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Relatório de Estabilidade Financeira — Maio 2024

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Sumário acessível_infografia e ícones_Mai2024

 

Sumário executivo

Os riscos para a estabilidade financeira resultam, em grande medida, das potenciais consequências que as tensões geopolíticas e o prolongamento da restritividade das condições monetárias possam ter sobre a atividade económica. No último semestre, observou-se uma redução das vulnerabilidades em resultado da melhoria das condições económicas. Perspetiva-se que a inflação prossiga a trajetória de redução e o crescimento económico em Portugal se mantenha positivo e superior ao da área do euro. De acordo com as mais recentes projeções do Banco Central Europeu e do Banco de Portugal, a inflação em 2024 deverá descer para 2,3% na área do euro e para 2,4% em Portugal, atingindo os 2% em 2025. A economia crescerá em torno dos 2% em Portugal e 0,6% na área do euro em 2024, com projeções mais favoráveis para os dois anos seguintes, com Portugal a crescer acima de 2,2% ao ano, em ritmo superior aos 1,5% e 1,6% previstos para a área do euro.

No plano internacional, o contexto geopolítico tenso, com a manutenção dos conflitos militares na Ucrânia e no Médio Oriente, condiciona os fluxos de comércio internacional e impacta a atividade económica. Assumem especial relevância as considerações de segurança estratégica que podem suportar a fragmentação económica e financeira da economia mundial e pôr em causa um processo de re-globalização mais inclusiva. Acresce o risco de que o ajustamento em curso do mercado imobiliário na China possa ter impacto negativo mais pronunciado na sua economia, com repercussões para a economia global.

A manutenção de condições monetárias restritivas por mais tempo e/ou com efeitos mais prolongados do que antecipado impacta as condições económico-financeiras. A condução da política monetária deverá ter em conta as sinergias conseguidas através da resposta globalmente coordenada, mas deverá também atender à realidade subjacente a cada área económica, o que pode requerer respostas diferenciadas, que reduzam os riscos de uma restritividade excessiva.

No plano nacional, destaca-se um cenário de maior incerteza no processo de decisão política, no quadro de um novo modelo de regras orçamentais europeias, que colocarão novos desafios à condução da política orçamental.

Uma eventual deterioração das condições macroeconómicas que potencie correções abruptas nos preços dos ativos financeiros pode exacerbar os riscos para a estabilidade financeira. Um quadro de deterioração das condições económicas potencia reduções de valor de ativos e o agravamento do serviço da dívida dos setores residentes, embora, nos últimos anos, seja de realçar a consolidação de mitigantes, como a redução do endividamento.

Os riscos associados à situação financeira das administrações públicas têm vindo a diminuir graças à consolidação orçamental e à consequente trajetória de descida do rácio de dívida pública em percentagem do PIB, interrompida apenas pela crise pandémica, quando atingiu um máximo de 138% mas retomada logo de seguida, com o rácio nos 112% no final de 2022 e baixando para 99% em 2023. Esta trajetória de desalavancagem teve reflexo na correspondente melhoria do rating da República. Contudo, a dívida é ainda elevada. Desta forma, as administrações públicas estão expostas à persistência de taxas de juro mais elevadas e à volatilidade nos mercados financeiros internacionais, podendo repercutir-se nos restantes setores residentes pelo contágio nas respetivas avaliações de risco.

As empresas continuaram a melhorar a autonomia financeira e a reduzir o endividamento. O rácio de alavancagem médio, que mede o peso da dívida no total de capital próprio e dívida financeira, desceu em 2023 para 41,3% (42,2% em 2022). Em ano de crescimento da economia, os rácios de endividamento em percentagem do PIB, bruto e líquido de depósitos, reduziram-se para 82% (89% em 2022) e 56% (59% em 2022), respetivamente. A rendibilidade das empresas resistiu ao aumento do serviço da dívida. O EBITDA representou em média 9% do ativo, apenas 0,2 pontos percentuais (pp) abaixo do valor de 2022, máximo desde a crise financeira. No último ano, não se observou uma subida material das insolvências e a qualidade do crédito concedido a empresas não tem apresentado deterioração, o que se reflete na descida do rácio de non-performing loans (NPL) para 5,0%, (6,5% em 2022). Em todo o caso, o efeito acumulado da manutenção de taxas de juro elevadas na atividade económica e nos custos de financiamento, em conjunto com eventuais subidas dos custos de produção e perturbações nas cadeias de abastecimento, poderão potenciar a materialização de risco de crédito, em particular nas empresas mais vulneráveis.

As famílias também registaram uma redução no rácio de endividamento, seguindo a tendência observada desde 2010 e atingindo 85% no final do ano (91% em 2022). A melhoria do perfil de risco do crédito a particulares tem beneficiado da Recomendação macroprudencial introduzida em 2018, que contempla limites à taxa de esforço como um dos critérios de aprovação de novos créditos. Num quadro de subida das taxas de juro, a contenção do incumprimento dos particulares beneficiou ainda da robustez do mercado de trabalho e do aumento do rendimento disponível real. O aumento contido, de 0,2 pp, nos NPL dos empréstimos à habitação levou o segmento dos particulares a apresentar um rácio de NPL de 2,4%, superior em 0,1 pp ao de 2022.

Um cenário de prolongamento da restritividade de política monetária e de agravamento das condições económicas poderá também originar uma redução dos preços no mercado imobiliário, por via do seu impacto sobre a procura. Contudo, os efeitos sobre o sistema bancário nacional deverão ser contidos. Apenas 5% da carteira de crédito à habitação dos bancos tem rácios loan-to-value (LTV) superiores a 80%, o que mitiga o impacto de uma potencial descida dos preços deste mercado. No segmento comercial, a exposição do setor bancário é contida.

O setor financeiro não bancário internacional encontra-se exposto ao risco inerente ao seu modelo de negócio, que tem uma menor disponibilidade de instrumentos e de mecanismos de salvaguarda de liquidez em situações de stress. Em Portugal, o setor não acumulou vulnerabilidades.

O setor bancário português continuou a melhorar a sua situação, caracterizada por níveis de capital, de liquidez e de rendibilidade mais elevados. Foi uma fonte de estabilidade, contribuindo para garantir a regularidade do financiamento da economia. A rendibilidade do setor subiu para 1,28% do ativo (0,69% em 2022), com reflexo positivo nos rácios de capital. Os rácios de fundos próprios totais e de fundos próprios principais de nível 1 (CET1) aumentaram 1,5 e 1,7 pp, respetivamente, situando-se em 19,6% e 17,1%. Os indicadores de liquidez permaneceram elevados e acima dos níveis de 2022, com o rácio de cobertura de liquidez (LCR) a chegar aos 255% e o rácio de financiamento estável líquido (NSFR) aos 151%.

Caso se materializem condições adversas, nomeadamente na atividade económica, com implicações sobre o desemprego, poderemos assistir a uma deterioração da qualidade de crédito. Ainda que o rácio total de non-performing loans (NPL) tenha continuado a diminuir em 2023, de 3,0% para 2,7%, verificou-se um aumento de empréstimos com deterioração do risco de crédito (stage 2). O rácio de empréstimos a particulares em stage 2 aumentou 2,2 pp para 10,4%, com o contributo dos empréstimos à habitação, maioritariamente a taxa variável, o que reflete um aumento do risco de crédito associado ao maior peso do serviço da dívida no rendimento das famílias mais vulneráveis.

A preservação da margem financeira dos bancos é muito relevante para sustentar a geração de capital de forma orgânica, via que tem sido privilegiada na criação de buffers de capital. Num quadro de redução das taxas de juro e subsequente aperto da margem financeira, importará que os bancos portugueses consigam encontrar mitigantes, dada a sua importância na estrutura de resultados.

Perspetiva global da estabilidade financeira

Vulnerabilidades, riscos e política macroprudencial

Principais riscos e vulnerabilidades

Os riscos para a estabilidade financeira resultam, em grande medida, das potenciais consequências que as tensões geopolíticas e o prolongamento da restritividade das condições monetárias possam ter sobre a atividade económica. No último semestre, observou-se uma redução das vulnerabilidades em resultado da melhoria das condições económicas. Perspetiva-se que a inflação prossiga a trajetória de redução e o crescimento económico em Portugal se mantenha positivo e superior ao da área do euro.

No plano internacional, o contexto geopolítico tenso, com a manutenção dos conflitos militares na Ucrânia e no Médio Oriente, condiciona os fluxos de comércio internacional e impacta a atividade económica. Assumem especial relevância as considerações de segurança estratégica que podem suportar a fragmentação económica e financeira da economia mundial e pôr em causa um processo de re-globalização mais inclusiva. Acresce o risco de que o ajustamento em curso do mercado imobiliário na China possa ter impacto negativo mais pronunciado na sua economia, com repercussões para a economia global.

