura

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: A oferta de crédito corresponde aos critérios de concessão reportados pelos bancos. Um aumento (diminuição) do índice de difusão significa um aumento (diminuição) da restritividade por parte das instituições e um aumento (diminuição) da procura no segmento de crédito. A última observação para cada variável corresponde à expetativa que as instituições têm para o quarto trimestre de 2024 (parte a tracejado).

As novas operações de crédito a empresas na classe de menor risco de crédito continuaram a representar cerca de metade do total de empréstimos a sociedades não financeiras concedidos no primeiro semestre de 2024 (Gráfico I.2.9). Os pesos dos empréstimos concedidos a empresas nas classes de risco médio e de maior risco têm-se mantido relativamente estáveis desde 2019.

Impulsionada pela evolução das novas operações e pela melhoria dos indicadores financeiros que as empresas têm vindo a registar nos últimos anos, a proporção do stock de empréstimos a empresas na classe de maior risco de crédito continua a diminuir. Apesar dos choques económicos adversos a que as empresas foram sujeitas nos últimos anos, a proporção de empréstimos associados a empresas de menor risco continuou a aumentar, correspondendo a cerca de metade do total de empréstimos concedido a empresas. Por sua vez, a proporção associada à classe de maior risco diminuiu de 24% em dezembro de 2019 para 16% em junho de 2024.

A taxa de juro média dos novos empréstimos a empresas diminuiu de 5,7% em dezembro de 2023 para 5,4% em junho de 2024, refletindo a redução das taxas Euribor nos diferentes prazos e uma ligeira compressão de spreads (Quadro I.2.5). No que diz respeito à taxa de juro média do stock de crédito, houve uma ligeira queda, passando de 5,5% em dezembro de 2023 para 5,4% em junho de 2024.

Durante o primeiro semestre de 2024, os spreads das novas operações de crédito, refletindo diferenciação de risco, continuaram a ser superiores nas empresas da classe de maior risco (Quadro I.2.5). No entanto, destaca-se uma redução dos spreads nas classes de menor e de maior risco, tanto nas novas operações como no stock.

  1. Empréstimos a SNF por classe de risco de crédito | Em percentagem

  1. Spread médio do stock e das novas operações de empréstimos a SNF, por classe de risco | Em pontos percentuais

 

dez. 2021

dez. 2022

dez. 2023

jun. 2024

Stock

2,1

2,0

1,9

1,9

Classe 1 (menor risco)

1,6

1,6

1,6

1,5

Classe 2

2,2

2,1

2,1

2,1

Classe 3 (maior risco)

2,6

2,5

2,4

2,3

 

2021

2022

2023

2024(a)

Novas operações

2,0

1,9

1,8

1,6

Classe 1 (menor risco)

1,5

1,5

1,5

1,3

Classe 2

2,2

2,1

1,9

1,8

Classe 3 (maior risco)

2,5

2,4

2,2

2,1

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: O risco de crédito, medido pela probabilidade de incumprimento (PD), tem por base notações de crédito disponíveis no Sistema Interno de Avaliação de Crédito do Banco de Portugal (SIAC). Apenas foram incluídas empresas com informação de risco disponível. O risco de crédito é medido pela PD e é dividido em três classes: risco 1 (PD ≤ 1%), risco 2 (1% < PD ≤ 5%) e risco 3 (PD > 5%).

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: Spread em operações a taxa variável. Valores ponderados pelo montante. (a) Para 2024, apenas é utilizada a informação até junho de 2024.

Qualidade creditícia dos ativos

O rácio de NPL bruto diminuiu marginalmente no primeiro semestre de 2024, situando-se em 2,6% em junho de 2024 (Quadro I.2.6). A evolução do rácio refletiu uma redução de 0,3% do stock total de NPL e um crescimento de 1,3% dos empréstimos performing (componente do denominador). A variação do stock de NPL decorreu, por um lado, de uma redução de 3,5% no segmento das SNF e, por outro lado, de um aumento nos segmentos de particulares, tanto para aquisição de habitação (+9,3%) como para consumo e outros fins (+1,9%). Quanto ao aumento dos empréstimos performing, cerca de metade deveu-se às disponibilidades em bancos centrais e outras instituições de crédito e outra metade aos empréstimos performing de ambos os segmentos de particulares.

Neste contexto, observaram-se ligeiras variações nos rácios de NPL bruto dos principais segmentos de empréstimos ao setor privado não financeiro, não se tendo registado variações significativas na dispersão entre instituições. As taxas de juro elevadas têm pressionado os custos de financiamento de empresas e famílias, afetando a qualidade da carteira de crédito do setor bancário. Não obstante, o ambiente macroeconómico benigno permitiu manter os fluxos de novos incumprimentos em níveis relativamente contidos.

Nos empréstimos à habitação, o rácio de NPL bruto aumentou 0,1 pp no primeiro semestre, para 1,4%, devido ao fluxo de novos NPL superior ao das curas (Quadro I.2.7). O aumento do stock de NPL neste segmento é particularmente impactado pelas elevadas taxas de juro de mercado, as quais servem de indexante aos créditos à habitação em Portugal, predominantemente a taxa variável. Nos empréstimos para consumo e outros fins, o rácio de NPL manteve-se em 6,2%, apesar do fluxo de novos NPL líquidos de curas, contrabalançado por vendas e abatimentos ao ativo de NPL, bem como pelo aumento dos empréstimos totais (efeito denominador).

Nos empréstimos a SNF, o rácio de NPL bruto diminuiu 0,1 pp face a dezembro de 2023, para 4,9%. Esta variação resultou sobretudo da diminuição do stock de NPL, decorrente de vendas e abatimentos ao ativo, parcialmente compensados por um fluxo de novos NPL ligeiramente superior ao de curas.

O rácio de cobertura de NPL por imparidades diminuiu para 55,1%, apresentando evoluções distintas para empresas e particulares (Quadro I.2.6). A diminuição do rácio de cobertura, em conjunto com a redução do rácio de NPL bruto, resultou na estabilização do rácio de NPL líquido de imparidades, em 1,2%.

Nas SNF, a diminuição do stock de NPL traduziu-se na redução das respetivas imparidades acumuladas, resultando num aumento de 0,8 pp do rácio de cobertura, para 61,5%. Esta dinâmica, num contexto de estabilidade do valor bruto da carteira de empréstimos a SNF, refletiu-se numa diminuição de 0,1 pp do rácio de NPL líquido de imparidades, para 1,9%.

Nos particulares, os rácios de cobertura dos empréstimos à habitação e dos empréstimos para consumo e outros fins diminuíram 1,0 pp, para 37,0% e 59,3%, respetivamente. Em ambos os casos, a redução do rácio resultou de um aumento do stock de NPL superior ao das respetivas imparidades acumuladas, traduzindo-se num aumento dos NPL líquidos de imparidades. Neste contexto, o rácio de NPL líquido no segmento de habitação aumentou 0,1 pp, para 0,9%, e manteve-se em 2,5% no segmento de consumo e outros fins.

O rácio de NPL bruto do setor bancário português situava-se 0,8 pp acima da média da área do euro em junho de 2024. O diferencial é significativamente inferior no caso do rácio de NPL líquido (+0,1 pp) devido ao maior nível de cobertura por imparidades face à média da área do euro (+12,2 pp).

  1. Rácios de NPL e de cobertura de NPL por imparidades | Em percentagem

 

dez. 19

dez. 20

dez. 21

dez. 22

dez. 23

jun. 24

Rácio de NPL bruto (a)

6,2

4,9

3,7

3,0

2,7

2,6

Sociedades não financeiras

12,3

9,7

8,1

6,5

5,0

4,9

Particulares ― Habitação

2,4

2,0

1,6

1,1

1,3

1,4

Particulares ― Consumo e outros fins

8,2

8,5

7,5

6,9

6,2

6,2

Outros setores (b)

4,8

3,2

1,7

0,9

1,4

1,2

Rácio de cobertura de NPL (c)

51,5

55,0

52,5

55,5

55,4

55,1

Sociedades não financeiras

56,5

56,4

53,2

56,0

60,7

61,5

Particulares ― Habitação

26,3

30,6

32,7

40,4

38,0

37,0

Particulares ― Consumo e outros fins

58,8

66,2

64,9

64,1

60,3

59,3

Outros setores (b)

46,4

67,7

53,7

48,4

37,4

38,0

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: (a) Corresponde ao rácio entre o valor bruto dos NPL e o valor total bruto dos empréstimos. Inclui os empréstimos e disponibilidades em bancos centrais e instituições de crédito, e os empréstimos às administrações públicas, outras sociedades financeiras, sociedades não financeiras e particulares. (b) bancos centrais, administrações públicas, instituições de crédito e outras sociedades financeiras. (c) Corresponde ao rácio entre o valor das imparidades para NPL e o valor bruto dos NPL.

No primeiro semestre de 2024, o rácio de empréstimos em stage 2 diminuiu 0,7 pp, para 10,0%, após um agravamento registado em 2023 (Quadro I.2.8). A descida do rácio foi transversal aos principais segmentos, tendo sido mais acentuada nas SNF e nos particulares para habitação. Nestes segmentos, a variação do rácio decorreu quase exclusivamente da diminuição dos empréstimos em stage 2 (efeito numerador). Porém, quer nas SNF quer nos particulares (habitação e consumo e outros fins), continuaram a registar-se transferências líquidas positivas para stage 2 (i.e. empréstimos performing com aumento substancial do risco de crédito desde o reconhecimento), maioritariamente de empréstimos anteriormente registados em stage 1, contrabalançadas por amortizações regulares e extraordinárias. Inicialmente, a transferência de empréstimos de stage 1 para stage 2 refletiu o aumento do risco de crédito de alguns mutuários decorrente da rápida subida dos custos de financiamento em 2023, sendo parcialmente revertida pela descida das taxas de juro durante o primeiro semestre de 2024. Num quadro de redução da taxa de juro, acompanhando a descida da taxa de inflação, e baixo desemprego, o risco de crédito de empresas e famílias deverá diminuir, antecipando-se alguma reversão de empréstimos de stage 2 para stage 1.

  1. Rácio de NPL bruto – contributos para a variação | Em percentagem e em pontos percentuais

 

Particulares

 

Total

Sociedades não financeiras

Habitação

Consumo e outros fins

Rácio de NPL bruto, dez. 23 (%)

2,7

5,0

1,3

6,2

Abatidos ao ativo (pp)

-0,1

-0,1

0,0

-0,3

Vendas de NPL (pp)

-0,1

-0,1

0,0

-0,3

Novos NPL, líquidos de curas (pp)

0,1

0,1

0,1

0,8

Outros efeitos de denominador (pp)

0,0

0,0

0,0

-0,1

Rácio de NPL bruto, jun. 24 (%)

2,6

4,9

1,4

6,2

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: As vendas de NPL incluem titularizações. A rubrica “novos NPL, líquidos de curas” reflete todas as outras entradas e saídas do segmento de NPL, incluindo os fluxos de entrada de empréstimos no estado de NPL (líquido de saídas), as amortizações e as execuções. A rubrica “Outros efeitos denominador” reflete variações do stock de empréstimos por motivos que não estejam associados ao stock de NPL (e.g. fluxo líquido de empréstimos produtivos).

O rácio de empréstimos reestruturados por dificuldades financeiras do devedor diminuiu 0,2 pp, para 2,4% no primeiro semestre de 2024 (Quadro I.2.8). Esta variação decorreu de uma diminuição de 7,5% dos empréstimos reestruturados.

  1. Rácios de empréstimos em stage 2 e de empréstimos reestruturados | Em percentagem

 

dez. 19

dez. 20

dez. 21

dez. 22

dez. 23

jun. 24

Rácio de empréstimos em stage 2 (a)

9,4

11,2

11,6

10,3

10,7

10,0

Sociedades não financeiras

12,6

18,6

18,7

16,0

13,5

12,5

Particulares — Habitação

n.d.

7,0

7,9

7,5

9,8

9,2

Particulares — Consumo e outros fins

n.d.

10,5

10,7

10,8

12,4

12,1

Rácio de empréstimos reestruturados (b)

5,2

4,7

3,8

2,7

2,6

2,4

Sociedades não financeiras

10,3

9,4

7,6

5,6

4,4

4,1

Particulares — Habitação

2,8

2,7

2,6

1,6

2,3

2,2

Particulares — Consumo e outros fins

4,3

4,9

4,5

4,0

3,5

3,1

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: (a) O rácio de empréstimos em stage 2 corresponde ao rácio entre o valor total bruto dos empréstimos em stage 2 e o valor total bruto dos empréstimos. (b) O rácio de empréstimos reestruturados corresponde ao rácio entre o valor total bruto dos empréstimos reestruturados e o valor total bruto dos empréstimos.

Nas SNF, o rácio de empréstimos reestruturados diminuiu 0,3 pp, em resultado de uma redução de 8,3% dos empréstimos reestruturados, com um contributo de -5,3 pp dos empréstimos non-performing. Historicamente, esta componente é superior à componente performing neste segmento, embora os pesos relativos se tenham aproximado nos últimos anos. Tal decorreu da tendência de redução dos NPL na carteira de empréstimos a SNF ao longo da última década.

No atual contexto de descida das taxas de juro, os empréstimos à habitação reestruturados diminuíram 3,4%, refletindo a redução da parte performing. Esta componente, que representa cerca de 70% destes empréstimos, teve um contributo de -4,3 pp, ligeiramente compensado pelo contributo de +0,9 pp da componente non-performing. A partir do final de 2022, a significativa subida das taxas de juro conduziu ao aumento da reestruturação de empréstimos à habitação, principalmente na componente performing. Este facto sugere que a reestruturação de empréstimos a taxa variável foi eficaz na contenção do incumprimento neste segmento.

Concentração de exposições

No primeiro semestre de 2024, o ativo do sistema bancário aumentou 4,4%, refletindo sobretudo o crescimento dos títulos de dívida, após uma relativa estabilização em 2023 (Quadro I.2.9). A carteira de títulos de dívida passou a representar 25% do total do ativo e é maioritariamente composta por títulos de dívida pública (68% do total da carteira, 17% do ativo) e, em menor medida, por títulos de dívida de sociedades não financeiras (20% do total da carteira, 5% do ativo). Ambas as componentes têm vindo a aumentar nos últimos anos, refletindo, inter alia, a situação robusta de liquidez do setor.

  1. Ativo do sistema bancário, taxa de variação homóloga e contributos | Em percentagem e em pontos percentuais

 

dez. 20

dez. 21

dez. 22

dez. 23

jun. 24

Peso no ativo       
(jun. 24)

Ativo (taxa de variação homóloga)

5,5

8,0

-0,5

-0,1

4,4(a)

 

Disponibilidades e empréstimos em bancos centrais

3,2

6,6

-2,3

-0,7

0,5

11,1

Disponibilidades e empréstimos a instituições de crédito

-0,1

-0,1

0,4

-0,5

-0,2

2,4

Empréstimos a clientes

1,2

2,4

1,4

-0,3

0,5

54,9

Títulos de dívida

1,6

0,1

0,0

1,8

3,6

25,2

Instrumentos de capital

-0,1

-0,1

-0,2

0,0

0,0

1,1

Outros

-0,2

-0,8

0,2

-0,3

0,0

5,3

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A rubrica “Outros” inclui caixa, ativos tangíveis, ativos intangíveis e outros ativos. (a) Taxa de variação e contributos face a dezembro de 2023.

Em junho de 2024, os títulos de dívida pública a custo amortizado continuaram a representar a principal componente da carteira de dívida pública (74%). Embora o seu peso se tenha reduzido no primeiro semestre (-6,4 pp), o peso dos títulos de dívida pública a custo amortizado aumentou significativamente nos últimos dez anos (9% em 2014). A duração média desta carteira tem-se reduzido nos últimos anos, fixando-se atualmente em 4,5 anos. Estes fatores, em conjunto, mitigam o impacto das alterações de mercado sobre o valor de balanço dos títulos. No entanto, eventuais perdas latentes que se acumulem nesta carteira terão de ser reconhecidas em caso de venda destes instrumentos.

O risco de interligação entre o soberano e o sistema bancário por via da exposição direta à dívida pública nacional tem vindo a reduzir-se nos últimos anos. A composição da carteira de dívida pública dos bancos portugueses manteve tendência de diversificação geográfica. Tendo por referência a atividade doméstica, os dados de junho de 2024 apontam para alguma estabilização do peso da dívida portuguesa e uma redução do peso das dívidas espanhola e italiana, compensadas pelo aumento da dívida da Comissão Europeia e da Alemanha (Quadro I.2.10).

  1. Títulos de dívida pública por geografia ― atividade doméstica | Em percentagem da carteira total

 

dez. 20

dez. 21

dez. 22

dez. 23

jun. 24

Total (% ativo) (a)

14,6

13,5

13,4

14,1

15,5

Portugal

54,7

47,5

41,7

36,3

36,0

Espanha

22,5

24,7

26,1

26,6

23,8

Itália

16,2

15,1

9,6

11,1

9,9

França

1,4

4,0

8,4

8,8

8,5

Irlanda

1,7

3,2

3,4

3,3

2,9

Bélgica

0,1

1,2

2,8

2,7

2,8

Alemanha

0,0

-0,3

1,0

2,7

3,6

Comissão Europeia

0,0

0,1

1,8

2,6

5,4

Outros

3,3

4,5

5,5

5,9

7,1

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: As séries referem-se ao reporte em base individual das outras instituições financeiras monetárias (OIFM) residentes em Portugal. A componente de outros países encontra-se dispersa não existindo nenhum país com um peso superior a 2,5%. (a) Em percentagem do ativo das OIFM.

Apesar do aumento da exposição global ao mercado imobiliário (0,9% face a dezembro de 2023), o peso desta exposição no ativo do sistema bancário manteve uma tendência descendente, situando-se em 33,5% em junho de 2024 (Quadro I.2.11). A evolução da exposição global resultou, sobretudo, do aumento dos empréstimos a particulares garantidos por imóveis e, em menor medida, aos empréstimos a SNF dos setores da construção e de atividades imobiliárias. Em termos de composição, os empréstimos a particulares garantidos por imóveis continuam a representar o maior peso no ativo do sistema bancário (24,6%). Em junho, 94% do stock de empréstimos para habitação apresentava um LTV igual ou inferior a 80%. A distribuição deste rácio sugere que o sistema bancário tem capacidade para acomodar uma potencial correção dos preços do imobiliário residencial sem incorrer em perdas elevadas (Gráfico I.2.10).

  1. Exposição a imobiliário | Em percentagem do ativo

  1. Distribuição do stock de empréstimos à habitação por LTV ― junho de 2024 | Em percentagem da carteira

 

dez. 21

dez. 23

jun. 24

Exposição a imobiliário

34,0

34,6

33,5

Emp. a particulares garantidos por imóveis

25,1

25,5

24,6

Emp. a SNF da construção e ativ. imob.(a)

4,0

4,1

4,0

Emp. a SNF garantidos por imóveis (b)

3,4

3,7

3,6

Fundos de Investimento Imobiliário (c)

0,9

0,9

0,9

Ativos imobiliários (d)

0,6

0,3

0,3

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: (a) não exclui empréstimos concedidos para o financiamento de projetos não relacionados com o setor imobiliário, como por exemplo para obras públicas; (b) exclui empréstimos a SNF dos setores da construção e das atividades imobiliárias. Existiu uma alteração de metodologia numa das principais instituições no reporte de empréstimos a SNF garantidos por imóveis a partir de 2023, o que levou a uma quebra de série; (c) inclui empréstimos e unidades de participação (d) valores brutos.

