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Relatório Anual sobre a Exposição do Setor Bancário ao Risco Climático — 2024

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Sumário executivo

A temperatura média global da superfície terrestre em 2023 — o ano mais quente de que há registo — situou-se 1,45° C acima da média de 1850–1900 (WMO, 2024). A evidência científica aponta para que a temperatura global se esteja a aproximar do limite de longo prazo definido no Acordo de Paris de 1,5º C acima dos níveis pré-industriais, e se encontre numa trajetória de aumento, até ao final do século, para aproximadamente 3° C (UN, 2023). Em 2023, registaram-se também vários eventos climáticos extremos que, segundo a Agência Europeia do Ambiente, se estão a tornar mais frequentes e mais severos.

A emissão de gases com efeito de estufa (GEE) é a principal causa das alterações climáticas (IPCC, 2023). Sendo uma externalidade global negativa, o funcionamento dos mercados não permite garantir uma afetação eficiente dos recursos, tornando-se necessário adotar medidas corretivas. Como tal, a resposta às alterações climáticas é, em primeiro lugar e principalmente, uma responsabilidade dos governos, por disporem da legitimidade e dos instrumentos mais eficazes para lidar com as causas do problema.

Do ponto de vista da estabilidade financeira, as alterações climáticas constituem uma fonte de risco para a economia e para o sistema financeiro, influenciando, por isso, a execução dos mandatos dos bancos centrais e das autoridades de supervisão do setor financeiro. O Banco de Portugal, enquanto entidade responsável pela preservação da estabilidade do sistema financeiro nacional, acompanha a relevância dos riscos climáticos para o sistema bancário através de várias atividades de monitorização e de supervisão.

Este relatório apresenta a avaliação da exposição, da resiliência e do esforço de adaptação do sistema bancário português aos riscos climáticos com referência ao ano civil de 2023, dando assim também cumprimento ao mandato previsto no n.º 7 do artigo 35.º da Lei de Bases do Clima.

Os riscos climáticos — físicos e de transição — transmitem-se à economia real e ao sistema financeiro através de mecanismos de grande complexidade. Este relatório apresenta evidência da exposição do sistema bancário a estes riscos, com base em indicadores e no desenvolvimento de cenários climáticos.

No que respeita aos riscos climáticos físicos, o setor bancário português apresenta uma exposição significativa a empresas localizadas em áreas vulneráveis à materialização de riscos de stress hídrico, stress térmico e incêndios, e em menor medida, a inundações. As novas operações de empréstimos concedidos às empresas não evidenciam alterações significativas (de agravamento ou de ajustamento) na exposição do setor bancário.

A análise da interação dos riscos físicos — incluindo a exposição simultânea aos riscos físicos mais relevantes ou a sua distribuição setorial — com o risco de crédito também não indicia a existência de riscos acrescidos de concentração. A distribuição da carteira de crédito concedido às empresas por nível de risco físico mostra alguma heterogeneidade na exposição das instituições.

A utilização de indicadores baseados na intensidade carbónica evidencia que a exposição do setor bancário aos riscos de transição, por via da carteira de empréstimos concedidos às empresas, é limitada e, em termos gerais, apresenta uma tendência de decréscimo ao longo da última década. Estes indicadores colocam Portugal numa posição intermédia na área do euro, onde também se tem verificado uma tendência de redução da intensidade carbónica da carteira de crédito bancário a empresas.

A intensidade carbónica ponderada pelo valor dos empréstimos concedidos supera a intensidade carbónica média da economia, indicando que o peso dos setores mais intensivos em carbono na carteira de empréstimos é superior ao seu peso no valor acrescentado bruto (VAB) total das empresas, facto também observado na área do euro. Em termos de setores da atividade, identificam-se focos de vulnerabilidade ao risco de transição na agricultura e nas utilities, para os quais se identifica uma pegada carbónica elevada e crescente, e nos transportes, que regista uma proporção elevada de empréstimos na classe de maior risco de crédito, embora apresentando uma trajetória de descida.

A exposição do setor bancário via crédito aos setores mais intensivos em carbono e a que corresponde também um maior risco de crédito representa cerca de 5% do total de empréstimos a empresas. Não se verifica, assim, uma concentração de empréstimos com maior risco de crédito nos setores que tenderão a ser mais afetados negativamente pelo processo de transição climática. Estes resultados sugerem que a probabilidade de ocorrência conjunta de risco climático de transição e de risco de crédito é limitada, tendo vindo a apresentar uma tendência de redução.

A avaliação de cenários climáticos — que não constituem previsões da evolução das variáveis, mas sim projeções plausíveis sob determinados pressupostos — permite capturar as interações entre riscos climáticos, a economia real e o setor financeiro para diferentes escolhas de política.

A análise de diferentes cenários de transição climática requer informação com elevada granularidade, incorporando elementos de heterogeneidade ao nível das empresas sobre (i) as emissões de GEE, (ii) a exposição a eventos de risco climático, e (iii) a situação financeira. O exercício desenvolvido neste relatório recorre a um modelo de microdados para estimar os efeitos dos cenários de transição climática na rendibilidade e no endividamento das empresas e, de seguida, identificar o impacto nas probabilidades de incumprimento (PD) e nas perdas esperadas dos bancos.

A edição de 2023 deste relatório avaliou, num horizonte de longo prazo (2050), o impacto de diferentes cenários climáticos no risco de crédito da exposição do sistema bancário a empresas. As conclusões apontaram para benefícios claros, sob a perspetiva do sistema bancário, de uma atuação rápida na redução de emissões. Como então foi também sublinhado, existem custos relacionados com o início do processo de transição climática e, assim, um trade-off entre os custos associados a medidas de política de transição climática e os custos de longo-prazo decorrentes da ausência de medidas adicionais.

Num contexto de maior necessidade de ação climática, este relatório compara, num horizonte de médio prazo (2030), o cenário “Transição acelerada”, caraterizado pela introdução de medidas mais intensas e concentradas no tempo, com o cenário “Políticas atuais”, de ausência de medidas adicionais que promovam a transição climática.

No horizonte de análise de 2023 a 2030, e traduzindo a existência de custos iniciais do processo de transição climática, o risco de crédito das empresas é maior no cenário de “Transição acelerada” do que no cenário “Políticas atuais”, refletindo (i) custos de energia mais elevados, em resultado da introdução de impostos sobre as emissões de GEE, e (ii) um maior endividamento das empresas, decorrente do investimento associado à transição climática. A evolução do risco de crédito evidencia focos de vulnerabilidade setoriais, destacando-se o aumento mais acentuado do risco de crédito nos setores dos combustíveis fósseis, dos transportes e intensivos em energia. As perdas esperadas dos bancos também são superiores, no horizonte de 2030, num cenário de transição acelerada do que no cenário de manutenção das políticas climáticas.

Estes resultados não colocam em causa, naturalmente, os benefícios, sob a perspetiva do sistema bancário, de uma atuação rápida na redução de emissões, como evidenciado na edição de 2023 deste relatório. A análise agora apresentada contribui, através do cenário “Transição acelerada”, para uma melhor caraterização — em termos de perfil temporal e de possível magnitude — dos custos de ajustamento para o setor bancário de um processo de transição climática mais intenso e concentrado no tempo. É importante que o setor bancário esteja em condições de identificar, quantificar e absorver estes custos.

O impacto na carteira dos bancos do cenário de “Transição acelerada” é próximo, em termos qualitativos e quantitativos, do obtido pelo BCE para a área do euro. Os resultados — que devem ser tidos em conta no processo de gestão de risco das instituições, precavendo a eventualidade de uma transição climática mais intensa e concentrada no tempo — evidenciam a importância de uma atuação tempestiva por parte do setor bancário.

Este relatório apresenta também informação sobre a forma como as instituições de crédito estão a incorporar estes riscos de forma a assegurar a sua resiliência e a sustentabilidade do seu modelo de negócio. A efetiva adoção das expetativas de supervisão definidas pelo BCE e pelo Banco de Portugal constitui um elemento central no processo de gestão do risco por parte das instituições de crédito.