A manutenção de condições monetárias restritivas por mais tempo e/ou com efeitos mais prolongados do que antecipado impacta as condições económico-financeiras. A condução da política monetária deverá ter em conta as sinergias conseguidas através da resposta globalmente coordenada, mas deverá também atender à realidade subjacente a cada área económica, o que pode requerer respostas diferenciadas, que reduzam os riscos de uma restritividade excessiva.

No plano nacional, destaca-se um cenário de maior incerteza no processo de decisão política, no quadro de um novo modelo de regras orçamentais europeias, que colocarão novos desafios à condução da política orçamental.

Uma eventual deterioração das condições macroeconómicas que potencie correções abruptas nos preços dos ativos financeiros pode exacerbar os riscos para a estabilidade financeira. Um quadro de deterioração das condições económicas potencia reduções de valor de ativos e agravamento do serviço da dívida dos setores residentes, embora nos últimos anos seja de realçar a consolidação de mitigantes, como a redução do endividamento.

Os riscos associados à situação financeira das administrações públicas têm vindo a diminuir graças à consolidação orçamental e à consequente trajetória de descida do rácio de dívida pública em percentagem do PIB, com reflexos na correspondente melhoria do rating da República. Contudo, a dívida é ainda elevada. Desta forma, as administrações públicas estão expostas à persistência de taxas de juro mais elevadas e à volatilidade nos mercados financeiros internacionais, podendo repercutir-se nos restantes setores residentes pelo contágio nas respetivas avaliações de risco.

As empresas continuaram a melhorar a autonomia financeira e a reduzir o endividamento. A rendibilidade das empresas resistiu ao aumento do serviço da dívida. No último ano, não se observou uma subida material das insolvências e a qualidade do crédito concedido a empresas não tem apresentado deterioração. Em todo o caso, o efeito acumulado da manutenção de taxas de juro elevadas na atividade económica e nos custos de financiamento, em conjunto com eventuais subidas dos custos de produção e perturbações nas cadeias de abastecimento, poderão potenciar a materialização de risco de crédito, em particular nas empresas mais vulneráveis.

As famílias também registaram uma redução no rácio de endividamento, seguindo a tendência observada desde 2010. A melhoria do perfil de risco do crédito a particulares tem beneficiado da Recomendação macroprudencial introduzida em 2018, que contempla limites à taxa de esforço como um dos critérios de aprovação de novos créditos. Num quadro de subida das taxas de juro, a contenção do incumprimento dos particulares beneficiou ainda da robustez do mercado de trabalho e do aumento do rendimento disponível real.

Um cenário de prolongamento da restritividade de política monetária e de agravamento das condições económicas poderá também originar uma redução dos preços no mercado imobiliário, por via do seu impacto sobre a procura. Contudo, os efeitos sobre o sistema bancário nacional deverão ser contidos. A percentagem da carteira de crédito à habitação dos bancos que tem rácios loan-to-value (LTV) elevados é reduzida, o que reduz o impacto de uma potencial redução dos preços deste mercado. No segmento comercial, a exposição do setor bancário é contida.

O setor financeiro não bancário internacional encontra-se exposto ao risco inerente ao seu modelo de negócio, que tem uma menor disponibilidade de instrumentos e de mecanismos de salvaguarda de liquidez em situações de stress. Em Portugal, o setor não acumulou vulnerabilidades.

O setor bancário português continuou a melhorar a sua situação, caracterizada por níveis de capital, de liquidez e de rendibilidade mais elevados. Foi uma fonte de estabilidade, contribuindo para garantir a regularidade do financiamento da economia.

Caso se materializem condições adversas, nomeadamente na atividade económica, com implicações sobre o desemprego, poderemos assistir a uma deterioração da qualidade de crédito. Ainda que o rácio total de non-performing loans (NPL) tenha continuado a diminuir em 2023, verificou-se um aumento de empréstimos com deterioração do risco de crédito (stage 2), nomeadamente nos empréstimos à habitação, maioritariamente a taxa variável, o que reflete um aumento do risco de crédito associado ao maior peso do serviço da dívida no rendimento das famílias mais vulneráveis.

A preservação da margem financeira é muito relevante para sustentar a geração de capital de forma orgânica, via que tem sido privilegiada na criação de buffers de capital. Num quadro de redução das taxas de juro e subsequente aperto da margem financeira importará que os bancos portugueses consigam encontrar mitigantes, dada a sua importância na estrutura de resultados.

Enquadramento macroeconómico e de mercados

Em 2023, a economia portuguesa cresceu 2,3% em termos reais (9,6% em termos nominais) e o mercado de trabalho permaneceu resiliente. Após dois trimestres de estagnação, a economia portuguesa recuperou no quarto trimestre, alicerçada no consumo privado, que beneficiou do crescimento dos salários reais, e nas exportações, num quadro de melhoria da procura externa e de ganhos de quota adicionais. A dinâmica no último trimestre do ano justificou em grande medida a revisão em alta, face a dezembro de 2023, das previsões da atividade económica para 2024. O mercado de trabalho manteve-se resiliente, com aumento do emprego e manutenção da taxa de desemprego num patamar reduzido, 6,5%, 0,4 pp acima de 2022. O crescimento económico manteve um diferencial positivo face à área do euro, de 1,8 pp, reforçando a convergência da economia portuguesa (Quadro I.1.1).

A taxa de inflação reduziu-se ao longo de 2023, atingindo 1,9% em dezembro (2,9% na área do euro) e resultando numa inflação anual de 5,3% (-0,1 pp que a área do euro). Esta evolução refletiu, em larga medida, a dissipação do forte aumento dos preços dos bens energéticos e alimentares registados nos dois anos anteriores. No início de 2024, como esperado atentos os eventos base, a inflação interrompeu temporariamente a tendência de redução, fixando-se em 2,6% no final do primeiro trimestre, com 2,4% na área do euro. Excluindo os produtos alimentares e energéticos, o IHPC em Portugal atingiu uma variação homóloga de 3,2% em março (3,3% no final de 2023), superior em 0,2 pp à taxa correspondente para a área do euro (diferença de -0,1 pp em dezembro de 2023). Os preços têm crescido nos últimos meses de forma mais significativa na componente dos serviços, em Portugal e na área do euro.

  1. Projeções para PIB e inflação 2024–26 | Taxa de variação anual em percentagem

 

Março 2024

Dezembro 2023

 

2023

2024(p)

2025(p)

2026(p)

2023

2024(p)

2025 (p)

2026(p)

Área do euro

 
 
 

 

 
 
 
 

PIB

0,5

0,6

1,5

1,6

0,6

0,8

1,5

1,5

Inflação (IHPC)

5,4

2,3

2,0

1,9

5,4

2,7

2,1

1,9

Portugal

 
 
 

 

 
 
 
 

PIB

2,3

2,0

2,3

2,2

2,1

1,2

2,3

2,0

Inflação (IHPC)

5,3

2,4

2,0

1,9

5,3

2,9

2,0

2,0

Taxa de desemprego (% pop. ativa)

6,5

6,5

6,5

6,5

6,5

7,1

7,3

7,2

Balança corrente e de capital (% PIB)

2,7

3,6

3,9

4,1

3,0

3,5

3,7

4,0

Fontes: BCE (Projeções macroeconómicas de março de 2024) e Banco de Portugal (Boletim Económico de março de 2024). | Nota: p ― projetado.

Em Portugal, o crescimento anual da economia deverá situar-se em 2,0% em 2024, 2,3% em 2025 e 2,2% em 2026, tendo sido revisto em alta face às projeções de final de 2023, sobretudo para 2024 (+0,8 pp). A economia portuguesa continuará com um crescimento superior ao da área do euro, e com um dinamismo próximo do potencial. A projeção incorpora os efeitos positivos da menor inflação, do impacto expansionista das medidas adotadas no Orçamento do Estado de 2024 e da aceleração prevista para a procura externa. A execução financeira do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e dos restantes fundos europeus, assim como a redução gradual da restritividade das condições monetárias e financeiras beneficiarão também a atividade económica. Neste quadro, o mercado de trabalho deverá manter uma posição favorável, projetando-se acréscimos de emprego, após os máximos atingidos em 2023, aumento dos salários reais e uma estabilização do desemprego.

Estes desenvolvimentos deverão ocorrer num quadro de manutenção dos equilíbrios macroeconómicos fundamentais, em termos de contas públicas e de contas externas. A economia deverá apresentar uma capacidade de financiamento média de 3,9% do PIB em 2024–26, a mais elevada desde o início da área do euro, refletindo a redução adicional do endividamento dos setores residentes.

