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Relatório da implementação da política monetária 2023

Relatório de implementação da política monetária 2023

Sumário executivo

O ano de 2023 caraterizou-se pela continuação do ciclo de subidas de taxas de juro diretoras do BCE até atingir níveis máximos em setembro e pela redução do excesso de liquidez em resultado de vencimentos das operações de cedência de liquidez de prazo alargado (TLTRO III) e do término dos reinvestimentos no âmbito do programa de compra de ativos APP.

As sucessivas subidas das taxas de juro diretoras ocorreram de forma transversal nas maiores economias mundiais, para máximos de várias décadas. Na área do euro, as subidas foram efetuadas em resposta a perspetivas de médio prazo da inflação ainda acima do objetivo estabelecido pelo BCE, 2%. As taxas diretoras situavam-se, no final do ano, em 4% para a taxa da facilidade permanente de depósito, 4,5% para a taxa das operações principais de refinanciamento e 4,75% para a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez. No caso da facilidade permanente de depósito este valor representa um máximo histórico.

Para além das alterações nas taxas de juro diretoras, o ano fica ainda marcado pela introdução de ajustamentos nos programas de compras de ativos e no regime de reservas mínimas, e pela descontinuação de algumas medidas de alargamento do quadro de ativos de garantia introduzidas durante a crise pandémica.

Em relação aos programas de compra de ativos, foi implementada a decisão, tomada em 2022, de redução da carteira do APP, ao ritmo médio de 15 mil milhões de euros por mês, de março a junho de 2023, data a partir da qual foram descontinuados os reinvestimentos neste programa. Em dezembro, foram tomadas decisões em relação ao programa de compra de ativos PEPP para implementação em 2024, também no sentido da diminuição da dimensão desta carteira, mantendo-se, no entanto, a flexibilidade nos reinvestimentos a realizar ao longo do ano, para mitigar os riscos ainda existentes relacionados com os efeitos da pandemia.

O Conselho do BCE reduziu a remuneração das reservas mínimas para 0%, com efeitos em setembro de 2023, tendo em vista preservar o controlo sobre a orientação da política monetária e garantir a transmissão plena das decisões sobre as taxas de juro ao mercado monetário.

A implementação da política monetária efetua-se através da interação do Eurosistema com as suas contrapartes, 36 das quais se encontram localizadas em Portugal, representando 26% das instituições de crédito portuguesas.

Durante o ano de 2023, observou-se em Portugal, tal como na globalidade da área do euro, uma redução significativa do saldo das operações de cedência de liquidez vivas, na sequência dos vencimentos e reembolsos antecipados das operações TLTRO III, movimento potenciado pelo ajustamento introduzido, ainda em 2022, nas taxas de juro destas operações.

O ambiente de significativo excesso de liquidez permitiu às contrapartes reduzir a sua dependência do financiamento do Eurosistema, e ainda manter elevados valores aplicados na facilidade de depósito, a qual ganhou um papel fulcral na gestão de liquidez das instituições, desde que, em setembro de 2022, passou a ter uma taxa de juro positiva.

A forte redução da exposição ao crédito do Eurosistema não foi totalmente acompanhada pela evolução dos ativos entregues em garantia, o que se refletiu no aumento muito significativo dos ativos de garantia livres e, subsequentemente, no reforço da capacidade das contrapartes de responderem a eventuais necessidades de liquidez adicional. Esta evolução foi mais marcada em Portugal do que na área do euro, onde a descida dos ativos entregues em garantia foi maior.

Manteve-se a tendência, iniciada em 2022, de redução das carteiras relativas aos programas de compra de ativos, em resultado da conclusão da fase de reinvestimentos, em junho de 2023, no APP, e das compras líquidas de dívida pública portuguesa no âmbito do PEPP terem sido negativas. O Banco de Portugal reforçou a sua disponibilidade para o empréstimo dos títulos adquiridos no âmbito destes programas, seja bilateralmente seja com recurso às plataformas da Euroclear Bank S. A. e Clearstream Banking S. A., tendo sido atingido, no último mês do ano, um máximo histórico de títulos emprestados.

Em 2023, reforçou-se a redução do balanço do Banco de Portugal (e de forma agregada do Eurosistema), iniciada em 2022, em resultado essencialmente da diminuição das operações de política monetária de cedência de liquidez e, em menor escala, dos títulos detidos para fim de política monetária (programas de compra de ativos), classe que, ainda assim, continua a representar mais de 40% do ativo.

A evolução das operações de política monetária — convencionais (operações de crédito) e não convencionais (programas de compra de ativos) — faz-se refletir no excesso de liquidez do sistema financeiro, o qual, tendo crescido ligeiramente entre o início e o final do ano de 2023, evidencia uma forte quebra face à primeira metade de 2022, pelos motivos acima identificados.

Desde o final de 2022, o Eurosistema desenvolveu uma revisão interna do seu quadro operacional de implementação da política monetária, a qual deu origem à tomada de decisões por parte do Conselho do BCE já em 2024, e que se espera que venham a ser a base da atuação do Eurosistema nos próximos anos.

Decisões de política monetária

As decisões de política monetária são tomadas pelo Conselho do BCE e suportadas por análises técnicas prévias efetuadas em diferentes comités do Eurosistema. Neste quadro, o Banco de Portugal, a par dos restantes bancos centrais nacionais (BCN), participa ativamente na discussão dos vários aspetos da política monetária a todos os níveis. Dado que a implementação da política monetária é levada a cabo de forma descentralizada pelos BCN, com base em regras e condições comuns a todos os Estados-Membros que adotaram o euro, o Banco de Portugal é responsável por assegurar um amplo conjunto de funções, o que inclui a interação com as instituições de crédito autorizadas a participar nas operações de política monetária (contrapartes) residentes em Portugal1.

Ao longo de 2023, o Conselho do BCE manteve-se determinado em assegurar o retorno atempado da inflação ao seu objetivo de médio prazo de 2%. Assim, seguindo uma abordagem dependente dos dados e com base na avaliação das perspetivas de inflação, da dinâmica da inflação subjacente e da intensidade da transmissão da política monetária, deu sequência em 2023 ao ciclo de subida das taxas de juro diretoras, iniciado em julho de 2022, aumentando-as sucessivamente, primeiro em 0,5 pontos percentuais (pp) nas reuniões de fevereiro e março, depois em 0,25 pp nas reuniões de maio, junho, julho e setembro (Gráfico I.2.1). O Conselho do BCE não alterou as taxas de juro diretoras nas reuniões subsequentes, considerando que estas se encontravam em níveis que, se fossem mantidos por um período suficientemente longo, dariam um contributo substancial para a prossecução do seu objetivo de médio prazo para a inflação. No final do ano, a taxa da facilidade permanente de depósito situava-se em 4%, a taxa das operações principais de refinanciamento em 4,5%, e a taxa da facilidade permanente de cedência marginal de liquidez em 4,75%, após registarem um aumento cumulativo de 2 pp no conjunto do ano, que se somou aos 2,5 pp de aumento de 2022. A taxa da facilidade de depósito atingiu o seu valor máximo histórico.

Relativamente aos programas de compra de ativos, tal como tinha sido anunciado no final de 2022, a carteira do APP diminuiu, em média, 15 mil milhões de euros por mês, entre o princípio de março e o final de junho. Durante este período, os reinvestimentos foram alocados de forma proporcional aos reembolsos de cada um dos programas que constituem o APP e, no contexto do programa de compra de ativos do setor público (PSPP), de forma proporcional aos reembolsos por jurisdição e entre emitentes nacionais e supranacionais. Os reinvestimentos em obrigações de empresas passaram a privilegiar emitentes com melhor desempenho climático, seguindo as decisões adotadas em julho de 2021. A partir de julho, o Conselho do BCE descontinuou os reinvestimentos do APP.

Em dezembro, o Conselho do BCE comunicou que o montante dos títulos vincendos adquiridos ao abrigo do PEPP continuará a ser reinvestido, na totalidade, até ao final do primeiro semestre de 2024, mas que, no segundo semestre, a carteira deste programa reduzir-se-á, em média, 7,5 mil milhões de euros por mês, descontinuando-se os reinvestimentos no final de 2024. Os reinvestimentos desta carteira continuarão a ser efetuados com flexibilidade, a fim de contrariar os riscos para o mecanismo de transmissão da política monetária relacionados com a pandemia.

Em fevereiro de 2023, o Conselho do BCE anunciou um novo limite a aplicar por cada BCN à taxa de juro da remuneração dos depósitos do setor público2 junto do Eurosistema, fixado no valor da taxa de curto prazo do euro (euro short-term rate, €STR) subtraído de 0,2 pp, com efeitos a partir de 1 de maio de 2023. Esta medida procurou incentivar uma redução gradual e ordeira destes depósitos junto do Eurosistema, depois de, em 8 de setembro de 2022, ter sido removido o limite superior, aplicado à taxa de remuneração, então em vigor.

  1. Evolução das taxas de juro diretoras do BCE | Em percentagem

Fonte: BCE.

A 19 de março, a turbulência nos mercados financeiros internacionais, com origem em bancos nos EUA e na Suíça, levou o BCE, em concertação com a Reserva Federal dos EUA e outros bancos centrais, a promover o fornecimento de liquidez em dólares americanos através de linhas de swap, aumentando para diária a frequência das operações com prazo semanal. Esta decisão teve efeitos no dia imediatamente subsequente e esteve em vigor até ao final de abril para garantir o funcionamento regular dos mercados de financiamento em dólares (a 25 de abril, o BCE anunciou que a frequência destas operações seria revertida para semanal a partir de 1 de maio).

Já em julho, o Conselho do BCE decidiu estabelecer a remuneração das reservas mínimas obrigatórias das instituições de crédito em 0%, com efeitos a partir do período de manutenção de reservas com início a 20 de setembro de 2023. Esta decisão teve o intuito de aumentar a eficiência na transmissão da política monetária, ao preservar o controlo sobre a orientação da política, garantindo a transmissão plena das decisões sobre as taxas de juro diretoras aos mercados monetários e reduzindo o montante de juros a pagar por reservas. Recorde-se que antes desta alteração a remuneração das reservas mínimas correspondia, desde dezembro de 2022, à taxa da facilidade permanente de depósito. Anteriormente eram remuneradas à taxa das operações principais de refinanciamento.

No que diz respeito ao quadro dos ativos de garantia das operações de crédito do Eurosistema, o BCE deu continuidade à eliminação gradual das medidas temporárias de flexibilização adotadas durante a crise pandémica. A 29 de junho de 2023 ocorreu a segunda reversão da redução dos haircuts aplicados a todos os ativos de garantia, eliminando assim a redução de 10% que ainda se encontrava em vigor. Desta forma, o nível de haircuts para ativos transacionáveis e não transacionáveis voltou aos níveis de tolerância de risco pré-pandémicos. Ainda no âmbito da eliminação de medidas temporárias, a elegibilidade do papel comercial não cotado (medida temporária anterior à pandemia) também foi descontinuada.

  1. Revisão do sistema de implementação da política monetária

Em dezembro de 2022, o Conselho do BCE anunciou que conduziria um processo de revisão do sistema de implementação da política monetária, seguindo a atuação de outros bancos centrais (Reserva Federal dos Estados Unidos, Banco de Inglaterra e Banco da Suécia) que, à data, já tinham em curso, ou mesmo finalizado, processos de revisão semelhantes.