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: Indicador apurado com base em dados granulares da Central de Responsabilidade de Crédito ao nível do empréstimo e que se encontra em percentagem da carteira. Sempre que a data de última avaliação do imóvel é anterior ao terceiro trimestre de 2023, o valor atual do mesmo é estimado com base no Índice de Preços da Habitação do INE.

A exposição dos bancos portugueses ao mercado imobiliário comercial é limitada. Em junho de 2024, os empréstimos a empresas garantidos por imóveis comerciais (empréstimos CRE) totalizavam 22 mil milhões de euros, 4,8% do ativo total do sistema bancário. Os empréstimos CRE estão concentrados em pequenas e médias empresas e distribuídos por diversos setores de atividade. Embora se observe uma maior concentração no setor das atividades imobiliárias (empresas cuja atividade principal é a compra e venda e arrendamento de imóveis), os setores do alojamento e restauração, da indústria transformadora e do comércio também têm um peso relevante. A natureza diversa da atividade das empresas com crédito garantido por imóveis comerciais contribui para atenuar o risco de crédito neste segmento. Em muitos casos, o imóvel que garante o empréstimo poderá ser um imóvel detido pela empresa para uso próprio/desenvolvimento da sua atividade e não um ativo imobiliário detido numa ótica de investimento, para geração de rendimento pelo arrendamento ou pela venda (Caixa 2, Relatório de Estabilidade Financeira de maio de 2024, Banco de Portugal).

A possibilidade de transmissão e amplificação de choques adversos por via de interligações no setor financeiro nacional tem vindo a reduzir-se nos últimos anos (Caixa 3). Em junho, a exposição do setor bancário a contrapartes do setor financeiro situou-se em 14,3% do ativo dos bancos, praticamente inalterada face a dezembro de 2023, não tendo existido variações materiais por tipo de contraparte e/ou instrumento. Nos últimos 10 anos, esta exposição reduziu-se 8 pp. A exposição a bancos residentes mantém-se como a mais relevante (11,3% do ativo), seguida das exposições a outros intermediários financeiros (1,9%) e a fundos de investimento (1,1%).

Financiamento e liquidez

  1. O quadro de liquidez do sistema bancário manteve-se robusto. No primeiro semestre de 2024, o rácio de transformação reduziu-se em 2,8 pp, para 75,3% (Quadro I.1.12). Esta evolução refletiu o aumento dos depósitos de clientes (4,6%), com destaque para a captação de depósitos a prazo, especialmente no segmento dos particulares, decorrente da subida da remuneração média oferecida nestes produtos. O peso dos depósitos a prazo no total de depósitos continuou a aumentar, ainda que numa dimensão inferior à observada em 2023 (Gráfico I.2.11). Os depósitos de clientes continuam a ser a principal fonte de financiamento do sistema bancário, correspondendo a 73% do total do ativo (Gráfico I.2.12).
  1. Estrutura dos depósitos a clientes | Em percentagem

  1. Estrutura do passivo financeiro | Em percentagem do total do ativo

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: DO ― depósitos à ordem; DP ― Depósitos a prazo. A categoria “Outros” inclui Administrações públicas e as Outras sociedades financeiras.

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: OIC ― Outras instituições de crédito e BC ― Bancos Centrais

Desde 2021, o peso do financiamento obtido junto do Eurosistema tem vindo a reduzir-se com o reembolso das operações de empréstimo TLTRO III pelos bancos (Gráfico I.2.12), assumindo no final do primeiro semestre um valor residual (0,3% do ativo). Simultaneamente, as reservas em bancos centrais permanecem elevadas, justificando um financiamento líquido negativo significativo (Quadro I.1.12). Estes desenvolvimentos refletiram-se na redução do rácio de ativos onerados, para níveis historicamente baixos.

  1. Os rácios prudenciais de liquidez permaneceram em níveis elevados. Os rácios de cobertura de liquidez e de financiamento estável líquido (nas siglas inglesas LCR e NSFR, respetivamente) situavam-se em níveis significativamente acima do mínimo regulamentar de 100%. O LCR subiu 18,3 pp no semestre, para 273%, motivado pelo aumento dos ativos de elevada liquidez (numerador), em especial, de instrumentos de dívida pública. Os ativos de elevada liquidez continuam a ser constituídos maioritariamente por instrumentos de dívida pública (52%) e reservas em bancos centrais (37%), representando 36% dos depósitos de clientes. O NSFR aumentou 4,5 pp, fixando-se em 155% em junho de 2024. A totalidade dos bancos do sistema nacional cumpria o mínimo regulamentar estabelecido, observando-se, um aumento dos rácios do percentil 5 em ambos os casos, no LCR de 23,2 pp para 145% e no NSFR de 2,1 pp para 118%.
  1. Indicadores de liquidez e financiamento | Em percentagem

 

dez. 08

dez. 12

 

dez. 21

dez. 22

dez. 23

jun. 24

 

Rácio de transformação

152,9

122,5

 

81,1

78,2

78,0

75,3

 

Rácio de cobertura de liquidez (LCR)

n.d.

n.d.

 

260,0

229,3

254,4

272,7

 

Rácio de financiamento estável líquido (NSFR)

n.d.

n.d.

 

142,9

145,8

150,6

155,0

 

Ativos de elevada liquidez (% depósitos de clientes)

n.d.

n.d.

 

37,0

31,7

33,8

36,2

 

Rácio de ativos onerados

n.d.

n.d.

 

18,1

11,2

9,1

8,1

 

Financiamento líquido do Eurosistema (% ativo)

-1,3

8,7

 

-4,5

-8,0

-10,2

-10,8

 

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: O financiamento líquido de bancos centrais é calculado através dos depósitos de bancos centrais líquido de disponibilidades e empréstimos a bancos centrais.

No primeiro semestre de 2024, algumas das principais instituições emitiram instrumentos elegíveis para o cumprimento do requisito mínimo de fundos próprios e passivos elegíveis (MREL, na sigla inglesa) num total de 2,4 mil milhões de euros. De acordo com o Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito, a generalidade das instituições questionadas sinalizou a manutenção ou a melhoria das condições de financiamento por grosso de médio a longo-prazo durante este período. Note-se que todas as instituições cujo período de transição para cumprimento de MREL terminava a 1 de janeiro de 2024 cumpriam com o requisito final. Existem, no entanto, instituições para as quais foi definido um período de transição mais longo, que continuam a construir a sua capacidade de MREL com vista ao cumprimento das respetivas metas finais.

Capital

Os fundos próprios totais do setor bancário português registaram um aumento no primeiro semestre de 2024, transversal a todas as grandes instituições, sobretudo devido à incorporação dos resultados gerados em reservas de capital (Gráfico I.2.13 ― painel A). A rendibilidade registada tem sido particularmente relevante para sustentar a geração orgânica de capital, permitindo o aumento dos buffers voluntários de capital que, se forem retidos, dotam as instituições de capacidade para acomodar choques futuros, nomeadamente em fases menos favoráveis dos ciclos económicos.

Os rácios de fundos próprios totais e de fundos próprios principais de nível 1 (CET 1) aumentaram 0,8 pp e 0,7 pp, respetivamente, para 20,5% e 17,8%, situando-se em valores historicamente elevados (Gráfico I.2.13 ― painel B). Além da referida incorporação de resultados, refletida em outras variações de CET 1, a evolução do rácio de fundos próprios totais do setor bancário beneficiou também da emissão de instrumentos de Additional Tier 1 por parte de uma grande instituição (Gráfico I.2.13 ― painel A). Este facto contribuiu para o aumento da dispersão do rácio de fundos próprios totais, medida pela diferença entre o percentil 90 e o percentil 10. No mesmo período, verificou-se uma redução da dispersão do rácio CET 1. Em junho de 2024, o rácio de fundos próprios totais encontrava-se 0,6 pp acima da média da área do euro, enquanto o rácio CET 1 foi superior em 1,4 pp (Gráfico I.2.13 ― painel B). Para além da evolução mais favorável dos rácios de capital do sistema bancário português nos últimos anos, estima-se que o impacto da implementação das reformas de Basileia III seja contido em Portugal, em termos absolutos e por comparação com a União Europeia (Caixa 5).

O ponderador médio de risco, correspondente ao rácio entre os ativos ponderados pelo risco (RWA, no acrónimo inglês) e o ativo total, situou-se em 41,8% em junho de 2024. A redução de 0,9 pp face ao final de 2023 contribuiu em 0,4 pp para o aumento do rácio de fundos próprios totais (Gráfico I.2.13 ― painel A). A redução do ponderador médio de risco foi acompanhada de uma menor dispersão entre instituições, quando medida pela diferença entre o percentil 90 e o percentil 10, e é explicada por um aumento do ativo total superior ao aumento dos RWA. A variação do ativo total reflete um aumento das suas componentes de menor risco (contributo de -1,4 pp), em particular a exposição a dívida pública. Em sentido oposto, o aumento das exposições em risco (contributo de +0,5 pp), essencialmente relacionadas com o risco de crédito, decorreu principalmente de um aumento das exposições creditícias a empresas.

Apesar da redução do ponderador médio de risco, este indicador mantinha-se significativamente acima do valor médio na área do euro (35,7%), em junho de 2024. A mediana da área do euro era apenas ligeiramente inferior ao valor observado para o setor bancário português (41,6%), sugerindo que a distribuição do ponderador médio de risco a nível europeu tem algum enviesamento para valores mais baixos. Este facto estará relacionado, inter alia, com a maior prevalência dos modelos internos na avaliação dos riscos financeiros para fins prudenciais em bancos de outros países europeus.

No primeiro semestre de 2024, registou-se também uma subida de 0,2 pp do rácio de alavancagem, decorrente de um aumento dos fundos próprios de nível 1 (Tier 1) superior ao aumento da exposição total utilizada no cálculo do rácio, o qual se situou em 7,5%, acima do mínimo regulamentar de 3%. Em junho de 2024, o rácio de alavancagem das instituições residentes em Portugal encontrava-se 1,4 pp acima da média dos países da área do euro.

  1. Rácios de fundos próprios | Em percentagem e pontos percentuais

Painel A ― Contributos (pp) para a variação semestral do rácio de fundos próprios totais (%)

Painel B ― Rácios de fundos próprios totais e de CET 1 em Portugal e média da área do euro

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: O rácio de fundos próprios (FP) totais corresponde ao rácio entre os fundos próprios totais e os ativos ponderados pelo risco. O rácio de CET 1 corresponde ao rácio entre os fundos principais de nível 1 e os ativos ponderados pelo risco.

  1. Risco de crédito das linhas de apoio à economia disponibilizadas durante a pandemia de COVID-19

As linhas de crédito com garantia pública disponibilizadas durante a pandemia de COVID-19 foram uma fonte importante de financiamento das empresas portuguesas num período de acentuada disrupção da atividade económica. Estas linhas, em conjunto com outras medidas, entre as quais se destacam as medidas de apoio ao emprego (layoff) e a moratória de crédito a empresas, mitigaram os potenciais efeitos negativos sobre a liquidez associados a uma queda abrupta das receitas e à maior restritividade nos critérios de concessão de empréstimos.

As condições contratuais dos empréstimos com garantia pública (EGP) concedidos ao abrigo destas linhas favoreceram a liquidez das empresas: os empréstimos foram contratados com maturidades longas e períodos de carência de capital alargados, beneficiando em alguns casos de prolongamentos posteriores. A maturidade típica associada aos EGP foi de 6 anos, que constituía o limite máximo da maioria destas operações. Adicionalmente, estes empréstimos tinham associados períodos de carência de capital de até 18 meses (em alguns casos 12 meses), contribuindo para um serviço de dívida reduzido no período inicial.

Os EGP foram contratualizados com taxas de juro variáveis, o que, a partir de meados de 2022, levou a um aumento dos custos de financiamento associados. Não obstante as condições de preço favoráveis no momento da concessão, o posterior aumento significativo das taxas de juro, que em setembro de 2023 face a março de 2020 chegou a corresponder a 450 pontos base, reforça a importância da avaliação do risco de crédito destas exposições e da situação financeira das empresas que delas beneficiaram.

Em junho de 2024, os EGP atribuídos durante a pandemia correspondiam a 4,6% do total do stock de empréstimos dos bancos a empresas, valor que compara com o máximo observado em setembro de 2021 ― 12,5%. Os empréstimos estavam concentrados nos setores de atividade da indústria transformadora, comércio, e alojamento e restauração, refletindo as condições de elegibilidade setorial dos empréstimos, para além das necessidades de financiamento das empresas (Quadro C1.1). A redução do peso das linhas de apoio entre setembro de 2021 e junho de 2024 no total de empréstimos de cada um destes três setores foi, em termos relativos, superior nos setores do comércio e da indústria transformadora e menor no setor do alojamento e restauração. Para esta evolução contribuiu um aumento do montante total de empréstimos no setor do comércio, um montante superior de amortizações antecipadas no setor da indústria transformadora e uma redução do montante total de empréstimos no setor do alojamento e restauração.

Os EGP estão concentrados em empresas na classe de menor risco, refletindo condições de acesso que pretendiam assegurar a alocação destas linhas a empresas viáveis. Em junho de 2024, 60% da exposição estava associada a empresas de menor risco de crédito (Gráfico C1.1). Esta proporção é superior à proporção observada nos empréstimos sem garantia pública, 46%, relação que se tem mantido desde o período de pandemia para a globalidade dos setores de atividade. Esta diferença explica-se, inter alia, pelos critérios de concessão das linhas, que procuravam garantir os apoios a empresas que tinham viabilidade económica no período anterior à pandemia, tendo em conta o setor de atividade e a dimensão da empresa.8

  1. Peso dos empréstimos com garantia pública no total de empréstimos dos bancos a empresas | Em percentagem

 

Montante de empréstimos com garantia pública COVID-19 (EGP) | Milhões de euros

 

Peso dos EGP no total de empréstimos a empresas | Em percentagem

 

set. 21

jun. 24

 

set. 21

jun. 24

Total

9240

3260

 

12,5

4,6

 

Peso de cada setor no total de EGP | Em percentagem

 

Peso dos EGP no total de empréstimos de cada setor | Em percentagem

 

set. 21

jun. 24

 

set. 21

jun. 24

Agricultura

1,9

2,3

 

5,8

2,5

Indústria Extrativa

1,1

1,0

 

3,8

1,4

Indústria Transformadora

33,0

29,8

 

20,4

7,2

Construção e at. imobiliárias

8,0

8,4

 

4,6

1,8

Comércio

22,5

21,8

 

15,9

5,2

Transportes e armazenagem

4,7

4,7

 

8,3

3,3

Alojamento e restauração

14,4

15,8

 

17,6

8,0

Telecomunicações

1,8

1,7

 

17,0

5,9

Atividades de consultoria, técnicas e administrativas

7,6

8,7

 

14,0

5,2

Outros Serviços

5,0

5,9

 

13,3

6,4

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: EGP ― Empréstimos com garantia pública COVID-19. Para a análise realizada nesta caixa, as linhas de crédito com garantia pública COVID-19 correspondem a todos os contratos de EGP iniciados entre março de 2020 e dezembro de 2021.

A taxa de juro média associada aos EGP, que num período inicial era inferior à taxa de juro média para o total de empréstimos a empresas, aumentou a partir de meados de 2022, convergindo para a taxa média do total de exposição. Em setembro de 2021, a taxa média dos EGP era cerca de 1 pp inferior à das restantes exposições, situação que se manteve até meados de 2023. Desde aí, a diferença reduziu-se, convergindo para valores próximos à dos restantes empréstimos. A redução do spread médio e a maior proporção de empréstimos a taxa mista ou fixa nos empréstimos sem garantia pública contribuíram para esta evolução. Em junho de 2024, a taxa de juro média associada aos EGP foi 5,2%, que compara com 5,3% nos restantes empréstimos, ainda que persista um diferencial mais significativo face aos restantes empréstimos com taxa variável (Gráfico C1.2) e alguma heterogeneidade setorial. O diferencial das taxas de juro diminuiu de forma mais acentuada nos setores da construção e atividades imobiliárias e telecomunicações, onde a taxa de juro dos EGP supera a dos restantes empréstimos em junho de 2024, e menos acentuada no alojamento e restauração e transportes e armazenagem. A evolução destes setores de atividade reflete sobretudo a redução da diferença dos spreads associados à exposição sem garantia pública.

As comissões de garantia associadas à contratação dos EGP têm também contribuído para os custos das empresas com este tipo de financiamento. A maioria destes empréstimos foi contratualizada com comissões de garantia que aumentam ao longo da maturidade do empréstimo. Em algumas desses empréstimos, essas comissões poderão atingir entre 1% e 1,75% nos quarto, quinto e sexto anos de vigência do contrato, face a 0,25% e 0,3% no primeiro ano. 9 O efeito combinado do aumento das taxas de juro e das comissões de garantia poderá traduzir-se num aumento do risco de crédito de alguns mutuários. Embora se tenha observado um aumento de amortizações antecipadas nos EGP após o aumento das taxas de juro, nas empresas que recorreram a EGP a taxa de reembolso antecipado nestes empréstimos foi inferior ao observado nos empréstimos sem garantia pública.

  1. Distribuição dos empréstimos a empresas por classe de risco de crédito       
    | Em percentagem

  1. Evolução da TAA média dos empréstimos concedidos a empresas | Em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: O risco de crédito, medido pela probabilidade de incumprimento, tem por base notações de crédito disponíveis no Sistema Interno de Avaliação de Crédito do Banco de Portugal (SIAC).

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A tracejado são detalhadas as taxas de juro acordadas anualizadas (TAA) médias de contratos com taxas de juro variáveis. Em junho 2024, 96% dos empréstimos associados a linhas de crédito com garantia pública COVID-19 tinham sido contratados com taxa de juro variável, que compara com 80% nos empréstimos sem essas linhas. Dados obtidos a partir da Central de responsabilidades de crédito.

O aumento do rácio de endividamento das empresas que recorreram a EGP foi gradualmente revertido até 2023, permanecendo a liquidez das empresas acima da observada antes da pandemia (Gráfico C1.3). Em termos agregados, o rácio de caixa das empresas que recorreram a EGP aumentou de forma acentuada durante o período pandémico, reduzindo-se gradualmente em 2022 e 2023. Nesse ano, o rácio de caixa manteve-se superior ao valor observado no período anterior à pandemia (8,8% face a 7,4%, respetivamente). Em contrapartida, a obtenção destes créditos contribuiu para um aumento do rácio de endividamento, revertido no período recente, atingindo-se em 2023 o nível pré-pandemia (27,0% em 2023, face a 29,1% em 2019). Apesar desta redução, o grupo de empresas que recorreu a EGP apresentava até à pandemia um rácio de endividamento mais baixo do que as restantes empresas, situação que não se voltou a observar desde o período pandémico. Em paralelo, a rendibilidade média das empresas que recorreram a estes empréstimos diminuiu de forma mais acentuada durante a pandemia, refletindo a alocação das linhas de apoio em setores de atividade mais afetados, mas aumentou a partir de 2021, superando em 2023 a rendibilidade observada antes da pandemia (11,1% face 9,7% em 2019). Estas tendências foram observadas para a globalidade dos setores de atividade, mas a redução do endividamento foi mais contida no setor do alojamento e restauração.