A inflação deverá continuar a diminuir em Portugal, para 2,4% em 2024 (revisão de -0,5 pp face às projeções de dezembro), 2% em 2025 e 1,9% em 2026. Na área do euro, antecipa-se que a progressiva redução das pressões sobre os custos e o impacto da política monetária do BCE se traduza em reduções adicionais da inflação, para 2,3% em 2024, 2,0% em 2025, e 1,9% em 2026, níveis compatíveis com o objetivo de estabilidade de preços de médio prazo definido pelo BCE.

Os riscos para a atividade económica e para a trajetória da inflação, a nível internacional, estão associados à persistência de condições monetárias restritivas, com efeitos que excedam os antecipados pelas autoridades. Essa restritividade é condicionada pela resiliência da economia dos Estados Unidos superior ao esperado, que adia a redução das taxas de juro oficiais pela Reserva Federal Americana, com impacto nas taxas de câmbio e nas condições de financiamento internacionais. Um diferencial acrescido entre as taxas de juro na área do euro e nos Estados Unidos poderá facilitar a expansão da atividade económica na área do euro, mas propiciar a importação de inflação por via do efeito cambial.

A persistência e a possibilidade de escalar das tensões geopolíticas, a par do ciclo eleitoral em diversos países com peso relevante na economia mundial ao longo do ano, constituem outra fonte de risco macroeconómico. No curto prazo, podem impactar os fluxos de comércio internacional, também penalizados por alterações da confiança dos agentes económicos, e, num prazo mais longo, reforçar uma tendência de fragmentação económica e financeira a nível global. Os choques que podem ser originados nesta esfera têm o potencial de condicionar os preços das matérias-primas e perturbar as cadeias de abastecimento, podendo originar pressões inflacionistas e afetar a atividade económica a nível internacional, tornando mais complexa e incerta a condução da política monetária nas principais economias.

Em sentido contrário, a confirmação da moderação do crescimento salarial e menores lucros unitários, com abrandamento da procura mundial — por exemplo, com a possibilidade de um choque negativo caso o atual ajustamento no mercado imobiliário na China tenha maior impacto no conjunto da sua economia, — deverão conter as pressões inflacionistas.

A nível nacional, acrescem os riscos associados a eventuais atrasos na execução dos fundos europeus e a um cenário de maior incerteza na condução da política económica, num contexto de novas regras orçamentais europeias.

Na reunião de 11 de abril, o Conselho do BCE manteve inalteradas as taxas diretoras reiterando a sua manutenção em níveis suficientemente restritivos durante o tempo que for necessário. A última subida de taxas de juro pelo BCE teve lugar em setembro de 2023. O BCE continuará a seguir uma abordagem dependente dos dados no que respeita às decisões de política monetária. Nos últimos meses, os mercados financeiros têm vindo a atualizar a trajetória futura esperada para as taxas de juro de curto prazo, nomeadamente diminuindo o valor esperado de redução das taxas. As expetativas dos investidores acerca das taxas de juro do mercado interbancário, implícitas nos futuros da Euribor a 3 meses, apontam para uma redução de aproximadamente 60 pb entre 15 de maio (data de fecho dos dados deste relatório) e dezembro de 2024 (Gráfico I.1.1).

Após uma redução no último trimestre de 2023, os custos de financiamento de mercado dos soberanos e do setor privado aumentaram ligeiramente desde o início do ano, tendo o spread face à Alemanha verificado alguma compressão (Gráfico I.1.2). No mesmo período, as taxas de rendibilidade de obrigações de empresas não financeiras e de bancos na área do euro aumentaram 30 e 10 pb, fixando-se em 3,6% e 3,8%, respetivamente.

  1. Taxa de juro implícita nos contratos de futuros sobre a Euribor a 3 meses | Em percentagem

  1. Taxas de rendibilidade da dívida soberana a 10 anos (Portugal e Alemanha) e de obrigações de empresas e bancos na área do euro | Em percentagem

Fonte: Refinitiv (cálculos do Banco de Portugal). | Nota: última observação: 15 de maio de 2024.

Fonte: Refinitiv. | Nota: última observação: 15 de maio de 2024.

A expetativa de redução da restritividade da política monetária global contribui para um aumento da confiança dos investidores e um impulso do apetite pelo risco. A redução progressiva, e mais rápida do que esperado, da inflação tem criado expetativas sobre o início da redução das taxas de juro de referência. Estes desenvolvimentos contribuíram para o aumento do apetite pelo risco por parte dos investidores e, consequentemente, para o melhor desempenho recente de ativos com risco mais elevado (Gráfico I.1.3). Nos EUA, o forte desempenho do mercado acionista nos últimos meses levou a uma maior concentração do mercado, com as maiores empresas a representar uma percentagem historicamente elevada da capitalização bolsista, gerando receios sobre a potencial sobrevalorização dos ativos, em particular os relacionados com a inteligência artificial.

A baixa volatilidade implícita nos mercados acionistas poderá estar a subestimar vulnerabilidades e a levar à tomada excessiva de riscos. Desde o início de 2023, os índices de volatilidade acionista nos EUA e na Europa têm permanecido ligeiramente abaixo das respetivas médias de longo prazo, o que poderá indiciar uma avaliação benigna dos riscos por parte dos investidores (Gráfico I.1.4). Os baixos níveis de volatilidade poderão ser explicados inter alia por: (i) melhor proteção que as ações oferecem contra a inflação, (ii) ausência de contração económica durante o processo de redução da inflação, e (iii) hipótese de que os bancos centrais têm atualmente mais margem para flexibilizar a política monetária em caso de necessidade (Financial Stability Review, maio 2024, BCE). Nos mercados obrigacionistas, a volatilidade tem-se mantido acima da média histórica, em linha com a reação dos investidores à evolução das expetativas acerca das trajetórias de inflação e das taxas de juro diretoras.

A possibilidade de correções abruptas no valor dos ativos financeiros permanece elevada, especialmente se se verificar a deterioração das condições macroeconómicas ou um processo de desinflação menos previsível. O preço de algumas matérias-primas, como a energia e o petróleo, tem vindo a aumentar desde o início de 2024 refletindo as tensões no Médio Oriente. Estes desenvolvimentos poderão originar reavaliações mais acentuadas dos preços dos ativos financeiros, nomeadamente caso se alterem as expetativas de mercado quanto à redução da restritividade da política monetária.

  1. Taxas de rendibilidade por classe de ativos | 16-11-2023 – 15-05-2024

  1. Volatilidade nos mercados acionista e de dívida | Desvios face às médias de longo prazo (em pontos)

Fonte: Refinitiv. | Notas: BTC e ETH referem-se às criptomoedas Bitcoin e Ethereum, S&P500, STOXX EUROPE 600 e FTSE All World aos índices acionistas norte-americano, europeu e mundial, High yield bond ao índice iBoxx EUR Liquid High Yield.

Fonte: Refinitiv. | Notas: Volatilidades implícitas em opções. “VSTOXX” refere-se ao Euro Stoxx 50, “VIX” ao S&P500, “MOVE” à US treasury curve. Última observação: 15 de maio de 2024.

Análise de risco setorial

Administrações públicas

Em 2023, a dívida pública atingiu 99,1% do PIB, registando uma redução de -13 pp face a 2022. Esta evolução resultou da combinação da redução da dívida pública (-4 pp) e, tal como nos dois anos anteriores, da variação positiva do PIB (Gráfico I.1.5). Considerando a dívida pública líquida de depósitos, reduziu-se 12 pp face a 2022, para 95% do PIB. No final de 2023, os depósitos das administrações públicas atingiram 4,3% do PIB, nível semelhante ao verificado no período prévio à crise financeira internacional, e que representou uma diminuição de 1,4 pp face ao final de 2022.

O rácio de dívida pública deverá continuar a diminuir nos próximos anos, contribuindo para a redução da vulnerabilidade do país a choques adversos e melhoria das condições de financiamento externo. Nas projeções de abril de 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipou para os próximos anos reduções adicionais do rácio, atingindo níveis inferiores à média da área do euro a partir de 2026 (Gráfico I.1.6).

  1. Rácio de dívida pública portuguesa

  1. Projeções do FMI para a evolução da dívida pública | Em percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal e INE.

Fonte: FMI. | Nota: Projeções de abril de 2024.