Globalmente, este processo teve duas motivações. Em primeiro lugar, ao entrar numa fase de normalização do balanço, pretendia-se reavaliar a forma de, no futuro, orientar as taxas de juro de curto prazo. Com efeito, após um longo período de operações de crédito com prazo alargado e compras de ativos financeiros, o sistema de corredor, formalmente em vigor, converteu-se, progressivamente, num sistema de floor de facto, especialmente a partir de meados de 2014.

Num contexto de redução gradual do excesso de liquidez por via da normalização da dimensão do balanço, seria expectável que, nos próximos anos, as taxas de juro do mercado monetário começassem a aumentar face à taxa da facilidade de depósito (DFR) e apresentassem maior volatilidade. Com o objetivo de orientar as expectativas dos participantes de mercado e dada a distribuição desigual das reservas de banco central, considerou-se prudente abordar esta questão antes de se atingir esse momento. Adicionalmente, esta revisão poderá ser útil para preparar, com tempo, o setor bancário para um período de menor excesso de liquidez, incentivando o restabelecimento das infraestruturas necessárias para acesso ao mercado monetário.

Em segundo lugar, a área do euro, tal como outras economias desenvolvidas, passou por alterações estruturais significativas, nomeadamente no que diz respeito à forma como o balanço do Eurosistema interage com o sistema financeiro. Uma alteração significativa é o aumento da procura global por ativos líquidos e seguros (HQLA, high-quality liquid assets), onde se incluem as reservas junto do banco central. Esta evolução deve-se a vários fatores, nomeadamente aos novos requisitos regulatórios que incidem sobre os bancos, especialmente ao rácio de cobertura de liquidez (LCR, liquidity coverage ratio, na sigla em inglês), a um maior interesse dos intermediários financeiros em deterem este tipo de ativos por motivos de precaução e ao risco de fragmentação no mercado monetário da área do euro. Por outro lado, a inovação nos sistemas de pagamentos poderá tornar mais volátil e imprevisível esta procura por reservas.

Estes fatores dificultam a previsão de liquidez por parte dos bancos centrais. Adicionalmente, em resultado de custos regulatórios mais elevados e do aumento significativo de liquidez em resposta a crises passadas, a atividade no mercado monetário reduziu-se significativamente, afetando a forma como a mesma é distribuída pelo sistema bancário. É também provável que a própria estrutura de intermediação financeira se tenha ajustado às condições de liquidez abundante em que o sistema funcionou durante mais de uma década. Como tal, a incerteza sobre as implicações destas alterações comportamentais e estruturais, agravada pelos potenciais desafios enfrentados pelas contrapartes à medida que o excesso de liquidez se reduz, exigiu gradualismo na revisão do sistema de implementação da política monetária.

Depois de discussões internas e com o setor bancário ao longo de 2023, em 13 de março de 2024, o Conselho do BCE concluiu a revisão do sistema de implementação da política monetária e anunciou seis princípios, alguns dos quais diretamente baseados nas disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que orientarão a implementação da política monetária no futuro.

Estes princípios são: (i) eficácia no controlo das taxas de juro de curto prazo; (ii) robustez, permitindo dar resposta a diferentes contextos financeiros e de liquidez; (iii) flexibilidade, acomodando a heterogeneidade da área do euro através da provisão de reservas de banco central de forma elástica; (iv) eficiência, não interferindo com a orientação da política monetária; (v) economia de mercado aberto, privilegiando o normal funcionamento do mercado e (vi) a implementação da política monetária deverá ainda, sem prejuízo do objetivo de estabilidade de preços, facilitar o cumprimento do objetivo secundário do BCE de apoiar as políticas económicas gerais da União Europeia, em particular a transição para uma economia mais sustentável.

Com base nestes princípios, o Conselho do BCE definiu e comunicou as principais caraterísticas do futuro sistema de implementação da política monetária, devendo o Eurosistema:

  • Continuar a orientar as taxas de juro de curto prazo através de ajustamentos na DFR;

  • Tolerar alguma volatilidade nas taxas do mercado monetário, desde que tal não condicione a orientação pretendida de política monetária;

  • Fornecer liquidez através de um conjunto amplo de instrumentos, incluindo operações de crédito de curto prazo (na sigla inglesa, MRO — main refinancing operations) e com maturidade de 3 meses (na sigla inglesa, LTRO — longer term refinancing operations — a 3 meses), bem como, numa fase posterior, operações de crédito estruturais de prazo mais alargado e de um portefólio estrutural;

  • Conduzir as MRO e as LTRO a 3 meses através de procedimentos de leilão de taxa fixa com satisfação integral da procura (na sigla inglesa, fixed rate full allotment — FRFA);

  • Ajustar a taxa de juro da MRO de forma que o spread entre a MRO e a DFR se reduza dos atuais 50 pontos base para 15 pontos base, com efeitos a 18 de setembro de 2024;

  • Manter o spread entre a facilidade permanente de cedência de liquidez (na sigla inglesa, MLF — marginal lending facility) e a MRO em 25 pontos base;

  • Manter um quadro de ativos de garantia amplo;

  • Manter o coeficiente de reservas mínimas em 1% e a remuneração das mesmas em 0%.

O novo sistema de implementação da política monetária do BCE é, assim, uma solução híbrida na qual os bancos se financiam junto do banco central na medida das suas necessidades, através de operações regulares de refinanciamento. A provisão de liquidez será feita de forma elástica, determinada pela procura das contrapartes, através de um conjunto alargado de instrumentos que, além das operações regulares, incluirá também operações estruturais de crédito e um portefólio estrutural.

Com um spread entre a taxa MRO e a DFR mais reduzido face ao atual e face ao estabelecido entre as taxas MLF e MRO, o Eurosistema tenciona incentivar a participação nas MRO. Desta forma, espera-se que as taxas de juro de curto prazo do mercado monetário evoluam em consonância com a DFR e simultaneamente a sua volatilidade seja limitada. Por outro lado, a existência de um spread permite fomentar a atividade no mercado monetário, potenciar a procura de financiamento alternativo, bem como mitigar o risco de excessiva transformação de liquidez, através da mobilização de ativos de garantia menos líquidos para obtenção de ativos de elevada qualidade (reservas de banco central).

Em relação às operações de crédito, a MRO deverá desempenhar um papel central na satisfação das necessidades de liquidez dos bancos, à medida que o excesso de liquidez diminui. O recurso às operações de curto prazo mantém-se, assim, essencial para a implementação harmoniosa da política monetária. Numa fase posterior, serão introduzidas novas operações estruturais de refinanciamento de prazo alargado e um portefólio estrutural, os quais contribuirão para satisfazer as necessidades estruturais de liquidez dos bancos decorrentes da evolução dos fatores autónomos3 e das reservas mínimas.

Em março, o BCE informou também que os principais parâmetros do sistema de implementação da política monetária serão reavaliados em 2026, com base na experiência adquirida. Não obstante, o Eurosistema está preparado para introduzir ajustamentos mais cedo, se tal for necessário, para garantir que a implementação da política monetária permanece em linha com o estabelecido.

O Eurosistema continuará a acompanhar o processo de normalização do balanço e, em paralelo, irá aprofundar o desenho das novas operações de crédito de prazo mais alargado e do novo portefólio estrutural a implementar numa fase ulterior.

 

Contrapartes de política monetária

As contrapartes de política monetária são de importância primordial para o cumprimento do objetivo da estabilidade de preços, tendo em conta o seu papel enquanto canal de transmissão da orientação da política monetária para os agentes económicos, nomeadamente através dos níveis de taxas de juro de empréstimos e depósitos bancários. O enquadramento das contrapartes assegura que as instituições financeiras consideradas relevantes para a transmissão das decisões de política monetária à economia são elegíveis para participar nas operações de política monetária. Os critérios de elegibilidade foram definidos de forma transversal ao Eurosistema, tendo em conta as suas especificidades e as diferenças entre as várias jurisdições, assegurando, desta forma, a igualdade de tratamento entre as diversas instituições da área do euro.

Os critérios de elegibilidade encontram-se estabelecidos nos artigos 55.º e 55.º-a da Instrução n.º 3/2015 do Banco de Portugal e incluem, entre outros, aspetos de natureza prudencial (sujeição a supervisão harmonizada e cumprimento de requisitos regulatórios)4, operacional (acesso a sistemas de informação) e de tipologia (sujeição ao regime de reservas mínimas)5. Em 2023, foi efetuada uma alteração regulamentar que abre às contrapartes elegíveis a possibilidade de acesso diferenciado às operações e facilidades permanentes, quando até aí esse acesso era apenas permitido em bloco.6

No final de 2023, existiam 36 contrapartes elegíveis em Portugal, igual número ao existente no final de 2022 (Gráfico I.3.1). Todas as contrapartes residentes em Portugal têm acesso à facilidade permanente de depósito e 35 contrapartes têm acesso à facilidade permanente de cedência de liquidez e às operações de leilão normal. No conjunto da área do euro, um número considerável de contrapartes apenas acede à facilidade permanente de depósito, padrão que se acentuou em 2023 em resultado do aumento das taxas de juro e consequente maior atratividade deste instrumento de política monetária — as reservas excedentárias no Eurosistema não têm remuneração positiva, pelo que o recurso à facilidade de depósito, acessível apenas às contrapartes de política monetária, torna-se particularmente atrativo num contexto de taxas de juro positivas7.

São contrapartes de política monetária 26% das instituições de crédito portuguesas, de um total de 137 instituições. Na área do euro, entre 33% e 47% das instituições de crédito têm acesso às diferentes operações de política monetária. Por jurisdição, este valor oscila entre os 5% e os 95%. No fim de 2023, existiam 3940 instituições de crédito na área do euro, menos 127 do que no fim de 2022.

  1. Número de contrapartes elegíveis, no fim de 2022 e 2023, por instrumento de política monetária | Em unidades

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Nota: Dados de 2023 representados pelas colunas mais escuras.

Operações de política monetária

As operações de política monetária incluem as operações de mercado aberto e as facilidades permanentes. Podem ser utilizadas para ceder liquidez ao sistema bancário e para absorver a liquidez excedentária, por iniciativa do Eurosistema (operações de mercado aberto) ou das próprias contrapartes (facilidades permanentes).

Durante o ano de 2023, o valor obtido pelas contrapartes nas operações de política monetária de cedência de liquidez reduziu-se sucessiva e significativamente, devido aos vencimentos e reembolsos antecipados das operações TLTRO III. Este movimento iniciou-se em novembro de 2022 quando o BCE ajustou as taxas de juro das TLTRO III, tornando-as menos atrativas. No final de 2023, o montante vivo em operações de cedência de liquidez junto do Banco de Portugal, quase totalmente em TLTRO III, atingia 2955 milhões de euros, 18% do valor do ano anterior (Gráfico I.4.1). Na mesma data, na área do euro, o valor das operações de política monetária de cedência de liquidez era de 410 mil milhões de euros, 31% do valor de final de 2022. As TLTRO III continuam a ser a principal fonte de financiamento das contrapartes junto do Eurosistema.

No final do ano, o saldo líquido das operações de política monetária, i.e., o recurso às operações de cedência deduzido do recurso à facilidade de depósito, era negativo. Correspondia a -38 mil milhões de euros e -2925 mil milhões de euros, para Portugal e para o total do Eurosistema, respetivamente. Recorde-se que, após a taxa de juro da facilidade de depósito ter subido para valores positivos, em setembro de 2022, verificou-se um aumento significativo da procura por esta facilidade, por contrapartida da redução do saldo de reservas excedentárias, cuja remuneração é 0%.