A comparação entre as empresas que recorreram a EGP e as empresas que não o fizeram tem limitações importantes. Tal como já referido, os critérios de elegibilidade promoveram a alocação destes empréstimos a empresas consideradas viáveis antes da pandemia. Consequentemente, entre as empresas que não receberam estes empréstimos incluem-se as empresas que não cumpriam os critérios de elegibilidade e as que, mesmo cumprindo, não procuraram estes empréstimos, tornando relevante uma comparação do risco de crédito com empresas com caraterísticas semelhantes. Uma abordagem possível, ainda que não excluindo algum enviesamento, é a comparação com um grupo de empresas sem incumprimento no momento de concessão do empréstimo, o que também correspondia a um dos critérios de elegibilidade exigidos10.

  1. Evolução dos rácios de caixa, endividamento e rendibilidade das empresas, em função do recurso a empréstimos com garantia pública | Em percentagem do ativo

Painel A ― Caixa

Painel B ― Endividamento

Painel C ― Rendibilidade

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: O rácio de endividamento corresponde ao rácio entre dívida financeira e o total de ativo. O rácio de rendibilidade corresponde ao rácio entre EBITDA e o total de ativo. O rácio de caixa corresponde ao rácio entre caixa e depósitos bancários e o total de ativo. Valores ponderados pelo ativo.

Apesar da alocação dos EGP ter privilegiado setores de atividade mais afetados pela crise pandémica, a materialização do risco de crédito nas empresas que recorreram a esses empréstimos não difere muito do de outras empresas sem incumprimento no início da pandemia. Considerando apenas as empresas sem empréstimos non-performing em março de 2020, o rácio de NPL apresentou uma evolução semelhante entre as empresas que recorreram a EGP e as que não recorreram, 3,6% e 3,2% em junho de 2024 (Quadro C1.2), tendo as empresas com maior risco de crédito contribuído para a que o rácio de NPL seja ligeiramente superior nas empresas que recorreram a EGP. No setor do alojamento e restauração, o rácio de NPL é inferior nas empresas que recorreram a EGP, face às restantes, 2,2% e 8,9%, respetivamente. Por seu turno, no setor do comércio, o rácio de NPL das empresas que recorreram a estas linhas era superior, 3,1%, que compara com 2,4%.

Entre as empresas que recorreram a EGP, o rácio de NPL associado aos empréstimos com garantia pública é inferior ao rácio de NPL dos restantes empréstimos. Entre as empresas que não tinham empréstimos non-performing em março de 2020 e que recorreram a empréstimos com garantia pública, o rácio de NPL dos EGP foi de 2,6%, face a 3,8% na restante exposição (Quadro C1.2). Para este resultado poderão estar a contribuir as cláusulas que penalizam as situações de incumprimento nestas linhas de apoio, nomeadamente aumentos de spread e de comissões de garantia após materialização do incumprimento.

  1. Rácios de NPL em junho de 2024

 

Rácio de NPL (%), considerando apenas empresas sem empréstimos non-performing em março de 2020

 

Empresas que recorreram a EGP

Empresas que não recorreram a EGP

 

Total exposição

Exposição EGP

Exposição não EGP

Total

3,6

2,6

3,8

3,2

Agricultura

4,4

1,5

4,6

3,8

Indústria extrativa

9,3

1,7

9,9

3,1

Indústria transformadora

4,3

3,4

4,4

4,9

Construção e at. imobiliárias

4,4

1,9

4,7

2,7

Comércio

3,1

2,5

3,1

2,4

Transportes e armazenagem

2,9

1,7

3,0

1,0

Alojamento e restauração

2,2

2,3

2,2

8,9

Telecomunicações

3,2

1,3

3,5

2,8

Atividades de consultoria, técnicas e administrativas

3,3

2,2

3,5

1,6

Outros serviços

2,6

1,9

2,7

3,6

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: EGP ― Empréstimos com garantia pública COVID-19. Dados obtidos a partir da Central de responsabilidades de crédito. Em junho de 2024, as empresas sem empréstimos non-performing em março de 2020 representavam cerca de 75% do total de empréstimos.

Conclui-se que o risco de crédito associado à exposição de linha de crédito com garantia pública é contido, mas deverá continuar a ser monitorizado. As linhas de crédito com garantia pública COVID-19 apoiaram a situação financeira das empresas durante o choque pandémico, contribuindo para promover a sua liquidez e a mitigação do seu serviço de dívida. A sua indexação a taxas de juro variáveis traduziu-se num aumento das taxas de juro a partir de meados de 2022, que, em combinação com o crescimento das comissões de garantia com a maturidade dos empréstimos, terão contribuído para um aumento dos custos associados a estes empréstimos. Os critérios de concessão de crédito no momento de concessão destas linhas contribuíram para uma alocação em empresas de menor risco de crédito, característica que se mantém até hoje. A materialização de risco de crédito nas empresas que recorreram a EGP é semelhante à das empresas que não recorreram a estas linhas de apoio. Contudo, atenção deverá ser dada às exposições com sinais de deterioração de crédito, em particular das empresas com exposição non-performing.

 

  1. Preços de habitação regionais

O aumento dos preços da habitação em Portugal tem sido concentrado nos principais centros urbanos e na faixa litoral do país, regiões de maior densidade populacional, atividade económica e intensidade turística. Em regiões de menor dinamismo económico e menor pressão demográfica, o crescimento dos preços foi mais moderado e/ou apenas se intensificou mais recentemente. A evolução diferenciada dos preços da habitação por região deve-se a fatores de procura, como os desenvolvimentos no mercado de trabalho (evolução do rendimento e do desemprego), fluxos migratórios e outras tendências demográficas, procura por não residentes (também para fins de investimento) e atividade turística; e a fatores da oferta, como a capacidade instalada das empresas de construção, a disponibilidade de terreno urbanizável, a celeridade dos licenciamentos e fatores exógenos sobre os custos de construção e reabilitação.

Caraterização geográfica da evolução dos preços da habitação e de outras variáveis relevantes

Após a crise financeira de 2007, os preços da habitação em Portugal iniciaram uma trajetória de redução até 2013, ano em que a dinâmica dos preços se inverteu. Nos últimos 10 anos os preços da habitação aumentaram continuamente, tendo o índice de preços da habitação do INE (IPHab) duplicado entre 2013 e 2023. O IPHab não está disponível com detalhe geográfico, mas existem indicadores alternativos que permitem captar a heterogeneidade na evolução dos preços a nível local.

Entre 2016 e 2023, as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, o Alentejo Litoral e o Algarve destacam-se com o crescimento mais acentuado do valor mediano das transações por metro quadrado (Figura C2.1, Painel A). Em particular, no concelho de Lisboa o valor mediano por metro quadrado duplicou, o que corresponde a uma taxa de crescimento média anual de 10,5% (a taxa média anual de inflação foi de 2,3%). No concelho do Porto, a mediana aumentou 2,5 vezes, correspondendo a uma taxa de crescimento média anual de 14,5%. Por sua vez, as regiões da Beira Baixa e do Alto Alentejo registaram os menores crescimentos, 3,4 e 3,5% respetivamente.

A evolução dos preços ao longo deste período apresenta perfis diferenciados entre concelhos de uma mesma região. As diferenças observadas entre concelhos apontam para fenómenos de contágio dos principais centros urbanos para a periferia. Como exemplo, no distrito de Lisboa, após um crescimento acentuado dos preços no concelho de Lisboa, seguiu-se um crescimento também acentuado dos valores medianos em concelhos limítrofes como Oeiras, Odivelas e Amadora até 2019. Mais recentemente, entre 2020 e 2023, o crescimento foi mais acentuado em concelhos mais periféricos do distrito de Lisboa (p.e. Sintra, Alenquer, Mafra e Torres Vedras). Estes desenvolvimentos estão em linha com os resultados de Huget et al. (2022) que, analisando períodos de exuberância nos preços da habitação a nível local, concluem pela existência de efeitos de contágio de Lisboa para os restantes concelhos do distrito, com diferentes magnitudes e desfasamentos temporais.

Um dos principais determinantes da evolução dos preços da habitação no longo prazo é o rendimento disponível das famílias (Álvarez-Román e García-Posada, 2021; Lourenço e Rodrigues, 2017). Na ausência de dados de rendimento por concelho (apenas por NUTS II), analisaram-se os dados da taxa de desemprego (apurada com base no número de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional), no pressuposto de que uma taxa mais elevada estará associada a rendimentos inferiores11. A taxa de desemprego média entre 2016 e 2023 foi mais elevada na região Norte do país, no Alentejo Interior e em alguns concelhos do Algarve, e mais baixa na Área Metropolitana de Lisboa e na zona oeste entre Lisboa e Porto (Figura C2.1, Painel B).

O crescimento populacional surge como outro determinante relevante da evolução dos preços da habitação (Álvarez-Román e García-Posada, 2021; Bischoff, 2012). Entre 2016 e 2023, o crescimento populacional foi mais acentuado nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e na região do Algarve (Figura C2.1, Painel C).

Nos últimos anos, o crescimento da população refletiu o crescimento significativo da população estrangeira, que compensou os saldos naturais negativos. A população estrangeira residente mais que duplicou desde 2017, representando 10% da população residente em Portugal no final de 2023. O saldo migratório aumentou consecutivamente desde 2014, sendo que em 2023 ascendeu a cerca de 1,5% da população total, o que compara com um saldo natural negativo de cerca de 0,3%. A população estrangeira está mais concentrada nas regiões de Lisboa, Oeste, Alentejo Litoral e Algarve (Figura C2.1, Painel D). Alguns concelhos da região do Algarve têm mais de 30% de população estrangeira (não contando com os cidadãos que adquiriram nacionalidade) e alguns concelhos registaram, pontualmente, influxos anuais superiores a 5% do total da população residente.

A evolução da oferta de habitação, incluindo a construção de nova habitação, tem vindo a ser referida como relevante para o crescimento dos preços. As regiões da Área Metropolitana de Lisboa e do Porto apresentam um menor grau de disponibilidade de habitação, medida pelo parque habitacional em percentagem da população residente, enquanto nas regiões de Trás-os-Montes, Beira Interior, Alentejo e Algarve a disponibilidade é maior (Figura C2.1, Painel E).

A procura de habitação (e de terreno urbanizável) foi também potenciada pelo elevado dinamismo do setor do turismo. Em particular, a procura de habitação para alojamento local aumentou significativamente desde 2015. Entre 2015 e 2023, a região do Algarve e os concelhos de Lisboa e do Porto observaram o maior número de licenças de alojamento local emitidas, 45 mil, 22 mil e 15 mil licenças, correspondendo a 11%, 7% e 11% do parque habitacional, respetivamente (Figura C2.1, Painel F).

  1. Evolução dos preços da habitação por concelho entre 2016 e 2023 e de alguns potenciais determinantes | Em percentagem

Painel A — Preços da habitação

Painel B — Taxa de desemprego

Painel C — Crescimento populacional

   

Painel D — Percentagem de população estrangeira no total

Painel E — Parque habitacional per capita

Painel F — Percentagem de Alojamento Local no parque habitacional

Fontes: INE e Turismo de Portugal. | Notas: a) o painel A apresenta a taxa de crescimento média do valor mediano das transações de habitação por metro quadrado; o painel B apresenta a taxa de desemprego média; o painel C apresenta a taxa de crescimento médio da população total residente; o painel D apresenta a percentagem média de população estrangeira no total; o painel E apresenta o stock de habitação per capita; o painel F apresenta o peso médio do número de licenças de alojamento local emitidas no parque habitacional.

Análise multivariada dos preços da habitação com dados em painel

Uma análise multivariada das variações dos preços da habitação por região permite isolar melhor o efeito dos determinantes dos preços da habitação. O período considerado nesta análise é 2008-2023, que inclui um período (2010–2013) em que os preços registaram uma trajetória descendente. A análise centra-se em 111 concelhos continentais, para os quais existe um número suficiente de transações de habitação que permita o apuramento de um índice de preços específico do concelho para um período mais alargado. O índice de preços é apurado pela Confidencial Imobiliário por concelho e distrito (não está disponível por NUTS III), a partir de informação de algumas das principais empresas de intermediação imobiliária em Portugal. Para além da maior cobertura temporal por comparação com a informação disponível para o valor mediano (INE) explorada acima, trata-se de um índice de preços hedónico que expressa os preços da habitação em função das suas caraterísticas (como o número de quartos, a área e a localização), controlando para diferenças na qualidade dos imóveis transacionados ao longo do tempo.

A análise apresentada distingue-se da generalidade dos estudos sobre preços da habitação em Portugal por utilizar informação com maior desagregação geográfica. Foram utilizados dados por concelho para estimar regressões de efeitos fixos para Portugal, para uma seleção de distritos e para o conjunto de restantes concelhos (referido como “Resto do país”), o que permite avaliar eventuais efeitos diferenciados entre regiões. Para uma variabilidade suficiente, as regressões ao nível do distrito foram estimadas apenas para distritos com mais de 10 concelhos com índices individuais de preços da habitação. Para além das variáveis apresentadas, as regressões incluem ainda i) a taxa de juro média dos novos empréstimos à habitação, ii) um indicador de oferta ― o rácio de fogos concluídos em relação ao parque habitacional (com variabilidade geográfica), e iii) o crescimento dos custos de construção de habitação nova (INE). Os resultados para Portugal e para uma seleção de distritos são apresentados no Quadro C.1.1.

Para Portugal, uma taxa de desemprego superior resulta num abrandamento da procura de habitação, aliviando a pressão sobre os preços, como esperado (primeira coluna do Quadro C.1.1). A diminuição da taxa de desemprego, de 17,2% em 2013 para 6,5% em 2023, terá contribuído para um maior crescimento dos preços. Refira-se que, neste período, se observou um aumento do rendimento disponível das famílias de 47%.

Taxas de juro mais elevadas contribuem para aliviar a pressão sobre os preços. O aumento dos encargos com o crédito à habitação e a maior atratividade de outros ativos financeiros como aplicação de poupança, reduzem a procura de habitação. Este racional económico é corroborado pelo coeficiente estimado, negativo e significativo.

O aumento da oferta de habitação, medido pelo rácio de fogos concluídos sobre o stock total de habitação, resulta numa menor pressão sobre os preços da habitação, enquanto os custos de construção têm o efeito oposto. A análise econométrica confirma também uma relação positiva e estatisticamente significativa entre o aumento dos custos de construção e a variação dos preços da habitação.

O crescimento da população está associado a um crescimento dos preços, como esperado. Embora a população total em Portugal tenha diminuído 0,8% entre 2011 e 2023, entre 2016 e 2023, a população residente aumentou 2,9%. O crescimento da população estrangeira e, em particular, os saldos migratórios positivos contribuíram para este efeito. Refira-se, contudo, que o crescimento populacional total não capta alterações na estrutura etária da população e tendências sociodemográficas, que se traduziram numa diminuição da dimensão média dos agregados familiares e num aumento do número de agregados familiares (secção 1.3.4), aumentando a procura por habitação e intensificando a pressão ascendente sobre os preços.

Para o crescimento dos preços da habitação contribui também a procura relacionada com atividades turísticas, em particular a procura de imóveis para arrendamento de curta duração (alojamento local). O coeficiente associado ao licenciamento de novas unidades de alojamento local é estimado com sinal positivo e estatisticamente significativo.

Os resultados agregados para Portugal são, na generalidade, confirmados quando se estima o modelo para os distritos em análise, em particular no que se refere ao sinal e significância. A elevada percentagem de transações de habitação por não residentes e estrangeiros reformados/não ativos em algumas regiões pode levar a que os fundamentos económicos não tenham a mesma relevância. Também o facto de o período temporal considerado incluir um longo período de baixas taxas de juro e apenas um ciclo de subida muito acentuada em 2022 e 2023, estará a condicionar uma identificação robusta do seu possível impacto. Em relação ao efeito da atividade turística nos preços da habitação dos diferentes distritos, os resultados confirmam que o licenciamento de novas unidades de alojamento local esteve associado a um maior crescimento dos preços nos distritos analisados, sendo mais significativo nos distritos de Lisboa, Porto, Faro e Setúbal, por comparação com Aveiro e o resto do país.

Conclusão

Esta caixa apresenta uma análise dos fatores determinantes para a evolução dos preços da habitação a nível regional, com base em dados desagregados por concelho.

O aumento dos preços da habitação em Portugal tem sido concentrado nos principais centros urbanos e na faixa litoral do país, regiões de maior densidade populacional, atividade económica e intensidade turística. A análise econométrica confirma o impacto esperado dos principais fatores determinantes dos preços da habitação referidos na literatura, como a taxa de desemprego, as taxas de juro, o crescimento da população e a construção de nova habitação. Adicionalmente, a procura por unidades de alojamento local terá estado associada a um maior crescimento dos preços da habitação em algumas regiões.

No entanto, as estimativas obtidas devem ser interpretadas com cautela, dada a reduzida frequência temporal com que a informação regional está disponível. Como trabalho futuro, seria interessante avaliar impactos diferenciados de cada determinante ao longo da distribuição dos preços da habitação, por exemplo, analisando os diferentes quantis, e possíveis efeitos de contágio entre concelhos dos principais centros urbanos.

  1. Resultados de regressões com dados em painel | Variável dependente ― Taxa de crescimento anual dos preços da habitação

 

Portugal

Aveiro

Faro

Lisboa

Porto

Setúbal

Resto do país

Taxa de desemprego

-1,397***

-1,166***

-0,471

-1,898***

-1,564***

-3,571***

-1,513***

Taxa de juro dos novos empréstimos à habitação

-0,938***

-0,129

-2,739***

-1,243**

-0,668

-1,186***

-0,020

Fogos concluídos/Stock de habitação

-6,090***

-7,380***

-2,598***

-7,089***

-8,715***

-4,290***

-7,458***

Crescimento dos custos de construção

0,707***

0,695***

1,089***

0,611***

0,737***

0,200

0,639***

Crescimento da população

3,253***

5,697***

2,420***

2,684***

0,523

1,220

3,481***

Novo Alojamento Local/Stock de habitação

4,419***

13,240*

4,388***

10,290***

6,529***

7,539***

2,867*

 
 
 
 
 
 
 
 

Número de observações

1776

208

192

256

256

176

688

Número de concelhos

111

13

12

16

16

11

43

Within-R2

0,641

0,723

0,740

0,692

0,671

0,791

0,603

Fonte: INE. | Nota: As regressões foram estimadas com erros-padrão robustos. *, ** e *** referem-se ao nível de significância estatística dos coeficientes, respetivamente, a 10%, 5% e 1%.

Referências

Álvarez-Román, L. e García-Posada, M. (2021). "Are house prices overvalued in Spain? A regional approach," Economic Modelling, Elsevier, vol. 99(C).

Bischoff, O. (2012). "Explaining regional variation in equilibrium real estate prices and income." Journal of Housing Economics 21, no. 1 (2012): 1–15.

Lourenço, R. and Rodrigues, P. (2017). "House prices in Portugal-what happened since the crisis." Banco de Portugal Economic Studies (2017): 41–57.

Huget, R., Lourenço, R. and Rodrigues, P. (2022). “Exuberance and contagion in the Portuguese housing market: a perspective on disaggregate local residential prices”, The real estate market in Portugal: Prices, rents, tourism and accessibility (2022). Fundação Francisco Manuel dos Santos: 27–48.