O custo das novas emissões de dívida do Estado duplicou face a 2022, atingindo 3,5% em 2023 (Gráfico I.1.7). O aumento do custo foi transversal aos principais instrumentos emitidos, nomeadamente bilhetes do Tesouro (BT) e obrigações do Tesouro (OT). Contudo, a transmissão do aumento das taxas de juro das novas emissões às despesas totais em juros foi contida, tendo o custo do stock de dívida passado de 1,7% para 2,1%. Tal refletiu o montante elevado do stock emitido a taxas fixas e a maturidade média da dívida, que permaneceu ligeiramente acima de 7 anos. As emissões de dívida de médio e longo prazo tiveram uma maturidade original superior a 15 anos. No final de março de 2024, as amortizações de dívida calendarizadas ainda para 2024 representavam 2,5% do stock total de dívida. Para 2025 e 2026, as amortizações calendarizadas de dívida de médio e longo prazo ascendem a cerca de 8% do stock (18 mil milhões de euros) em cada ano, mantendo-se em consonância com anos anteriores. Este perfil reflete o esforço da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) em alisar o perfil temporal dos vencimentos, evitando concentrações excessivas e, portanto, reduzindo o risco de refinanciamento. Esta atuação ganha importância acrescida quando é expectável que uma parcela crescente da dívida seja colocada nos mercados internacionais, à medida que prossegue a redução do balanço do Eurosistema. No final de 2023, o Eurosistema mantinha 32,1% do stock de dívida soberana nacional (Gráfico I.1.8), em resultado das operações de política monetária não convencionais, intensificadas com o Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP).

  1. Custo e maturidade da dívida pública portuguesa

  1. Estrutura de detentores de dívida pública portuguesa | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal, IGCP e INE. | Notas: O custo médio implícito do stock de dívida corresponde ao rácio entre a despesa com juros e o stock médio de dívida. O custo da dívida emitida em cada período é ponderado por montante e maturidade e compreende BT, OT, OTRV e MTN emitidos no ano correspondente. A maturidade média da dívida de médio e longo prazo emitida inclui emissões de OT e MTN ocorridas no ano correspondente.

Fontes: BCE, Banco de Portugal e IGCP. | Nota: Dados em fim de período.

Assinala-se a trajetória de melhoria da notação de crédito da República portuguesa por parte de todas as principais agências de rating internacionais. No início de março de 2024, concretizou-se o upgrade do rating de longo prazo da Standard & Poors, de BBB+ para A.

Os riscos associados ao desempenho e à situação financeira das administrações públicas têm vindo a diminuir. Todavia, a dívida permanece elevada, apresentando valores comparáveis aos de 2010, apesar de um panorama muito diferente no que toca ao saldo orçamental. Assim, não obstante o ajustamento da dívida pública registado na última década, somente perturbado pelas consequências orçamentais e económicas da pandemia de COVID-19, o seu elevado nível expõe as administrações públicas a flutuações do sentimento nos mercados financeiros internacionais. Contudo, é de referir que existem alguns elementos mitigantes, como seja a maturidade mais longa da carteira de títulos de dívida, bem como o papel estabilizador do BCE, em particular por via do novo TPI (Transmission Protection Instrument).

A possibilidade de um contexto macroeconómico mais adverso, associado, por exemplo, à manutenção de uma política monetária restritiva por um período superior ao atualmente antecipado, amplificaria o custo do serviço da dívida. Os riscos associados à evolução da atividade económica e a um eventual aumento da despesa pública constituem um elemento de pressão adicional. A gestão destas dimensões deve ser assegurada numa perspetiva de sustentabilidade inter-temporal e à luz das regras orçamentais da União Europeia, recentemente revistas. A prossecução da redução da dívida pública é, assim, importante para a dinâmica de crescimento económico e sua resiliência, num contexto em que as taxas de juro deverão situar-se acima das prevalecentes antes da pandemia. Os restantes setores residentes da economia estão sujeitos a efeito de contágio do risco da República nas respetivas avaliações de risco.

Particulares

O rendimento disponível das famílias continuou a crescer, sustentado pela robustez do mercado de trabalho. O rendimento disponível nominal aumentou 6,5% (8,2% em 2022), refletindo o contributo das remunerações dos empregados (Gráfico I.1.9). O crescimento continuado do emprego e dos salários reais tem contribuído para a melhoria da situação financeira das famílias, que registaram aumentos do rendimento disponível real nos últimos três anos (1,9% em 2023).

  1. Variação do rendimento disponível nominal dos particulares e contributos | Em percentagem e pontos percentuais

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (a) Líquidas de transferências em espécie.

Em 2024 o rendimento das famílias deverá continuar a evoluir favoravelmente. Em particular, num contexto de descida da inflação, estima-se que o rendimento disponível real cresça 4%, refletindo o crescimento dos salários e a contenção do desemprego.

A taxa de poupança continua baixa em termos históricos e internacionais, 6,3% do rendimento disponível (Quadro I.1.2). As famílias continuaram a preferir o investimento em ativos reais, em larga medida em habitação, que ascendeu a 5,3% do rendimento disponível (5,8% em 2022). A aquisição de ativos financeiros reduziu-se para 1,4% do rendimento disponível (4,4% em 2022) e teve por base a realocação expressiva de aplicações em depósitos para subscrições de certificados de aforro, concentrada nos 2 primeiros trimestres. As aplicações em certificados de aforro totalizaram 10,2 mil milhões de euros e representaram 5,8% do rendimento disponível (o que compara com 2,7% em 2022, concentrados no quarto trimestre). A capacidade de financiamento dos particulares ascendeu a 1,5% do rendimento disponível (0,9% em 2022) e a taxa de poupança ficou abaixo do máximo observado no período pandémico e é ainda inferior à do período pré-pandémico.

  1. Origem e aplicação de fundos dos particulares | Em percentagem do rendimento disponível

 

2018

2019

2020

2021

2022

2023

Poupança corrente em Portugal

6,8

7,2

11,9

10,6

6,3

6,3

Ativos

7,5

8,4

14,6

13,4

9,8

6,2

Investimentos em ativos reais (a)

4,8

5,0

5,1

5,6

5,8

5,3

Saldo das transferências de capital

-0,6

-0,4

-0,4

-0,5

-0,4

-0,5

Aquisições líquidas de ativos financeiros

3,3

3,8

9,9

8,2

4,4

1,4

Numerário e depósitos em bancos residentes

3,7

3,6

8,3

6,9

5,7

-1,2

Certificados de aforro/tesouro

0,9

0,5

0,5

0,3

2,7

5,8

Ações e outras participações

-0,6

0,8

2,2

2,2

-2,4

-0,4

Regimes de seguros, pensões e garantias

-0,1

1,6

-1,4

-0,5

-0,5

-2,7

Outros

-0,6

-2,7

0,3

-0,7

-1,1

-0,1

Passivos

0,7

1,2

2,8

2,8

3,5

-0,1

Dívida financeira (b)

0,4

1,0

1,5

3,1

2,9

-0,6

Outros passivos financeiros (c)

0,3

0,2

1,2

-0,4

0,6

0,5

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: Valores consolidados em termos nominais. (a) Corresponde à soma de formação bruta de capital fixo, variação de existências, aquisições líquidas de cessões de objetos de valor e aquisições líquidas de cessões de ativos não financeiros não produzidos; (b) Corresponde à soma de empréstimos e títulos de dívida; (c) Os outros passivos financeiros incluem os passivos associados a todos os instrumentos financeiros, definidos em sede de contas nacionais financeiras, com exceção de empréstimos e títulos de dívida (dívida financeira); inclui também a discrepância estatística entre os saldos da capacidade/necessidade de financiamento apurada no âmbito da conta de capital e da conta financeira.

O rácio de endividamento dos particulares continuou a reduzir-se. No quarto trimestre de 2023, o endividamento dos particulares foi 85% do rendimento disponível (Gráfico I.1.10). Esta evolução refletiu o aumento do rendimento disponível e um abrandamento do crédito a particulares (Secção 2.2). O rácio de endividamento dos particulares reduziu-se consideravelmente desde 2010, sendo inferior ao da média da área do euro desde 2019, e encontra-se próximo do observado em 2001. Esta redução foi transversal a todas as classes de rendimento, mas mais acentuada nas famílias de menor rendimento. Em Portugal, o peso do crédito à habitação no rendimento disponível das famílias também se encontra abaixo da média da área do euro, 57% em Portugal e 61% na área do euro no final de 2023 (Gráfico I.1.11).

  1. Rácio de endividamento dos particulares | Em percentagem do rendimento disponível

  1. Rácio entre o stock de crédito à habitação e o rendimento disponível | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e Eurostat (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Valores não consolidados da dívida total. A área cinza corresponde ao intervalo entre o terceiro e o primeiro quartil da distribuição para um conjunto de países da área do euro (Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos e Portugal).

A evolução das taxas de juro refletiu-se numa subida relevante dos encargos com o crédito à habitação para a maior parte das famílias endividadas, com aumento do rácio loan-service-to-income (LSTI), que mede o valor da prestação em percentagem do rendimento. A taxa de juro média do stock de empréstimos à habitação aumentou significativamente desde 2022, atingindo 4,7% no final de 2023, valor máximo desde 2009 (Gráfico I.1.12). Neste contexto, observou-se um aumento da percentagem de contratos com LSTI superiores a 50%, que foi acentuado no caso das famílias de menor rendimento, para as quais as medidas excecionais de apoio governamental foram especialmente dirigidas. De notar que o peso das famílias com rendimentos mais baixos no stock de empréstimos à habitação é atualmente reduzido, como observado noutros países da área do euro. Em agosto de 2023, os contratos associados ao 1.º quintil de rendimento representavam apenas 9% do stock de empréstimos à habitação em Portugal. Quase 70% dos contratos terão continuado a ter um LSTI igual ou inferior a 30% (Quadro I.1.4, Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2023).