O Mecanismo Único de Supervisão (MUS) é o sistema de supervisão bancária que integra o Banco Central Europeu (BCE) e as Autoridades Nacionais Competentes (ANC) dos países da área do euro, incluindo o Banco de Portugal. O MUS tem como objetivos garantir a segurança e a solidez do sistema bancário europeu, promover a integração e a estabilidade financeira na Europa e assegurar uma supervisão coerente, alicerçada na partilha de conhecimentos entre as autoridades nacionais participantes e o BCE.

Na sua qualidade de supervisor bancário integrado no MUS, o Banco de Portugal participa nos trabalhos de aperfeiçoamento do modelo de supervisão prudencial. Este processo tem em conta a evolução das principais vulnerabilidades e a identificação dos riscos materiais a que as instituições supervisionadas estão expostas. Os riscos climáticos e ambientais constituem uma das três prioridades prudenciais do MUS para o período de 2024 a 2026.

As instituições de crédito significativas estão sujeitas à supervisão prudencial do BCE, correspondendo a 76% da atividade bancária em Portugal. A supervisão prudencial das instituições de crédito menos significativas encontra-se atribuída ao Banco de Portugal, num quadro de implementação descentralizada de competências que, em última instância, são do BCE.

Com a inclusão dos riscos climáticos e ambientais nas prioridades de supervisão, pretende-se que as instituições supervisionadas incorporem e mitiguem, de forma efetiva, estes impactos na sua estratégia de negócio, no seu governo interno e nas suas políticas de gestão de risco, melhorando também a qualidade da informação disponível publicamente.

O BCE e o Banco de Portugal definiram expetativas de supervisão prudenciais sobre riscos climáticos e ambientais, respetivamente em novembro de 2020 e em abril de 2021. Ambos os supervisores estabeleceram datas-limite para que as instituições supervisionadas implementem, de forma efetiva e abrangente, as políticas e os procedimentos previstos nessas expetativas. No caso das instituições significativas, foi definido um calendário faseado e estabelecida a data de final de 2024 para o alinhamento integral com as expetativas de supervisão. As instituições menos significativas têm um ano adicional para atingir o mesmo objetivo.

No âmbito das suas atividades regulares de supervisão, o BCE e o Banco de Portugal têm acompanhado o nível de implementação pelo sistema bancário das expetativas de supervisão prudenciais sobre riscos climáticos e ambientais.

No que se refere às instituições significativas, as análises do BCE apontam para um progresso gradual ao longo dos últimos anos, embora permaneçam, em alguns casos, deficiências severas, que necessitam de ser endereçadas no curto prazo. Neste sentido, o BCE comprometeu-se publicamente a utilizar medidas de supervisão gradualmente mais severas para incentivar a integração efetiva e abrangente dos riscos climáticos e ambientais no dia a dia da gestão bancária.

Com referência a 2023, o Banco de Portugal concluiu que o universo das instituições de crédito menos significativas tem registado progressos na identificação e na mitigação da exposição aos riscos climáticos, subsistindo ainda desconformidades importantes em áreas críticas e prioritárias. As instituições precisam de intensificar — de forma faseada, mas célere — os esforços, os recursos e as competências para convergirem para a necessária conformidade. A gestão dos riscos climáticos e ambientais deve integrar de forma plena as matérias de governo interno e os processos de gestão de riscos das instituições de modo que seja possível identificar, aferir e mitigar os seus impactos.

Este relatório apresenta uma resenha das principais iniciativas de regulação e de supervisão desenvolvidas a nível internacional. Tendo em conta a relevância crescente na agenda internacional dos riscos relacionados com a natureza (riscos climáticos e riscos ambientais), apresenta também os principais canais de transmissão destes riscos para a economia real e para a economia financeira.

O BCE e o Banco de Portugal reconhecem várias limitações na análise dos efeitos climáticos e ambientais no setor bancário, que deverão ser progressivamente mitigadas com a concretização de iniciativas de regulação e de supervisão a nível global.

Introdução

O presente relatório apresenta a avaliação do Banco de Portugal da exposição, da resiliência e do esforço de adaptação do sistema bancário aos riscos climáticos. Este relatório permite também dar cumprimento ao n.º 7 do artigo 35.º da Lei de Bases do Clima, Lei n.º 98/2021 de 31 de dezembro.

A emissão de gases com efeito de estufa (GEE) é a principal causa das alterações climáticas (IPCC, 2023). Sendo uma externalidade negativa, o funcionamento dos mercados não permite garantir uma afetação eficiente dos recursos, pelo que se torna necessário adotar medidas corretivas. Como tal, a resposta às alterações climáticas é, em primeiro lugar e principalmente, uma responsabilidade dos governos, por disporem da legitimidade e dos instrumentos mais eficazes para lidar com as causas do problema.

Do ponto de vista da estabilidade financeira, as alterações climáticas constituem uma fonte de risco para a economia e para o sistema financeiro, influenciando, por isso, a execução dos mandatos dos bancos centrais e das autoridades de supervisão financeira. O Banco de Portugal acompanha os riscos climáticos para o sistema bancário através de quatro atividades principais: (i) a análise dos riscos financeiros decorrentes das alterações climáticas, (ii) a avaliação da exposição e da resiliência do sistema bancário português a estes riscos, (iii) a adequação dos instrumentos e das atividades de supervisão para, no âmbito da participação do Banco no MUS, promover a resiliência do setor bancário ao longo do processo de transição climática e (iv) a participação em instâncias nacionais e internacionais nas quais são debatidas iniciativas com potencial impacto no sistema bancário.

O capítulo 1 deste relatório, de enquadramento, apresenta (i) factos sobre as alterações climáticas, a nível global, na União Europeia e em Portugal, (ii) os principais mecanismos de transmissão dos riscos climáticos — físicos e de transição — para o sistema bancário, e (iii) a metodologia conceptual que tem sido utilizada pelas principais organizações internacionais na análise dos riscos para o sistema bancário resultantes das alterações climáticas.

O capítulo 2 procede a uma avaliação dos riscos climáticos para o sistema bancário, com foco no risco de crédito da exposição do sistema bancário às sociedades não financeiras. Apresenta indicadores de exposição do sistema bancário português aos riscos físicos e de transição e analisa cenários climáticos.

O capítulo 3 apresenta as principais atividades do MUS na abordagem aos riscos climáticos e ambientais. Reveste-se de especial importância o acompanhamento microprudencial — para as instituições de crédito significativas e para as menos significativas — do grau de implementação das expetativas de supervisão definidas pelo MUS e pelo Banco de Portugal para a identificação e gestão dos riscos climáticos e ambientais por parte das instituições supervisionadas. Na qualidade de supervisor bancário integrado no MUS, o Banco de Portugal participa nos trabalhos de aperfeiçoamento do modelo de supervisão prudencial, visando uma maior resiliência das instituições supervisionadas no decurso do processo de transição climática.

O Banco de Portugal participa em várias organizações internacionais, como sejam, a Network for Greening the Financial System, o Conselho de Estabilidade Financeira, o Comité Europeu de Risco Sistémico, a Autoridade Bancária Europeia e, naturalmente, o Banco Central Europeu, que desenvolvem atividades para abordar os desafios que as alterações climáticas colocam a reguladores, supervisores e ao sistema bancário. O capítulo 4 apresenta uma resenha das principais iniciativas de regulação e de supervisão a nível internacional, cujo âmbito se tem alargado progressivamente de riscos climáticos para riscos relacionados com a natureza. Esse capítulo apresenta a metodologia conceptual adotada pelas principais organizações internacionais para avaliar a forma como os riscos relacionados com a natureza podem afetar o sistema bancário.

Enquadramento

Alterações climáticas: alguns factos

Os últimos dados científicos divulgados pelos principais organismos internacionais (CCCS, 2024; IPCC, 2023; UN, 2023; WMO, 2024)1 confirmam que o ano de 2023 foi o ano mais quente de que há registo. Em 2023, a temperatura média global da superfície terrestre situou-se 1,45° C acima da média de 1850–1900 (WMO, 2024). O aumento de longo prazo da temperatura global é atribuído sobretudo ao aumento das concentrações de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera.