 

  1. Dimensão, composição e interligações do setor financeiro não bancário em Portugal

O setor financeiro não bancário (SFNB) assumiu nos últimos anos maior relevância internacional no financiamento da economia. Na sequência da crise financeira de 2008–09, a intermediação financeira por entidades não bancárias aumentou, representando atualmente quase metade dos ativos financeiros mundiais12. Paralelamente, observou-se um aumento da diversidade nas atividades desempenhadas e no tipo de instituições que compõem este setor. Esta evolução foi acompanhada de acumulação de vulnerabilidades, em particular, no ambiente de baixas taxas de juro e de ampla liquidez. Os episódios recentes de stress financeiro, como o caso Archegos Capital Management ou o dos fundos LDI (Liability Driven Investments) no Reino Unido, demonstraram o potencial destas instituições no contágio e amplificação de riscos para a estabilidade financeira.

O conceito mais lato (broad measure) de SFNB compreende todas as instituições financeiras que não sejam bancos centrais, bancos ou instituições financeiras públicas, utilizando como referência o sistema europeu de contas (SEC 2010). No entanto, dada a diversidade de funções desempenhadas pelas instituições abrangidas por este conceito, com diferentes modelos de negócio e enquadramentos regulatórios e de supervisão, é frequente que agregados mais restritos sejam considerados em algumas análises. Na sua versão mais restrita, algumas autoridades focam-se nas atividades de intermediação de crédito. Em termos de subsetores do setor financeiro, considera os Outros Intermediários Financeiros (OIF), os Auxiliares financeiros (AF), as Instituições Financeiras Cativas e Prestamistas (IFCP), as Sociedades de Seguro (SS), os Fundos de Pensões (FP) e os Fundos de Investimento, exceto fundos de mercado monetário (FI). Apesar da definição adotada pelo Comité Europeu de Risco Sistémico (ESRB, na sigla inglesa) incluir também os Fundos do Mercado Monetário (FMM), dada a sua diminuta expressão em Portugal, estes não são considerados na análise desta caixa.

  1. Evolução do setor financeiro não bancário em Portugal e na área do euro | Em percentagem do PIB

  1. Composição do setor financeiro em Portugal ― junho 2024

Fonte: BCE. | Notas: A dimensão do setor é calculada a partir do total do ativo financeiro. No denominador, foi considerado PIB do ano terminado no trimestre.

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: Desagregação dos setores institucionais de acordo com o SEC2010. Neste agregado, considera-se o total do setor financeiro, excluindo o banco central. A composição do setor financeiro tem por base o total do ativo financeiro. OIFM ― Outras Instituições Financeiras Monetárias.

Em contraste com a trajetória da área do euro no período pós-crise financeira, o peso do SFNB na economia portuguesa tem vindo a reduzir-se, representando 87% do PIB no segundo trimestre de 2024 (370% na área do euro) (Gráfico C3.1). As instituições que compõem o SFNB representavam um terço do ativo do sistema financeiro nacional (excluindo o Banco Central), nesta data, destacando-se a importância das IFCP e das SS, com 14,6% e 7,6% do total do ativo, respetivamente (Gráfico C3.2).

A diversidade de atividades desempenhadas, as diferenças na arquitetura financeira de cada país e as especificidades fiscais, regulatórias e legais, entre outros fatores, traduzem-se numa composição do SFNB ― avaliada através da broad measure ― bastante heterogénea entre os países da área do euro (Gráfico C3.3). Em termos relativos, este setor apresenta em Portugal um peso contido na economia e no sistema financeiro. Em termos de estrutura, salienta-se a menor importância dos fundos de investimento face à generalidade dos países da área do euro, e o peso das IFCP no total nacional, ainda que bastante inferior, por exemplo, aos do Luxemburgo, de Malta, do Chipre e dos Países Baixos.

  1. Comparação do setor financeiro não bancário na área do euro ― junho de 2024

Fonte: BCE. | Notas: Valores não consolidados. SFNB corresponde a setor financeiro não bancário. O agregado do setor financeiro, exclui o banco central. Considerado o total dos ativos financeiros dos setores analisados. Valores do PIB terminado no trimestre. Escala do SFNB (em % PIB) truncada. No caso do Luxemburgo, o peso deste setor ascendia a 20 820% do PIB, em Malta a 3085% do PIB, no Chipre a 1897% do PIB e na Irlanda a 1327% do PIB no segundo trimestre de 2024, respetivamente.

Os OIF, AF e IFCP incluem uma grande diversidade de intermediários financeiros, partilhando não estarem autorizados a aceitar depósitos e podendo financiar-se mediante a emissão de títulos e empréstimos. Os AF incluem entidades cuja atividade consiste em auxiliar a intermediação financeira, não incorrendo no risco da intermediação. A heterogeneidade deste grupo reflete-se na dispersão de instrumentos no ativo do balanço, enquanto o passivo é dominado por títulos de dívida e empréstimos.

As IFCP incluem as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS, holdings financeiras e não financeiras e Trusts), os prestamistas (que concedem crédito garantido pelo penhor de bens) e as sociedades de finalidade especial (SPE, na sigla inglesa) ― que obtêm fundos nos mercados para financiar empresas do grupo. Em termos agregados, as IFCP financiam-se através de instrumentos de capital e, em menor medida, por empréstimos, tendo como principal ativo títulos de capital. Apesar da sua relevância, o peso deste setor na economia reduziu-se nos últimos anos, de 76% do PIB no final de 2013 para 38% no segundo trimestre de 2024.

A principal função dos OIF é a prestação de serviços de intermediação financeira, contraindo empréstimos junto de outras entidades financeiras ou através da emissão de títulos e concedendo empréstimos. São uma categoria bastante diversificada, na qual se destacam as entidades de titularização de créditos, com 2/3 do ativo total do subsetor. Estas entidades assumiram maior relevância no período anterior à crise de dívida soberana, mas têm verificado uma redução progressiva dos seus ativos. As OIF compreendem ainda as contrapartes centrais, sociedades especializadas na concessão de crédito em segmentos específicos (factoring, leasing, SFAC, cartões de crédito), sociedades de investimento, capital de risco e desenvolvimento regional e as sociedades de garantia mútua. O peso destas instituições na economia também diminuiu de 32% do PIB no final de 2013 para 10% no segundo trimestre de 2024.

Interligações

Para a estabilidade financeira é importante analisar as interligações que este setor estabelece com o restante sistema financeiro e com os vários setores institucionais. Por via das posições ativas e passivas que mantém junto de outros setores, traduzidas em relações de financiamento, tipicamente via instrumentos de dívida ou de capital, essas interligações reforçam o potencial do SFNB em termos de contágio e amplificação de choques sobre o sistema financeiro e sobre a economia.

Os ativos financeiros do setor concentram-se predominantemente em contrapartes não residentes, em particular FI, SS e FP (Gráfico C3.4). Salienta-se o papel do setor no financiamento das sociedades não financeiras, em particular pelas IFCP, refletindo as relações entre os grupos económicos, uma vez que este subsetor inclui as SGPS e holdings financeiras e não financeiras.

A interligação entre instituições do SFNB e as Outras Instituições Financeiras Monetárias (OIFM), agregado constituído na sua quase totalidade pelos bancos, é também limitada, tendo-se reduzido na última década. Mesmo que as aplicações em OIFM assumam alguma materialidade para OIF e AF, estes representam 2% do passivo dos OIFM no segundo trimestre de 2024. No total do ativo, a exposição das OIFM ao SFNB é de 4,0%, não excedendo 1,3% para nenhum dos subsetores.

De igual forma, na ótica da obtenção de fundos, o principal setor de contrapartida para o SFNB é o Resto do mundo, i.e., entidades não residentes. Observam-se as notáveis exceções dos FI, em que os particulares residentes atingem quase 50% da origem de fundos, e dos FP, cujas responsabilidades são essencialmente perante particulares residentes.

Esta análise tem em consideração somente as designadas interligações diretas entre instituições financeiras. A acrescer a estas, existem também as designadas interligações indiretas, associadas a exposições das diferentes instituições (setores) a riscos (setores de contraparte) comuns. A similaridade nas estratégias de investimento, em particular, a exposição a ativos comuns, é uma forma de interligação indireta que expõe as diferentes instituições financeiras à materialização dos mesmos riscos. A conjugação dos dois tipos de interligações aumenta o impacto dos riscos subjacentes.

A exposição a títulos de dívida pública portuguesa assume materialidade no setor financeiro em Portugal. A transversalidade desta exposição torna as carteiras de todas as instituições mais vulneráveis ao risco de mercado. Por exemplo, um choque de liquidez num dos subsetores que provoque uma subida pronunciada das yields com impacto material nos preços de mercado, poderá potenciar uma desvalorização sincronizada dos ativos detidos em carteira pelas instituições financeiras dos vários subsetores financeiros em Portugal, podendo assumir uma natureza sistémica13. No entanto, os riscos associados a esta exposição têm diminuído nos últimos anos por três motivos. Por um lado, o risco associado à dívida pública teve uma evolução favorável que se reflete nas notações de rating e nas taxas de mercado e seus diferenciais face a emitentes de menor risco na área do euro. Para além disso, face a 2020, a exposição do setor financeiro português a títulos de dívida emitidos pelas administrações públicas nacionais reduziu-se. Adicionalmente, desde julho de 2022 a existência do Instrumento de Proteção da Transmissão (TPI na sigla inglesa) contribuiu para conter a fragmentação dos mercados de dívida na área do euro.

  1. Interligações do sistema financeiro não bancário em Portugal

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A volumetria reflete valores não consolidados em mil milhões de euros, tendo como referência o segundo trimestre de 2024. No cálculo do ativo financeiro foram considerados depósitos, títulos de dívida, empréstimos, ações e outras participações de fundos de investimento e ações cotadas. Os setores institucionais considerados são: Outras Instituições Financeiras Monetárias (OIFM), Banco Central (BC), Fundos de Investimento (FI), Outros Intermediários Financeiros (OIF), Auxiliares Financeiros (AF), Instituições Financeiras Cativas e Prestamistas (IFCP), Sociedades de Seguro (SS), Fundos de Pensões (FP), Sociedades Não Financeiras (SNF), Administrações Públicas (AP), Particulares (Part) e Resto do Mundo (RM).

 

  1. Teste de ciber-resiliência: o instrumento e a experiência do Banco de Portugal

O Banco Central Europeu (BCE) realizou em 2024 um teste de esforço à ciber-resiliência das instituições significativas com o objetivo de avaliar a sua capacidade de resposta e recuperação de um ciber-incidente severo, mas plausível. A relevância do ciber-risco e a necessidade de melhorar a capacidade da sua avaliação no sistema financeiro levou o Banco de Portugal a conduzir um exercício semelhante, tendo alargado a amostra a instituições relevantes no sistema bancário nacional. Adicionalmente, beneficiando do enquadramento conceptual do Comité Europeu do Risco Sistémico (ESRB, da sigla em inglês), o Banco de Portugal alargou o âmbito do exercício para incluir a dimensão sistémica.

Esta caixa apresenta os resultados do exercício desenvolvido pelo Banco de Portugal.

Digitalização e o ciber-risco no sistema financeiro

O setor financeiro tem sido objeto de disrupção com o surgimento de empresas de cariz digital, fintechs e big techs, a oferecerem uma vasta gama de serviços financeiros assentes em tecnologia avançada. Estas empresas aparecem como concorrentes ou enquanto fornecedores dos bancos tradicionais, recorrendo a tecnologias sofisticadas como o blockchain, a computação em nuvem e a inteligência artificial. Também os bancos tradicionais têm beneficiado das novas tecnologias e sistemas de informação que os tornam mais eficientes e permitem ganhos de produtividade.

Estas tendências, materializadas numa maior capacidade de computação e automatismo e no acesso e gestão de grande quantidade de dados, permitem a disponibilização de mais serviços aos consumidores, com maior rapidez e a um menor custo. Numa primeira fase, a transformação digital do sistema financeiro assentou na migração da atividade dos bancos dos canais comerciais físicos para os canais digitais — online e mobile banking ― e na automatização de processos internos operacionais (Caixa 5, Relatório de Estabilidade Financeira, dezembro 2021). Atualmente, a transformação permite a exploração das novas tecnologias para gerar vantagem comparativa face à concorrência e aumentar a rentabilidade.

A evolução digital tornou o sistema financeiro mais suscetível a ciber-ataques, com o potencial de comprometer o funcionamento de atividades económicas críticas (ESRB, 2020). Estes incidentes podem ter origem em instituições financeiras, fornecedores de serviços, ou outras entidades externas, nomeadamente infraestruturas de mercados financeiros incluindo sistemas de pagamentos. Em face da elevada interligação entre instituições e interdependência dos sistemas de informação, os incidentes podem rapidamente amplificar e ser transmitidos à generalidade do sistema. Com a maior instabilidade geopolítica, a ocorrência e gravidade dos ciber-ataques têm vindo a aumentar (Relatório de Estabilidade Financeira, maio 2024 e novembro 2023, e Global Financial Stability Report de abril 2024), sendo considerados pelo ESRB e Fundo Monetário Internacional (IMF, na sigla em língua inglesa) como um risco significativo para a estabilidade financeira.

Natureza sistémica do ciber-risco e a perspetiva dos reguladores financeiros

Existem diversos canais de transmissão e ampliação do ciber-risco no sistema financeiro (Quadro C4.1). O canal operacional resulta da complexidade e dependências dos sistemas de informação num número limitado de fornecedores. Tal implica que a disrupção de um serviço crítico (por exemplo, o serviço de pagamentos) pode ter implicações nas instituições que dependam desses serviços (e.g. incapacidade de processar transações). Esta disrupção operacional pode causar um problema de liquidez, o que pode conduzir a uma maior volatilidade e tensão nos mercados (canal financeiro). Para além destes, um ciber-incidente que afete o sistema pode levar o público a questionar a fiabilidade de uma instituição, efeito potencialmente transmitido a outras instituições do sistema (canal de confiança).

  1. Canais de contágio em contexto de ciber-incidente ― exemplos

 
 

Efeito de 2.ª ordem

 
 

Operacional

Financeiro

Confiança

Impacto de 1.ª ordem

Operacional

As operações suspensas numa instituição impedem a execução das operações com instituições de contraparte (ex, transferências de fundos)

A suspensão da concessão de novos empréstimos devido a problemas operacionais tem um custo de oportunidade para as empresas que não obtêm financiamento e têm de adiar ou abdicar de investimentos.

A falta de integridade dos dados origina erros técnicos e funcionais nas aplicações que os clientes utilizam, gerando desconfiança e mobilização dos depósitos para outros bancos (cyber bank run).

Financeiro

O aumento do custo de financiamento e falta de liquidez levam a instituição a suspender operações, de acordo com os procedimentos excecionais previstos.

A falta de liquidez provocada pelo incidente, nas instituições impactadas, leva à venda de ativos com penalização no valor de venda (fire sale), o que pode acentuar a volatilidade nos respetivos mercados.

As perdas financeiras de uma instituição, relevante no sistema, quando tornadas públicas, originam a perda de confiança no sistema

Confiança

A perda de confiança numa instituição relevante do sistema leva a que as restantes ativem procedimentos de emergência, que implicam disrupções operacionais.

O impacto reputacional do incidente pode levar a que o mercado aumente o prémio de risco, de forma generalizada, para todas as instituições do sistema.

A perda de confiança na instituição afetada pelo incidente, estende-se a outras no sistema, por via de fake news, o que pode originar bank runs em diversas instituições do sistema.

A natureza sistémica do ciber-risco, traduzida na sua capacidade de comprometer a estabilidade financeira, tem levado os reguladores financeiros a analisar a adequabilidade dos seus instrumentos para monitorizar e mitigar estes riscos (ESRB, 2022). Nesta análise, importa distinguir entre os riscos individuais (microprudenciais), que resultam de vulnerabilidades inerentes ao modelo de negócio de cada banco e à sua operacionalização, e os riscos do sistema (macroprudenciais), que dependem da estrutura do sistema financeiro e do comportamento coletivo das instituições ou da dependência comum de instituições externas.

O Regulamento UE 2022/2554 Relativo à Resiliência Operacional Digital do Setor Financeiro (Digital Operational Resilience Act ― DORA, na sigla em língua inglesa), aplicável na União Europeia a partir de 17 de janeiro de 2025, visa constituir um quadro harmonizado de regras para promoção da resiliência operacional digital do setor financeiro, definindo requisitos mínimos de segurança das redes e sistemas de informação e estabelecendo uma estrutura de superintendência dos fornecedores de serviços terceiros críticos de tecnologias de informação e comunicação. No entanto, estes requisitos, mais focados na resiliência da instituição individual, devem ser reforçados com o desenvolvimento de um quadro de supervisão macroprudencial para o ciber-risco sistémico, incluindo instrumentos de análise e de política que permitam compreender, monitorizar e mitigar estes riscos.

O que são “cyber stress-tests” ou testes de ciber-resiliência

Os testes de cenários de ciber-resiliência operacional ― por simplificação designados por cyber stress-tests ― podem ter um enfoque microprudencial (na instituição) e/ou macroprudencial (no sistema) e reforçam os instrumentos analíticos de que os supervisores dispõem (ESRB, 2023). Estes exercícios têm como objetivo analisar a reação e capacidade de recuperação das instituições face a um hipotético, embora plausível, ciber–incidente grave, e quantificar os impactos para a instituição individual e o sistema. Este diagnóstico permite identificar as maiores vulnerabilidades das instituições e/ou sistema no cenário definido, e desenvolver um plano para a sua mitigação.

O cyber stress-test realizado pelo Banco de Portugal

O Banco de Portugal conduziu um cyber stress-test entre 2 de abril e 29 de maio de 2024, em linha com o seu Plano Estratégico e com as prioridades de supervisão do BCE. O cyber stress-test seguiu o enquadramento conceptual desenvolvido pelo ESRB (2023) e beneficiou da metodologia do BCE para a realização do teste de esforço de supervisão temático sobre ciber-resiliência operacional de 2024.

O cyber stress-test adotou o cenário e o questionário às instituições desenvolvidos pelo BCE, complementando esta metodologia com a perspetiva macroprudencial. O exercício incidiu sobre uma amostra representativa do sistema bancário nacional, que incluiu instituições de crédito com relevância sistémica nacional sob supervisão direta do Banco de Portugal e do BCE.

O cenário consistiu numa quebra de integridade dos dados do sistema principal de cada instituição, assumindo que todas as suas medidas de prevenção foram ultrapassadas, isto é, todas as defesas e proteções previstas falharam na contenção do incidente.

O questionário às instituições avaliou o impacto do incidente e as ações de resposta e recuperação de cada instituição, assim como efeitos de segunda ordem e a articulação com outras instituições e autoridades (Quadro C4.2). Perante o cenário traçado, as instituições identificaram as principais atividades ou funções afetadas pelo incidente, aferindo o seu impacto para a instituição e para o sistema, e identificaram os procedimentos e a atuação para responder ao incidente, e recuperar. Entre outros aspetos, foram avaliadas a ativação de planos de gestão de crise, a sua adequabilidade face ao cenário, as políticas de comunicação e as medidas de mitigação adotadas.

Os módulos do questionário para aferir o impacto sistémico, averiguaram, nomeadamente, a dependência comum de fornecedores de serviços externos à instituição, a coordenação no setor e o impacto económico no cenário em que se assume que o incidente ocorre em diversas instituições.