Não se registou uma materialização relevante do risco de crédito das famílias. Apesar da rápida subida das taxas de juro, o rácio de NPL do crédito a particulares manteve-se relativamente estável, não obstante o aumento do rácio dos empréstimos em stage 2, de 2,2 pp em 2023, para o que contribuíram a resiliência do emprego e do rendimento disponível real, as renegociações e as medidas de apoio governamentais (Capítulo 2). A melhoria do perfil de risco dos novos mutuários observada nos últimos anos, em consequência da Recomendação macroprudencial introduzida em 2018 relativa aos novos créditos à habitação e ao consumo, também contribuiu para reduzir o incumprimento dos particulares.

A redução das taxas de juro de curto prazo e da taxa de inflação, em conjugação com a robustez do mercado de trabalho, contribuirão para que o incumprimento das famílias continue contido. A perspetiva de redução gradual das taxas Euribor ao longo de 2024 e de 2025, após subidas de 4,6/4,7 pp, nos diferentes prazos, entre o final de 2021 e outubro/novembro de 2023 (Gráfico I.1.13), antevê uma melhoria da capacidade de serviço da dívida das famílias. O peso das novas operações de crédito com fixação da taxa de juro aumentou de 17% em 2022 para 47% em 2023, o que reduz a incerteza no valor do serviço da dívida. A concentração do crédito à habitação e, em menor medida, do crédito ao consumo em famílias de classes de rendimento mais elevado, que têm maior facilidade em acomodar o aumento das prestações dos empréstimos, contribui para mitigar o risco de incumprimento das famílias. Contudo, a potencial materialização de um cenário económico mais adverso, em particular com aumento do desemprego, e a manutenção de taxas de juro elevadas por mais tempo do que atualmente antecipado poderão diminuir a capacidade dos particulares para servir a dívida, potenciando uma maior materialização do risco de crédito.

  1. Evolução da taxa de juro média do stock de empréstimos à habitação | Em percentagem

  1. Expetativas de mercado para evolução das taxas Euribor | Em percentagem

Fonte: BCE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A área cinza corresponde ao intervalo entre o percentil 10 e 90 da distribuição para um conjunto de países da área do euro (Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos e Portugal). Última observação: dezembro de 2023.

Fonte: Refinitiv (cálculos do Banco de Portugal). | Nota: A informação até abril de 2024 diz respeito a dados observados. De maio de 2024 em diante as séries referem-se às expetativas dos agentes de mercado do dia 15 de maio de 2024.

Sociedades não financeiras

Os indicadores financeiros das sociedades não financeiras (SNF) têm vindo a melhorar de forma contínua desde a crise de dívida soberana, destacando-se o aumento da autonomia financeira (i.e., proporção do ativo financiado com capitais próprios). Esta tendência é comum a todos os setores de atividade (Gráfico I.1.14). Destaca-se a evolução da autonomia financeira das pequenas e médias empresas que, desde 2012, registou um aumento de 19 pp, face a uma relativa estabilidade das grandes empresas, que registaram um incremento no último trimestre de 2023 de 3,8 pp.

  1. Autonomia financeira das SNF em Portugal | Em percentagem

Por setor de atividade

Por dimensão da empresa

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: A autonomia financeira mede a percentagem do ativo das empresas que é financiada por capitais próprios. Um aumento da autonomia financeira sugere um reforço da capitalização das empresas. A linha a ponteado corresponde ao total das SNF. São utilizados os Indicadores económico-financeiros trimestrais das empresas da central de balanços. O rácio trimestral corresponde ao valor apurado para o ano acabado no trimestre. Última observação: dezembro 2023.

A rendibilidade do ativo das empresas manteve-se elevada, embora interrompendo a trajetória de aumento observada desde 2012, apenas perturbada pela crise pandémica em 2020. A rendibilidade aferida pelo EBITDA cifrou-se em 9% do ativo, reduzindo-se 0,2 pp face a 2022 (Gráfico I.1.15).

  1. Rendibilidade e custos de financiamento: por setor de atividade | Em percentagem

Rendibilidade do ativo das SNF (a)

Custo dos financiamentos obtidos (b)

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: (a) Rendibilidade média do ativo definida como o rácio entre o EBITDA e o ativo médio do período. EBITDA, sigla inglesa para resultados antes de depreciações e amortizações, juros suportados e impostos. (b) Os custos de financiamentos obtidos incluem os custos associados a empréstimos bancários, títulos de dívida e outros empréstimos. São utilizados os Indicadores económico-financeiros trimestrais das empresas da central de balanços O rácio trimestral corresponde ao valor apurado para o ano acabado no trimestre.

Estes desenvolvimentos ocorrem no contexto do abrandamento da atividade económica em Portugal e, principalmente, nos seus parceiros comerciais. O índice de volume de negócios da indústria registou uma redução de 3,3% em 2023. No entanto, em conexão com o dinamismo no turismo, este índice aumentou 9,9% nos serviços. De forma transversal aos diversos setores de atividade, o aumento de 6,6% em 2023 do custo do trabalho por unidade produzida (0,5% em 2022), contribuiu para a redução da rendibilidade do ativo das SNF. Não obstante, a evolução dos custos de produção foi heterogénea entre setores, tendo o índice de preços na produção industrial permanecido estável e o índice dos custos de construção registado um aumento médio de 3,9% em 2023.

O aumento das taxas de juro de mercado foi transmitido de forma quase integral aos custos de financiamento das empresas, que passaram de um mínimo de 2,7% no ano terminado em março de 2022 para 4,0% em dezembro de 2023. O predomínio dos empréstimos a taxa variável e o refinanciamento promoveram a transmissão do aumento das taxas de juro de mercado aos custos de financiamento. A eventual substituição futura de empréstimos com taxa fixa contratados no período anterior ao início da subida das taxas de juro levará a um impacto adicional nos custos de financiamento das empresas (Gráfico I.1.16).

  1. Caracterização do stock de empréstimos a SNF | Em percentagem

De acordo com o indexante (Dez. 23)

De acordo com a maturidade residual e o tipo de taxa

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: Exposição de empréstimos a SNF segundo a Central de Responsabilidades de Crédito. Dados os arredondamentos, nalgumas discriminações, a soma das parcelas pode diferir ligeiramente do total apresentado.

O rácio de cobertura de custos de financiamento (RCGF) desceu, mas para valores ainda acima dos níveis pré-pandemia. Em média, o EBITDA cobriu 8 vezes os gastos financeiros das empresas (versus 10 vezes em 2022). Apesar da descida, o RCGF manteve-se acima do observado em 2019, de forma generalizada, exceto na indústria e no comércio, setores em que a redução foi mais acentuada (-5). O único setor em que este rácio aumentou foi na eletricidade, gás e água (+3), onde os ganhos em termos de rendibilidade mais do que compensaram o aumento do custo dos financiamentos obtidos.

O aumento de 1,3% da dívida total em 2023 refletiu o financiamento por não residentes. Tal como nos anos anteriores, o crédito externo esteve concentrado num pequeno número de empresas com acesso a este tipo de financiamento. A variação dos empréstimos obtidos junto do setor financeiro residente foi virtualmente nula (Gráfico I.1.17).

Os rácios de endividamento, bruto e líquido de depósitos, reduziram-se 6,7 pp e 3,0 pp, respetivamente, face a 2022 situando-se em 82,3% e 55,5%. Dado o aumento da dívida, o crescimento do PIB nominal constituiu o principal contributo para esta evolução. Os depósitos das empresas reduziram-se 3,8%. Não obstante, o montante de depósitos de SNF manteve-se acima do observado em 2019 (+43%) (Gráfico I.1.17).

  1. Evolução da dívida total e dos rácios de endividamento, bruto e líquido de depósitos

Contributos para a variação da dívida total (a)

Evolução do rácio de endividamento líquido de depósitos (b)

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: Valores consolidados. (a) Os valores do rácio de endividamento das SNF em percentagem do PIB são apresentados no topo de cada barra. (b) O rácio de endividamento líquido de depósitos corresponde ao quociente entre a dívida total das SNF deduzida de depósitos e o PIB. (c) Consideram-se no crédito externo os passivos relativos a empréstimos e a títulos de dívida na posse de não residentes. (d) Inclui títulos de dívida em carteira de residentes, créditos abatidos ao ativo no balanço de instituições financeiras monetárias residentes, empréstimos de particulares, créditos comerciais e adiantamentos e outras variações de volume e valor.