Desde 1980, cada década tem sido sucessivamente mais quente do que a anterior, como mostra o gráfico I.1.1 que apresenta estimativas de anomalia de temperatura2 para seis bases de dados diferentes (WMO, 2024). Segundo a WMO, os últimos nove anos — de 2015 a 2023 — foram os mais quentes de que há registo, tendo o ano de 2023 ultrapassado os dois anos mais quentes de sempre (2016 e 2020). Os primeiros cinco meses de 2024 também registaram temperaturas acima das observadas no mesmo período em 20233. Há, assim, evidência de uma anomalia da temperatura positiva face à média do período pré-industrial (1850–1900)4.

  1. Anomalia da temperatura média anual da superfície terrestre (em relação a 1850–1900) de 1850 a 2023, em °C

Fonte: WMO (2024). | Nota: O gráfico apresenta as estimativas de anomalia de temperatura tendo em conta as seguintes bases de dados: HadCRUT.5.0.2.0; NOAAGlobalTemp-Interim v5.1; GISTEMP v4; Berkeley Earth; JRA-55; ERA5. A descrição detalhada destas bases de dados encontra-se disponível no relatório WMO (2024), pp. 38.

A maioria das áreas terrestres registou, no ano de 2023, temperaturas acima da média de 1991–2020 (Figura I.1.1). Este fenómeno verificou-se, sobretudo, em vastas extensões do norte do Canadá, centro dos Estados Unidos, México, parte da América do Sul, Europa e partes do norte de África e Médio Oriente, Ásia Central e Extremo Oriente.

  1. Anomalias médias de temperatura da superfície terrestre em 2023 face à média do período 1991 a 2020

Fonte: WMO (2024).

Em 2023 ocorreram também desenvolvimentos muito significativos noutras dimensões climáticas (CCCS, 2024 e WMO, 2024), como as concentrações de GEE na atmosfera, a temperatura e acidificação dos oceanos, a variação do nível da água do mar, a extensão do gelo marinho e a alteração da massa dos glaciares. A título de exemplo, a concentração de GEE na atmosfera atingiu o nível mais elevado de que há registo; as temperaturas médias globais da superfície do mar mantiveram-se elevadas, tendo atingido níveis máximos no período de abril a dezembro de 2023; o gelo marinho na Antártida atingiu, em fevereiro de 2023, extensões mínimas em relação à média histórica entre 1991 e 2020.

Os eventos climáticos extremos têm tido impactos socioeconómicos significativos. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, as perdas económicas resultantes de eventos climáticos e meteorológicos têm apresentado uma tendência crescente, em linha com a maior frequência e intensidade desses eventos5. São disso exemplo as inundações sem precedentes registadas na Eslovénia, em agosto de 2023, que geraram prejuízos equivalentes a cerca de 16% do PIB (EEA, 2024) e as inundações, em maio de 2024, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, que afetaram cerca de dois milhões de pessoas e que, de acordo com as Nações Unidas, foi considerado o maior desastre climático de sempre no sul do Brasil. De assinalar também o nível “extremamente alto” de dois incêndios florestais: no Canadá, em particular entre maio e outubro de 2023, que provocou uma intensa nuvem de fumo que em junho desse ano atingiu a Europa; na Grécia, entre julho e agosto de 2023, cuja magnitude foi a maior de que há registo na União Europeia (CCCS, 2024). Adicionalmente, a seca severa que afetou o Canal do Panamá levou a uma diminuição significativa do número de passagens diárias de navios permitidas, com consequências graves na cadeia de comércio mundial6.

Europa

A temperatura média na Europa no período de 2018 a 2022 foi cerca de 2,2° C mais elevada do que o nível pré-industrial (1850–1990) (EEA, 2024), enquanto a temperatura à escala mundial no mesmo período foi 1,2° C acima do nível pré-industrial. A Europa é o continente que registou o aquecimento mais rápido naquele período (EEA, 2024) (Figura I.1.2). Verificou-se, em particular, um aquecimento significativo no norte da Europa, traduzindo-se principalmente num aumento das temperaturas no inverno.

  1. Aquecimento mais elevado na Europa face ao aquecimento global

Fonte: EEA (2024). | Nota: Tendência da temperatura média anual do ar na Europa expressa como múltiplos da tendência da temperatura média anual global entre 1950 e 2023. Assim, a figura sugere que a taxa observada de aumento da temperatura média anual em certas regiões da Europa é mais de duas vezes e meia superior ao aumento da temperatura média global no período entre 1950 e 2023.

O calor extremo está a verificar-se com maior frequência e os padrões de precipitação estão a alterar-se. As chuvas intensas e outros eventos de precipitação extrema estão a tornar-se mais frequentes e severos (EEA, 2024). Nos últimos anos ocorreram inundações sem precedentes em várias regiões europeias. Em 2023, por exemplo, registaram-se grandes inundações em Itália (maio), Noruega e Suécia (agosto), Eslovénia (agosto, como já referido), Grécia (setembro), Reino Unido e Irlanda (novembro) (Secção 2.1). A Europa está a registar um aumento da precipitação, embora o padrão seja muito heterogéneo entre regiões. O degelo dos glaciares na Europa foi significativo, tendo-se registado uma diminuição do volume de gelo dos glaciares suíços de cerca de 10% nos dois últimos anos (WMO, 2024).

Algumas regiões na Europa são suscetíveis a múltiplos riscos climáticos (EEA, 2024). As inundações têm constituído o evento de risco físico com maior relevância para o espaço europeu, em particular na Europa Central e do Norte, sendo que a erosão e a intrusão de água salgada representam ameaças para várias regiões costeiras da Europa, incluindo cidades densamente povoadas (Secção 2.1). O sul da Europa encontra-se especialmente vulnerável aos riscos de incêndios florestais, bem como aos impactos do calor e da escassez de água.

Portugal

No que diz respeito a Portugal, as alterações climáticas no território continental — tendo em conta a evolução da temperatura média — têm registado uma grande heterogeneidade regional.

  1. Variação anual média da temperatura em Portugal continental para o período 1950–2023

Fontes: E-OBS (Haylock et al., 2008; Cornes et al., 2018) e cálculos do Banco de Portugal. Para mais informação ver (Banco de Portugal, 2022). 
| Notas: média da variação anual da temperatura média anual, em °C por ano para o período 1950-2023. A escala da cor vermelha não tem correspondência com a escala apresentada na figura I.1.2 relativa à Europa.

A figura I.1.3 representa a média da variação anual da temperatura em Portugal continental durante o período 1950–2023, para cada uma das células definidas na base de dados E-OBS7. O aumento da temperatura foi maior sobretudo no nordeste do país e menos intenso no litoral centro. Verificou-se, tal como em grande parte do espaço europeu, um aumento significativo da temperatura média anual entre 2020 e 2023, com maior intensidade naquelas regiões e também em toda a faixa interior do país.

Conclusão

Para além da evidência de a temperatura global se estar a aproximar do limite de longo-prazo de 1,5° C a 2° C definido no Acordo de Paris8, os dados científicos sugerem ainda que o planeta se encontra numa trajetória de aumento da temperatura até ao final do século de aproximadamente 3° C acima do nível do período pré-industrial (UN, 2023). Para limitar o aquecimento global a 1,5° C, o IPCC (IPCC, 2023) indica a necessidade de atuar tempestivamente já nesta década, com uma redução das emissões de GEE de 43% até 2030 e de 60% até 2035 face aos níveis de 20199.

A trajetória de continuação das atuais políticas de resposta às alterações climáticas não parece, assim, suficiente para atingir a neutralidade carbónica até 2050 (IMF, 2023)10. O Fundo Monetário Internacional (FMI) defende, nesse relatório, que são necessárias medidas imediatas, a nível global, para reduzir os riscos climáticos, tanto através de cortes rápidos das emissões de GEE, como de políticas e ações robustas de adaptação às alterações climáticas.