  1. Principais componentes do questionário do exercício

1. Análise de Impacto

Análise do impacto do cenário nos sistemas TIC da instituição.

2. Resposta

Avaliação de medidas relacionadas com o plano de resposta, análise e mitigação.

3. Recuperação

Avaliação do plano de recuperação, da recuperação esperada e efetiva.

4. Impacto Económico

Informação quantitativa sobre perdas e impacto nas funções económicas chave.

5. Impacto Sistémico

Avaliação de interligações, contágios, coordenação e concentração.

6. Impacto com contágio

Idêntica à componente 4, mas assumindo que o incidente é sistémico.

Fontes: Cyber Resilience Stress Test 2024 do Banco Central Europeu e Cyber Resilience Stress-Test 2024 do Banco de Portugal. | Nota: o pressuposto de impacto sistémico, na última componente do questionário, implica que as instituições assumam que o incidente ocorre em todas as instituições que participam no exercício.

Principais resultados do cyber stress-test do Banco de Portugal

Apesar de terem sido identificadas oportunidades de melhoria, a resiliência operacional das instituições e do sistema no seu conjunto foi adequada, cumprindo com as boas práticas e orientações das autoridades nacionais e internacionais. A avaliação da capacidade de resposta e recuperação dos bancos foi considerada adequada, contribuindo para a resiliência e estabilidade do sistema.

O impacto económico estimado, aferido na rendibilidade das instituições, foi limitado. Para além disso, observou-se a existência de planos de resposta e recuperação adequados, a ativação generalizada dos procedimentos excecionais, assim como uma comunicação com os diferentes stakeholders. Todavia, apesar do impacto económico ser avaliado como limitado neste exercício, a experiência no cálculo dos impactos destes incidentes por parte dos bancos é reduzida, inclusivamente pela baixa ocorrência de ciber-ataques severos bem-sucedidos.

Os resultados de cada instituição integraram o Processo de Análise e Avaliação pelo Supervisor (SREP, na sigla em língua inglesa) de 2024. O exercício revelou que as instituições dispõem de planos de resposta e de recuperação adequados, mas identificou oportunidades de melhoria na framework de ciber-resiliência de cada instituição, as quais foram sinalizadas pelo Banco de Portugal no diálogo de supervisão microprudencial. Na sequência de feedback do Banco de Portugal, as instituições estão a trabalhar na implementação das recomendações recebidas.

Adicionalmente, há medidas transversais ao sistema que estão a ser analisadas e desenvolvidas com o acompanhamento do Banco de Portugal e a participação do setor. Destaca-se, pela sua importância, a coordenação e articulação entre instituições do setor financeiro e destas com autoridades durante um ciber-incidente, que é fundamental para preservar a confiança no sistema (ESRB, 2024). Nesse sentido, estão a ser avaliadas medidas para melhorar a coordenação no setor, alavancando em estruturas já existentes como o Fórum com a Indústria para a Cibersegurança e Resiliência Operacional (FICRO), estrutura consultiva do Banco de Portugal que reúne representantes do setor bancário, do prestador de serviços críticos de pagamento e da autoridade nacional de cibersegurança.

A implementação destas iniciativas irá dotar o sistema de uma maior capacidade de absorção de impactos advindos de ciber-incidentes, evitando potenciais disrupções significativas e transmissíveis à atividade económica.

A realização do cyber stress-test contribuiu para aumentar a consciencialização das instituições participantes quanto ao potencial sistémico do ciber-risco e aumentou o conhecimento sobre a ciber-resiliência das instituições e do sistema, pelas próprias instituições e pelo Banco de Portugal. Adicionalmente, sendo um exercício pioneiro na Europa, permitiu ao Banco de Portugal adquirir conhecimento sobre este tipo de exercício e reforçar o conjunto de instrumentos analíticos disponíveis.

Referências

European Systemic Risk Board (ESRB, 2024). “Advancing Macroprudential Tools for Cyber Resilience – Operational Policy Tools: A Review of National and Pan-European Frameworks”.

European Systemic Risk Board (ESRB, 2023). “Advancing Macroprudential Tools for Cyber Resilience”.

European Systemic Risk Board (ESRB, 2022). “Mitigating Systemic Cyber Risk”.

European Systemic Risk Board (ESRB, 2020). “Systemic Cyber Risk”.

 
  1. Implementação das reformas de Basileia III na União Europeia

Principais alterações promovidas pelas reformas

As reformas de Basileia III (2017–2020) têm como propósitos reduzir a excessiva variabilidade no apuramento dos requisitos de fundos próprios e aumentar a transparência e a comparabilidade dos rácios de capital dos bancos, facilitando a avaliação do perfil de risco destas instituições e contribuindo para o reforço da credibilidade do cálculo dos requisitos de fundos próprios.

Esses propósitos são prosseguidos, essencialmente, através do robustecimento e do aumento da sensibilidade ao risco dos métodos-padrão, da limitação à utilização de modelos internos por parte dos bancos e da introdução de um limite mínimo ao montante total de ativos ponderados pelo risco apurado de acordo com modelos internos (output floor, na língua inglesa), pretendendo-se, no entanto, que tal não se traduza num aumento significativo dos requisitos de fundos próprios para o conjunto do sistema bancário.

Estas reformas não abrangeram o tratamento regulatório das exposições perante soberanos, que se manteve inalterado, tendo o Comité de Supervisão Bancária de Basileia (CSBB) publicado, em dezembro de 2017, um documento para discussão sobre este assunto.

A 19 de junho de 2024 foram publicados no Jornal Oficial da União Europeia as alterações ao CRR e à CRD que implementam as reformas finais de Basileia III (o CRR3, Regulamento (UE) 2024/1623 e a CRD6, Diretiva (UE) 2024/1619, respetivamente). A generalidade das disposições aí previstas são aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2025 e 11 de janeiro 2026 no caso do CRR3 e da CRD6, respetivamente.

O quadro regulatório da União Europeia, que agora se altera, manterá algumas diferenças relativamente aos padrões de Basileia. Destacam-se, no domínio do risco de crédito, os fatores de apoio para o financiamento de pequenas e médias empresas e para financiamento de estruturas públicas essenciais, e, no cálculo dos requisitos para risco de ajustamento da avaliação de crédito (CVA), a manutenção das isenções aplicáveis a certas transações intragrupo, com contrapartes não financeiras e com entidades do setor público.

A síntese das principais alterações ao CRR, que se antecipam como mais relevantes para o sistema bancário português, são apresentadas no quadro C5.1.

  1. Síntese das principais alterações ao CRR

Risco de Crédito

Método Padrão (Standardised Approach/SA)

Apuramento da exposição sujeita a ponderação de risco (EAD):

  • Introdução de definição para “compromisso” no contexto das regras aplicáveis a elementos extrapatrimoniais;

  • Revisão dos escalões para a classificação de elementos extrapatrimoniais, com previsão de um fator de conversão mínimo de 10%.

Redução da utilização mecanicista das notações de crédito externas:

  • Introdução do dever de avaliação do risco de crédito com base em informações suplementares à notação externa, com possível reflexo no agravamento do ponderador de risco (não aplicável às exposições a soberanos).

Quebra do nexo entre o setor bancário e o soberano:

  • Impossibilidade de uso de notações externas que incluam pressupostos de apoio público implícito às instituições de crédito.

Revisão das classes e subclasses de risco

  • Empresas: diferenciação do tratamento prudencial para empréstimos especializados (e.g. project finance);

  • Carteira de retalho: atribuição de ponderador de risco específico de 45% para exposições renováveis com histórico de reembolso de pelo menos 12 meses

  • Exposição garantida por imóveis:

    • Novo nível de loan-to-value de referência (55%) para aplicação de tratamento preferencial de crédito imobiliário residencial;

    • Previsão de tratamento para exposições garantidas por imóveis geradores de rendimento (IPRE) e para exposições com vista à aquisição de terrenos, remodelação e construção (ADC).

Novas metodologias para atribuição dos ponderadores de risco

  • Exposições a instituições de crédito sem notação externa sujeitas a diferentes ponderadores de risco, com base na avaliação do cumprimento dos requisitos prudenciais que lhes são aplicáveis.

Revisão dos critérios aplicáveis à avaliação e reavaliação de imóveis

  • Avaliação prudentemente conservadora: o valor do imóvel (i) exclui expetativas de valorização e (ii) é ajustado quando o valor atual de mercado é significativamente superior ao valor considerado sustentável durante o período de vida do crédito;

  • Limitação do reconhecimento de revisões em alta do valor do colateral em função do seu histórico.

Risco de Crédito

Métodos de Notações Internas (Internal Ratings Based Approach/IRB)

Limitação na utilização de metodologias IRB, para certas exposições

  • Exposições a ações: só podem ser tratadas de acordo com o método SA;

  • Exposições a grandes empresas, instituições de crédito e instituições financeiras: vedada a possibilidade de utilização de estimativas próprias para o parâmetro da perda dado o incumprimento (LGD).

Revisão da fórmula do ponderador de risco, dos parâmetros regulamentares e dos seus limites mínimos (input floors)

  • Remoção do fator de majoração (scaling factor) de 1,06 da fórmula do ponderador de risco;

  • Revisão do nível de LGD regulamentar (e.g. 45% para 40% exposições não garantidas);

  • Exposições extrapatrimoniais: possibilidade de modelização dos fatores de conversão limitada a compromissos renováveis;

  • Introdução de limites mínimos para os parâmetros relativos à probabilidade de incumprimento (PD), à LGD e à EAD.

Risco Operacional

Substituição dos métodos atuais de cálculo de requisitos de fundos próprios por um único e novo método Padrão (o Standardised Measurement Approach/SMA)

  • O cálculo dos requisitos de fundos próprios é efetuado com base no indicador do volume do negócio da instituição, tendo-se exercido a opção prevista em Basileia III de se desconsiderar o histórico de perdas operacionais (Internal Loss Multiplier = 1).

Risco de Mercado

Finalização da implementação do standard “FRTB” Fundamental Review Trading Book iniciada com o CRR2 (Regulamento (UE) N.º 2019/876)

  • Densificação das regras aplicáveis à fronteira entre a carteira de negociação e a carteira bancária, com novas restrições e requisitos à reclassificação entre carteiras.

  • Novos métodos do FRTB aplicáveis não apenas às obrigações de reporte, mas também ao cálculo de requisitos de fundos próprios:

    No método Padrão, introdução de um novo método mais sensível ao risco;

    Nos modelos internos para risco de mercado, um maior enfoque na análise do designado risco de cauda.

Output Floor

Limite mínimo ao montante total de ativos ponderados pelo risco apurado de acordo com metodologias internas

  • O cálculo dos ativos ponderados pelo risco através de modelos internos não pode ser inferior a 72,5% do valor agregado dos requisitos de fundos próprios que seriam determinados de acordo com os métodos-padrão;

  • O output floor é aplicado a todos os níveis a que os demais requisitos de fundos próprios são exigíveis, ou seja, em base consolidada ao nível da União Europeia, mas também em base subconsolidada ao nível de cada Estado-Membro e, se for o caso, a nível individual.

Fonte: CRR: Regulamento (UE) n.º 575/2013; CRD: Diretiva 2013/36/UE.

Impacto da adoção das reformas

Tendo por base a informação reportada com referência a 31-12-2023, no âmbito do exercício de monitorização de Basileia III conduzido pela Autoridade Bancária Europeia (EBA, no acrónimo inglês), estima-se que a implementação das reformas, tal como vertidas na legislação da UE (secção 1.2 de EBA 2024), aumente os requisitos de fundos próprios de nível 1 (Tier 1, no acrónimo inglês) em 7,8% para a amostra europeia, desconsiderando os regimes transitórios previstos. Este valor compara com um aumento estimado de 1,0% para a amostra portuguesa.

Os valores representam um decréscimo face aos apurados no exercício anterior com referência a 31-12-2022 para a UE (9,0%) e a manutenção do impacto estimado para PT (Gráfico C5.1).

  1. Impacto das reformas finais de Basileia III em requisitos de capital | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e EBA | Notas: Impacto estimado considerando as categorias de risco em sede de requisitos de fundos próprios e métricas prudenciais relevantes: SA (Requisitos para Risco de Crédito – método padrão), IRB (Requisitos para Risco de Crédito – método das notações internas), TIT (Requisitos associados a operações de titularização), RO (Requisitos para Risco Operacional), CVA (Requisitos associados a Avaliação de Ajustamentos de Crédito/Credit Valuation Adjustments, em língua inglesa), RM (Requisitos para Risco de Mercado), LR (Rácio de Alavancagem), OF (Output Floor). A medida de estimativa de impacto utilizada corresponde ao “Minimum Required Capital” (“MRC”), expresso em termos de Tier 1. O MRC é obtido através da multiplicação dos ativos ponderados pelo risco (RWA) totais de cada instituição pelo somatório dos requisitos mínimos de Pilar 1, requisitos de Pilar 2 (P2R) e requisito combinado de reservas de fundos próprios.

Para a média da UE o impacto estimado é fortemente influenciado pela aplicação das novas regras de cálculo de requisitos para risco operacional e, principalmente, pela aplicação do output floor.

O impacto estimado para a média da amostra portuguesa é influenciado, essencialmente, pela alteração dos requisitos de fundos próprios apurados para as categorias de risco operacional e de risco de crédito (métodos SA e IRB), em sentidos inversos.

O impacto do risco operacional, categoria de risco onde se estima o maior aumento de requisitos, resulta da nova metodologia, de acordo com a qual o apuramento dos requisitos depende da dimensão da atividade das instituições. Esta é traduzida numa nova fórmula de cálculo baseada num indicador de atividade que passa a ser ponderado por fatores crescentes em função do seu valor. Este indicador baseia-se na dimensão da atividade da instituição, calculado tendo por referência a média dos resultados anuais de certas atividades dos últimos três exercícios financeiros. O acréscimo do impacto verificado nesta categoria de risco em 2023 relativamente a 2022 é explicado, essencialmente, pelo aumento da margem financeira em 2023 influenciado pelo contexto das taxas de juro vigentes, uma das componentes principais daquele indicador de atividade.

O impacto do risco de crédito aponta para a possibilidade de ligeira redução dos requisitos de fundos próprios. No método SA, esta redução reflete a atribuição de um ponderador de risco mais favorável, e inferior ao atual, aplicável à carteira de crédito imobiliário residencial com LTV até 55%, quando nas regras atuais esse referencial é de 80%. A amostra portuguesa beneficia do facto de 94% do stock da carteira de crédito com garantia imobiliária corresponder a empréstimos com LTV abaixo do atual limiar de referência (65% tem um LTV inferior a 60%). No que diz respeito ao método IRB, a variação estimada explica-se pela remoção do fator de majoração da fórmula de cálculo do ponderador de risco e pela redução do parâmetro da LGD regulamentar para as exposições não garantidas.

No risco de mercado, os impactos estimados refletem a alteração estrutural no cálculo de requisitos de fundos próprios que é operada pelo Fundamental Review Trading Book (FRTB). Com efeito, o novo método padrão, mais sensível ao risco, assenta em três pilares: (i) uma metodologia de sensibilidades de preços, que visa apurar a variação do valor dos instrumentos financeiros em função de determinados fatores de risco subjacentes; (ii) um requisito de capital cujo objetivo é captar o risco de crédito dos instrumentos da carteira de negociação; e (iii) um requisito para captar o risco residual dos instrumentos na carteira de negociação. As estimativas apresentadas refletem sobretudo os resultados da aplicação do primeiro pilar, com destaque para o consumo de capital associado a posições sujeitas a requisitos de fundos próprios para risco cambial.

O impacto global estimado para a média europeia é determinado em grande medida pela ativação do output floor, efeito que não se verifica na amostra portuguesa. A ativação do output floor depende da densidade média dos ativos ponderados pelo risco (RWA, no acrónimo inglês) das instituições que utilizam metodologias internas para cálculo de requisitos de fundos próprios, métrica que pode ser medida pelo rácio entre os RWA e o ativo total do setor bancário. Este indicador no sistema bancário português ascendeu a 41,8% em junho de 2024 (em dezembro de 2023 era de 42,7%) sendo superior ao valor médio da área do euro que era de 35,7% em junho de 2024 (em dezembro de 2023 era de 36,1%).

No que respeita à dispersão dos impactos, com referência a 31-12-2023, a situação é distinta entre a União Europeia e Portugal (Gráfico C5.2). De facto, na amostra da UE, constituída por 152 grupos bancários, evidenciam-se estimativas de impactos distintos entre tipos de instituições (G-SII, O-SII e outras) bem como por modelos de negócio diferenciados (Tabela 1 em EBA 2024). Na amostra portuguesa, constituída por 7 grupos bancários, todos identificados como O-SII, os impactos estimados apresentam maior homogeneidade.

  1. Distribuição das variações em requisitos de capital das instituições nas amostras UE e PT | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e EBA | Notas: A distribuição refere-se ao “Minimum Required Capital” (“MRC”), expresso em termos de Tier 1, conforme descrito em Gráfico C5.1. Os limites superiores das hastes representam as observações máximas das amostras e os limites inferiores os valores mínimos. Nos retângulos centrais, a linha de baixo indica o primeiro quartil, enquanto a de cima o terceiro quartil. A linha interna indica a mediana e a cruz a média.

Disposições transitórias

A legislação da UE contempla várias disposições transitórias no CRR3, as quais permitirão diferir o impacto da adoção das últimas reformas de Basileia III na União Europeia, em alguns casos, até 2032.

Tendo presente as características do setor bancário português, realçam-se os seguintes:

  • Reintrodução do filtro prudencial criado em resposta à pandemia de COVID-19:

A adoção de uma política monetária mais restritiva, traduzida no aumento das taxas de juro de referência, e com o consequente impacto na desvalorização dos títulos de dívida pública detidos pelos bancos, motivou a reintrodução de um filtro prudencial que permite às instituições atenuar o impacto da volatilidade dessas variações de valor nos seus rácios de capital. Assim, é permitido às instituições, até 31 de dezembro de 2025, a neutralização integral dos ganhos e perdas não realizados acumulados desde 31 de dezembro de 2019, associados a títulos de dívida pública valorizada a justo valor por contrapartida de reservas.

  • Fator de conversão para os compromissos incondicionalmente anuláveis (UCC, sigla em inglês para unconditionally cancellable commitment):

Os UCC (e.g. linhas de crédito não utilizadas canceláveis a todo o momento pela instituição) passam, regra geral, a estar sujeitos a cálculo de requisitos de fundos próprios. Reconhecendo-se o possível impacto negativo desta alteração na disponibilização deste tipo de produto e, por consequência, no fundo de maneio das empresas, permite-se que estes compromissos não sejam objeto de cálculo de requisitos de fundos próprios até 2029, refletindo-se, posteriormente e de forma progressiva, as novas regras até 2032.

  • Exposições garantidas por imóveis:

Com o objetivo de permitir a adaptação das instituições aos novos critérios aplicáveis à avaliação e reavaliação de imóveis (Quadro C5.1), é prevista a possibilidade de se continuar a utilizar o valor de mercado para efeitos de cálculo de requisitos de fundos próprios dos créditos com garantia imobiliária concedidos até 1 de janeiro de 2025. Este tratamento pode ser aplicável até 31 de dezembro de 2027 ou até que uma reavaliação do imóvel seja obrigatória nos termos do quadro prudencial, conforme o que, em relação a cada exposição, ocorrer primeiro.