O rácio de alavancagem médio, que mede o peso da dívida no total de capital próprio e dívida financeira, desceu em 2023 para 41,3% (42,2% em 2022) confirmando a evolução positiva de posicionamento face à área do euro. Esta convergência observou-se também no que toca à evolução do rácio de endividamento, aferido em percentagem do PIB, que desceu de 89% em 2022 para 82% em 2023 (Gráfico I.1.18).

  1. Evolução da estrutura de financiamento em Portugal e na área do euro (a)

Rácio de alavancagem (b)| Em percentagem

Rácio de endividamento (c)| Em percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal e Eurostat. | Notas: (a) Valores consolidados. Última observação para Portugal: dezembro de 2023. As séries da área do euro têm periodicidade anual. Última observação para a série da área do euro: dezembro de 2022. A sombreado é representado o intervalo interquartis, apurado com base na distribuição dos rácios de alavancagem das SNF nos países da área do euro, ou seja, corresponde à área definida pelo valor do país identificado como percentil 75 e o valor do país identificado como percentil 25. (b) O rácio de alavancagem é definido como o quociente entre a dívida financeira e a soma do capital próprio com a dívida financeira. O valor da dívida financeira corresponde ao stock de empréstimos e títulos de dívida, enquanto o valor do capital corresponde ao stock de ações e outras participações (passivos) das SNF. (c) O rácio de endividamento corresponde ao quociente entre a dívida total e o PIB do país. Valores apurados com base nas Contas Nacionais Financeiras. Os instrumentos financeiros cotados, de acordo com a metodologia das contas nacionais, estão valorizados a valor de mercado.

A redução das vulnerabilidades estruturais das SNF portuguesas tem-se traduzido numa maior resiliência do setor aos choques a que as economias têm sido sujeitas nos últimos anos, não tendo ocorrido materialização de riscos com relevância sistémica para o sistema financeiro nacional. Em particular, não se observou uma subida material do número de insolvências declaradas de SNF (+73, totalizando 473), mantendo-se em número inferior à média observada no biénio 2018–19 (558). De igual forma, a qualidade do crédito bancário concedido a empresas não tem apresentado deterioração (Secção 2.3).

Não obstante, a atividade das empresas e a sua situação financeira poderão ser afetadas pelo efeito acumulado da manutenção de taxas de juros elevadas sobre a atividade económica e os custos de financiamento, em conjunto com eventuais subidas dos custos de produção e/ou perturbações nas cadeias de abastecimento. Nas empresas mais vulneráveis ou mais expostas a choques específicos, estes desenvolvimentos poderão levar à materialização de situações de incumprimento. Estima-se que a percentagem de empresas em situação de vulnerabilidade financeira (com RCGF inferior a 2) tenha aumentado em 2023 e estabilize em 2024, próximo de 18%, embora para valores inferiores ao observado durante a crise de dívida soberana (cerca de 29%). A heterogeneidade setorial na proporção de empresas em vulnerabilidade, mais elevada nos setores da construção e atividades imobiliárias (Caixa 2), assim como dentro de cada setor, recomenda um acompanhamento próximo da situação financeira destas empresas por parte das instituições de crédito.

Mercado imobiliário residencial e comercial

Mercado imobiliário residencial

O crédito doméstico a particulares garantido por imóveis representa 25,5% do ativo do setor bancário português. O peso desta rubrica justifica um acompanhamento cuidado da evolução do mercado imobiliário residencial e dos riscos e vulnerabilidades a que pode expor o sistema financeiro.

Os preços da habitação começaram a cair na área do euro. Os preços dos imóveis residenciais reduziram-se em 1,1% na área do euro, em 2023, uma correção de preços que se verifica pela primeira vez desde 2013. Alguns países registaram correções significativas, como a Alemanha e a Finlândia, onde os preços das habitações transacionadas se reduziram em 8,4% e 5,6% respetivamente. Noutros, como a Croácia e Portugal, os preços da habitação continuaram a subir, respetivamente 11,9% e 8,2%. A redução no número de transações de habitação é transversal a todos os países (Gráfico I.1.19). Se em 2021, a generalidade dos países registou um crescimento dos preços e do número de transações de habitação, já em 2022, a maioria dos países observou uma redução na quantidade de habitações transacionadas, apesar do aumento dos preços se manter. Em 2023, o ajustamento do mercado continuou e a queda do número de transações de habitação foi agora acompanhada por uma correção nos preços (Gráficos I.1.20 e I.1.21).

  1. Índice de Preços e número de transações de habitação na área do euro | Em percentagem

Fonte: Eurostat. | Notas: O gráfico inclui apenas os países da área do euro para os quais existe informação comparável de preços e transações de habitação (Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Espanha, França, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Eslovénia e Finlândia). Cada ponto no gráfico corresponde a um país.

Os preços da habitação cresceram 8,2% em Portugal, menos 4,4 pp que em 2022. Após um crescimento trimestral de 3,1% no segundo trimestre de 2023, os preços desaceleraram na segunda metade do ano (taxa de variação em cadeia de 1,8% e 1,3%, nos terceiro e quarto trimestres). O preço das habitações existentes aumentou 8,7%, acima do observado para as habitações novas, 6,6%.

Transacionaram-se 136 499 habitações, num total de 28 mil milhões de euros, representando quedas de 18,7% e 11,9%, respetivamente, face a 2022. A queda no número de transações foi mais acentuada para as habitações existentes, 21,4% (redução de 16,5% em valor), do que nas habitações novas, 6,1% (aumento de 2,6% no valor). As transações de habitações existentes representaram 80% do total de transações de habitação. Tipicamente, o preço e a quantidade transacionada nesse mercado apresentam variações mais acentuadas do que os das novas habitações.

  1. Índice de Preços e número de transações de habitação novas e existentes | Em percentagem

  1. Variação dos preços e das transações de habitação — total | Em percentagem

Fonte: INE.

Fonte: INE.

O valor mediano das transações de habitação continuou a aumentar. No quarto trimestre de 2023, o valor mediano por m2 aumentou 7,9% em termos homólogos em Portugal, 7,5% na região da Grande Lisboa e 7,7% no Algarve. As regiões da Grande Lisboa e do Algarve apresentam o valor mediano da habitação mais elevado, sendo superior ao valor associado ao 3.º quartil das vendas a nível nacional. O valor mediano de avaliação bancária na habitação também continuou a aumentar, 5,3% no final de 2023.

O tempo médio de venda de um imóvel estabilizou em torno de 6 meses. As habitações novas, muitas vezes colocadas no mercado numa fase inicial da construção ou em planta, têm um tempo de absorção superior ao das habitações existentes (em 2023, 11 meses por comparação com 5 meses), mas que se reduziu ligeiramente nos últimos trimestres (Gráfico I.1.22). Até 2021, o número de fogos para habitação disponíveis para venda apresentou uma tendência decrescente, mais importante no segmento de imóveis usados. Em 2022 e 2023 verificou-se um aumento do stock de fogos em oferta (na ordem dos 5 mil fogos por ano), para o que terá contribuído a redução das transações de imóveis residenciais (Gráfico I.1.23).

  1. Tempo de absorção | Em meses

  1. Oferta de fogos para habitação | Em milhares

Fonte: Confidencial Imobiliário (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Estes dados compreendem apenas as transações realizadas através de agentes imobiliários. Tempo de absorção é o número médio de meses que medeia entre a colocação em oferta e a transação.

Fonte: Confidencial Imobiliário (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Estes dados compreendem apenas a oferta através de agentes imobiliários.

A evolução da oferta foi condicionada pela reduzida atividade de construção durante os anos subsequentes à grande crise financeira, que restringiu o crescimento do parque habitacional. Depois da forte queda observada com a crise financeira e a crise da dívida soberana, o número de fogos para habitação familiar construídos por ano tem vindo a aumentar lentamente. Entre 2007 e 2014 foram construídos 277 mil novos fogos para habitação, num contexto de acentuada redução do dinamismo no licenciamento e na construção. Entre 2015 e 2023, apesar da gradual recuperação da atividade no mercado, foram construídos 125 mil novos fogos. O licenciamento e a construção de novos fogos para habitação familiar aceleraram em 2023, aumentando 6% e 7% respetivamente (após 3%, para licenciamentos e construção, em 2022) (Gráfico I.1.24). Contudo, a recuperação da atividade de construção tem sido lenta e o número de novos fogos construídos permanece limitado, apesar da trajetória de crescimento que se verifica desde 2016.