Operações de mercado aberto

As operações de mercado aberto (OMA) têm como objetivo controlar as taxas de juro, gerir a liquidez do mercado monetário e sinalizar a orientação da política monetária.

  1. Evolução do saldo das operações de mercado aberto | Em milhares de milhões de euros

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

Ao longo de 2023, o Conselho do BCE prosseguiu o ciclo de subida das taxas de juro diretoras, aumentando progressivamente de 2,50% para 4,50% as taxas que incidem sobre a operação principal de refinanciamento a 7 dias (MRO) e a operação de refinanciamento de prazo alargado (LTRO) a 3 meses (cuja taxa de juro corresponde à média da taxa MRO durante o período da operação), mantendo a aplicação do procedimento de leilão de taxa fixa com satisfação integral da procura.

A redução do montante vivo nas operações TLTRO III teve um efeito pouco significativo na procura das operações regulares, MRO e LTRO a 3 meses, tendo em conta o elevado excesso de liquidez ainda prevalecente. No Eurosistema, foi colocado um montante médio de 4942 milhões de euros nas MRO (1376 milhões de euros em 2022) e de 1594 milhões de euros na LTRO a 3 meses (411 milhões de euros em 2022). Nestas operações participaram, em média, 34 e 17 instituições, respetivamente (Gráficos I.4.2 e I.4.3). Em Portugal, as contrapartes participaram em apenas 6 MRO e em 4 LTRO.

  1. Montantes colocados e número de contrapartes participantes na MRO | Em milhões de euros e em unidades

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

No final de 2023, o montante vivo nas TLTRO III ascendia a 2,9 mil milhões de euros em Portugal (redução de 12,9 mil milhões de euros face ao final de 2022) e 392 mil milhões de euros na área do euro (redução de 925 mil milhões de euros face ao final de 2022). Na base desta redução estiveram principalmente vencimentos, tanto em Portugal (81%) como na área do euro (66%) (Quadro I.4.1).

As TLTRO III.3-6 venceram a 29 de março, 28 de junho, 27 de setembro e 20 de dezembro, respetivamente, no montante global de 10,4 mil milhões de euros em Portugal e 613 mil milhões de euros na área do euro. O montante colocado inicialmente nestas operações representava aproximadamente 70% do conjunto das dez operações TLTRO III, tanto em Portugal como na área do euro.

Durante 2023, as contrapartes portuguesas reembolsaram antecipadamente 2497 milhões de euros do montante colocado nas TLTRO III, elevando para 26,6 mil milhões de euros o montante global de reembolsos antecipados nas TLTRO III (Gráfico I.4.4). Na área do euro, em 2023 foram reembolsados antecipadamente 312 mil milhões de euros, aumentando o montante global de reembolsos antecipados para 1278 mil milhões de euros.

  1. Montantes colocados e número de contrapartes participantes na LTRO a 3 meses | Em milhões de euros e em unidades

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

  1. Reembolso antecipado e vencimento da TLTRO III ao longo de 2023 | Em milhões de euros

 
 

jan. (a)

fev. (a)

mar.

jun.

set.

dez.

 
 

Saldo a

31-12-2022

Reemb. Antecip.

Reemb. Antecip.

Reemb. Antecip.

Venc. TLTRO III.3

Reemb. Antecip.

Venc. TLTRO III.4

Reemb. Antecip.

Venc. TLTRO III.5

Reemb. Antecip.

Venc. TLTRO III.6

Saldo a

31-12-2023 (b)

Portugal

15 797

625

640

45

1716

0

7588

244

885

942

175

2937

Eurosistema

1 317 639

62 748

36 597

87 730

32 152

29 460

476 796

34 231

66 739

61 668

37 252

392 263

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Notas: (a) Data de reembolso antecipado adicional introduzida em 27 de outubro de 2022; (b) O valor inclui reembolsos obrigatórios que ocorreram ao longo de 2023, no montante de cerca de 2,5 milhões de euros, ao nível do Eurosistema (zero euros em Portugal).

 

Em janeiro de 2023, venceu a última operação de refinanciamento de prazo alargado de emergência pandémica (PELTRO) que, no final de 2022, registava um saldo de 200 milhões de euros em Portugal e de 1,1 mil milhões de euros na área do euro.

  1. Saldo das TLTRO III no final de 2023, por operação | Em milhões de euros

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

Facilidades permanentes

As facilidades permanentes de depósito e de cedência de liquidez estão sempre disponíveis para as contrapartes de política monetária, que podem aceder por iniciativa própria. Em 2023, o Conselho do BCE aumentou gradualmente as taxas de juro destas operações para 4,00% e 4,75%, respetivamente.

O ambiente de significativo excesso de liquidez e o contexto de taxas de juro positivas promoveram o recurso à facilidade de depósito pelas contrapartes portuguesas. Em 2023, esta facilidade registou um valor médio diário de aproximadamente 37 mil milhões de euros (Gráfico I.4.5). Já a facilidade de cedência foi utilizada por 6 vezes (uma vez no ano anterior), com um recurso médio de meio milhão de euros.

Na área do euro, o recurso à facilidade de depósito registou um valor médio diário de 3825 mil milhões de euros em 2023, tendo-se observado uma redução de 14% face à média do período com taxa da facilidade de depósito positiva em 2022. Na facilidade de cedência, o valor médio diário situou-se nos 78 milhões de euros, representando um aumento de 71% face a 2022.

  1. Saldos diários das facilidades permanentes | Em milhões de euros

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fonte: BCE (cálculos Banco de Portugal).

  1. Recurso à facilidade de depósito em Portugal

A facilidade permanente de depósito permite às contrapartes constituir depósitos pelo prazo overnight junto do Banco de Portugal. Esta facilidade está continuamente disponível para as contrapartes de política monetária, à qual podem aceder por iniciativa própria, sendo os montantes aí depositados remunerados à taxa específica a esta facilidade (DFR). As contrapartes têm ainda contas de reservas junto do Banco de Portugal, as quais são remuneradas ao menor valor entre a taxa da facilidade permanente de depósito e 0%.

Durante a última década, a taxa da facilidade permanente de depósito registou durante mais de oito anos valores nulos ou negativos, tendo apenas regressado a valores positivos em setembro de 2022, no âmbito do ciclo de subida das taxas de juro diretoras que começou em julho de 2022 e se estendeu até setembro de 2023 (Gráfico C2.1).

  1. Evolução da taxa de juro da facilidade permanente de depósito na última década | Em percentagem

Fonte: BCE.

Em 2022, com o regresso da taxa de juro da facilidade permanente de depósito para valores positivos, observou-se a transferência pelas contrapartes de política monetária de um significativo volume das reservas excedentárias para a facilidade permanente de depósito.

Em 2023, o saldo da facilidade de depósito reduziu-se, em Portugal, 1,92 mil milhões de euros (-4,5%), fixando-se em cerca de 41,1 mil milhões de euros no final do ano. Esta ligeira redução anual não evidencia as variações intra-anuais relevantes, para as quais contribuíram vários fatores. Enquanto a primeira metade do ano foi essencialmente marcada por uma descida do saldo da facilidade de depósito (cerca de -23%), a evolução na segunda metade de 2023 foi marcadamente diferente, tendo-se verificado um aumento que quase anulou a redução verificada no primeiro semestre.

As datas correspondentes aos reembolsos mais avultados da TLTRO III (novembro e dezembro 2022, e junho 2023) são visíveis ao analisar a evolução do saldo da facilidade de depósito, o qual reflete a utilização de parte do excesso de liquidez das instituições de crédito para reembolsar estas operações (Gráfico C2.2).

  1. Transferência de saldos das contas de reservas para a facilidade de depósito em Portugal | Em mil milhões de euros

Fonte: Banco de Portugal.

Os reembolsos ocorridos no primeiro semestre tiveram um impacto de valor muito próximo à variação do saldo da facilidade de depósito em Portugal. No entanto, na segunda metade do ano, o saldo da facilidade de depósito aumentou 10 mil milhões de euros apesar de o saldo TLTRO III ter diminuído 2,2 mil milhões de euros (Gráfico C2.3).

  1. Transferência de saldos das contas de reservas para a facilidade de depósito em Portugal | Em mil milhões de euros

Fonte: Banco de Portugal.

Vários fatores não diretamente relacionados com operações de política monetária contribuíram para a evolução do saldo da facilidade de depósito, como, por exemplo, a dinâmica dos depósitos de particulares junto dos bancos portugueses e a emissão/reembolso de títulos por parte dos bancos.

Na primeira metade de 2023, verificou-se uma descida dos depósitos bancários a par com o aumento das aplicações em Certificados de Aforro e Certificados de Tesouro, cujas taxas de remuneração eram superiores. No entanto, na segunda metade do ano, na sequência do aumento das taxas de juro praticadas nos depósitos a prazo, verificou-se um aumento dos depósitos de particulares junto dos bancos, particularmente visível no último trimestre de 2023, o que contribuiu para o aumento do saldo de fim de ano da facilidade de depósito.

Adicionalmente, a utilização dos acordos de recompra (repos) para obtenção de liquidez por bancos portugueses (Gráfico C2.4) aumentou a partir de junho de 2023. A manutenção da utilização deste instrumento num volume relativamente elevado durante a segunda metade de 2023 contribuiu para a dissociação entre reembolsos da TLTRO III e a evolução do saldo da facilidade depósito nesse período.

  1. Evolução dos repos realizados por bancos portugueses | Valores de final de mês, em milhões de euros

Fonte: BPstat.

O recurso à facilidade permanente de depósito poderá diminuir gradualmente com a redução das carteiras dos programas de compra de ativos e dos saldos vivos das TLTRO III. No entanto, enquanto a taxa de juro permanecer positiva e os bancos detiverem reservas excedentárias, espera-se a transferência destes valores para a facilidade de depósito.

 

Ativos de garantia para as operações de crédito do Eurosistema

Ativos elegíveis

As operações de crédito do Eurosistema (operações de política monetária e crédito intradiário) têm de ser adequadamente garantidas de modo a proteger o Eurosistema de possíveis perdas no caso de incumprimento de uma contraparte. São aceites como garantia ativos transacionáveis e ativos não transacionáveis, cuja elegibilidade é avaliada pelos BCN de acordo com regras pré-estabelecidas8.

No final do ano de 2023, existiam 30 160 títulos na lista única de ativos elegíveis do Eurosistema. O Banco de Portugal é responsável pelo reporte e atualização de 140 destes ativos, na medida em que é da sua competência assegurar a avaliação de elegibilidade e a comunicação para esta lista dos títulos que são negociados em Portugal.

Em 2023, o Banco de Portugal incluiu 21 novos títulos e efetuou 1052 atualizações relativas a ativos constantes da lista.

  1. Distribuição, por categoria de ativo, dos títulos elegíveis no final de 2023 | Em percentagem

Painel A — Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Nota: Montante nominal total dos títulos analisados pelo Banco de Portugal e pelo Eurosistema a 31 de dezembro de 2023.

No que respeita aos títulos elegíveis reportados pelo Banco de Portugal, destacam-se os títulos emitidos pela Républica Portuguesa, sendo a Administração Central a categoria com maior representatividade (79%). As obrigações cobertas ocupam o segundo lugar, com 15% do total.