  • Output floor:

O CRR3 estabelece um período de cinco anos, com início em 2025, para a introdução do output floor, cujo nível se inicia em 50% até atingir 72,5% em 2030. Durante este período transitório, prevê-se que o aumento anual do valor dos ativos ponderados pelo risco, em resultado do incremento gradual do output floor, não possa exceder 25%.

Por último, na ausência de convergência relativamente ao calendário de implementação do FRTB pelas jurisdições membros do CSBB, a Comissão Europeia considerou que não estavam garantidas condições de concorrência equitativas internacionais, pelo que tomou a iniciativa14 de adiar, por um ano, a aplicação das novas regras relativas ao risco de mercado. Com este adiamento, as instituições diferem até 1 de janeiro de 2026 os impactos apresentados anteriormente em sede desta categoria de risco.

Próximos passos

Face à proximidade do início de aplicação destas reformas, a 1 de janeiro de 2025, e considerando que as novas regras comportam desafios operacionais associados à necessidade de informação mais granular, bem como eventuais desafios associados a alterações cujo impacto (quantitativo e/ou operacional) ainda possa estar por aferir, as instituições devem continuar a intensificar o seu trabalho de preparação.

A este respeito, por exemplo, as instituições que utilizem modelos internos terão de manter, em paralelo, o cálculo de requisitos de fundos próprios de acordo com os métodos padrão, em resultado da aplicação das regras relativas ao output floor. Adicionalmente, identificam-se como desenvolvimentos que exigem preparação atempada das instituições, a aplicação das novas regras relativas a revalorização de imóveis recebidos em garantia e a necessidade de recolha e manutenção de informação sobre contrapartes que sejam instituições de crédito quando não sejam alvo de notação externa de crédito (rating).

Estamos perante um quadro regulatório com forte densificação em sede de nível 2 (Normas Técnicas de Regulamentação/RTS e Normas Técnicas de Implementação/ITS) e nível 3 (Orientações), que inclui cerca de 140 mandatos atribuídos à EBA, em particular nas áreas do risco de crédito, risco de mercado e risco operacional, para além que o próprio quadro regulatório também será alvo da elaboração de relatórios de avaliação (EBA 2023), importando que as instituições acompanhem estes desenvolvimentos.

Referências

Autoridade Bancária Europeia (EBA) 2024, Basel III monitoring exercise results based on data as of 31 December 2023, EBA/REP/2024/22.

Autoridade Bancária Europeia (EBA) 2023, (CRD ― CRR).

 

Temas em destaque

Risco de taxa de juro na carteira bancária1

1. Enquadramento

Os últimos anos foram caracterizados por um contexto inflacionista em que os bancos centrais atuaram com determinação na alteração das taxas de juro oficiais para promoverem a estabilidade de preços. A incerteza associada à evolução das taxas de juro de mercado e ao consequente impacto na situação financeira dos bancos reforçou a consciência acerca da importância da gestão do risco de taxa de juro por parte dos bancos.

A avaliação do risco de taxa de juro engloba a totalidade dos ativos e passivos reconhecidos em balanço, compreendendo a carteira de negociação e a carteira bancária. A forma como o risco de taxa de juro destas duas carteiras é considerado no plano regulatório é, contudo, distinta.

De uma forma geral, enquanto os ativos e passivos que compõem a carteira de negociação dos bancos2, estão sujeitos a requisitos mínimos prudenciais de fundos próprios para risco de mercado, onde se inclui o risco de taxa de juro, a carteira bancária3 está sujeita a um quadro regulatório prudencial próprio na vertente do risco de taxa de juro. Este regime baseia-se numa avaliação casuística do supervisor e na realização de análises de sensibilidade considerando determinados cenários de variação de taxas de juro.

Os supervisores escolheram a avaliação do risco de taxa de juro da carteira bancária como prioridade de supervisão. A Autoridade Bancária Europeia (EBA), na sequência das alterações regulatórias introduzidas neste domínio, publicou, no início deste ano, um relatório de acompanhamento sobre o impacto nos bancos das alterações nas taxas de juro e a evolução da capacidade dos mesmos para gerir esse risco, identificando áreas de atuação dirigidas a supervisores e reguladores, a curto e a médio/longo prazo.

O quadro regulatório aplicável ao risco de taxa de juro da carteira bancária é particularmente relevante no caso português, pela importância que esta carteira assume no balanço das instituições de crédito quer na forma de empréstimos, quer na forma de depósitos, e pelo impacto que choques inesperados na taxa de juro podem ter no valor económico desses instrumentos e no respetivo contributo para a margem financeira. Do lado do passivo, dada a relevância dos depósitos sem maturidade definida, interessa aferir os prazos de refixação das taxas de juro considerados pelos bancos na avaliação deste risco.

Os choques podem ter impactos muito diferenciados entre bancos, dependendo do tipo de taxa de juro que predomina na carteira de crédito (variável, mista ou fixa) e respetivos prazos de refixação, das maturidades “comportamentais” estimadas pelos bancos para os depósitos e da existência e tipologia de estratégias de cobertura do risco.

Para os ativos e passivos remunerados a taxa fixa, o efeito das alterações das taxas de juro é particularmente visível no seu valor económico. Se esses ativos ou passivos estiverem mensurados ao justo valor, eventuais alterações no respetivo valor económico têm reflexo direto nas demonstrações financeiras e na rendibilidade dos bancos. Também as alterações de valor dos ativos mensurados ao custo amortizado podem ter reflexo na rendibilidade se, por razões de liquidez (levantamentos de depósitos/margin calls de derivados), for necessário recorrer à sua alienação, situação em que eventuais perdas latentes associadas a esses ativos serão reconhecidas contabilisticamente. Esses impactos podem ser amplificados em alturas de maior turbulência.

Por sua vez, para os ativos e passivos remunerados a taxas variáveis ou com prazos de vencimento curtos, o efeito das alterações das taxas de juro é particularmente visível na margem financeira, com impacto direto na rendibilidade dos bancos, sendo esse impacto tão mais material quanto maior for o desfasamento entre os montantes de ativos e passivos com prazos de refixação das taxas de juro inferiores a um ano.

A análise de risco de taxa de juro da carteira bancária apresentada neste Tema em Destaque complementa a do Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2023 ao analisar os principais determinantes do risco de taxa de juro, incluindo decomposição de impactos e a análise das maturidades médias.

A análise da evolução temporal dos impactos, na ótica do valor económico dos capitais próprios, sugere a implementação de estratégias de mitigação do risco de taxa de juro por parte dos bancos no último ano, tendo o sistema bancário português deixado de ter bancos qualificados como outlier, ao abrigo das regras atuais. Ao nível da margem financeira, a análise aponta para uma redução quase generalizada num cenário de descida das taxas, embora, o sistema bancário continue a ter uma margem financeira sólida e acima da registada no período de baixas taxas de juro.

A evolução histórica do perfil de modelização dos depósitos sem maturidade definida e a consideração de cenários alternativos para a análise de impacto realçam a importância de complementar a avaliação do risco de taxa de juro com análises de sensibilidade aos pressupostos considerados pelos bancos.

2. Desenvolvimentos regulatórios recentes

O quadro prudencial relativo ao risco de taxa de juro da carteira bancária (IRRBB) estabelece normas para desincentivar exposições excessivas dos bancos a esse risco. Os bancos devem avaliar a existência de eventuais vulnerabilidades perante alterações não esperadas das taxas de juro e gerir, de forma prudente, o risco de taxa de juro presente nos instrumentos financeiros do ponto de vista do valor económico dos capitais próprios e da margem financeira.

No processo de análise e avaliação para fins de supervisão (SREP ― Supervisory Review and Evaluation Process), as autoridades de supervisão avaliam regularmente as vulnerabilidades e os riscos a que cada instituição de crédito está exposta, verificando estratégias e processos implementados pelos bancos e a respetiva adequação de capital e liquidez. Deste processo podem resultar requisitos adicionais de fundos próprios ou outras medidas de supervisão, no âmbito do Pilar 2, caso se considere que a exposição ao risco é excessiva. Contudo, ao contrário de outros riscos, o quadro regulatório do risco de taxa de juro da carteira bancária não estabelece requisitos mínimos de fundos próprios de aplicação generalizada e automática, no âmbito do Pilar 1.

A avaliação da existência de exposição excessiva ao risco de taxa de juro da carteira bancária tem como ponto de partida testes de outlier que simulam o impacto no valor económico dos capitais próprios e na margem financeira de cenários padronizados de alteração de taxa de juro.

Na ótica do valor económico dos capitais próprios, os bancos examinam se, perante seis cenários de choque nas taxas de juro de curto e/ou médio e longo prazos, existe uma redução do valor económico dos capitais próprios que exceda 15% dos fundos próprios de nível 1 (Tier 1). Esta análise considera o valor presente dos desfasamentos entre ativos e passivos atualizados pelas taxas de juro que decorrem da aplicação do choque e compara‑o com o valor presente desses desfasamentos aplicando as taxas de juro da curva de rendimentos atual, assumindo sempre um balanço em que os instrumentos se vencem nas datas de refixação e não são renovados. Não existe uma correspondência direta entre a variação do valor económico de um instrumento e o impacto imediato que essa variação de valor tem nas demonstrações financeiras das instituições4.

Na ótica da margem financeira, analisa-se, perante dois cenários, um de subida e outro de descida paralela da curva de rendimentos, se existe uma redução esperada da margem financeira superior a 5% do Tier 1. Este cálculo projeta receitas e despesas com juros para um horizonte temporal de um ano, assumindo um balanço constante em que as taxas de juro dos instrumentos são revistas nas respetivas datas de refixação, de acordo com a nova curva de rendimentos.

Na sequência da entrada em vigor das normas técnicas de regulamentação (Regulamento Delegado (UE) 2024/8565), tal como já referido a EBA publicou, no início de 2024, um relatório de acompanhamento do impacto nos bancos das alterações nas taxas de juro e a evolução da capacidade dos mesmos para gerir esse risco. Este relatório identifica aspetos de política regulatória que deverão ser alvo de maior escrutínio pelos supervisores e inclui iniciativas que a EBA se propõe prosseguir neste domínio, a curto e a médio/longo prazo. Entre estas iniciativas está a investigação dos indicadores que ajudarão a complementar o teste de outlier na avaliação do risco na ótica da margem financeira, a apresentação de uma análise sobre as estratégias de cobertura implementadas pelos bancos e o desenvolvimento de ferramentas que permitam monitorizar os parâmetros utilizados pelos bancos na modelização de pressupostos comportamentais relevantes para a determinação dos prazos de refixação de taxa de juro em certos ativos e passivos.

O Comité de Basileia para a Supervisão Bancária (BCBS) também manteve o risco de taxa de juro como tema prioritário. Após a crise que ocorreu em alguns bancos nos EUA e na Suíça em 2023, o BCBS elegeu como prioridade desenvolver trabalho adicional para estudar melhor a sensibilidade dos depósitos ao risco de taxa de juro e anunciou pretender explorar opções de política regulatória no médio prazo. Em paralelo, após um período de consulta pública, publicou em julho de 2024 uma atualização da dimensão dos choques que deverão ser utilizados nos testes de outlier, para um conjunto de moedas. Os choques devem ser regularmente atualizados para refletir as alterações na volatilidade das taxas de juro e esta atualização veio confirmar mudanças na magnitude dos choques para determinadas moedas, incluindo para as taxas de juro do EUR. Com data de implementação prevista pelo BCBS para 1 de janeiro de 2026, os novos choques para o EUR aumentaram de ±200, ±250 e ±100 pontos base (pb) para o choque paralelo, no curto prazo e no longo prazo, respetivamente, para ±225, ±350 e ±200 pb. Contudo, a sua implementação na União Europeia depende de alterações formais no atual quadro regulatório, nomeadamente nas normas técnicas de regulamentação que determinam os cenários de choque para efeitos de supervisão.

3. Caraterização temporal do risco de taxa de juro da carteira bancária

Os três fatores chave na avaliação do impacto de uma alteração de taxa de juro são: (i) o período temporal que decorre entre a data de referência e a data em que ocorre a próxima refixação da taxa de juro (prazo de refixação), (ii) o montante associado a cada período temporal e, por último, (iii) a variação da taxa de juro para aquele período, resultante da aplicação do choque. Estes três fatores são determinantes na sensibilidade do valor económico dos ativos e passivos a variações das taxas de juro, e na variação de receitas e despesas com juros que existirão no período de projeção da margem financeira esperada, podendo ser analisados instrumento a instrumento. Da mesma forma que prazos de refixação mais longos contribuem, em maior medida, para aumentar a sensibilidade do valor económico dos ativos e passivos a variações das taxas de juro, prazos de refixação mais curtos contribuem, em maior medida, para aumentar a sensibilidade da margem financeira.

Assim, a caraterização da evolução temporal do balanço do sistema bancário em termos de prazo médio de refixação dos instrumentos do ativo e do passivo permite ter uma ideia do impacto expectável de determinados cenários, bem como de eventuais estratégias adotadas pelos bancos para imunização deste risco. Nestas estão incluídas estratégias de Asset and Liability Management (ALM) e/ou de cobertura por via de derivados financeiros, através da verificação da tendência de matching de prazos de refixação, ou alterações de prazos médios de refixação por instrumento.

Adicionalmente, a identificação e compreensão dos fatores que podem afetar os resultados da avaliação do impacto de alterações da taxa de juro, incluindo os pressupostos considerados na determinação dos prazos de refixação dos depósitos sem maturidade, é crucial para determinar a sensibilidade e a robustez dos mesmos.

Neste contexto, assinale-se que a modelização do comportamento dos depositantes tem vindo a ser abordada ao nível da União Europeia e do BCBS. Este tema merece uma secção específica nas Orientações da EBA relativamente ao risco de taxa de juro da carteira bancária e o BCE levou a cabo um projeto de análise de revisão da exposição a risco de taxa de juro no início do ciclo de subida de taxas de juro, onde os modelos comportamentais foram alvo de análises específicas. A EBA também colocou o assunto como prioridade no curto e médio prazo no quadro de controlo da implementação publicado no início deste ano. Conforme já referido, o BCBS está a desenvolver trabalho adicional para estudar melhor a sensibilidade dos depósitos a variações de taxas de juro.

A análise apresentada neste Tema em destaque tem por base as informações regulares reportadas pelos bancos aos supervisores, relativamente ao risco de taxa de juro da carteira bancária. Para dezembro de 2023 foi utilizada a informação reportada no exercício ad-hoc da EBA para os cinco maiores bancos, enquanto para as restantes datas se utilizou o reporte de IRRBB da Instrução n.º 34/2018. Com exceção da parte referente às análises de sensibilidade e às desagregações do impacto por instrumento no valor económico e na margem financeira, que incidem sobre uma amostra limitada de bancos, a análise apresentada cobre a quase totalidade do sistema bancário, correspondente a 91% do total do ativo em dezembro de 2023.

3.1 Prazo médio de refixação

Entre 2019 e 2023, o prazo médio de refixação do total dos ativos na carteira bancária do sistema situou-se nos 2 anos, ligeiramente abaixo do prazo médio dos passivos, de 2,1 anos. A proximidade entre os dois prazos médios é compatível com uma gestão dos ativos e passivos (ALM) que visa minimizar a sensibilidade do valor económico dos capitais próprios a flutuações de taxas de juro (Gráfico 1). Apesar desta aparente imunização de balanço, o facto de o prazo médio de refixação da taxa de juro dos passivos ter sido ligeiramente superior ao dos ativos nos últimos anos foi favorável aos bancos, dado o contexto de subida de taxas de juro.

Tal como esperado, o prazo de refixação dos ativos é em grande parte determinado pelo prazo de refixação dos créditos (1,4 anos), que representam 64% do total da carteira bancária em dezembro de 2023 e, em menor grau, pela carteira de títulos de dívida (24% da carteira bancária), cujo prazo médio de refixação é de 4,7 anos. O prazo de refixação do crédito a clientes é determinado pelos empréstimos à habitação, em que 80% dos contratos são de taxa de juro variável com prazos de refixação até um ano, bem como pelos empréstimos a empresas que também apresentam prazos de refixação curtos.

  1. Prazo médio de refixação por instrumento financeiro ― dez. 19 a dez. 23 | Em anos

Painel A — Ativo

Painel B — Passivo

Fonte: Reporte regular de informação relativa ao risco de taxa de juro para fins de supervisão e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros. | Notas: O prazo médio resulta da média ponderada dos montantes alvo de refixação pelos correspondentes prazos medidos em anos. Existe uma quebra de série em dez. 23 que decorre de alterações metodológicas do novo reporte, nomeadamente de um reporte diferenciado para o instrumento derivados financeiros por buckets.

No que respeita aos prazos médios de refixação das fontes de financiamento, a heterogeneidade observada entre classes de instrumentos financeiros é explicada, em grande parte, pelo tipo de taxa de juro que predomina em cada classe (variável, mista ou fixa) e que, enquanto tendência, se tem mantido estável ao longo do tempo. Os depósitos com prazo definido têm mantido um prazo médio de refixação baixo, próximo de um semestre. Para os depósitos sem maturidade, os bancos assumem um prazo médio de refixação de 2,7 anos, que é determinante para o apuramento do prazo de refixação médio dos passivos, atendendo ao peso deste instrumento no passivo. As responsabilidades representadas por títulos têm um prazo médio de refixação de 3 anos, valor que se tem reduzido nos últimos anos. A relevância dos depósitos sem maturidade no balanço dos bancos e a discricionariedade de que estes dispõem na definição das hipóteses que relevam para a determinação dos respetivos prazos médios de refixação justificam uma análise de sensibilidade aos pressupostos utilizados nessa modelização.

3.2 Perfil de modelização dos depósitos sem maturidade

A identificação do risco de taxa de juro em instrumentos sem maturidade definida, em particular nos depósitos, cujos fluxos de caixa futuros estão dependentes da opcionalidade dada aos clientes para, a qualquer momento, alterarem o montante depositado, é fundamental para medir e gerir o risco de taxa de juro dos bancos.

Segundo as Orientações da EBA, a modelização dos bancos deve atribuir uma parcela do stock dos depósitos sem maturidade definida a prazos mais curtos, passando este montante a refletir rapidamente variações nas taxas de juro, os designados “depósitos não estáveis”. Estes depósitos, por terem um curto prazo de refixação, não têm um impacto relevante nas alterações do valor económico, uma vez que o fator de desconto desses fluxos de caixa tem um impacto residual. Inversamente, estes instrumentos são relevantes para a determinação do impacto na margem financeira, dada a possibilidade de refletirem alterações às taxas de juro de forma mais rápida. Os testes realizados têm ainda em consideração os limites regulamentares ou legais à refixação das taxas nos depósitos sem maturidade definida que, atingidos determinados limiares (associados, por exemplo, à impossibilidade de praticar taxas de juro negativas), podem condicionar o apuramento do impacto final na margem financeira.

Os bancos também devem identificar os montantes de depósitos estáveis, que não reagem no curto prazo, via volume ou remuneração, a alterações das taxas de juro. Estes depósitos devem ser alvo de modelização para identificar a sua maturidade comportamental, permitindo a aferição da sua sensibilidade a variações de taxas de juro. Quanto maior a maturidade comportamental modelizada pelos bancos, maior o benefício da atualização a taxas de juro mais elevadas, beneficiando o valor económico dos capitais próprios em cenários de subida de taxas de juro.