As principais organizações internacionais são unânimes na constatação de que as emissões de GEE são a principal causa do aumento da temperatura global. O relatório do United Nations Environment Programme (UN, 2023) sublinha ainda a necessidade de os países mais desenvolvidos porem em prática ações para apoiar os países em desenvolvimento na sua trajetória para um crescimento económico com baixas emissões. O desafio global das alterações climáticas requer, assim, ações robustas e a cooperação entre os países11.

Alterações climáticas: riscos para a estabilidade financeira

Riscos climáticos12

As alterações climáticas configuram uma fonte de riscos para a economia e para as instituições de crédito. Estes riscos são de natureza muito variada e, por isso, constituem uma fonte potencial de risco sistémico para o sistema financeiro. Os riscos financeiros associados às alterações climáticas são habitualmente associados a duas grandes categorias — riscos físicos e riscos de transição — podendo ser exacerbados por riscos de litigância decorrentes de ações judiciais relacionadas com fatores climáticos.

Os riscos físicos estão associados à ocorrência com maior frequência e intensidade de eventos climáticos. Compreendem os riscos agudos, como sejam os incêndios, as inundações, as ondas de calor e as tempestades, e os riscos crónicos associados aos efeitos de longo-prazo gradualmente induzidos pelas alterações climáticas, como sejam o stress hídrico, o stress térmico, as mudanças nos padrões de precipitação e a subida do nível da água do mar (Figura I.1.4).

Os riscos de transição resultam da trajetória de ajustamento e da velocidade de transformação para uma economia sustentável de baixo carbono. Incluem, por exemplo, os riscos associados ao impacto da adoção de políticas públicas visando emissões net-zero, alterações tecnológicas com impacto no mix e preço das diferentes fontes de energia e alteração das preferências dos consumidores com reflexo na procura (Figura I.1.4).

Mecanismos de transmissão dos riscos climáticos para o setor bancário

A materialização dos riscos climáticos tem impacto nas instituições de crédito: de uma forma direta, devido a danos nas infraestruturas e perturbações do desenvolvimento das operações; e, de uma forma indireta, através das suas contrapartes, dos ativos financeiros e dos mercados onde atuam. Estes riscos manifestam-se nas categorias “tradicionais” de riscos prudenciais (riscos de crédito, de mercado, operacional e de liquidez). Os mecanismos pelos quais os riscos climáticos afetam o sistema bancário são de grande complexidade, impactando de forma diferenciada o sistema financeiro e, em geral, a economia real. Essa transmissão dos riscos climáticos encontra-se dependente das políticas económicas adotadas e dos horizontes temporais para a sua concretização.

As organizações internacionais (BCBS, 2021, NGFS, 2019) identificam mecanismos de transmissão de natureza micro (e.g., impacto na rendibilidade das contrapartes, desvalorização de ativos, custos legais e de compliance) e de natureza macro (e.g., impacto na produtividade, PIB) que permitem compreender os possíveis efeitos das alterações climáticas nos agentes económicos (famílias, empresas, instituições financeiras) e nos principais agregados económicos (Figura I.1.4)13.

Os efeitos climáticos apresentam heterogeneidade ao nível dos agentes económicos (famílias, empresas, instituições financeiras) e diferentes geografias. No caso concreto das instituições de crédito, a intensidade e magnitude dos efeitos é influenciada por vários fatores, como a localização geográfica da instituição, dos ativos (incluindo os recebidos em garantia nos empréstimos) e das contrapartes (bem como da sua cadeia de valor e os seus mercados de atuação), tendo presente que uma mesma localização pode estar exposta a vários fenómenos de riscos físicos. Também a heterogeneidade da atividade desenvolvida pelas contrapartes coloca riscos (de transição) distintos.

Os efeitos finais no setor bancário resultam da combinação de fatores amplificadores e de fatores mitigantes que, respetivamente, aumentam ou diminuem o efeito combinado das várias fontes de riscos climáticos. As interações entre riscos climáticos, o seu impacto na economia real e a propagação destes efeitos pelos vários segmentos do sistema financeiro, constituem elementos de amplificação. A adoção de comportamentos de redução dos riscos climáticos pelos agentes económicos (famílias, empresas, instituições financeiras) — incluindo, no caso dos bancos, a implementação de estratégias de diversificação de exposições — e a cobertura de perdas associadas a incidentes climáticos pelo setor segurador constituem elementos de mitigação.

  1. Riscos financeiros associados às fontes de risco climático

Fonte: BCBS (2021) (adaptado).

Avaliação da exposição do sistema bancário aos riscos climáticos: métricas
A monitorização dos riscos climáticos — físicos e de transição — relevantes para a estabilidade financeira requer a quantificação de fatores climáticos e do seu impacto nas atividades produtivas e no sistema financeiro.

A secção 2.1 deste relatório apresenta uma análise da exposição do setor bancário aos riscos físicos associados à exposição de crédito a empresas14, tendo em conta a potencial materialização de seis fenómenos ou eventos climáticos — stress hídrico, stress térmico, incêndios, inundações, subida do nível da água do mar e furacões. Para o efeito, utilizam-se diferentes métricas para identificação da concentração de exposição a riscos físicos.

Em particular, aquela secção avalia (i) o contributo das novas operações de crédito a empresas para a exposição do setor bancário aos riscos físicos; (ii) a exposição do setor bancário a empresas vulneráveis cumulativamente a stress hídrico, stress térmico e incêndios; (iii) os setores de atividade mais expostos, simultaneamente, aos riscos físicos e risco de crédito e (iv) a distribuição do crédito concedido às empresas, individualmente por cada banco, para cada nível de risco físico.

A secção 2.2 deste relatório avalia, considerando vários indicadores baseados na intensidade carbónica, a exposição do setor bancário aos riscos de transição, por via dos empréstimos concedidos a empresas. Esta análise é complementada pela quantificação das exposições a setores de atividade relevantes do ponto de vista climático e do risco de crédito associado.

 

Avaliação da exposição do sistema bancário aos riscos climáticos: análise de cenários

A propagação dos riscos climáticos na economia e no setor financeiro pode ser captada através de análises de cenários, permitindo a quantificação dos impactos de diferentes combinações de riscos físicos e de transição na situação financeira dos bancos e das respetivas contrapartes. As especificidades dos riscos associados às alterações climáticas — nomeadamente a elevada incerteza dos seus efeitos, a elevada complexidade nos mecanismos de transmissão para a economia real e para o sistema financeiro, a dependência direta das políticas económicas que forem sendo adotadas, e os horizontes temporais dilatados associados à concretização destes efeitos — tornam especialmente relevante a utilização de cenários para analisar esses impactos.

Os resultados do exercício apresentado na edição de 2023 deste relatório revelaram um trade-off entre os custos de curto/médio prazo associados à transição para uma economia de baixo carbono e o impacto negativo da materialização no longo prazo dos riscos físicos num cenário de inação (i.e. na ausência de medidas adicionais de transição). O trade-off em causa constitui um desafio central na estratégia a adotar para fazer face aos riscos das alterações climáticas. Por um lado, os benefícios da transição no curto/médio prazo apenas serão observáveis no longo prazo. Por outro lado, o adiamento de medidas de transição efetivas implica um aumento da manifestação de eventos de riscos físicos no longo prazo (mais frequentes e severos).

A avaliação apresentada no relatório anterior evidenciou que a introdução de novas medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas implica custos no curto/médio prazo para a economia, constituindo uma fonte de risco para a estabilidade financeira. Contudo, conclui-se também que o aumento do risco de crédito no curto/médio prazo associado à introdução de medidas de transição climática é inferior ao acréscimo de risco de crédito no longo prazo associado a um cenário sem medidas de transição adicionais.

Assim, a avaliação dos custos de transição de curto/médio prazo é relevante para as instituições de crédito, por permitir antever os eventuais impactos associados às medidas de transição, e permitir a adequada gestão destes riscos. A secção 2.3. do presente relatório recorre, à semelhança da edição do ano passado, à análise de cenários climáticos, apresentando-se nesta edição um cenário de médio prazo (2023–2030).