Ao nível do Eurosistema, mantém-se a menor concentração na distribuição por categoria de ativo. As principais categorias de ativos elegíveis corresponderam aos títulos emitidos pelas Administrações Centrais (54%), outros ativos transacionáveis emitidos por instituições supranacionais, agências que não instituições de crédito e instituições financeiras (12%), outras obrigações bancárias (11%) e obrigações cobertas (10%).

Nos títulos elegíveis avaliados pelo Banco de Portugal assinala-se o aumento em cerca de 50% no valor nominal de obrigações cobertas entre o final de 2022 e 2023, o que reflete o aumento das emissões destes títulos em 2023, em consequência do maior dinamismo deste mercado. Por outro lado, no Eurosistema, não se têm observado alterações significativas na distribuição de títulos elegíveis por categoria de ativo (Gráfico I.5.1).

Durante o ano de 2023, verificou-se um aumento no número de emissões de ativos elegíveis, tendo-se registado mais 3305 emissões do que no ano anterior, perfazendo um total de 26 312 novos títulos. Na área do euro as novas emissões foram essencialmente de obrigações bancárias (49%) e obrigações de empresas (33%), à semelhança do que se verificou no ano anterior.

Em Portugal, foram emitidos 21 títulos considerados elegíveis pelo Banco de Portugal. As principais categorias de novos ativos elegíveis foram as obrigações cobertas (43%) e os títulos de dívida pública (24%) (Gráfico I.5.2). Destaca-se o aumento no número de emissões de obrigações cobertas no ano de 2023 em comparação com os anos de 2021 e 2022, durante os quais esta categoria de ativos representou menos de um quinto do total de novos ativos elegíveis desses anos.

  1. Número de novas emissões de ativos elegíveis 2023 | Em percentagem

Painel A — Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

Utilização de ativos de garantia

As contrapartes que pretendam aceder a operações de crédito do Eurosistema têm de estabelecer, previamente, uma garantia válida a favor do BCN do país no qual se encontram localizadas. Para tal, são criadas pools de ativos de garantia, sobre as quais é constituído penhor financeiro a favor desse BCN, sendo atribuída uma valorização adequada (preço de mercado ou teórico) e aplicadas as correspondentes medidas de controlo de risco (nomeadamente haircuts).

No que respeita à globalidade do Eurosistema, o valor total de ativos entregues para garantia das operações de crédito diminuiu 33% (-763 mil milhões de euros) entre o último trimestre de 2022 e o período homólogo de 2023. Relativamente às contrapartes portuguesas, no final de 2023, o valor total de ativos de garantia mobilizados totalizava 57 mil milhões de euros, representando um decréscimo de 4 mil milhões de euros (-7%) face ao final de 2022 (Gráfico I.5.3). A redução no valor das pools tanto a nível nacional como do Eurosistema acompanhou de forma parcial a diminuição no saldo das operações de cedência de liquidez de política monetária ao longo do ano de 2023 (Capitulo 4).

Apesar da redução observada no valor das pools de ativos de garantia entre o final de 2022 e 2023, a evolução a nível nacional diferiu marcadamente da tendência de decréscimo global observada na área do euro durante a primeira metade de 2023. Durante este período, observou-se uma reversão temporária da tendência decrescente do valor das pools das contrapartes portuguesas que coincidiu com o espoletar dos desenvolvimentos de instabilidade bancária em março de 2023.

Em termos agregados, as categorias com maior representatividade nas pools das contrapartes portuguesas foram os títulos emitidos pela Administração Central (36%, que compara com 26% no final de 2022), as obrigações cobertas (34%) e os empréstimos bancários (25%). A nível do Eurosistema, as obrigações cobertas (30%), os empréstimos bancários (25%) e os instrumentos de dívida titularizados (23%) são as categorias com maior peso relativo nas pools de ativos de garantia.

Durante o ano de 2023, deu-se continuidade à reversão das medidas de flexibilização na aceitação de ativos de garantia adotadas pelo Conselho do BCE durante a pandemia, efetivando-se, em junho, a reversão final da redução de haircuts introduzida em 2020 (i.e., foi eliminada a redução de 10% ao valor de haircut aplicada a todos os ativos de garantia que ainda se encontrava em vigor). Na mesma data (junho de 2023) entraram também em vigor novas regras de haircuts na sequência da revisão anual do quadro de risco dos ativos de garantia.

  1. Distribuição, por categoria de ativo, da utilização de ativos de garantia | Em milhões de euros

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos do Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Nota: Montante total das pools de ativos de garantia das contrapartes portuguesas e do Eurosistema no final de cada trimestre.

Estas duas medidas contribuíram em conjunto para a diminuição no valor das pools de ativos das contrapartes portuguesas em 1463 milhões de euros (Gráfico I.5.4). A elegibilidade do papel comercial não cotado (medida temporária em vigor desde 2013) também foi descontinuada, contribuindo para a diminuição do valor das pools de ativos em 742 milhões de euros a nível nacional.

  1. Decomposição da variação da pool de ativos de garantia em Portugal | Em milhões de euros

Fonte: Banco de Portugal. | Nota: (1) Inclui o impacto da alteração das regras de haircut relacionadas com a revisão anual do quadro de risco.

  1. Dinâmicas da pool de ativos de garantia

Em Portugal, o montante de crédito concedido nas TLTRO começou a diminuir de forma mais acentuada em novembro de 2022 (o saldo das operações de cedência de liquidez em Portugal atingiu 2974 milhões de euros em dezembro de 2023, menos 93% do que em novembro de 2022). No entanto, o valor das pools de ativos de garantia não acompanhou a significativa tendência decrescente do saldo de operações de política monetária. No Eurosistema, a redução das pools foi mais pronunciada.

Na sequência da redução do saldo das TLTRO em novembro de 2022, verificou-se a nível nacional e do Eurosistema uma diminuição do valor das pools durante as semanas seguintes. No entanto, a nível agregado para as contrapartes portuguesas, este movimento foi revertido com o espoletar dos eventos de instabilidade bancária em março de 2023. A estabilização dos mercados financeiros após estes eventos e o vencimento de uma das operações TLTRO em junho de 2023 justificaram novos movimentos de desmobilização de ativos pelas contrapartes portuguesas. Por contraste, não se observou uma evidente reatividade à instabilidade bancária de março de 2023 no valor agregado das pools do Eurosistema, que tem prosseguido uma tendência geralmente decrescente.

Como resultado, entre novembro de 2022 e dezembro de 2023, as contrapartes portuguesas reforçaram mais os buffers de ativos de garantia, pelo que o rácio de sobre-colateralização aumentou mais em Portugal do que no Eurosistema (Gráfico C3.1).

  1. Evolução do valor da pool de ativos de garantia e das operações de política monetária | Em milhões de euros

Painel A — Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos do Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Nota: O rácio de sobre-colateralização corresponde ao valor de ativos de garantia dividido pelo saldo de operações de política monetária.

A volatilidade observada na evolução do valor das pools de ativos de garantia em Portugal após a redução do saldo das TLTRO é largamente suportada pela evolução dos títulos emitidos pela Administração Central, com a desmobilização desta classe de títulos, e na sequência da instabilidade bancária de março 2023, com a reversão dessa tendência (Gráfico C3.2). Por outro lado, ao nível do Eurosistema, observa-se uma continua redução no valor desta classe de ativos. Em particular, a classe dos títulos emitidos pela Administração Central foi a que registou a maior redução entre novembro de 2022 e fevereiro de 2024 (60%). Em Portugal, esta classe de ativos diminuiu ligeiramente durante o mesmo período (-2%). Esta dinâmica sugere que poderá existir um menor interesse das contrapartes portuguesas em desmobilizar ativos que poderiam ser utilizados, por exemplo, para obter financiamento através do mercado repo.

A pool agregada de ativos de garantia das contrapartes portuguesas é atualmente composta por uma maior proporção de ativos de elevada qualidade em termos do tratamento para efeitos prudenciais, ao contrário da tendência observada a nível do Eurosistema (Gráfico C3.3).

  1. Evolução do valor de ativos de garantia emitidos pela Administração Central | Em milhões de euros

Painel A — Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos do Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Notas : As linhas verticais a cinzento representam as maiores reduções de saldo das TLTRO. A área sombreada a vermelho delimitada por linhas verticais representa o período de instabilidade do setor bancário em março de 2023.

  1. Evolução da composição das pools de ativos de garantia por categoria | Em percentagem

Painel A — Banco de Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos do Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

 

Reservas mínimas

O regime de reservas mínimas é um instrumento de política monetária estabelecido pelo BCE com o objetivo de criar ou aumentar o défice estrutural de liquidez do sistema bancário da área do euro, de modo a garantir ao Eurosistema o controlo das taxas de juro do mercado monetário. Este instrumento perdeu relevância ao longo da última década, em especial na sequência da implementação de várias medidas de política monetária que conduziram a um aumento do nível de liquidez e que eliminaram o défice estrutural de liquidez em que o Eurosistema operava.

As instituições de crédito sujeitas ao regime de reservas mínimas devem depositar uma percentagem do valor de um subconjunto de passivos do seu balanço nas contas abertas junto dos BCN9. O cumprimento das reservas mínimas é verificado no final de cada período de manutenção, com base na média dos saldos de fim de dia das contas de depósito de cada instituição junto do respetivo BCN. Os valores depositados acima do valor de reservas mínimas constituem as reservas excedentárias das instituições.

Atualmente, tanto as reservas mínimas como as reservas excedentárias são remuneradas a uma taxa de 0%10. A remuneração das reservas mínimas foi alterada pelo Conselho do BCE em julho de 2023 para 0%, com efeitos a partir de 20 de setembro (deixando de se aplicar a taxa de juro da facilidade permanente de depósito). A decisão visou, por um lado, preservar o controlo sobre a orientação da política monetária e garantir a transmissão plena das decisões sobre as taxas de juro aos mercados monetários e, por outro lado, melhorar a eficiência da política monetária, ao reduzir o montante global de juros a pagar por reservas.

Em Portugal, no último período de manutenção de 2023, os depósitos das instituições de crédito residentes ascenderam a 3 mil milhões de euros, dos quais 2,7 mil milhões de euros afetos ao cumprimento das reservas mínimas e 291 milhões de euros (9,6% do total) correspondentes a reservas excedentárias (Gráfico I.6.1). No mesmo período, no agregado da área do euro, os depósitos das instituições de crédito junto do Eurosistema atingiram 173 mil milhões de euros, dos quais 162 mil milhões de euros afetos ao cumprimento das reservas mínimas e 11 mil milhões de euros (6,5% do total) correspondentes a reservas excedentárias. Salienta-se a quebra significativa na série das reservas excedentárias face aos anos anteriores, que é explicada pela transferência da maior parte destes montantes para a facilidade permanente de depósito a partir do momento em que a sua remuneração se tornou positiva, em setembro de 2022.

  1. Evolução das reservas mínimas e reservas excedentárias por período de manutenção | Em milhões de euros

Painel A — Banco de Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal (BPstat). | Nota: As reservas excedentárias são calculadas através da diferença entre o saldo médio das contas de depósito junto do Eurosistema, durante o período de manutenção de reservas mínimas (PM), e o valor das reservas mínimas.