Os preços no mercado imobiliário refletem também os custos de construção que permanecem elevados. Entre dezembro 2019 e dezembro 2023, o custo dos materiais de construção e da mão-de-obra subiram 26% e 25% respetivamente. No entanto, o índice de custos dos materiais iniciou uma tendência de redução em meados de 2022 e durante o ano de 2023 reduziu-se em 2,2% (Gráfico I.1.25). O custo da mão-de-obra, por sua vez, continuou a aumentar, 7,3% em 2023, em linha com a subida registada em anos anteriores.

  1. Fogos licenciados e construídos | Em milhares

  1. Índice e variação homóloga dos custos de construção | Em índice 2021=100 e percentagem

Fonte INE. | Nota: Fogos para habitação familiar em construções novas.

Fonte INE.

Nos últimos anos, a atividade de construção tem sido restringida pela falta de mão-de-obra. De acordo com o inquérito aos obstáculos à atividade de construção, metade das empresas de construção inquiridas sinalizam ter obstáculos à atividade e 30% das empresas manifestam dificuldade em contratar pessoal. A atividade de construção é ainda limitada pela falta de materiais, que se tem atenuado em 2023. As percentagens de empresas que apontam ter dificuldade em obter crédito e lidar com o nível das taxas de juro permanecem contidas. Por fim, as empresas do setor reportam um ligeiro aumento da dificuldade na obtenção de licenças.

O aumento da participação de compradores não residentes caraterizou o mercado imobiliário residencial em Portugal nos últimos anos. A localização geográfica de Portugal e as condições de segurança e estabilidade suportam a procura por parte de não residentes e estrangeiros residentes. O crescimento da população estrangeira residente, que aumentou de aproximadamente 400 mil pessoas em 2016 para quase 800 mil em 2022, tem impacto nos preços da habitação.

Em 2023, os compradores de imobiliário residencial não residentes representaram 8% do número de transações e 13% do seu montante. O número de transações por não residentes reduziu-se 3%, tendo sido observada uma diminuição dos compradores residentes noutros países da União Europeia (-14%) e um aumento dos compradores residentes noutros países fora da União Europeia (Gráfico I.1.26). Em 2023, o valor médio de transação dos compradores não residentes foi de 343 mil euros, 77% acima do dos compradores residentes (194 mil euros). O valor médio de 405 mil euros das transações dos compradores não residentes de fora da União Europeia é significativamente superior aos 277 mil euros despendidos por não residentes da União Europeia.

O peso dos compradores não residentes é muito significativo no Algarve, no Norte e na Grande Lisboa. As aquisições de habitação por compradores não residentes localizaram-se maioritariamente no Algarve (29,9% do total, em número), seguindo-se o Norte (17,5%) e a Grande Lisboa (15,6%), contribuindo para o maior crescimento dos preços nestas regiões e para um valor mediano da habitação mais elevado.

O investimento direto estrangeiro (IDE) em imobiliário, residencial e comercial, totalizou 3,9 mil milhões de euros, aumentando 22% face a 2022 (49% em 2022), destacando-se os investidores do Reino Unido (12%), EUA (10%), China (9%) e França (9%). No caso do imobiliário residencial, os compradores não residentes na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Lisboa foram responsáveis por 33% do número de transações de habitação e 41% do montante investido. De fora da União Europeia destacam-se os compradores norte-americanos (16% dos imóveis adquiridos por estrangeiros), britânicos (9%), chineses (8%) e brasileiros (6%) e da União Europeia os compradores franceses (13%) e alemães (5%). Os compradores britânicos e norte-americanos aumentaram o seu investimento face a 2022; as outras nacionalidades referidas, reduziram o número e o valor das transações, destacando-se os compradores chineses, que reduziram o montante investido na compra de habitação em 46%.

  1. Total de transações de habitação em Portugal e peso dos não residentes

Fonte: INE. | Notas: Inclui transações por pessoas singulares e coletivas. O termo “não residentes” refere-se a cidadãos com domicílio fiscal fora de Portugal. No caso de pessoas singulares, o domicílio fiscal é o local da residência habitual. No caso de pessoas coletivas, o domicílio fiscal é o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, local do seu estabelecimento estável em Portugal.

Existem indícios de sobrevalorização no mercado residencial português. Os indicadores estatísticos continuaram acima dos valores de referência para sinalizar potenciais situações de sobrevalorização. O rácio entre o índice de preços da habitação e o rendimento das famílias estava, no terceiro trimestre de 2023, 23% acima da média de longo prazo e o rácio entre os preços e as rendas 29% acima (Gráfico I.1.27). Também o índice de preços da habitação em termos reais se encontra acima da sua tendência de longo prazo, 16% acima no final de 2023 (Gráfico I.1.28). De igual forma, dois modelos baseados em determinantes macroeconómicos apontam para alguma sobrevalorização do mercado imobiliário residencial (Gráfico I.1.29).

  1. Rácios normalizados de preços da habitação face ao rendimento e às rendas

  1. Desvio face à tendência de longo prazo dos preços da habitação em termos reais

Fonte: OCDE. | Notas: (a) A evolução das rendas reflete o índice de rendas efetivas pagas por inquilinos de residências principais (COICOP 04.1), incluído no cálculo do Índice de preços do consumidor. Consideram-se períodos de sobrevalorização aqueles em que os rácios normalizados se encontram acima do limiar de 100. Última observação: 2023 T3.

Fonte: OCDE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Tendência de longo prazo obtida utilizando o filtro HP. Consideram-se períodos de sobrevalorização aqueles em que o índice se encontra 10% acima da sua tendência de longo prazo. Última observação:2023 T4.

  1. Preços da habitação e medidas de valorização em termos reais | Índice 2015=100

Fontes: BCE e OCDE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Os períodos de sobrevalorização e de subvalorização correspondem a situações em que pelo menos dois modelos de um total de três, identificam um desequilíbrio nos preços da habitação. Para mais detalhe metodológico ver Tema em destaque “Metodologias de avaliação dos preços da habitação: uma aplicação a Portugal”, Banco de Portugal, Relatório de Estabilidade Financeira, dezembro de 2019. Última observação: 2023 T4.

Contudo, estas estimativas devem ser interpretadas com especial cuidado, devido às limitações metodológicas e consequente incerteza associada aos resultados. Em particular, poderão não estar a captar adequadamente a participação de não residentes no mercado e os efeitos do turismo na determinação da oferta e da procura no mercado de habitação que foram fatores determinantes para a evolução dos preços neste mercado durante os últimos anos. O indicador de procura de habitação com base em pesquisas no Google apresentado na Caixa 1 pode ser usado como uma ferramenta adicional de avaliação dos preços da habitação.

A percentagem de transações financiadas com crédito cifrou-se em 46% em 2023, igual à média no período compreendido entre 2018 e 2023 (Gráfico I.1.30). Este indicador era de 76% no período anterior à crise de dívida soberana. Em 2023, observou-se um volume significativo de transferências de crédito entre instituições (Secção 2.2), que são contabilizadas pelas instituições de crédito que as acolhem como novos empréstimos à habitação. Este acréscimo nas transferências resulta de medidas legislativas que facilitaram as amortizações antecipadas de crédito à habitação num contexto de subida de taxas de juro. O impacto destes créditos transferidos de uma instituição para outra é estimado em 13 pp, ou seja, excluindo renegociações e transferências a percentagem de novas transações financiadas com crédito terá sido 33%.

  1. Transações de habitação financiadas com recurso a crédito | Em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: A informação disponível até dezembro de 2014 não permite isolar os novos empréstimos associados a renegociações. Contudo, estima-se que estes empréstimos representassem uma percentagem residual do volume total de novas operações e, por conseguinte, sem impacto na comparação em termos históricos apresentada. Por sua vez, também não é possível isolar o impacto das transferências de crédito entre bancos até 2022. Última observação: 2023 T4.

Desde 2016, os preços da habitação quase duplicaram, enquanto o stock de crédito à habitação teve um crescimento moderado, de 5%. Um crescimento acentuado dos preços da habitação torna o sistema bancário e a economia mais vulneráveis a uma correção de preços neste mercado. Contudo, no caso português, o efeito é mitigado por um crescimento mais moderado do stock de crédito à habitação.

A oferta limitada de habitação nova e o stock acumulado de casas disponíveis igualmente limitado mitigam o impacto sobre os preços em caso de redução da procura. A exposição do setor bancário ao setor da construção é também moderada. Em 2023, o stock de empréstimos à construção representava 9% do total de empréstimos concedidos a SNF, o que contrasta com um peso de 23% em 2009.

De acordo com o inquérito aos promotores e mediadores que operam no mercado imobiliário residencial1, as expetativas relativamente às vendas e procura de habitação recuperaram em 2024, após uma tendência de compressão em 2023. A expetativa de retoma das vendas é acompanhada de uma expetativa de continuação do aumento dos preços dos imóveis residenciais ao longo de 2024.