O contexto de acrescida urgência climática e o desalinhamento com uma trajetória de emissões de GEE compatível com os objetivos de longo prazo preconizados no Acordo de Paris (secção 1.1) tornam, de acordo com o FMI, mais premente a aceleração de medidas e o encurtamento do período temporal de ajustamento. A urgência de agir nesta década ficou expressa nas conclusões da COP2815. Também na COP28, os resultados do primeiro exercício de Balanço Global do Acordo de Paris refletem a necessidade de acelerar os atuais esforços de transição, traduzindo-se na necessidade de atualização das Nationally Determined Contributions até 2025.

O encurtamento do período de ajustamento acarreta, por oposição a uma transição mais gradual e ordenada, a concentração de efeitos potencialmente materiais num período mais curto de tempo face a benefícios que tenderão a materializar-se em horizontes temporais mais longínquos. Quanto maior o adiamento da transição para uma trajetória compatível com os compromissos assumidos, mais significativa tenderá a ser a incidência e magnitude tanto dos riscos físicos, pela continuação da trajetória de aumento das emissões de GEE, como dos riscos de transição, na medida em que o encurtamento do período de ajustamento intensifica a urgência de implementar políticas mais gravosas (e.g., aumento mais abrupto e significativo do preço do carbono e, consequentemente, dos preços da energia).

Neste contexto, o exercício desenvolvido na secção 2.3 deste relatório avalia o impacto no risco de crédito resultante de um processo de transição concentrado num horizonte temporal de médio prazo, até 2030. Este processo traduz um aumento muito expressivo do imposto sobre o carbono no início do horizonte de projeção, suficiente para garantir um efetivo cumprimento das metas de redução de emissões de GEE consentâneas com os objetivos do Acordo de Paris. Este cenário permite a comparação dos resultados obtidos com análises recentes do impacto de cenários de transição climática no curto/médio prazo para a área do euro (Emambakhsh et al., 2023, ECB/ESRB, 2023 e Bartsch et al., 2024).

A análise deste cenário ganha relevância num contexto em que as políticas climáticas atualmente implementadas não são suficientes para permitir uma transição para uma economia neutra em carbono em 2050 (NGFS, 2022a). Nestas circunstâncias, justifica-se a análise dos efeitos de uma aceleração do processo de transição climática, que assim ocorreria de uma forma mais intensa e concentrada no tempo.

Um processo de ajustamento concentrado num curto período de tempo potencia a materialização de riscos de transição na economia com o consequente impacto na carteira de crédito das instituições financeiras. Estes riscos serão mais imediatos e percetíveis para as empresas de setores particularmente expostos a uma transição climática acelerada devido aos seus elevados níveis de emissões de GEE, diretas e indiretas, e de intensidade energética (os designados setores relevantes para a política climática, ou CPRS na sigla inglesa)16, mas podem ter um alcance mais generalizado. O impacto dos riscos climáticos nas empresas pode ser amplificado nos casos de um maior risco de crédito associado a vulnerabilidades financeiras.

O ajustamento poderá estar associado a oportunidades, mas também poderá influenciar a competitividade de contrapartes do setor bancário. A perda de competitividade pode resultar de várias situações: o impacto causado por aumentos nos preços do carbono, a maior dependência da energia com fonte primária nos combustíveis fósseis, a desvalorização de ativos (stranded assets), a maior dificuldade de adaptação à regulamentação ambiental mais rigorosa, alterações nas preferências dos consumidores em desfavor de produtos intensivos em carbono, o aparecimento de novas tecnologias que tornam as anteriores obsoletas. Todos estes desenvolvimentos são suscetíveis de culminar num aumento do risco de incumprimento (ECB, 2024). A materialidade dos impactos no sistema financeiro dependerá da exposição a essas empresas/setores e do grau de disrupção do processo de ajustamento.

Segundo o relatório ECB/ESRB (2021), o sistema bancário da área do euro está exposto a tail risks no caso de mudanças abruptas e significativas nos preços do carbono, sendo que esse impacto seria relativamente controlado com reduções de GEE mais graduais ou eficientes por parte das empresas. O relatório do ECB/ESRB conclui que o sistema bancário da área do euro está sujeito a perdas muito significativas em caso de aumentos abruptos nos preços do carbono: para valores como 250 € por tonelada de CO2, as tail losses podem aumentar em mais de 40% em relação ao cenário base (de manutenção do preço). Conclui também que reduções graduais efetivas nas emissões de GEE por parte das empresas, em conformidade com o Acordo de Paris, não causarão, provavelmente, stress sistémico no sistema bancário no médio/longo prazo, mesmo com aumentos significativos nos preços do carbono. Este resultado sugere benefícios substanciais, também para o sistema bancário, resultantes da previsibilidade e implementação imediata de estratégias de redução de emissões (estratégias de mitigação).

Medidas de redução de risco da exposição do sistema bancário aos riscos climáticos: expetativas de supervisão

As instituições de crédito podem adotar medidas de mitigação de forma a atenuar a exposição aos riscos financeiros relacionados com o clima. Uma gestão proativa dos riscos associados às alterações climáticas é fundamental para promover a sua resiliência. A definição de expectativas de supervisão constitui um elemento muito importante para promover uma adequada identificação, quantificação e mitigação dos riscos climáticos e ambientais, constituindo um elemento central na gestão destes riscos por parte das instituições de crédito.

Em novembro de 2020, o Banco Central Europeu (BCE) apresentou um conjunto de expetativas de supervisão, dirigidas às instituições significativas, cobrindo quatro áreas: modelo e estratégia de negócio, governo interno e definição do nível de risco, gestão do risco, e divulgação de informação. De modo a garantir um tratamento consistente e equilibrado entre entidades supervisionadas, o Banco de Portugal definiu, em abril de 2021, que as expectativas de supervisão para a gestão dos riscos climáticos e ambientais definidas pelo BCE deviam ser alargadas às instituições de crédito menos significativas sob sua supervisão direta, de forma proporcional à natureza, escala e complexidade das suas atividades.

O BCE, relativamente às instituições significativas, e o Banco de Portugal, no que se refere às instituições menos significativas, acompanham a forma como as instituições supervisionadas têm vindo a ajustar as suas políticas e procedimentos de identificação e gestão dos riscos climáticos e ambientais.

O capítulo 3 deste relatório apresenta (i) a abordagem do Mecanismo Único de Supervisão (MUS) para os riscos climáticos e ambientais17, (ii) as principais atividades de supervisão desenvolvidas para as instituições significativas e para as instituições menos significativas, e (iii) uma avaliação do grau de alinhamento com as expetativas referidas acima, nomeadamente no que diz respeito às práticas de gestão dos riscos climáticos e ambientais adotadas pelas instituições significativas e menos significativas.

É fundamental que as instituições de crédito avaliem os riscos decorrentes da transição, analisando, inter alia, o alinhamento das suas carteiras com os objetivos de descarbonização (ECB, 2024). Esta abordagem compara os planos de atividade de uma empresa com os objetivos de descarbonização, sendo que o desalinhamento ocorre quando os ajustamentos na atividade produtiva ficam aquém dos objetivos de descarbonização. Trata-se de um método que, pela sua natureza forward looking, pode ser útil para quantificar os riscos de transição nas carteiras de crédito, complementando outras técnicas como a análise de cenários e de testes de esforço18.

A análise desenvolvida pelo BCE (ECB, 2024a) para 95 instituições de crédito significativas considerando o crédito concedido por estas a empresas que atuam em seis setores de atividade considerados mais vulneráveis ao risco de transição — concluiu que cerca de 90% dessas instituições foram consideradas globalmente desalinhadas. Estas instituições encontram-se mais vulneráveis a riscos de transição, principalmente sob a forma de risco de crédito — a contrapartes que precisam de mais tempo para a reconversão de atividades intensivas em carbono e, por isso, terem a sua competitividade afetada — e daí poderem resultar potenciais perdas por incumprimento (Secção 3.2).