Em 2023, o valor de reservas mínimas aumentou, em média, 2,2% em Portugal e 3% na área do euro, face a 2022 (59,7 milhões de euros e 4,9 mil milhões de euros, respetivamente), refletindo o crescimento dos passivos (e essencialmente dos depósitos dos particulares e empresas) dos bancos sujeitos ao regime. No entanto, registou-se uma redução do crescimento homólogo das reservas mínimas, tendência que coincide com a alteração da sua remuneração, da taxa das operações principais de refinanciamento para a taxa da facilidade de depósito, a partir de dezembro de 2022, e para 0% a partir de setembro de 2023 (Gráfico I.6.2). Esta evolução sugere que houve uma redução do crescimento ou recomposição dos passivos dos bancos sujeitos ao regime, nomeadamente das responsabilidades de prazo igual ou inferior a dois anos, que constituem a base de incidência para o cálculo das reservas mínimas.

  1. Taxa de variação homóloga das reservas mínimas, em Portugal e na área do euro | Em percentagem

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal (BPstat).

Programas de compra de ativos

A compra de ativos a título definitivo começou em meados de 2014, como parte de um pacote de medidas de política monetária não convencionais que contribuiu para suportar o adequado funcionamento do mecanismo de transmissão monetária e para a prossecução do objetivo de estabilidade de preços do BCE.

Na operacionalização dos programas, o Eurosistema mantém o princípio da neutralidade de mercado, através da implementação suave, com vista a preservar o normal funcionamento dos mercados.

No contexto da normalização do balanço do Eurosistema, os reinvestimentos do APP tiveram uma redução média de 15 mil milhões de euros por mês entre março e junho de 2023 e cessaram na totalidade a partir de julho. Durante o período de reinvestimentos parciais, os títulos no âmbito dos programas do setor privado (ABSPP, CBPP3 e CSPP) passaram a ser adquiridos apenas em mercado secundário.

Os reinvestimentos do PEPP mantiveram a flexibilidade, podendo, a qualquer momento, ser ajustados, por classes de ativos e entre jurisdições, para proteger a transmissão da política monetária face a riscos relacionados com a pandemia.

O Instrumento de Proteção da Transmissão (TPI, na sigla inglesa), concebido em 2022 e ainda nunca utilizado, continua a fazer parte do leque de instrumentos à disposição do Conselho do BCE para assegurar que a orientação da política monetária é transmitida uniformemente em todos os países da área do euro11.

Em linha com o princípio da descentralização da implementação da política monetária, o Banco de Portugal tem estado envolvido, desde o início, nas compras de títulos de dívida do setor público e nas compras de obrigações cobertas, tanto no âmbito do APP como no âmbito do PEPP.

No final de 2023, o montante total de títulos adquiridos para fins de política monetária registados no balanço do Banco de Portugal representava cerca de 80,5 mil milhões de euros, dos quais 78,8 mil milhões de euros correspondiam a títulos de dívida pública e supranacional e 1,7 mil milhões de euros a títulos de dívida privada (Gráfico I.7.1).

  1. Saldos dos títulos de dívida detidos no âmbito da política monetária nos balanços do Banco de Portugal e do Eurosistema | Em mil milhões de euros e em percentagem

Painel A — Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

Compras de títulos do setor público

As compras de títulos do setor público dos países da área do euro, tanto para o PSPP (a componente pública do APP) como para o PEPP, são executadas de forma descentralizada pelo BCE e pelos BCN. Enquanto o BCE compra dívida pública das várias jurisdições, os BCN compram dívida pública da sua própria jurisdição e, complementarmente, dívida emitida por entidades supranacionais.

Os títulos de dívida pública adquiridos no APP estão sujeitos a um limite máximo de 33% por emissão e por emitente, enquanto nos títulos emitidos por instituições internacionais ou supranacionais localizadas na área do euro esse limite é de 50%. No caso do PEPP, as compras não são contabilizadas na detenção consolidada de títulos do Eurosistema e para cumprimento dos limites acima referidos.

Com o fim da fase de reinvestimentos do APP em junho de 2023, as compras líquidas acumuladas do ano de títulos de dívida pública e supranacional da área do euro reduziram-se em 167,4 mil milhões de euros (Gráfico I.7.2). De igual forma, o montante líquido total de dívida pública portuguesa adquirido pelo Eurosistema no âmbito do PSPP reduziu-se em 1,5 mil milhões de euros. As compras líquidas acumuladas de títulos de dívida pública e supranacional da área do euro, no âmbito do PEPP, foram nulas em termos agregados. No entanto, para a jurisdição portuguesa as compras líquidas foram negativas em 2,2 mil milhões de euros, reflexo sobretudo do vencimento da Obrigação do Tesouro 4,95% 25 de outubro de 2023 e do facto de os reinvestimentos não se terem realizado na totalidade. Isto deveu-se à intenção do Eurosistema de manter uma presença regular no mercado português durante o período expectável da fase de reinvestimento do PEPP e à menor disponibilidade de dívida pública portuguesa. Em resultado das menores necessidades de financiamento, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, IGCP, emitiu menos obrigações do Tesouro e bilhetes do Tesouro em 2023 do que inicialmente previsto.

  1. Aquisições mensais líquidas acumuladas de títulos de dívida pública portuguesa pelo Banco de Portugal e pelo BCE e de títulos de dívida pública e supranacional da área do euro pelo Eurosistema | Em milhões de euros

Painel A — Banco de Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

A proporção de compras de dívida pública de uma jurisdição face ao total das compras do Eurosistema é calculada em função da chave de capital do respetivo BCN no capital subscrito do BCE que, no caso do Banco de Portugal, correspondia a 2,34% no final de 2023. No entanto, no PEPP, essa orientação possui um caráter flexível, permitindo uma maior flutuação na distribuição dos fluxos de compras ao longo do tempo.

Devido ao padrão irregular e à dimensão dos vencimentos dos títulos de dívida pública, desde 2022 (exceto quando as condições de mercado não o permitem) os reinvestimentos no PEPP são suavizados ao longo do ano e entre jurisdições. Esta redistribuição intra-anual garante uma presença regular e equilibrada e contribui para o normal funcionamento de mercado e para o mecanismo de formação de preços, podendo, no entanto, levar a desvios da proporção de compras em relação à chave de capital ao longo do ano.

No final de 2023, a proporção acumulada das compras líquidas de títulos públicos portugueses pelo Eurosistema no PSPP cifrou-se em 2,3%, marginalmente superior ao valor registado no ano anterior (Gráfico I.7.3). A proporção acumulada das compras de títulos portugueses pelo Eurosistema no PEPP reduziu-se para 2,2%, relativamente ao final do ano anterior. Para ambos os programas, as proporções das compras estão próximas da chave de capital de Portugal no BCE.

O Banco de Portugal esteve ativo na compra de títulos de dívida pública portuguesa para o PSPP e para o PEPP ao longo do ano, tendo sido realizadas 637 transações com 19 instituições financeiras e adquiridos, em termos brutos, 3,6 mil milhões de euros de títulos de dívida pública portuguesa.

Foram ainda efetuadas algumas operações de venda de títulos na carteira do PSPP de modo a repor os limites por emissão definidos pelo Eurosistema, que foram quebrados no seguimento de operações de recompra (amortização antecipada de obrigações) e de troca de dívida pelo IGCP (amortização antecipada de obrigações com um prazo de vencimento próximo, por contrapartida da emissão de obrigações com prazo de vencimento superior).

No final do ano, o prazo de vencimento médio ponderado da carteira de dívida pública portuguesa situou-se em 7,4 anos em ambos os programas, próximos do prazo de vencimento médio ponderado de toda a dívida pública portuguesa elegível de cada programa.

  1. Proporção das compras de títulos do setor público português | Em percentagem

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

Compras de obrigações cobertas

Em 2023, as compras líquidas de obrigações cobertas do Eurosistema foram negativas no montante de 15,7 mil milhões de euros para o CBPP3 e de valor nulo no PEPP (Gráfico I.7.4). No final do ano, 38% da carteira do CBPP3 dizia respeito a obrigações cobertas adquiridas em mercado primário, enquanto no PEPP essa proporção se fixava em 22%.

O Banco de Portugal efetuou 18 operações de compras de obrigações cobertas portuguesas, exclusivamente para o CBPP3, no montante de 23,7 milhões de euros. Uma vez que não houve vencimentos de obrigações portuguesas em carteira, as compras líquidas assumiram igual valor.

No final de 2023, a proporção acumulada de obrigações cobertas portuguesas na carteira do CBPP3 era inferior a 1%, similar à proporção que o mercado português tem no total do universo elegível do CBPP3.

O Banco de Portugal detém no seu balanço obrigações cobertas portuguesas emitidas pelo Banco BPI e Banco Santander Totta e obrigações cobertas francesas adquiridas na fase inicial do programa.

  1. Aquisições mensais líquidas acumuladas de obrigações cobertas pelo Banco de Portugal e pelo Eurosistema | Em milhões de euros

Painel A — Banco de Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal. | Nota: As oscilações no gráfico “Eurosistema” são justificados pelo padrão irregular dos vencimentos ao longo do ano.

Compras de dívida empresarial e titularizada

A execução dos programas de compra de dívida empresarial e titularizada é realizada por um conjunto especializado de seis BCN que atuam em representação do Eurosistema.

Em 2023, as compras líquidas para o CSPP foram negativas em 19,3 mil milhões de euros, devido ao término do programa em junho e efeito dominante dos vencimentos ocorridos no ano. No caso do PEPP, as compras líquidas foram nulas, verificando-se, no entanto, um aumento da proporção de obrigações empresariais por via de uma diminuição da proporção de papel comercial.

As compras de dívida empresarial passaram também a ter em consideração preocupações climáticas, em consonância com o plano de ação climática do Eurosistema adotado em julho de 2021, privilegiando emitentes com um melhor desempenho climático. Tal significa que a percentagem de ativos no balanço do Eurosistema emitidos por empresas com um melhor desempenho climático aumentará em comparação com a de empresas com um desempenho climático mais fraco. Com a redução dos montantes reinvestidos, os títulos de dívida de emitentes com melhor desempenho climático e emissões verdes passaram a ser os únicos a serem comprados em mercado primário.

A implementação das compras de dívida empresarial, à semelhança dos restantes programas de compra de dívida privada, é realizada de acordo com a proporção da capitalização de mercado de cada jurisdição. No final de 2023, a proporção acumulada de dívida empresarial emitida por instituições portuguesas na carteira do CSPP era inferior a 1%, similar à proporção que o mercado português tem no total do universo de títulos elegíveis para o CSPP.

No final do ano, o Eurosistema detinha no seu balanço dívida empresarial portuguesa emitida pela EDP — Energias de Portugal, EDP Finance BV, EDP España, REN Finance BV, Brisa e Metropolitano de Lisboa. Em termos agregados, 23% da carteira do CSPP dizia respeito a compras em mercado primário. No PEPP, essa proporção correspondia a 33% da carteira deste tipo de títulos.

Em 2023, as compras de dívida titularizada realizadas pelo Eurosistema, deduzidas dos vencimentos dos títulos em carteira, registaram um valor negativo de 9,5 mil milhões de euros no ABSPP, devido ao fim do programa em junho e ao efeito dominante dos vencimentos ocorridos no ano. Em termos agregados, 54% da carteira do ABSPP dizia respeito a compras em mercado primário. No final do ano, a proporção acumulada de dívida titularizada originada por residentes em Portugal na carteira do ABSPP era de 4%, marginalmente inferior à proporção que o mercado português tem no total do universo elegível.