Mercado imobiliário comercial

Em 2023, os preços do imobiliário comercial a nível global corrigiram em baixa, em resposta ao aumento dos custos de financiamento e aos novos modelos de trabalho remoto. Na área do euro, os preços destes ativos reduziram-se 8,2% (após 1,5% em 2022), alcançando quedas em torno de 11% em França, na Irlanda e também nos EUA. Esta evolução foi transversal, exceção feita a Portugal (Gráfico I.1.31).

  1. Variação do Índice de Preços do Imobiliário Comercial | Em percentagem

Fonte: MSCI.

Em contraste com a área do euro, em Portugal, os preços do imobiliário comercial mantiveram-se resilientes nos diferentes segmentos, crescendo 1,2% em 2023, em termos agregados, (2,5% em 2022). A escassez da oferta de qualidade tem sido identificada pelos operadores de mercado como o principal fator a sustentar a valorização em Portugal. Pelo contrário, na área do euro, a escassez de oferta é menos vincada e tem-se observado uma desvalorização em todos os segmentos do mercado. (Gráfico I.1.32). O segmento de retalho registou um crescimento de 1,9% em Portugal e uma contração de 5,2% na área do euro. Apesar do aumento das taxas de juro, o crescimento do consumo privado contribuiu para suportar o dinamismo deste segmento, mantendo-se este atrativo para os investidores e registando um aumento das yields. No segmento de escritórios, a desvalorização alcançou os 11% na área do euro, enquanto em Portugal se manteve a valorização dos ativos acompanhada pelo abrandamento da atividade em termos de transações, devido à ausência de correspondência entre oferta e procura, esta última dirigida a ativos de elevada qualidade em zonas prime. Também no segmento industrial e de logística, os preços mantiveram-se robustos, devido à escassez de oferta, enquanto na área do euro desceram significativamente, -5,9%%. Por fim, no segmento de hotelaria manteve-se o forte crescimento, 4,6%, associado ao dinamismo e às expetativas favoráveis para o setor do turismo.

  1. Variação do Índice de Preços do Imobiliário Comercial por segmento | Em percentagem

Fonte: MSCI.

Em 2023, aumentou a percentagem de investidores que avaliam os imóveis comerciais em Portugal como caros ou muito caros2. Observou-se, contudo, uma recuperação da confiança para o investimento neste setor, com menos investidores a considerarem que o mercado de imobiliário comercial em Portugal se encontra numa fase contracionista (Gráfico I.1.33). Em alguns países da área do euro, refletindo a correção dos preços observada em 2023, a percentagem de investidores que avaliam os imóveis comerciais como caros ou muito caros reduziu-se, tendo diminuído também a percentagem de investidores que consideram que o mercado está em contração.

  1. Opinião dos operadores de mercado acerca dos preços dos imóveis comerciais | Em percentagem

Fontes: Global Commercial Property Monitor, Royal Institution of Chartered Surveyors — RICS. | Nota: Dados referentes ao quarto trimestre de 2023. Para Portugal incluem-se também os valores para o quarto trimestre de 2022.

O investimento no mercado de imobiliário comercial totalizou 1,7 mil milhões de euros, o valor mais baixo desde 2016 e uma redução de 50% face a 2022. O investimento no mercado imobiliário comercial português é dominado por investidores não residentes, na sua maioria investidores institucionais, que representaram 70% do montante total investido (80% em anos anteriores). Esta caraterística torna o mercado mais sensível aos desenvolvimentos internacionais. O mercado é também caraterizado por uma concentração dos montantes investidos num número relativamente contido de ativos imobiliários de valor muito elevado.

A exposição do setor bancário ao imobiliário comercial é contida, quer por comparação com outros países quer com a exposição do setor ao imobiliário residencial. Os empréstimos a empresas garantidos por imóveis comerciais estão concentrados em PME e distribuídos por diversos setores de atividade. Em muitos casos, o imóvel que garante o empréstimo é um imóvel detido pela empresa para desenvolvimento da sua atividade e não como um ativo imobiliário detido numa ótica de investimento para geração de rendimento pelo arrendamento ou pela venda (Caixa 2). Adicionalmente, os requisitos de capital para este tipo de crédito são superiores ao crédito garantido por imobiliário residencial, o que tenderá a mitigar o impacto sobre os bancos de eventuais desenvolvimentos adversos no mercado. Em setembro de 2023, os empréstimos a SNF garantidos por imóveis representavam 30% do total de empréstimos a SNF em base consolidada, o quarto valor mais baixo para os dados conhecidos da área do euro (Gráfico I.1.34).

  1. Empréstimos a SNF garantidos por imóveis em Portugal e na área do euro — setembro 2023 | Em percentagem do total de empréstimos a SNF

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: Dados em base consolidada. Rácio obtido a partir de valores líquidos de imparidade. Inclui empréstimos a SNF garantidos por imóveis comerciais ou de outro tipo. Dados não disponíveis para Espanha e Irlanda.

O ativo total dos fundos de investimento imobiliário (FII) representaram 7,3% do PIB no final de 2023, abaixo da área do euro, 8,9%, sendo que 68% das unidades de participação emitidas por FII dizem respeito a fundos fechados, com menor risco de liquidez. Os riscos relacionados com a exposição dos FII ao mercado imobiliário comercial são avaliados como baixos (Caixa 2, Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2023).

A evidência apresentada não indica um aumento dos riscos e vulnerabilidades no mercado imobiliário comercial em Portugal. A contida exposição do setor bancário ao imobiliário comercial contribui para que desenvolvimentos adversos neste setor tenham um impacto reduzido na estabilidade do sistema financeiro.

Setor financeiro não bancário

Manteve-se a tendência de redução do peso do ativo do setor financeiro não bancário e das interligações entre subsetores do setor financeiro (Gráfico I.1.35). Os fundos de investimento e as sociedades de seguros e fundos de pensões (SSFP) destacam-se em termos de interligações, uma vez que os depósitos e títulos de dívida e capital emitidos por bancos constituem parte significativa do ativo destas entidades. Enquanto investidores institucionais que agregam fundos de aforradores e os canalizam, reduzem o risco mediante a diversificação das aplicações. É desta forma que as exposições ao setor bancário dominam as interligações entre subsetores do sistema financeiro.

A importância relativa do setor das SSFP tem-se reduzido ao longo do tempo, fruto do decréscimo dos ativos sob gestão associados ao ramo vida do setor segurador e, de forma menos acentuada, aos fundos de pensões, apenas parcialmente compensado pelo aumento de atividade do ramo não vida. A partir do início da crise pandémica em 2020 têm vigorado regimes de exceção que despenalizam a nível fiscal a desmobilização antecipada dos Planos Poupança Reforma (PPR), impactando esta atividade. Em 2023, a evolução ocorrida nos ativos das SSFP foi fortemente influenciada pela extinção do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos, cujos ativos e responsabilidades foram absorvidos pelos Fundos de Segurança Social.

  1. Dimensão relativa e interligações do sistema financeiro, em Portugal e na área do euro

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Notas: Valores não consolidados. Para o cálculo do ativo financeiro foram considerados depósitos, títulos de dívida, empréstimos, ações e outras participações de fundos de investimento e ações cotadas. No caso dos bancos, o último valor do ativo financeiro em percentagem do PIB disponível para a área do euro refere-se a dezembro de 2022.

Na área do euro, durante o período de taxas de juro muito baixas, observou-se uma acumulação de vulnerabilidades a choques adversos no setor financeiro não bancário. Até 2022, o crescimento muito acentuado deste setor, em particular dos fundos de investimento, foi acompanhado pela tomada acrescida de risco, em termos da qualidade dos ativos e da maturidade dos investimentos. Nalguns casos verificou-se também o aumento da alavancagem, direta ou através do mercado de derivados, e não se assistiu a um reforço dos buffers de liquidez.

Neste contexto, as taxas de juro elevadas reduziram os incentivos para a tomada excessiva de risco, o que é associado à diminuição dos riscos e vulnerabilidades para a estabilidade financeira, não obstante os riscos decorrentes da transição. Contudo, a manutenção de taxas por um período mais longo do que o esperado e um ritmo não antecipado de retirada das medidas de política monetária não convencionais podem dar origem a maior volatilidade nos mercados financeiros e à materialização do risco de crédito, afetando as carteiras de ativos destes intermediários. Os principais fatores de risco identificados para a área do euro incluem também uma concentração crescente das exposições a títulos de capital de um número cada vez menor de emitentes. Esta situação tornará mais possível que situações de fragilidade idiossincrática possam vir a assumir natureza sistémica.

Em Portugal não existe evidência de acumulação de vulnerabilidades, não tendo ocorrido crescimento exponencial do balanço e/ou aumento de maturidade dos ativos ou da alavancagem. Não obstante, o setor financeiro