Medidas de redução de risco da exposição do sistema bancário aos riscos climáticos: seguros

Os seguros têm um papel importante na mitigação dos custos para o setor bancário resultantes da materialização dos riscos climáticos. A existência de seguros permite atenuar as perdas dos agentes económicos e limitar a duração e a gravidade dos efeitos na atividade económica, permitindo uma redução das perdas de bem-estar associadas à ocorrência de fenómenos climáticos extremos. Adicionalmente, o próprio desenho do seguro pode, nomeadamente se o valor dos prémios for baseado no risco, desempenhar um papel preventivo19 através de comportamentos de mitigação dos riscos em causa.

Desastres naturais mais frequentes e mais intensos podem conduzir a reduções da cobertura de seguros, ou à introdução de ajustamentos significativos nos prémios dos seguros20. Sem cobertura de seguro para as perdas, a capacidade das famílias e empresas de retomar as suas atividades fica comprometida, prejudicando nesses casos a recuperação económica.

Desvalorizações acentuadas e abruptas no valor dos imóveis de particulares e empresas, dados como garantia nas operações de crédito, podem ter impactos materiais na estabilidade financeira. Adicionalmente, os governos podem ver a sua situação financeira afetada, caso se decida por intervenção pública de apoio às perdas.

Na União Europeia, cerca de 60% das perdas económicas são causadas por apenas 3% dos eventos climáticos extremos e relacionados com o clima. Apenas cerca de um quarto dessas perdas estavam, em termos médios entre 1980 e 2020, cobertas por seguros, embora para alguns países essa proporção fosse inferior a 5% (Figura I.1.5 e ECB/EIOPA, 2023).

Um relatório da Agência Europeia do Ambiente21 que recorre às bases de dados CATDAT e NatCatService mostra também que, entre 1980 e 2020, as perdas totais em Portugal relacionadas com os eventos climáticos e meteorológicos foram entre 8 mil milhões de euros (segundo a NatCatService) e 13,5 mil milhões de euros22 (segundo a CATDAT), das quais entre 91% a 96%, respetivamente, não estavam cobertas por seguros.

O climate insurance protection gap corresponde, assim, à percentagem de perdas económicas provocadas por eventos climáticos que não se encontram cobertas por seguros23.

Estes níveis reduzidos de proteção de seguros podem ser justificados por vários fatores, abrangendo várias dimensões da procura e da oferta. Sem preocupação de exaustividade podem referir-se, do lado da procura, (i) a subestimação da probabilidade e do impacto potencial de catástrofes, e (ii) o risco moral (moral hazard), associado, por exemplo, à expectativa de que os governos cubram as perdas não seguradas remanescentes após a ocorrência de uma catástrofe; e, do lado da oferta, a incerteza intrínseca deste tipo de eventos que pode reduzir o apetite de alguns segmentos do setor segurador para assumir a cobertura destes riscos.

Perante a maior frequência e magnitude dos eventos climáticos extremos e dos danos associados, o climate insurance protection gap tem assumido uma importância crescente na agenda de política, especialmente na União Europeia, onde a estratégia sobre adaptação às alterações climáticas, publicada em 2021 pela Comissão Europeia, inclui o objetivo de diminuir o insurance protection gap (COM, 2021). Por outro lado, o BCE e a EIOPA publicaram um Discussion Paper (ECB/EIOPA, 2023) onde detalham opções de política através de uma designada ladder approach para os seguros de catástrofe.

Segundo este estudo, numa primeira linha de defesa, estão os (re)seguros privados, nomeadamente através da criação do desenho de apólices de seguros que promovam a mitigação de riscos24. Ainda no que respeita ao papel do setor privado, o documento desenvolve argumentos em favor do fomento do mercado de catastrophe bonds, que permite a transferência de risco para os mercados de capitais.

Na fase seguinte aparece a promoção de parcerias público-privadas, em que as companhias de seguro assumem parte do risco e, ao mesmo tempo, prestam o serviço administrativo de processamento das indemnizações, enquanto as autoridades públicas participam com subsídios e como “segurador de última instância”. Finalmente, no último lugar desta ladder approach podem situar-se a promoção de fundos de catástrofe de base nacional e, em última análise, a possibilidade de um fundo de catástrofe ao nível da União Europeia.

  1. Percentagem de perdas relacionadas com os eventos climáticos extremos cobertas por seguros, nos países EEE, entre 1980 e 2020

Conclusão

Esta secção identificou os principais canais de transmissão dos riscos climáticos — físicos e de transição — para o sistema bancário, apresentando a abordagem concetual que tem guiado as principais organizações internacionais na análise de riscos resultantes das alterações climáticas.

Este enquadramento permite compreender a análise que vai ser desenvolvida nos dois capítulos seguintes. No capítulo 2 procede-se — através do cálculo de métricas de exposição e da realização de cenários climáticos — à avaliação da exposição do setor bancário aos riscos climáticos. O capítulo 3 apresenta a abordagem de supervisão do MUS e, muito em particular, o acompanhamento microprudencial das expetativas de supervisão para a identificação e gestão dos riscos climáticos e ambientais25.

A abordagem concetual apresentada neste capítulo, não explora totalmente outras dimensões relevantes da política climática. Existem três eixos de atuação — o papel do setor financeiro no financiamento da transição; medidas de mitigação das emissões de GEE; e medidas de adaptação aos efeitos das alterações climáticas — que, já em 2015, foram consagrados como medidas centrais na resposta global “à ameaça que constituem as alterações climáticas” (cfr. n.º 1 do artigo 2.º do Acordo de Paris).

O papel do setor financeiro no financiamento das necessidades de investimento estimadas para apoiar a transição para uma economia hipocarbónica é crítico. Embora o preço do carbono possa ter um papel relevante na gestão das exposições do sistema bancário aos riscos de transição (ECB/ESRB, 2021), para viabilizar o processo de transição é fundamental que se mantenha o financiamento (mediante uma abordagem assente no risco) a empresas que se encontram no processo de transição, mesmo que em dado momento não sejam ainda ambientalmente sustentáveis. A este respeito, a Comissão Europeia publicou, em julho de 2023, um conjunto de recomendações visando apoiar as entidades no domínio do financiamento da transição (COM, 2023).

Tanto as medidas de combate às causas das alterações climáticas (mitigação) como as medidas de adaptação aos seus efeitos são importantes estratégias de resposta para se alcançar o objetivo de neutralidade carbónica. De acordo com as definições do IPCC (2023), as medidas de mitigação compreendem a intervenção humana para reduzir as emissões ou para aumentar os sumidouros26 de GEE e as medidas de adaptação referem-se ao ajustamento às condições climáticas reais ou previstas e aos seus efeitos, com o objetivo de atenuar danos ou aproveitar oportunidades.

Considerando que, mesmo com reduções nas emissões de GEE, é provável que continuem a ocorrer alterações climáticas, incluindo eventos extremos, o desenvolvimento de estratégias de adaptação para lidar com esses riscos é entendido como um complemento imprescindível às ações de mitigação (IPCC, 2001).

Avaliação dos riscos climáticos para o setor bancário

Riscos climáticos físicos: exposição a sociedades não financeiras

Os riscos climáticos físicos estão associados a potenciais impactos económicos e financeiros decorrentes do aumento da frequência e da intensidade dos desastres naturais resultantes de alterações climáticas. Esta secção analisa a exposição do setor bancário nacional aos riscos físicos, avaliada através do crédito concedido às sociedades não financeiras (SNF)27.

A análise considera riscos físicos crónicos, associados a mudanças graduais do clima, como alterações da temperatura e de precipitação, através dos fenómenos de stress térmico, stress hídrico e subida do nível da água do mar. O stress térmico traduz os impactos associados ao aumento significativo da temperatura numa determinada localização e à ocorrência de situações de calor extremo. O stress hídrico reflete alterações na procura e disponibilização de recursos hídricos. A subida do nível da água do mar inclui o impacto da intensificação das tempestades e inundações na orla costeira (Quadro I.2.1).