Empréstimo de títulos

De forma a contribuir para o normal funcionamento dos mercados financeiros e minimizar os eventuais impactos negativos associados à menor disponibilidade de títulos no mercado causada pelos programas de compra de ativos, o Eurosistema disponibiliza para empréstimo os títulos de dívida do setor público e títulos de dívida de empresas não financeiras adquiridos no âmbito do APP e do PEPP (securities lending), fazendo-o de forma descentralizada, pelo BCE e pelos BCN.

Os títulos de dívida pública e supranacional e as obrigações cobertas adquiridas pelo Banco de Portugal no âmbito dos programas de compra de ativos estão disponíveis para empréstimo em centrais de depósito de títulos internacionais, através das plataformas da Euroclear Bank S. A. e Clearstream Banking S. A. e também de forma bilateral com o Banco de Portugal (Caixa 4. Programa de empréstimo de títulos do Eurosistema).

O montante de títulos emprestados em 2023 pelo Banco de Portugal atingiu uma média diária de 3,2 mil milhões de euros, próximo do valor verificado no ano anterior. Destaca-se o último mês do ano, em que se registou um máximo histórico de títulos emprestados de 4,5 mil milhões de euros (Gráfico I.7.5). Os títulos de dívida pública foram os mais procurados, representado, em média, cerca de 93% do montante total emprestado, enquanto os títulos supranacionais representaram o remanescente. Em termos agregados, o Eurosistema emprestou diariamente, em média, 95,1 mil milhões de euros em títulos, o que representa uma redução de 11% face ao valor verificado no ano anterior. Desse montante, cerca de 29% foi emprestado contra depósitos junto do banco central, o que compara com 50% verificado no ano anterior.

  1. Montante mensal diário emprestado pelo Banco de Portugal e Eurosistema | Em milhões de euros

Painel A — Banco de Portugal

Painel B — Eurosistema

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

  1. Programa de empréstimo de títulos do Eurosistema

O que é?

O programa de empréstimo de títulos (securities lending, na terminologia inglesa) é uma facilidade do Eurosistema que disponibiliza aos participantes de mercado os títulos de dívida comprados no âmbito dos programas de compra de ativos (APP e PEPP) e detidos nos balanços dos BCN e do BCE.

Para que serve?

Este programa pretende minimizar os eventuais impactos negativos associados à menor disponibilidade de títulos no mercado causada pelos programas de compra de ativos e, assim, contribuir para o normal funcionamento dos mercados financeiros.

Como funciona?

Os títulos de dívida do setor público e os títulos de dívida de empresas não financeiras adquiridos pelo Eurosistema ao abrigo do APP e do PEPP estão disponíveis para empréstimo. Estas operações são realizadas, de forma descentralizada, pelos diferentes BCN e pelo BCE.

O Eurosistema dispõe de diferentes canais para este propósito: de forma bilateral, através de agentes especializados ou via centrais de depósito de títulos, cabendo a cada BCN e BCE a discricionariedade de optar por um ou vários destes canais.

Estes empréstimos carecem sempre de uma garantia, na forma de valores mobiliários ou moeda de banco central.

Quem são os destinatários?

Os principais destinatários destas operações são as instituições financeiras que atuam como intermediárias na colocação dos títulos de dívida no mercado e que asseguram as condições de liquidez dos mesmos.

Quais os termos e condições?

Os BCN e o BCE têm discricionariedade para definir os aspetos operacionais e de risco destas operações, em particular no que diz respeito aos critérios de elegibilidade dos valores mobiliários aceites como garantia, bem como das instituições financeiras que podem recorrer a tal facilidade.

Quanto à taxa de juro aplicada a estas operações, o Eurosistema estabelece um enquadramento comum para os diferentes BCN, com vista a apoiar a liquidez dos títulos e do mercado monetário com garantia e não interferir com o mecanismo de formação de preços. No caso dos empréstimos em que os ativos de garantia aceites pelo Eurosistema são também valores mobiliários, aplica-se o preço mais alto, entre 0,05 pp ou aquele valor que estiver a ser praticado pelo mercado. Quando o ativo de garantia aceite é moeda de banco central, aplica-se a taxa mais baixa entre a taxa da facilidade permanente de depósito menos 0,20 pp e a taxa repo praticada pelo mercado.

  1. Funcionamento do programa de empréstimo de títulos

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O Eurosistema iniciou o programa de empréstimo de títulos de dívida do setor público em abril de 2015, logo a seguir ao início do PSPP, como forma de preservar o normal funcionamento do mercado obrigacionista. Com o início do CSPP, também os títulos de dívida empresarial passaram a ser disponibilizados para empréstimo e, de modo facultativo, cada BCN pode disponibilizar para empréstimo as obrigações cobertas, adquiridas no âmbito do CBPP3.

Em dezembro de 2016, o Conselho do BCE decidiu que o Eurosistema poderia aceitar também moeda de banco central como garantia nas operações de empréstimos de títulos, sem ter a necessidade de neutralizar o efeito na liquidez. Até então, apenas eram realizados empréstimos de títulos em que a garantia eram valores mobiliários (tipicamente títulos de dívida), ou seja, com efeito na liquidez nulo. Neste caso, o banco central realiza, ao mesmo tempo, um acordo de recompra (repo, na terminologia inglesa) e um acordo de revenda (reverse repo, na terminologia inglesa), com o mesmo montante e para as mesmas datas.

De modo a não interferir com a orientação da política monetária, o Conselho do BCE estabeleceu que o montante máximo de empréstimos cuja garantia é moeda de banco central seria de 50 mil milhões de euros. Tendo em conta a sua utilização e o subsequente nível do excesso de liquidez, este limite foi revisto em vários momentos no tempo, em março de 2018, em novembro de 2021 e em novembro de 2022, para 75, 150 e 250 mil milhões de euros, respetivamente.

A utilização desta facilidade tem sido notável ao longo dos anos, cuja evolução tem estado diretamente relacionada com a quantidade de títulos que o Eurosistema detém no seu balanço e com a disponibilidade desses mesmos títulos no mercado. Os empréstimos contra moeda de banco central, em particular, reagiram aos sucessivos aumentos do limite máximo para essas operações (em resposta ao aumento de excesso de liquidez). Em termos relativos, o montante emprestado de títulos atingiu, em dezembro de 2017, um valor máximo de 3% do total de títulos detidos pelo Eurosistema no âmbito dos programas de compras. Nos últimos anos, esse valor tem convergido para 2% (Gráfico C4.1).

  1. Programa de empréstimo de títulos no contexto do Eurosistema | Em milhares de milhões de euros e em percentagem

Fontes: BCE (cálculos Banco de Portugal) e Banco de Portugal.

À semelhança dos restantes BCN, o Banco de Portugal disponibiliza para empréstimo os títulos de dívida pública e supranacional adquiridos pelo Banco e detidos no seu balanço, bem como as obrigações cobertas. O Banco recorre às infraestruturas das centrais de depósito de títulos internacionais, nomeadamente da Euroclear Bank S. A. e Clearstream Banking S. A., para essa atividade, não sendo possível por esta via empréstimo de títulos contra moeda de banco central.

Desde agosto de 2023, o Banco de Portugal passou a disponibilizar os títulos do APP e PEPP detidos no seu balanço para a realização de empréstimos de forma bilateral, com instituições financeiras elegíveis12, alargando o leque de acessos a esta facilidade e possibilitando a realização de empréstimos contra moeda de banco central, que até então não era possível.

O montante emprestado de títulos portugueses, no balanço do Banco de Portugal, registou um aumento numa primeira fase, sobretudo desde o início da pandemia de COVID–19, com a intensificação das compras no PSPP e a criação do PEPP e, numa segunda fase, devido à menor disponibilidade de títulos de dívida pública portuguesa, em parte justificada pela menor presença do IGCP em mercado primário e por sucessivas revisões em baixa dos montantes emitidos. Essa menor disponibilidade também é visível na evolução dos montantes transacionados de bilhetes e obrigações do Tesouro Português (Gráfico C4.2).

  1. Programa de empréstimo de títulos no Banco de Portugal | Em milhões de euros

Fontes: IGCP e Banco de Portugal.

 

Evolução do balanço do Banco de Portugal e do Eurosistema

Dimensão e composição do balanço

No final de 2023, o balanço do Banco de Portugal atingiu uma dimensão de 185 mil milhões de euros, o que representa uma redução de 6% face a 2022 e 15% face a 2021 (Gráfico I.8.1). Essa redução deveu-se essencialmente a uma diminuição do financiamento de longo-prazo de política monetária às instituições de crédito por via do vencimento das TLTRO III.3-6, mas especialmente da TLTRO III.4 em junho de 2023 (18,2% do montante total colocado).

Do lado do ativo, a rubrica com maior peso foi a de “Títulos detidos para fins de política monetária” (43%), que registou um valor absoluto de 81 mil milhões de euros no final de 2023 (Gráfico I.8.2). Esta rubrica reflete as aquisições efetuadas pelo Banco de Portugal no âmbito dos diferentes programas do Eurosistema de compra definitiva de títulos (Capítulo 7). A rubrica “Financiamento de política monetária às instituições de crédito”, que reflete as operações de política monetária reversíveis, teve um registo de 3 mil milhões de euros no final de 2023. Estas operações reduziram o seu peso no total do ativo de 8% para 2%, principalmente em resultado do reembolso da operação TLTRO III.4 em junho (Secção 4.1). A rubrica “Ativos sobre o Eurosistema” apresentou um valor de 59 mil milhões de euros no final de 2023, mantendo-se como um elemento relevante no balanço do Banco de Portugal. Esta rubrica viu o seu peso crescer de 28% para 32% em 2023 e reflete, na sua maioria, os ajustamentos às notas em circulação, ou seja, a diferença entre o montante de notas em circulação que o Banco de Portugal regista em balanço de acordo com o seu peso no total do Eurosistema e o valor das notas colocadas em circulação pelo Banco de Portugal deduzido do valor das notas por si recolhidas.

  1. Evolução do balanço do Banco de Portugal | Em mil milhões de euros

Fonte: Banco de Portugal.

Do lado do passivo, a rubrica com maior peso continua a ser a das “Responsabilidades para com o Eurosistema (TARGET)”, com um valor de 55 mil milhões de euros, apesar da redução verificada face ao ano anterior (o seu peso no total do balanço desceu de 35% para 30%). Esta rubrica reflete a responsabilidade do Banco de Portugal face ao BCE resultante da realização de pagamentos transfronteiriços em euros através do sistema de pagamentos TARGET2. Os depósitos das instituições de crédito no Banco de Portugal mantiveram-se relativamente estáveis ao longo de 2023, registando um valor de 3 mil milhões de euros no final do ano. O mesmo se observou nas notas em circulação que registaram um valor em torno dos 34 mil milhões de euros.

Em 2023, os agregados “Outros ativos não relacionados com a política monetária” e “Outros passivos não relacionados com a política monetária e fundos próprios” apresentavam uma tendência crescente, situando-se em 20 e 47 mil milhões de euros, respetivamente. Estes agregados incluem, entre outros, itens não diretamente relacionados com a política monetária, mas que afetam a posição de liquidez do sistema bancário. Designadamente do lado do ativo, os ativos de investimento de banco central, tais como as carteiras em euros e em moeda estrangeira, e, do lado do passivo, os passivos de não residentes denominados em euros e moeda estrangeira, e ainda outros fatores (como capital e reservas, provisões, contas de reavaliação, etc.).