O gráfico 2 permite visualizar a evolução da modelização comportamental dos depósitos sem maturidade pelos bancos em Portugal nos últimos anos. Apesar de, em termos agregados, não ser evidente uma diferenciação do perfil por buckets nos anos em análise, no primeiro ano da pandemia nota-se um aumento da representatividade dos depósitos overnight e uma redução da relevância das maturidades superiores a 5 anos. Efetivamente, os bancos identificaram em 2020 um aumento expressivo nos depósitos não estáveis, que chegaram a representar mais de um terço do total dos depósitos sem maturidade definida. O período coincidiu com um aumento expressivo no total de depósitos à ordem no sistema bancário, tendo os resultados dos modelos reagido, atribuindo uma maior proporção à categoria não estáveis. Nos anos seguintes, a proporção dos depósitos não estáveis diminuiu.

  1. Evolução dos montantes dos depósitos sem maturidade por prazo de refixação ― dez.19 a dez. 23 | Em percentagem do montante total

Fonte: Reporte regular de informação relativa ao risco de taxa de juro para fins de supervisão e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros.

Atendendo à materialidade dos depósitos sem maturidade definida no balanço e à incerteza associada à modelização comportamental desses instrumentos, os bancos devem assegurar que os pressupostos utilizados são prudentes e atualizados frequentemente, em particular em períodos de maior volatilidade das taxas de juro. Alterações inesperadas na concorrência entre bancos ou a disponibilização de produtos de poupança fora do sistema bancário com implicações no fluxo de saída de depósitos poderão condicionar a exposição global ao risco de taxa de juro e levar a que a sensibilidade do valor atual dos passivos se afaste do esperado.

4. Testes de outlier

4.1 Valor Económico dos Capitais Próprios ― EVE

Cenário mais adverso

Numa ótica do valor económico dos capitais próprios, os cenários que potencialmente geram piores impactos para os bancos portugueses são, para dois terços das instituições, os que refletem subidas da taxa de juro (Gráfico 3). Esta maior sensibilidade para os cenários de subida de taxas de juro é explicada pela existência de ativos com prazos de refixação no médio e no longo prazo que não são compensados, no mesmo montante, por passivos com o mesmo prazo. Quando esses ativos são descontados à nova taxa de juro mais elevada, a redução do valor não é compensada pela variação de valor dos passivos nesses prazos de refixação.

  1. Pior cenário na ótica do impacto no valor económico dos capitais próprios ― dez. 19 a dez. 23 | Em percentagem do número de bancos

Fonte: Reporte regular de informação relativa ao risco de taxa de juro para fins de supervisão e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros. | Notas: Os exercícios têm como referência os cenários regulatórios para o choque imediato à curva de rendimentos que para os instrumentos denominados em euros corresponde a 200 pb nos choques paralelos (descida e subida) e 250 pb para o cenário de subida/descida da taxa de juro de curto prazo com convergência para zero no longo prazo. Para o aumento do declive considera-se uma descida de 162,5 pb, descida que é progressivamente menor para prazos maiores até um ponto em que passa a verificar-se um aumento que é progressivamente maior até cerca de 135 pb. Para a diminuição do declive considera-se um aumento de 200 pb, aumento que é progressivamente menor para prazos maiores até um ponto em que passa a verificar-se uma diminuição que é progressivamente maior até cerca de 90 pb.

Evolução e distribuição do impacto

Para analisar a evolução dos impactos dos cenários de subida e descida paralela de taxas de juro, foram comparados os impactos calculados pelos bancos em 2022 e 2023 no exercício dos testes de outlier.

No final de 2023, a não existência de qualquer outlier, em termos de variações no valor económico dos capitais próprios, e a menor dispersão nos resultados de impacto apresentados, face ao final de 2022, sugere a implementação de estratégias de mitigação do risco pelos bancos em Portugal (Gráfico 4). Num cenário de descida paralela das taxas de juro, verifica-se uma redução da percentagem dos bancos que observam perdas no valor económico dos capitais próprios e 69% do sistema bancário, medido em termos do total de ativo, regista impactos positivos (52% em 2022). Acresce ainda que, em 2023, não existem bancos com perdas acima do limiar de 15% (outliers), enquanto, em 2022, 5% do total do ativo do sistema bancário correspondia a outliers. No cenário inverso, de subida das taxas de juro, verificou-se, entre 2022 e 2023, uma redução do peso dos bancos com impactos positivos (de 47% para 31%), e também deixaram de existir bancos outliers.

  1. Distribuição dos impactos projetados no Valor Económico dos Capitais Próprios em % do Tier 1 ― dezembro 2023 e dezembro de 2022

Impactos no Valor Económico dos Capitais Próprios

Painel A — Cenário de descida paralela

Painel B — Cenário de subida paralela

Fonte: Reporte regular de informação relativa ao risco de taxa de juro para fins de supervisão e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros. | Notas: Os resultados dos testes de outlier, são apresentados para todas as instituições do sistema bancário português sob a forma de distribuição empírica recorrendo a um kernel gaussiano que pondera as instituições pela sua importância relativa no sistema, utilizando o montante de fundos próprios de nível 1. O choque considerado corresponde a 200 pb em toda a curva de rendimentos.

Decomposição do impacto

A análise do teste de outlier por instrumento financeiro permite identificar os instrumentos em que mais se sente o impacto de alterações de taxa de juro e a forma como o uso de derivados permite compensar esse efeito no balanço dos bancos. Nesta análise são considerados os cenários de descida e subida paralela das taxas de juro que os bancos simularam no final de 2023, usando os dados do exercício ad-hoc realizado pela EBA. Daqui para a frente, com a entrada em vigor do novo formato de reporte europeu harmonizado, esta análise passará a ser regular, permitindo identificar, ao longo do tempo e perante sucessivas curvas de rendimentos a cada período, as estratégias de redução de impacto seguidas pelos bancos, por tipo de instrumento.

É possível concluir que os instrumentos mais relevantes para o impacto de choques de taxa de juro no valor económico dos capitais próprios são os títulos de dívida e os empréstimos que representam 54% e 50% da variação do valor económico do ativo no cenário de descida, respetivamente, no ativo, e os depósitos sem maturidade, que no passivo representam 56% da variação do valor económico do ativo (Gráfico 5). Tal como já referido, este resultado depende dos pressupostos dos bancos quanto aos prazos de refixação. Acresce que num cenário de subida paralela, é visível uma cobertura do risco de taxa de juro por via de derivados na componente do ativo, o que não acontece num cenário de descida.

  1. Decomposição do impacto EVE ― conjunto representativo de bancos do setor bancário ― dezembro 2023 | Em percentagem da variação do valor económico do ativo

Painel A — Ativo

Painel B — Passivo

Fonte: Exercício ad-hoc da Autoridade Bancária Europeia para os bancos significativos e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros. | Nota: O choque considerado corresponde a 200 pb em toda a curva de rendimentos.

Cenários alternativos

Dado que este exercício é condicionado pela magnitude dos choques, são também analisados, para os 5 maiores bancos em Portugal, dois cenários alternativos, à luz da discussão internacional, tendo como data de referência dezembro de 2023.

O primeiro cenário considera uma alteração da dimensão do choque de 200 para 225 pb em todos os prazos. Aumentar o choque em 25 pb, ou seja, em 13%, amplifica o impacto positivo no valor económico num cenário de descida enquanto o mesmo não acontece no cenário de subida de taxas de juro. Concretamente, num cenário de subida, e com exceção de um banco, o impacto torna-se mais negativo, entre 10% e 12%, face ao choque inicial. Já num cenário de descida o impacto mantém-se positivo e superior, entre 13% e 17%, ao choque inicial. A sensibilidade a este choque varia entre bancos, consoante a maior ou menor percentagem de ativos e passivos com prazos de refixação mais longos e, portanto, mais sensíveis a variações de taxas de juro.

Adicionalmente, como referido na subsecção 3.2, estes resultados são condicionados pelas hipóteses comportamentais consideradas por cada banco para os depósitos sem maturidade definida. Assim, foi ainda considerado um cenário em que os depósitos sem maturidade definida se deslocam uma categoria para a direita, ou seja, os depósitos overnight passam a ter um prazo de refixação até 1 mês e, assim, sucessivamente para os depósitos com maiores prazos de refixação (Gráfico 2). Nesta situação, o refinanciamento destes passivos passa a ocorrer mais tarde, pelo que a duração dos passivos, em termos globais, passa a ser superior, o que se traduz num aumento do impacto no valor económico dos capitais próprios, que se torna menos negativo num cenário de subida (por via da redução do valor dos passivos) e numa redução do impacto no valor económico dos capitais próprios num cenário de descida (por via do aumento do valor dos passivos). Para ambos os cenários, o impacto desta alteração em cada banco varia entre 1% e 6% do respetivo Tier 1.

As análises de sensibilidade permitem-nos concluir que o emparelhamento entre a duração de ativos e passivos é determinante para a redução da sensibilidade a variações de taxa de juro. Adicionalmente, estas análises permitem aferir a maior ou menor aderência à realidade das hipóteses consideradas na modelização, em particular no que respeita aos depósitos sem maturidade definida, tópico que tem merecido particular atenção, dado a materialidade do seu impacto.

4.2 Margem financeira

Cenário mais adverso

A identificação dos cenários que geram piores resultados na margem financeira permite confirmar que, na generalidade dos bancos, uma subida paralela de taxas de juro se traduz em impactos positivos e um cenário de descida se traduz em impactos negativos (Gráfico 6). Isto ocorre porque o negócio bancário em Portugal se caracteriza pela predominância de stock de crédito à habitação com taxas variáveis e crédito a empresas com prazos de refixação curtos, enquanto o passivo é maioritariamente financiado por depósitos, cuja remuneração não se ajusta integralmente no prazo de um ano, horizonte do exercício de projeção da margem, devido à sua estabilidade comportamental.

  1. Pior cenário na ótica do impacto na margem financeira ― dez. 19 a dez. 23 | Em percentagem

Fonte: Reporte regular de informação relativa ao risco de taxa de juro para fins de supervisão e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros. | Nota: O choque considerado corresponde a 200 pb em toda a curva de rendimentos.

Evolução e distribuição do impacto

Globalmente, constata-se que uma subida paralela da curva de taxas de juro tem um impacto positivo na margem financeira e uma descida paralela tem um impacto negativo em praticamente todo o sistema bancário (em torno de 99%, considerando o total dos ativos).

Apesar de no cenário de descida de taxas de juro se verificar uma redução quase generalizada da margem, e por comparação com o cenário base expectável no final de dezembro, os bancos estimarem uma redução da margem em torno de 17% para o total do sistema, é importante notar que a quase totalidade do sistema bancário continua a registar margens acima do verificado no período de baixas taxas de juro, incluindo os bancos considerados outliers pela atual definição (48% do total do ativo do sistema bancário). Adicionalmente, face a 2022 verificou-se uma ligeira deslocação para a direita da curva de distribuição dos impactos no cenário de descida paralela (Gráfico 7), o que pode decorrer da renegociação e/ou maior contratação de novos créditos a taxas mistas ou fixas.

Ainda assim, os bancos cuja margem financeira continue a apresentar uma elevada sensibilidade a variações nas taxas de juro, em particular nos cenários de descida, deverão avaliar a sua gestão de risco de taxa de juro. Poderá ser necessário aumentar, em proporção do ativo, a contratação e detenção de instrumentos de taxa fixa e/ou uma maior utilização de estratégias de cobertura de risco através de instrumentos derivados que reduzam a sensibilidade da margem financeira a variações das taxas de juro, trazendo-a para valores abaixo do threshold regulamentar de 5%.

Para além dos pressupostos do exercício do teste de outlier para a margem financeira, como utilização de balanço constante, é importante realçar que os testes de outlier sobre a margem financeira testam apenas a sensibilidade a variações de uma taxa de juro sem risco, pelo que não captam alguns fatores que também condicionam a evolução nas taxas de juro finais que se repercutem na remuneração dos instrumentos, como alterações no spread e margens comerciais aplicadas pelos bancos, e, consequentemente, na margem financeira.

  1. Distribuição dos impactos projetados na Margem Financeira em % do Tier 1 ― dezembro de 2022 e dezembro de 2023

Impactos na margem financeira

Painel A — Cenário de descida paralela

Painel B — Cenário de subida paralela

Fonte: Reporte regular de informação relativa ao risco de taxa de juro para fins de supervisão e exercício ad-hoc da EBA para operações em euros. | Notas: Os resultados dos testes de outlier, são apresentados para todas as instituições do sistema bancário português sob a forma de distribuição empírica recorrendo a um kernel gaussiano que pondera as instituições pela sua importância relativa no sistema, utilizando o montante de fundos próprios de nível 1. O choque considerado corresponde a 200 pb em toda a curva de rendimentos.

Decomposição do impacto

Com referência a dezembro de 2023, a decomposição do impacto de uma descida paralela da curva de rendimentos na margem financeira a um ano (Gráfico 8) permite verificar que os ativos que mais contribuem para a sua redução são as operações de crédito e as operações junto do BCE (60% e 23%, respetivamente), seguidos das operações com derivados e títulos de dívida (9% e 6%, respetivamente). A predominância destes instrumentos é explicada pelos curtos prazos de refixação das operações com o banco central e dos empréstimos com taxa de juro variável. Já no caso dos títulos de dívida emitidos a taxa de juro fixa, com maturidades residuais tendencialmente superiores a um ano, os choques na taxa de juro não se repercutem na margem financeira de forma significativa.

Em sentido contrário, num cenário de descida paralela de curva de rendimentos, verifica-se um impacto positivo sobre a margem financeira por via da redução dos custos de financiamento, em particular dos custos com depósitos a prazo que representam mais de 50% da redução do custo do passivo. Apesar do impacto dos empréstimos e depósitos ser determinante para o impacto na margem financeira, a componente de cobertura do risco por via de derivados assume para algumas instituições um peso relevante para o risco de taxa de juro.

É possível ainda verificar a elevada simetria do contributo por tipo de instrumento entre o cenário de subida e o cenário de descida da curva de rendimentos. Este resultado indicia que, à data de 31 de dezembro de 2023, o cenário de descida de taxas de juro não é condicionado, pelo menos de forma relevante, pela existência de limites mínimos às taxas de juro em alguns instrumentos (p.e., taxas de remuneração dos depósitos). Sugere ainda que os bancos não antecipam comportamentos substancialmente diferenciados por parte dos clientes que influenciem o momento de refixação estimado nos modelos comportamentais, consoante cenários de subida ou descida de taxas de juro, em particular nos depósitos à ordem e a prazo, e no pré-pagamento de créditos.

  1. Decomposição do impacto na margem financeira ― conjunto representativo de bancos do setor bancário ― dezembro 2023 | Em percentagem da variação da margem gerada pelos ativos

Painel A — Margem ― ativos

Painel B — Margem ― passivos

Fonte: Exercício ad-hoc da Autorida Bancária Europeia para operações em euros. | Nota: O choque considerado corresponde a 200 pb em toda a curva de rendimentos.

5. Conclusões

O aumento acentuado das taxas de juro iniciado em meados de 2022, depois de um período prolongado de taxas de juro baixas, veio reforçar a consciência quanto à importância do processo de análise do risco de taxa de juro no balanço dos bancos. Em termos regulamentares, essa análise está assente na realização de testes outlier, tendo por base diferentes cenários, por forma a identificar vulnerabilidades das instituições e permitir avaliar a necessidade de tomada de medidas de supervisão específicas por instituição, ou a necessidade de definir medidas de política preventivas, caso se conclua, em algum momento, que possa haver questões de estabilidade financeira que precisem de ser acauteladas.

A análise efetuada permite confirmar que aumentos e diminuições de taxas de juro podem ter efeitos diferenciados entre bancos, consoante a estrutura do balanço: a maior ou menor sensibilidade da carteira a risco de taxa de juro dos instrumentos que o compõem, e ainda eventuais estratégias de mitigação implementadas pelos bancos.

Os resultados dos testes de outlier, na ótica do valor económico, permitem concluir que o sistema bancário português deixou de ter bancos que se qualificam como outlier à luz das regras atuais. Adicionalmente, no cenário esperado de descida de taxas de juro, é visível uma redução da dispersão e um aumento da percentagem de bancos com impacto positivo, o que parece sugerir a implementação de estratégias de mitigação do risco por parte dos bancos.

Face a uma descida de taxas de juro, o sistema bancário português antecipava, no final de 2023, uma redução da margem financeira de 17% para o total do sistema, sendo que cerca de 50% do sistema bancário reportou variações negativas na margem superiores a 5%. Contudo, e apesar de se verificar uma redução quase generalizada da margem num cenário de descida, é importante notar que o total do sistema bancário continua a ter uma margem financeira sólida e acima do registado no período de baixas taxas de juro. Ainda assim, os bancos cuja margem financeira continue a apresentar uma elevada sensibilidade a variações nas taxas de juro, em particular nos cenários de descida, deverão avaliar a sua gestão de risco de taxa de juro.

Dada a estrutura da carteira bancária dos bancos portugueses, esta análise vem confirmar que é expectável que se assista a uma redução do nível da margem financeira registado pelo sistema bancário consistente com o cenário esperado para as taxas de juro. Contudo, os resultados dos testes de outlier devem também ser complementados com análises de sensibilidade, nomeadamente aos pressupostos utilizados nas opções comportamentais, e com uma revisão periódica dos mesmos em momentos de maior volatilidade de taxas de juro, já que influenciam de forma significativa os resultados das análises globais ao risco de taxa de juro.

O desenvolvimento de estudos empíricos que analisem impactos na concessão de crédito por parte dos bancos mais expostos a este risco, num contexto de alteração de taxas de juro, permitirá calibrar eventuais medidas de política, caso em algum momento surjam preocupações de âmbito macroprudencial relacionadas com esta dimensão.

Será ainda importante acompanhar os resultados das análises e estudos que se encontram a ser realizados a nível internacional, e em particular, ao nível europeu, sobre as lições que podem ser retiradas relativamente ao impacto do ciclo rápido de subidas de taxas de juro no sistema bancário.

A reserva contracíclica num ambiente de risco neutro em Portugal1

1. Introdução

O presente Tema em destaque descreve a reformulação do enquadramento da aplicação da reserva contracíclica num ambiente de risco neutro levada a cabo pelo Banco de Portugal em 2024. Este novo enquadramento resulta da experiência europeia e tem por base uma formulação conceptual das diferentes fases do ciclo financeiro. Apresentam-se, também, os resultados de uma avaliação dos custos e benefícios da ativação da reserva contracíclica, utilizando um modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral (DSGE) calibrado para Portugal.2

A reserva contracíclica de fundos próprios (reserva contracíclica ou CCyB) é um dos instrumentos da política macroprudencial que, ao assegurar a disponibilidade de capital nas instituições, contribui diretamente para o reforço da resiliência do sistema bancário. Esta reserva, constituída por fundos próprios principais de nível 1 (CET 1), é aplicada às exposições das instituições de crédito ao setor privado não financeiro nacional e a sua utilização encontra-se prevista na União Europeia desde 2016. Em Portugal, a possibilidade de utilização desta reserva encontra-se prevista nos artigos 138.º-F, 138.º-G e 138.º-I do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), complementados pela Recomendação do Comité Europeu de Risco Sistémico (CERS) n.º 2014/1. Prevê-se que, quando seja constituída, corresponda a uma percentagem que varie entre 0% e 2,5% do montante total das posições em risco, podendo, em situações devidamente justificadas, ultrapassar os 2,5%, valor a partir do qual não é exigido o reconhecimento obrigatório por outras autoridades macroprudenciais da União Europeia.