A análise abrange também os riscos físicos agudos, que refletem os impactos da ocorrência de eventos climáticos extremos, nomeadamente incêndios, inundações e furacões. O risco de incêndio pretende captar alterações no potencial de materialização deste fenómeno. O risco de inundações integra as alterações nas condições de precipitação e na dimensão e intensidade das inundações. O risco de furacões captura a exposição geográfica a ciclones tropicais.

A ocorrência destes fenómenos climáticos afeta as empresas, com diferentes graus de intensidade, podendo conduzir, no limite, à interrupção da sua atividade (Quadro I.2.1). Os efeitos dos riscos climáticos físicos transmitem-se ao setor bancário por via do impacto na situação financeira das empresas, na sua capacidade de cumprir o serviço da dívida e no valor dos ativos dados em garantia nos empréstimos.

Riscos climáticos físicos na União Europeia

A Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla inglesa) avaliou o impacto dos riscos físicos associados às alterações climáticas na Europa, continente onde se observa o aumento mais rápido da temperatura (EEA, 2024). A EEA conclui que os impactos decorrentes das alterações climáticas são já evidentes, antecipando uma maior frequência e magnitude de fenómenos de calor e seca extremos, de inundações pluviais e fluviais, provocadas por precipitação intensa, e inundações costeiras, em resultado da subida do nível da água do mar. A EEA complementa a análise da severidade destes riscos com outros fatores não climáticos que poderão amplificar os impactos negativos, como a fragmentação dos ecossistemas, poluição, práticas insustentáveis de agricultura e gestão dos recursos hídricos.

A EEA considera ser expectável que o Sul da Europa venha a ser uma das regiões mais afetadas pelos riscos físicos, com a intensificação dos fenómenos de aumento da temperatura e escassez de água. Esta região é, assim, considerada um foco de risco climático, tendo em conta o impacto do stress térmico e hídrico nos ecossistemas, bem-estar das populações e atividade económica e financeira, bem como na criação de condições mais favoráveis à materialização de incêndios. O relatório indica que o nível de preparação de mitigantes e de políticas de adaptação adequadas é ainda insuficiente, pelo que alerta para a necessidade de ação atempada e de cooperação entre os Estados-Membros e a União Europeia.

  1. Síntese dos riscos físicos e dos potenciais impactos na atividade das empresas

Evento

Descrição

Impacto potencial na atividade das empresas

Stress térmico (HS)

Aumento da temperatura

- Aumento dos custos com energia

- Intensificação do risco de quedas de tensão elétrica/apagões

- Situações de stress na saúde humana/força de trabalho

Stress hídrico (WS)

Alterações na procura e disponibilização de recursos hídricos

- Redução no fornecimento de água

- Aumento do custo dos recursos hídricos

- Erosão da “licença social para operar” e/ou da reputação (a)

Subida do nível da água do mar (SLR)

Intensificação das tempestades, acentuadas pela subida do nível da água do mar

- Danos na propriedade e nos edifícios

- Perda permanente do valor do património

- Custos de deslocalização

Incêndios (WF)

Alterações no potencial de incêndio

- Perda permanente do valor do património

- Deterioração da saúde humana (qualidade do ar)

- Deterioração dos serviços dos ecossistemas

- Interrupção da atividade

- Subida dos custos com seguros ou perda da proteção por Seguro

Inundações (FL)

Alterações nas condições de precipitação e na dimensão e intensidade das inundações

- Danos na propriedade e nos edifícios

- Infraestruturas comprometidas

- Interrupção da atividade

Furacões e tufões — ciclones tropicais (HT)

Exposição a ciclones no passado

- Danos severos na propriedade e nos edifícios

- Perda permanente do valor do património

- Custos de deslocalização

Fonte: Moody’s Climate On Demand (Moody’s COD). | Nota: (a) A “licença social para operar” refere-se à ideia de que as empresas necessitam do apoio da sociedade e da comunidade onde operam para manter a sua atividade, diminuindo também o seu risco reputacional. Este conceito assume especial relevância em algumas atividades, como a indústria extrativa ou a agricultura intensiva.

A distribuição das empresas no território europeu expõe-nas de forma heterogénea aos diferentes eventos de risco físico considerados. O risco de inundações tende a ser maior na Europa Central e do Norte, enquanto os fenómenos de stress térmico, stress hídrico e incêndios se encontram mais concentrados na Europa do Sul (ECB/ESRB, 2021 e Alogoskoufis et al., 2021).

As inundações têm constituído o evento de risco físico com maior relevância para o espaço europeu, pelo que a análise deste risco tem merecido particular atenção, nomeadamente no que se refere à avaliação do seu impacto na economia e no sistema financeiro da União Europeia. Os resultados apontam para perdas económicas muito significativas associadas à materialização deste risco. No caso do setor bancário europeu, observam-se exposições de crédito relevantes e, numa parte significativa, não colateralizadas, a empresas mais vulneráveis ao risco de inundações, principalmente em Estados-Membros com elevado protection gap, indicando um elevado potencial de perdas associado a este risco. Vários exercícios ilustram a relevância deste risco físico: a caraterização do risco de inundações na Europa na caixa 1 do ECB/ESRB (2021), o exercício de quantificação das exposições dos bancos na área do euro e respetivo protection gap incluído no ECB/ESRB (2022) e a análise de cenários de risco de inundações desenvolvida no ECB/ESRB (2023).

Riscos climáticos físicos em Portugal

As projeções climáticas apresentadas pelo Roteiro Nacional para a adaptação 2100 (RNA 2100) sugerem um aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos associados ao stress térmico (RNA2100, 2024). O projeto RNA 2100 apresenta trajetórias temporais de variáveis como sejam temperatura, precipitação e humidade, no território continental português para os períodos 2011–2040, 2041–2070 e 2071–2100. São considerados três cenários, sendo um mais exigente quanto à redução das emissões de GEE e, no extremo oposto, um cenário com o aumento das emissões ao longo do horizonte de projeção28.

Os principais resultados apontam para o aumento da temperatura no território nacional até 2100, com variações mais intensas no verão face ao período de inverno, e uma diminuição da precipitação e da humidade, criando condições para a ocorrência de seca no território. Como consequência do aquecimento, poderá ter lugar um aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, em particular, episódios de stress térmico mais frequentes, intensos e duradouros face ao observado no período histórico.

Os resultados obtidos na edição de 2023 deste relatório mostram que, em Portugal, a exposição do setor bancário é materialmente superior no caso dos riscos físicos de stress hídrico, stress térmico e incêndios e, em menor grau, de inundações. Tendo por referência o crédito concedido às empresas em dezembro de 2021, foi também avaliada a distribuição, por setor de atividade, do crédito às empresas mais vulneráveis à materialização dos riscos físicos e a interação entre a exposição do setor bancário aos riscos físicos, a qualidade de crédito da carteira e os riscos de transição.

O presente relatório aprofunda a caraterização e quantificação da exposição do setor bancário aos riscos físicos através do crédito concedido às empresas, avaliando: (i) se as operações de empréstimo bancário que tiveram lugar nos últimos anos têm contribuído para o aumento do peso do crédito bancário nos níveis de risco físico mais elevados, (ii) a exposição do setor bancário a empresas vulneráveis, cumulativamente, a stress hídrico, stress térmico e incêndios, (iii) a possibilidade de existência de riscos de crédito acrescidos em determinados setores de atividade, considerando as empresas mais vulneráveis à materialização dos riscos de stress hídrico, stress térmico, incêndios e inundações, e (iv) a distribuição do crédito concedido às empresas por cada banco e nível de risco físico, e a sua semelhança com a distribuição da exposição agregada do setor bancário. 

Caraterização da informação utilizada na análise e classificação de riscos físicos

A posição geoespacial das empresas e a identificação das zonas mais expostas à materialização de fenómenos de riscos físicos constituem os elementos determinantes para a avaliação da exposição do setor bancário. Por um lado, é essencial a caraterização da distribuição geográfica com elevada resolução espacial dos fenómenos de risco físico, incluindo informação sobre o potencial de materialização e, quando aplicável, o efeito de mitigação de medidas de proteção existentes. Por outro, é necessária a identificação da localização das unidades de produção (estabelecimentos), dos ativos e outros fatores que suportam a atividade das empresas.