A detenção, pelo Banco de Portugal, de ativos financeiros líquidos não relacionados com a política monetária13 está condicionada ao limite estabelecido no Acordo sobre Ativos Financeiros Líquidos (AFL) celebrado entre os BCN da área do euro e o BCE. Em 2023, o saldo médio de AFL do Banco de Portugal foi de -15,9 mil milhões de euros, que compara com -17,8 mil milhões de euros no final de 2022. O valor negativo deste agregado deve-se sobretudo ao peso das rubricas de passivo: depósitos do setor público (valor médio em 2023 de 14 mil milhões de euros), swaps de ouro (valor médio em 2023 de 12 mil milhões de euros) e conta de reavaliações (valor médio em 2023 de 19 mil milhões de euros) relativamente às rúbricas do ativo (42 mil milhões de euros em média em 2023) que são consideradas para o seu cálculo.

  1. Principais desenvolvimentos no balanço do Banco de Portugal | Em mil milhões de euros

Fonte: Banco de Portugal.

No caso do Eurosistema, no final de 2023, o balanço apresentava uma dimensão de aproximadamente 7000 mil milhões de euros, o que representa uma redução de 13% face ao ano anterior (Gráfico I.8.3), prosseguindo o objetivo de normalização do balanço do BCE.

  1. Evolução do balanço do Eurosistema | Em mil milhões de euros

Fonte: BCE (cálculos do Banco de Portugal).

No ativo, a rubrica “Títulos detidos para fins de política monetária” continua a ser a mais importante no balanço do Eurosistema, com um valor de 4694 mil milhões de euros no final de 2023. Apesar de, em termos nominais, o valor desta rubrica se ter reduzido em 243 mil milhões, em termos de peso no total do balanço, aumentou 6 pp, para 68%. As operações de crédito do Eurosistema registavam um saldo vivo de 410 mil milhões de euros. Esta foi a rubrica com maior variação do lado do ativo, com uma redução de 11 pp relativamente a 2022, fixando-se em 6% do total do balanço. No lado do passivo, salienta-se um aumento do peso das notas em circulação no total do balanço, de 20% para 23% em 2023, embora esta rubrica tenha registado um crescimento anual ligeiramente negativo.

Excesso de liquidez

Em 2023, o valor do excesso de liquidez em Portugal aumentou 3.7% quando comparado o primeiro e último períodos de manutenção de reservas (Gráfico I.8.4), tendo terminado o ano com um valor de 40 mil milhões de euros (pelas mesmas razões que explicam a evolução do recurso à facilidade de depósito, ver caixa 2. Recurso à facilidade de depósito em Portugal). Contudo, o valor médio por período de manutenção de reservas foi de 36,5 mil milhões de euros. Este valor é significativamente inferior à média de 57 mil milhões de euros verificada em 2022, neste caso ainda bastante influenciado pelo período anterior ao ajustamento ao cálculo da taxa das TLTRO III efetuado em novembro de 2022.

No que diz respeito ao peso do excesso de liquidez em Portugal no conjunto da área do euro, este valor foi, em média, de 0.97% em 2023, menos 31 pontos base face a 2022 (i.e., passou de 1.28% para 0.97%).

  1. Evolução do excesso de liquidez em Portugal e evolução do peso face ao total da área do Euro | Em mil milhões de euros e em percentagem

Fonte: BCE (cálculos Banco de Portugal). | Notas: Valores médios por período de manutenção de reservas mínimas. Excesso de liquidez definido como a soma das reservas excedentárias e do recurso à facilidade permanente de depósito deduzida da utilização da facilidade marginal de cedência.

  1. Evolução recente do excesso de liquidez e impacto no mercado monetário

A crise financeira de 2007–2008 provocou alterações estruturais no funcionamento do sistema financeiro da área do euro. Um aspeto fulcral foi o surgimento do excesso de liquidez no sistema bancário, na sequência da implementação pelo Eurosistema de medidas de política monetária acomodatícias não convencionais.

Em resposta aos desafios observados desde então, o Eurosistema utilizou uma série de instrumentos aos quais não recorria de forma regular, tais como os programas de compra de ativos, os leilões de taxa fixa com satisfação integral da pro cura (FRFA), as operações de refinanciamento de prazo alargado (VLTRO e TLTRO) e a política de taxas de juro negativas. Estas medidas contribuíram para o aumento da liquidez no sistema bancário, a redução dos custos de financiamento dos agentes económicos e a promoção da concessão de crédito à economia (Gráfico C5.1).

O excesso de liquidez no sistema bancário da área do euro cresceu substancialmente como resultado destas medidas, traduzindo-se num montante significativo de reservas excedentárias detidas pelos bancos, que superou as suas necessidades operacionais e regulatórias.

  1. Evolução do excesso de liquidez e taxas EONIA/€STR e de facilidade de depósito desde 2007 | Em milhares de milhões e em percentagem

Fontes: BCE e Banco de Portugal. | Nota: €STR substituiu a EONIA a 1 de outubro de 2019.

O mercado monetário interbancário (MMI) desempenhava um papel crucial na satisfação de necessidades de financiamento de curto-prazo. No entanto, a crise financeira global criou uma elevada aversão ao risco de crédito que levou a uma redução significativa da atividade do MMI, em especial no segmento sem garantia. As medidas não convencionais adotadas pelo Eurosistema, por forma a assegurar que os bancos continuavam a ter acesso à liquidez necessária para a sua atividade, e numa segunda fase para promover a concessão de crédito à economia criaram um grande volume de excesso de liquidez e de reservas excedentárias, reduzindo a necessidade de recurso ao MMI como fonte de financiamento, pelo que este passou a ser caracterizado por baixos volumes transacionados.

O excesso de liquidez exerceu também pressão descendente nas taxas de juro de curto-prazo praticadas no mercado monetário. À medida que os bancos competiam pela aplicação de reservas excedentárias, as taxas às quais estavam dispostos a emprestar fundos reduziram-se, o que se refletiu na aproximação da taxa EONIA à taxa da facilidade de depósito (comportamento que se manteve quando aquela deu lugar à €STR). Adicionalmente, a composição e dinâmica das transações no mercado monetário também se alteraram. Os bancos tornaram-se mais seletivos na gestão da liquidez no seguimento da crise financeira global, como referido anteriormente. Outro fator importante foi a introdução de maiores restrições no quadro regulatório, nomeadamente os requisitos de capital e liquidez criados pelo Acordo de Basileia III. Tudo isto provocou um aumento da procura por HQLA, o que favoreceu as operações garantidas por ativos de elevada qualidade em vez do empréstimo de fundos no MMI sem garantia.

Neste contexto, o mercado com garantia, também conhecido como mercado repo, ganhou preponderância, em especial para transações motivadas pela procura por ativos (collateral driven). De facto, os enquadramentos regulatório e de política monetária do sistema financeiro pós-crise tornaram a procura por HQLA o principal fator de participação no mercado repo, em detrimento da procura por liquidez, contribuindo, assim, para a redução das taxas praticadas.

Em 2022, os sucessivos aumentos das taxas de juro diretoras do BCE, aliados aos diferentes programas de compras de ativos, puseram em evidência uma escassez de HQLA no sistema financeiro, o que produziu efeitos sobre o funcionamento do mercado repo (Gráfico C5.2). O spread entre a €STR e a taxa repo overnight de obtenção de fundos aumentou 20 pontos base entre o primeiro e último período de manutenção de 2022, evidenciando uma transmissão mais lenta dos sinais de política monetária para o mercado repo. Em cada período de manutenção, este spread acabaria por se reduzir à medida que o mercado se ajustava, completando a transmissão da política monetária a esse segmento.

  1. Evolução da taxa repo overnight de obtenção de liquidez e €STR desde 2022 | Em percentagem e pontos base

Fonte: BCE (cálculos Banco de Portugal). | Nota: A taxa repo overnight de obtenção de liquidez foi calculada como a média ponderada das taxas repo overnight de obtenção de liquidez de repos com ativos subjacente da Bélgica, Alemanha, França, Itália, Espanha e Holanda.

No início de 2023, os programas de compras de ativos em larga escala (APP e PEPP) absorviam um volume elevado de dívida pública e privada, retirando-os do mercado. Adicionalmente, as operações de crédito do Eurosistema são também garantidas por este tipo de ativos, o que criou uma pressão adicional sobre os HQLA disponíveis no mercado.

Ao longo do ano, a adoção de medidas como a redução dos reinvestimentos nos programas de compra de ativos permitiu o regresso de uma parte de HQLA ao mercado, aliviando a referida escassez estrutural, o que se tornou visível pela redução do spread entre a €STR e a taxa repo para 8 pontos base no final de 2023. Do lado das operações de crédito do Eurosistema, o reembolso de montantes significativos de TLTRO III ao longo de 2023 permitiu igualmente o regresso de HQLA ao mercado. Adicionalmente, o Eurosistema disponibiliza os títulos de dívida do setor público e de empresas não financeiras adquiridos ao abrigo do APP e do PEPP para operações de empréstimo de títulos (Caixa 4. Programa de empréstimo de títulos do Eurosistema).

 

Desenvolvimentos no mercado monetário

Atividade na área do euro

Os desenvolvimentos do mercado monetário da área do euro em 2023 foram marcados pela continuação da subida das taxas de juro diretoras do BCE até setembro, níveis de excesso de liquidez ainda elevados, apesar da tendência de redução, e pelo fim dos reinvestimentos ao abrigo do APP. Os montantes transacionados continuaram a crescer, dando sinais de uma gradual reabertura de mercado em vários segmentos, o que contribui para uma maior profundidade e eficiência deste e, por consequência, da implementação da política monetária. Contudo, é improvável que os níveis observados no período pré-crise financeira se voltem a verificar, dado o atual enquadramento regulatório e de gestão de risco interno dos participantes de mercado.

As taxas Euribor são fortemente influenciadas pela política monetária do BCE. Na primeira metade de 2023, as taxas Euribor prosseguiram a tendência crescente observada em 2022, refletindo as subidas das taxas de juro diretoras do BCE (Gráfico I.9.1). Esta evolução foi brevemente interrompida em março devido à turbulência nos mercados financeiros, associada à instabilidade do setor bancário nos EUA e na Suíça, que levou a uma revisão brusca e temporária da trajetória das taxas Euribor esperada pelo mercado. No segundo semestre de 2023, as taxas Euribor demonstraram um comportamento de estagnação e compressão de spreads entre maturidades, a que se sucedeu uma inversão das curvas dos diferentes prazos, refletindo a expetativa dos agentes de mercado de cortes futuros nas taxas de juro diretoras. No final do ano, a taxa Euribor 12 meses (M) registou o valor mais baixo entre todos os segmentos, 3,51%. Por sua vez, a taxa Euribor 3M registou um valor de 3,91%, o mais elevado entre todos os segmentos.

  1. Evolução das taxas EURIBOR | Em percentagem

Fonte: European Money Markets Institute (EMMI).

As taxas negociadas no mercado por grosso no prazo overnight do segmento sem garantia, considerando os dados do money market statistical reporting (MMSR)14, reportados por bancos da área do euro, continuaram a apresentar uma taxa média ponderada em níveis inferiores à da facilidade de depósito, perto dos níveis observados para a €STR (Gráfico I.9.2 — Painel A). A €STR é uma taxa de obtenção de liquidez no segmento por grosso, que também se tem situado abaixo da taxa da facilidade de depósito, uma vez que reflete transações com entidades que não têm acesso a operações de política monetária, nomeadamente à facilidade de depósito, num ambiente de excesso de liquidez.