Originalmente, a implementação da reserva contracíclica era expectável em momentos de expansão do ciclo financeiro e a respetiva libertação quando o risco sistémico cíclico se materializasse. A libertação desta reserva pela autoridade macroprudencial permite às instituições de crédito continuarem a desempenhar a sua função de intermediação financeira, em particular a concessão de crédito ao sector privado não-financeiro.

Vários estudos demonstram que, em situações adversas, os bancos com uma menor reserva de gestão evidenciam uma maior relutância em conceder crédito à economia e/ou optam por reduções dos ponderadores médios de risco através de uma realocação das suas exposições para ativos com menor risco de crédito (Berrospide et al., 2021; Couallier et al., 2022 e Avezum et al., 2023). Assim, a libertação de uma reserva de fundos próprios, ao aumentar a margem de capital acima do requisito global de fundos próprios, permite que as instituições mantenham um fluxo de financiamento adequado à economia num contexto de materialização do risco sistémico cíclico.

A constituição de reservas libertáveis assumiu particular relevância desde a pandemia de COVID-19. Este período foi caraterizado pela libertação desta reserva nalguns dos países que a tinham implementado. Contudo, o seu montante era ainda reduzido, o que pode ser justificado por vários fatores. Em primeiro lugar, a recuperação mais lenta da economia e do sistema bancário após a grande crise económica e financeira de 2008 levou a que várias autoridades macroprudenciais optassem por não acionar a reserva contracíclica para evitar efeitos negativos de curto prazo sobre a atividade económica. Adicionalmente, no período que precedeu a pandemia de COVID-19, não se observou uma expansão excessiva de crédito na generalidade dos países da área do euro, incluindo Portugal, não motivando uma constituição da reserva contracíclica.

A imprevisibilidade dos choques adversos reforça a relevância da implementação das reservas libertáveis para garantir que o setor bancário tem maior capacidade para absorver perdas e permanecer solvente, sem interromper a concessão de crédito à economia real. O choque da pandemia de COVID-19 foi um evento exógeno ao setor financeiro, não estando diretamente relacionado com a acumulação de desequilíbrios macroeconómicos e financeiros. Assim, confirma-se que eventos não antecipados podem ocorrer em qualquer fase do ciclo financeiro (Herrera-Bravo, Pirovano e Scalone, 2024). A existência de reservas libertáveis reforça a capacidade de absorção de perdas. De facto, nos casos observados, a libertação de reservas macroprudenciais contribuiu para mitigar a prociclicidade do crédito após o choque da COVID-19 (Avezum et al., 2024; Couaillier et al., 2024).

Várias instituições internacionais, como o Comité de Supervisão Bancária de Basileia (BCBS, 2022), o Fundo Monetário Internacional (IMF, 2024) e o Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (ECB, 2024), têm vindo a apoiar a possibilidade de as autoridades nacionais fixarem uma percentagem positiva para a reserva contracíclica numa fase inicial do ciclo financeiro, em que o risco sistémico cíclico não se encontra ainda numa fase de acumulação nem de materialização. Assim, a decisão de ativação da reserva contracíclica tem-se tornado menos dependente de indicadores que assinalam situações de aumento do risco sistémico cíclico.

O Banco de Portugal decidiu rever o enquadramento metodológico que orienta a ativação e libertação da reserva contracíclica, tornando-o mais abrangente. Até agora tinha sido adotada uma abordagem quantitativa nas decisões sobre a reserva contracíclica, baseada na monitorização de variáveis que indiciam a acumulação de fontes de risco sistémico cíclico, complementada com informação qualitativa quando considerada relevante. A alteração metodológica contempla a ativação da reserva contracíclica na fase em que o risco sistémico cíclico é neutro, ou seja, não se encontra numa fase de acumulação, nem de materialização.

Num quadro de elevada rendibilidade e de uma adequada capitalização do setor bancário, o Banco de Portugal propõe a aplicação de uma taxa para a reserva contracíclica de 0,75% na atual fase em que se considera que o risco sistémico cíclico é neutro. Decorreu, até 19 de novembro de 2024, uma consulta pública sobre a ativação deste instrumento de política macroprudencial, visando o acréscimo da taxa de reserva contracíclica dos atuais 0% para 0,75%, com implementação a 1 de janeiro de 2026. A decisão final será anunciada em 31 de dezembro de 2024. Se, em algum momento no futuro, o risco sistémico cíclico se materializar e esta reserva contracíclica for libertada, o Banco de Portugal definirá um período indicativo durante o qual não se espera um aumento da reserva contracíclica, a fim de promover a utilização do capital nesse período de crise.

2. A reserva contracíclica num ambiente de risco neutro

Para reforçar a resiliência, 15 países do Espaço Económico Europeu (EEE) implementaram um enquadramento para uma taxa positiva de reserva contracíclica numa fase de ambiente de risco neutro do ciclo financeiro3 após a pandemia de COVID-19 (Figura 1). Apesar da divergência entre as taxas de reserva contracíclica destes países, refletindo diferentes metodologias de calibração, especificidades nacionais e preferências dos decisores de política, a justificação para a sua implementação é amplamente partilhada entre jurisdições (Behn et al., 2023). Outros nove países do EEE ativaram a reserva contracíclica tendo por base indicadores que sinalizaram a acumulação de risco sistémico cíclico.4

  1. Implementação da reserva contracíclica na Europa

Fontes: Banco de Portugal, Comité Europeu do Risco Sistémico e bancos centrais ou autoridades macroprudenciais europeias. | Notas: Incluem-se todas as reservas anunciadas ainda que não tenham entrado em vigor. No caso da Espanha será efetivo a 1 de janeiro de 2026. Em relação à Letónia, a taxa de reserva contracíclica de 0,5% aplicar-se-á a partir de 18 de dezembro de 2024, sendo posteriormente aumentada para 1% a partir de 18 de junho de 2025. No que concerne à Grécia, a taxa de reserva contracíclica de 0,25% aplicar-se-á a partir de 1 de outubro de 2025, sendo que, posteriormente, deverá aumentar até alcançar a taxa-alvo de 0,5%.

A distinção das quatro fases do ciclo financeiro associadas ao nível de risco sistémico cíclico é relevante para compreender a definição da reserva contracíclica num ambiente de risco neutro (Figura 2). A fase I, de recuperação, insere-se num ambiente que decorre após a libertação da reserva contracíclica, uma vez que se assume que o risco sistémico cíclico já se materializou. A fase II, caracterizada por uma conjuntura de risco sistémico cíclico neutro, é considerada o momento certo para se iniciar uma acumulação da reserva contracíclica, de forma a assegurar o seu possível aumento gradual na eventualidade de uma intensificação do risco sistémico cíclico. Na fase III, num contexto de risco elevado, a taxa da reserva contracíclica será aumentada para manter a resiliência do setor financeiro. Por fim, a fase IV, designada por recessão, engloba a materialização do risco sistémico cíclico, implicando uma potencial redução da oferta de crédito do setor financeiro, pelo que a reserva contracíclica será libertada, total ou parcialmente, dependendo da severidade do choque. Assim, a principal diferença neste novo enquadramento consiste na definição de uma taxa positiva na fase neutra do ciclo financeiro (fase II), em contraste com o anterior em que a ativação da reserva contracíclica só ocorria na fase de acumulação (fase III) do risco sistémico cíclico.

As quatro fases identificadas têm um carácter estilizado e devem ser consideradas com prudência, uma vez que os limites entre elas podem não estar sempre claramente definidos. O ciclo financeiro pode apresentar uma sequência diferente, i.e., os riscos podem materializar-se inesperadamente quando se está num ambiente neutro, passando da fase II para a fase IV. Além disso, a intensificação do risco sistémico cíclico pode diminuir em direção ao nível neutro, passando da fase III para a fase II. As fontes quantitativas e qualitativas relacionadas com o ciclo macrofinanceiro e o risco sistémico cíclico podem fornecer provas contrastantes, sendo imprescindível o parecer dos decisores de política para equilibrar corretamente as informações relevantes.

  1. A reserva contracíclica ao longo do ciclo financeiro

Fonte: Banco de Portugal.

Os benefícios que se pretendem atingir com o aumento da reserva contracíclica num ambiente neutro compensam largamente os custos. Um aumento gradual e atempado de uma reserva contracíclica permite fazer face a choques sistémicos cíclicos sem restringir significativamente a concessão de crédito à economia (Buratta, Lima e Maia, 2023). Esta abordagem dá também resposta às preocupações relativas à incerteza de medição dos sinais de acumulação de risco sistémico cíclico, bem como aos desfasamentos de transmissão e implementação associados à definição da política macroprudencial (Behn et al., 2023). Adicionalmente, salienta-se que um aumento gradual de uma reserva contracíclica num contexto de rendibilidades favoráveis e capitalizações adequadas do setor bancário mitiga os custos para a atividade económica.

3. A reserva contracíclica: uma análise de custos e benefícios

Para avaliar os custos e os benefícios da ativação da reserva contracíclica, bem como da sua redução, total ou parcial, aquando de um choque não antecipado, é utilizado um modelo DSGE de uma pequena economia aberta, calibrado para Portugal. O modelo estilizado integra rigidez nominal de preços e salários, fricções financeiras, oferta de habitação e um sector bancário. Existem dois tipos de famílias, pacientes e impacientes, que, em equilíbrio, poupam sob a forma de depósitos ou se financiam para adquirir habitação, respetivamente. Os empréstimos para compra de habitação são concedidos a uma taxa de juro variável e têm maturidades longas, em linha com a concessão de crédito à habitação em Portugal. Estão ainda sujeitos a uma restrição que limita o montante do empréstimo a uma fração do valor de mercado da habitação a adquirir, ou seja, estão sujeitos a um limite ao rácio loan-to-value. Os bancos também concedem empréstimos às empresas a taxas variáveis, para que estas possam financiar a aquisição de capital físico empregue na produção. Os empréstimos às empresas são de curto prazo e não estão sujeitos a nenhuma restrição. Dado que o modelo inclui empréstimos à habitação e a empresas, permite a diferenciação dos requisitos ponderados pelo risco associados a cada tipo de empréstimo.

Os bancos financiam-se através de depósitos e da geração de capitais próprios e a sua modelização inspira-se em Gertler e Karadi (2011). Dado ser uma pequena economia aberta, embora haja rigidez de preços, a política monetária é exógena a esta economia, ou seja, não reage a alterações na inflação doméstica. Assume-se que os bancos enfrentam uma restrição que limita o grau de alavancagem, o que dá origem a um spread entre as taxas de juro aplicadas nos depósitos e nos empréstimos. Esta restrição impõe que o valor futuro de cada banco atualizado ao momento presente deve ser sempre igual ou superior a uma determinada fração dos seus ativos ponderados pelo risco. Assume-se ainda que o regulador prudencial, através da aplicação de medidas de capital, consegue atuar sobre esta fração de ativos ponderados pelo risco, determinando que esta seja composta por uma componente estrutural e outra componente variável. A componente estrutural pode ser entendida como o resultado de requisitos microprudenciais, como os de Pilar 1 e Pilar 2, e macroprudenciais estruturais, como a reserva de conservação de capital e a reserva de outras instituições de importância sistémica (O-SII). A componente variável, ao responder a desvios do crédito total em relação ao seu valor de equilíbrio, mimetiza uma reserva contracíclica, ou seja, corresponde a requisitos macroprudenciais cíclicos. Adicionalmente, o modelo contempla uma reserva de gestão ajustável ao contexto macroeconómico e prudencial, permitindo que aumentos nos requisitos possam ser absorvidos pela reserva de gestão, não se verificando obrigatoriamente um aumento na mesma proporção nos rácios de capital.

Para avaliar os custos e benefícios da ativação da reserva contracíclica é feita uma simulação de um choque exógeno ao setor bancário. Tal tem em conta uma das lições da pandemia, de que os choques podem acontecer em qualquer fase do ciclo financeiro e terem origem externa ao setor financeiro. A simulação incorpora diferentes fases do ciclo económico e financeiro, em que a fase inicial de expansão e a posterior fase de contração se devem a choques de produtividade não antecipados. A fase de expansão é impulsionada por um aumento ligeiro de produtividade, que simula uma conjuntura macroeconómica marcada por crescimento económico moderado e um sistema bancário com rendibilidades favoráveis, mas não se observa uma acumulação de desequilíbrios financeiros, assemelhando-se à atual fase do ciclo financeiro em Portugal. A fase de contração é resultado de um choque negativo de produtividade em que ocorre a materialização de risco sistémico cíclico.

O choque negativo de produtividade tem o dobro da magnitude do choque positivo, por forma a refletir a distinção entre um ambiente de risco sistémico cíclico neutro e uma fase de materialização de risco, que origina uma contração económica e financeira. Ambos os choques são persistentes, retomando para próximo do equilíbrio ao fim de quatro anos (Gráfico 1).

A simulação foi desenvolvida seguindo dois cenários distintos. No cenário base, não é implementada nenhuma medida macroprudencial, enquanto no cenário alternativo é implementada uma reserva contracíclica, que é, posteriormente, libertada. O cenário base reflete somente as dinâmicas do modelo quando a produtividade se desvia, positiva ou negativamente, do seu equilíbrio, em reação aos choques, pelo que os requisitos de capital se mantêm fixos. No cenário alternativo, a reserva contracíclica é ativada após o choque positivo de produtividade, assumindo-se uma taxa de reserva de 0,75% do montante total das posições em risco, tal como calibrado pelo Banco de Portugal. É tomado como pressuposto que a constituição da reserva é gradual, com um faseamento linear ao longo de quatro trimestres. Quando ocorre o choque negativo de produtividade, dois anos após o choque inicial e após a implementação completa da reserva contracíclica, esta é imediatamente libertada na sua totalidade, pelo que os requisitos voltam ao equilíbrio inicial.

Após o choque positivo de produtividade, o crédito e a rendibilidade aumentam, levando ao aumento dos rácios de capital dos bancos em ambos os cenários. No cenário em que se introduz a reserva contracíclica, observa-se um aumento ligeiramente superior dos rácios de capital, que incluem os requisitos regulamentares e a reserva de gestão. Este resultado sugere que os bancos, antecipando a necessidade de cumprir gradualmente com o novo requisito de capital, exploram a procura acrescida de crédito para, através da geração interna, reforçarem o seu capital e assim virem a cumprir com o novo requisito. Durante o período de implementação da reserva contracíclica, o crédito total aumenta, com maior incidência no crédito às empresas, o qual apresenta maior rendibilidade.

Após a implementação da reserva contracíclica e antes da sua libertação, a existência de uma reserva contracíclica origina, em certa medida, uma realocação da carteira de crédito em prol do crédito à habitação. Neste período de transição, à medida que o choque positivo de produtividade se desvanece, o crédito total reduz-se nos dois cenários. Comparando o cenário em que existe a reserva contracíclica com o cenário base, observam-se diferenças, ainda que ligeiras, nas dinâmicas do crédito à habitação e do crédito às empresas. O crédito à habitação apresenta uma diminuição ligeiramente mais lenta, em comparação com o cenário base, enquanto o crédito às empresas se reduz um pouco mais rápido do que no cenário base.

Quando o choque contracionista de produtividade atinge a economia, a libertação total e imediata da reserva contracíclica ajuda a mitigar a contração do crédito que se verifica no cenário base e permite uma recuperação económica mais rápida. Após a libertação da reserva contracíclica, no período em análise, observa-se uma melhoria no crédito à habitação, bem como crédito às empresas, face ao cenário base. Os benefícios associados ao efeito estabilizador no crédito total, decorrente de uma menor contração no crédito à habitação e às empresas, reflete-se no consumo e no crescimento do PIB. Adicionalmente, os benefícios ao nível do crédito total também se refletem no investimento total, embora com desfasamento. A recuperação mais tardia do investimento face ao crédito deve-se, por um lado, aos custos de ajustamento, que introduzem alguma rigidez na recuperação. Por outro lado, no modelo, o investimento total é determinado por investimento em capital físico e em habitação. Este último nesta simulação, responde, sobretudo, à procura por habitação por parte das famílias pacientes, cuja aquisição de habitação não depende de financiamento e, assim, reagem com desfasamento a flutuações da atividade económica. A libertação integral da reserva contracíclica reduz a volatilidade económica e atenua a contração das variáveis macroeconómicas, em comparação com o cenário base onde não há libertação de requisitos de capital.

  1. Impacto da reserva contracíclica em resposta a choques de produtividade (por trimestre) | Desvios face ao equilíbrio estacionário

Painel A — Produtividade

Painel B — Requisitos de capital

 
 
   

Painel C — Crédito total

Painel D — Crédito à habitação

Painel E — Crédito às empresas

   

Painel F — PIB

Painel G — Consumo

Painel H — Investimento

Fonte: Banco de Portugal.

Os resultados apresentados indicam que a ativação da reserva contracíclica durante uma fase de expansão dos ciclos económico e financeiro, aliada à existência e utilização de reservas de gestão que acomodam, em parte, o aumento dos requisitos de capital, permite reduzir os custos associados a esse aumento. Por sua vez, a libertação desta reserva durante a fase de contração económica tem como benefícios a mitigação da redução no fluxo de crédito, apoiando a economia e suavizando os impactos no consumo, investimento e crescimento do PIB, atenuando a volatilidade macroeconómica.

4. Conclusão

Desde a crise pandémica, várias instituições internacionais recomendaram a aplicação de uma reserva contracíclica positiva numa fase inicial do ciclo financeiro, i.e., num ambiente neutro. Neste contexto, o Banco de Portugal reviu o enquadramento metodológico que fundamenta as suas decisões nesta matéria, propondo a aplicação de uma taxa para a reserva contracíclica de 0,75% na atual fase do ciclo, em que o risco sistémico cíclico é neutro (i.e., não se encontra numa fase de acumulação excessiva, nem de materialização do risco sistémico cíclico), e num contexto de elevada rendibilidade e adequada capitalização do sector bancário. A ativação da reserva contracíclica ocorre numa fase inicial do ciclo financeiro que precede o período de acumulação do risco, assegurando uma acumulação atempada de capital para fazer face a choques sistémicos cíclicos futuros sem restringir significativamente a concessão de crédito à economia.

Para avaliar os custos e os benefícios da ativação da reserva contracíclica, bem como da sua redução, total ou parcial, em face de um choque não antecipado, é feita uma modelização com simulação de um choque exógeno ao setor bancário. Os resultados do exercício de simulação mostram que, na fase expansionista dos ciclos económico e financeiro, os custos da introdução da reserva contracíclica são reduzidos, com os bancos a dar continuidade à sua atividade. A libertação da reserva contracíclica após o choque negativo de produtividade ajuda a mitigar o efeito contracionista sobre o crédito, estimulando a atividade económica e atuando como um estabilizador que reduz a volatilidade económica.

Com base na análise dos custos e benefícios da simulação, conclui-se que a ativação da reserva contracíclica num ambiente de risco neutro reforça a resiliência do sistema bancário e atua como medida preventiva para mitigar os efeitos negativos da materialização de risco sistémico cíclico na economia.

Referências

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Behn, M., Pereira, A., Pirovano, M, Testa, A. (2023) “A positive neutral rate for the countercyclical capital buffer – state of play in the banking union”. Boletim Macroprudencial


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