Relativamente às transações de obtenção de liquidez no segmento interbancário, a taxa média ponderada também continuou a situar-se em níveis inferiores à taxa da facilidade de depósito. Esta situação poderá ser explicada, entre outros fatores, pelo facto de se estarem a considerar bancos de fora da área do euro, que não têm acesso à facilidade de depósito do Eurosistema e obrigações contratuais face a clientes, que requerem que as instituições de crédito façam depósitos em instituições de crédito em outro país da área do euro, mesmo com taxas mais penalizadoras.

  1. Taxas do segmento sem garantia (esq.) e taxas do segmento com garantia (dir.), no mercado por grosso, com prazo overnight | Em percentagem

Painel A

Painel B

Fonte: BCE. | Notas: Discrepâncias entre a taxa de obtenção de liquidez no mercado por grosso e a €STR devem-se às especificidades do cálculo da €STR. Taxa média ponderada por período de manutenção de reservas mínimas. Séries ECB Data Portal (esq.): MMSR.B.U2._X._Z.S122._Z.U.BO.WR._X.MA._Z._Z.EUR._Z, MMSR.B.U2._X._Z.S1ZV._Z.U.BO.WR._X.MA._Z._Z.EUR._Z, FM.D.U2.EUR.4F.KR.DFR.LEV, EON.D.EONIA_TO.RATE e EST.B.EU000A2X2A25.WT. Séries ECB Data Portal (dir.): MMSR.B.U2._X._Z.S1ZV._Z.T.LE.WR._X.MA._Z._Z.EUR._Z, MMSR.B.U2._X._Z.S1ZV._Z.T.BO.WR._X.MA._Z._Z.EUR._Z e FM.D.U2.EUR.4F.KR.DFR.LEV.

No segmento com garantia (Gráfico I.9.2 — Painel B), as taxas continuaram a situar-se recorrentemente abaixo da taxa da facilidade de depósito, evidenciando a escassez de ativos de garantia no mercado, num contexto em que a procura por ativos de garantia (collateral-driven) — e não a necessidade de financiamento (liquidity-driven) — se revelou o principal fator de participação neste segmento de mercado. Em 2023, observou-se uma compressão do spread entre a taxa da facilidade de depósito e as taxas praticadas neste mercado, o que indica um alívio da escassez de ativos de garantia de elevada qualidade que caraterizou este mercado em 2022 (Caixa 5. Evolução recente do excesso de liquidez e impacto no mercado monetário). A atividade no mercado monetário do euro continua concentrada no segmento com garantia, que representa 79% do volume total transacionado.

Em termos da transmissão das subidas das taxas de juro diretoras do BCE às taxas de juro de obtenção de liquidez no mercado monetário, o segmento sem garantia permaneceu eficaz e com um nível de resposta imediato. No mercado com garantia, assistiu-se a uma melhoria da transmissão devido ao alívio da escassez de ativos de garantia de elevada qualidade.

No último ano, o segmento sem garantia registou um aumento do montante transacionado pelos bancos da área do euro nas operações de obtenção de liquidez com contrapartes no mercado por grosso (+31%) e no mercado interbancário (+34%), tendência observada desde o início da subida de taxas de juro diretoras em 2022 (Gráfico I.9.3 — Painel A). No mercado com garantia, verificou-se um crescimento da atividade de transações de obtenção (+11,6%) e de cedência (+7,8%) de liquidez (Gráfico I.9.3 — Painel B). As transações com prazos mais curtos (principalmente overnight), com uma quota superior a 78%, continuam a ser as mais representativas nos dois segmentos.

Em ambos os segmentos, verificou-se uma redução dos montantes transacionados no último período de manutenção do ano. Isto é possivelmente explicado pelo efeito de final de ano caraterístico do mercado monetário. Nestas datas de reporte, há uma maior aversão dos participantes de mercado em negociar montantes no mercado monetário por questões de gestão de balanço, influenciadas pelo enquadramento regulatório vigente. Ainda assim, este efeito revelou-se mais pronunciado no ano em análise do que em anos anteriores.

  1. Volume de obtenção de liquidez no segmento sem garantia (esq.) e volume no segmento com garantia (dir.) | Em milhões de euros

Painel A

Painel B

Fonte: BCE. | Nota: Volume total transacionado por período de manutenção de reservas mínimas. Séries ECB Data Portal (esq.): MMSR.B.U2._X._Z.S1ZV._Z.U.BO.TT._X.AA._Z._Z.EUR._Z e MMSR.B.U2._X._Z.S122._Z.U.BO.TT._X.AA._Z._Z.EUR._Z. Séries ECB Data Portal (dir.): MMSR.B.U2._X._Z.S1ZV._Z.T.LE.TT._X.AA._Z._Z.EUR._Z e MMSR.B.U2._X._Z.S1ZV._Z.T.BO.TT._X.AA._Z._Z.EUR._Z.

Atividade em Portugal

A evolução do mercado monetário em Portugal em 2023 continuou a ser caraterizada por um generalizado excesso de liquidez. Registou-se um aumento da atividade nos segmentos com e sem garantia e de derivados over-the-counter (OTC), que continua a ser o mais representativo em termos de montante total transacionado (Gráfico I.9.4).

Apesar do crescimento observado no ano, o volume total transacionado permanece significativamente inferior aos níveis observados antes da crise financeira. As instituições portuguesas não têm necessidade de procurar financiamento junto do mercado, participando esporadicamente em caso de oportunidade favorável e para colmatar necessidades pontuais de liquidez de curto prazo. Como resultado, os níveis atuais de negociação mantêm-se substancialmente abaixo dos observados ao longo da primeira década de existência do euro.

  1. Volume total transacionado e distribuição por segmentos do mercado monetário em Portugal | Em milhões de euros e em percentagem

Painel A

Painel B

Fonte: Banco de Portugal.

A atividade dos segmentos sem e com garantia aumentou principalmente através de operações de obtenção de liquidez. No que diz respeito à estrutura por maturidades, os dados revelam uma preferência pelas transações por prazos mais curtos.

O volume total do segmento de derivados OTC aumentou ligeiramente em 2023. Esse montante é distribuído sobretudo entre FX swaps e forwards e interest rate swaps.

  1. Evolução da Euribor (e perspetivas)

Em 2023, as taxas Euribor ascenderam até níveis próximos dos máximos registados entre 2007 e 2008 (Gráfico C6.1). Desde o início do ciclo de subidas das taxas de juro diretoras pelo BCE, em julho de 2022, as taxas Euribor subiram entre 250 e 400 pontos base consoante os seus diversos prazos.

Publicada pela primeira vez em 30 de dezembro de 1998 — alguns dias antes da introdução do euro — a Euribor é um índice de referência (benchmark) do mercado monetário do euro, sendo calculada pelo European Money Market Institute (EMMI) para os seguintes prazos: uma semana e um, três, seis e doze meses. O índice mede a taxa a que os fundos podem ser obtidos pelas instituições de crédito em euros no mercado monetário sem garantia, nos atuais e antigos países da UE e da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA).

  1. Evolução histórica das taxas Euribor, MRO e DFR | Em percentagem

Fonte: Bloomberg.

Até à crise financeira global, o BCE atuava sobre as taxas de juro de curto prazo através de um sistema de corredor, delimitado pelas duas taxas praticadas nas facilidades permanentes MLF (limite superior) e DFR (limite inferior), cabendo à MRO o papel mais relevante na sinalização da orientação da política monetária. No entanto, as medidas de caráter não convencional prosseguidas pelo Eurosistema — especialmente a partir de 2014 — entre as quais se destacam as operações de refinanciamento de prazo alargado e as compras de ativos, conduziram a um aumento significativo da liquidez disponível no sistema bancário. Em resultado, as taxas de juro de curto prazo do mercado monetário — entre elas a Euribor — deixaram de se situar na vizinhança da taxa da MRO — até então a âncora do sistema de implementação da política monetária — e convergiram para a DFR, que tem sido, desde então, a taxa de política mais relevante na sinalização da orientação da política monetária15.

Os valores máximos das taxas Euribor em 2023 foram atingidos a partir do final de setembro, na sequência da última subida das taxas de juro diretoras (em 25 pontos base). A taxa Euribor relativa ao prazo de 12 meses foi a que registou o valor mais eleva do (4,228% a 1 de outubro), seguida dos prazos a 6 meses (4,143% a 18 de outubro), 3 meses (4,002% a 18 de novembro) e 1 mês (3,893% a 1 de novembro). De janeiro a setembro, as taxas Euribor subiram entre 90 e 200 pontos base acompanhando, em diferentes medidas, a subida da DFR (Gráfico C6.2).

  1. Evolução das taxas Euribor e da DFR em 2023 | Em percentagem

Fonte: EMMI e Banco de Portugal.

A turbulência nos mercados financeiros, em março de 2023, associada à instabilidade do setor bancário nos EUA e na Suíça, repercutiu-se na descida das taxas Euribor, entre 10 e 70 pontos base até meio do mês. Contudo, em abril, houve uma reversão completa desta quebra, à exceção da taxa relativa ao prazo a 12 meses, que só em junho ultrapassou os 4%.

Pouco antes do último aumento das taxas diretoras pelo BCE, ocorrido em setembro, as taxas Euribor a 6 e 12 meses ultrapassaram os 4%, mantendo-se estabilizadas neste nível até ao final de novembro. A partir desse mês, a taxa a 12 meses iniciou uma trajetória descendente e, no final do ano, registava o valor mais baixo face aos restantes prazos: 3,513% — um recuo até aos valores registados em abril. Também a taxa a 6 meses terminou o ano em níveis inferiores à taxa a 3 meses (3,861% e 3,909%, respetivamente). Esta evolução, implícita nos contratos de futuros da Euribor com referência ao dia 29 de dezembro de 2023, era determinada pela expetativa dos agentes de mercado de que a redução das taxas de juro diretoras do BCE se iniciasse ainda durante o primeiro semestre de 2024 (Gráfico C6.3).

Atendendo à importância sistémica da Euribor, a taxa foi declarada um benchmark crítico pela Comissão Europeia, em 2016. Em Portugal, parte significativa dos empréstimos bancários tem associada taxas variáveis, indexada à Euribor (v.g., no final de 2023, cerca de ¾ dos contratos de empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente estavam indexados à taxa Euribor), para além de servir de referência para o cálculo das taxas de empréstimos sindicados, emissões de dívida de taxa variável e outros instrumentos financeiros. A fim de garantir que a taxa Euribor mantém a sua robustez e conformidade com a regulamentação aplicável (Benchmark Regulation, ou BMR), a respetiva metodologia de cálculo é objeto de revisão periódica por parte da entidade administradora (EMMI). Está atualmente em curso um desses processos de revisão, que deverá estar concluído até ao verão de 2024, não se antecipando quaisquer impactes notórios no nível e volatilidade do índice.

  1. Futuros da taxa Euribor a 3 meses | Em percentagem

Fonte: Bloomberg.

A Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (European Securities and Markets Authority, ESMA) é, desde 1 de janeiro de 2022, a entidade responsável pela supervisão dos administradores de índices de referência críticos da UE e dos administradores de países terceiros reconhecidos pela UE ao abrigo do BMR. No caso da Euribor, o acompanhamento é realizado através do respetivo Colégio de Supervisores, no qual têm assento, no caso de Portugal, a Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM) e o Banco de Portugal.