A obtenção de informação granular referente a estas duas componentes continua a constituir um desafio, em particular no que se refere à localização das atividades das empresas. A generalidade dos trabalhos sobre riscos físicos desenvolvidos para o espaço europeu considera a localização da sede da empresa como a área geográfica das suas atividades, apesar das limitações decorrentes desta hipótese nas conclusões obtidas. A análise apresentada nesta secção, por limitações da informação disponível, também se baseia nessa premissa.

A análise utiliza a informação de 50 000 empresas29 (doravante identificadas como “empresas”) para as quais se dispõe de informação georreferenciada da morada da sede e dos respetivos riscos físicos tal como medidos pelos indicadores da Moody’s COD. A exposição do setor bancário considera o crédito concedido a estas empresas, com base nos empréstimos reportados à CRC e os títulos de dívida emitidos pelas empresas, disponíveis no Sistema Integrado de Estatísticas de Títulos (SIET) para setembro de 2023. O total de crédito analisado ascende a 71,6 mil milhões de euros (cerca de 76% do total de crédito às SNF)30. Note-se que, para este conjunto de empresas, cerca de 90% do total de empresas na amostra (correspondente a 73% do total de crédito analisado) possui apenas um estabelecimento (sede), o que mitiga as limitações desta hipótese de trabalho para a localização.

No contexto das alterações climáticas, a utilização de informação histórica não constitui a melhor representação da possibilidade de ocorrência e da magnitude dos riscos físicos. A adoção de informação prospetiva, ainda que sujeita a incerteza, é crucial para permitir a construção de cenários que integram a alteração das condições climáticas (e.g., temperatura e pluviosidade) e os seus impactos na probabilidade de ocorrência e na escala dos fenómenos de risco físico.

Tal como na edição de 2023 deste relatório, a análise desenvolvida incide em indicadores para os eventos de stress hídrico, stress térmico, incêndios, inundações, subida do nível da água do mar e furacões e tufões numa base prospetiva (até 2050). Estes indicadores combinam vários tipos de informação, incluindo projeções de modelos climáticos, bases de dados climáticos e simulações com recurso a dados históricos. Apenas a avaliação dos riscos de furacões e tufões se baseia exclusivamente em informação histórica, tendo em conta a indisponibilidade de projeções. Outros indicadores combinam dados históricos com projeções, como por exemplo para o risco de inundações. A informação sobre cada evento de risco físico para determinada empresa é sintetizada sob forma de scores, numa escala de 0 a 100, incorporando o nível de risco físico face à sua distribuição num território global.

Estes scores são classificados em cinco níveis de risco físico. As áreas que não se encontram expostas a determinado risco ou cuja exposição aos riscos físicos não é significativa são categorizadas como “sem risco” ou “risco baixo”, respetivamente. O nível “risco médio” reflete, de um modo geral para o conjunto dos eventos analisados, alguma possibilidade da localização ou área em causa poder ser afetada pela materialização do risco físico. No caso do nível de “risco alto”, é observada já alguma exposição ao risco físico, com tendência a aumentar no futuro. O “risco severo” traduz, por um lado, uma exposição significativa ao risco físico, e, por outro lado, uma intensificação considerável, indicando um elevado potencial para a materialização do impacto negativo para as empresas nessa localização. As empresas expostas aos dois últimos níveis (alto e severo) apresentam, deste modo, uma maior vulnerabilidade à materialização do risco físico31.

Exposição do setor bancário aos riscos físicos através do crédito concedido às empresas
  1. Exposição do setor bancário aos riscos físicos através do crédito concedido às empresas — setembro de 2023 | Em percentagem do total do crédito às empresas

Fontes: Banco de Portugal e Moody’s COD. | Notas: O total do crédito inclui o montante vivo dos empréstimos reportado na CRC, bem como os títulos de dívida detidos pelos bancos obtido através do SIET para o conjunto das 50 000 empresas objeto da análise.

O setor bancário português apresenta um peso significativo de crédito associado a empresas com exposição aos riscos de stress hídrico, stress térmico e incêndios e, em menor grau, a inundações. A exposição é avaliada através do crédito concedido a empresas localizadas em áreas sujeitas ao potencial de materialização dos seis fenómenos de risco físico — stress hídrico, stress térmico, incêndios, inundações, subida do nível da água do mar e furacões e tufões — tendo em conta os níveis de risco médio, alto e severo.

A atualização das posições de crédito (empréstimos e títulos de dívida) com referência a setembro de 2023 não teve impacto na distribuição do peso de crédito às empresas por nível de risco físico, mantendo-se as conclusões da edição anterior deste relatório. Assim, o setor bancário apresenta um peso do crédito às empresas superior a 90% nos níveis médio, alto e severo dos riscos associados a stress hídrico, stress térmico e incêndios e de 39% no caso das inundações32 (Gráfico I.2.1).

  • Novas operações de empréstimo por nível de risco físico e contributo para a exposição agregada

É importante avaliar o contributo das novas operações de empréstimo para a exposição do setor bancário aos riscos físicos. Entre 2019 e 2023, as novas operações de empréstimo por nível de risco físico apresentaram uma estrutura muito semelhante à exposição agregada do crédito às empresas (Gráfico I.2.2), não evidenciando um padrão de alterações significativas (de agravamento ou de ajustamento) na exposição do setor bancário a estes riscos físicos. Esta similitude significa, nos casos de stress hídrico, stress térmico e incêndios, que uma proporção significativa destas novas operações é concedida a empresas localizadas em áreas mais vulneráveis à materialização destes riscos. No caso do nível de risco severo, reflete também a intensificação do risco e do potencial impacto negativo sobre as empresas. Deste modo, estes resultados evidenciam a necessidade de os bancos continuarem a reforçar o processo de integração dos desafios associados às alterações climáticas na sua gestão de risco de crédito.

  • Exposição do setor bancário a empresas vulneráveis cumulativamente a stress hídrico, stress térmico e incêndios

Face à relevância do peso do crédito do sistema bancário associado a empresas mais vulneráveis a stress hídrico, stress térmico e incêndios, importa avaliar a exposição conjunta a estes três riscos físicos. O crédito concedido às empresas que apresentam maior vulnerabilidade à materialização do risco (avaliada através dos níveis de risco alto e severo) situa-se em 70,4% do total de crédito no caso de stress hídrico, 57,0% no que diz respeito a stress térmico e 41,5% no caso dos incêndios (Quadro I.2.2). Numa perspetiva de concentração de riscos para o setor bancário, é necessário identificar as exposições a empresas vulneráveis, em simultâneo, à materialização destes riscos33.

O crédito associado a empresas que se encontram ao mesmo tempo mais vulneráveis a riscos de stress hídrico, stress térmico e incêndios — o que corresponde aos níveis alto e severo destes três riscos — ascende a 18,3% do total do crédito às empresas. Desta exposição, 10,7% do total de crédito corresponde a empresas com classificação em nível alto nos três riscos físicos analisados e 7,6% do total de crédito a empresas com pelo menos uma classificação no nível severo no stress hídrico ou stress térmico (já que, no caso dos incêndios, a classificação de risco mais elevada é o nível ‘alto’, ver Gráfico I.2.1). Esta desagregação adicional procura identificar o crédito bancário que, à partida, estará mais suscetível aos impactos negativos decorrentes de uma materialização simultânea dos riscos físicos considerados.

 

  1. Exposição do setor bancário às empresas afetadas por riscos físicos | Em percentagem das novas operações de empréstimo às empresas

WS — Stress hídrico

HS — Stress térmico

  

WF — Incêndios

FL — Inundações

  

SLR — Subida do nível da água do mar

HT — Furacões e tufões

Fontes: Banco de Portugal e Moody’s COD.

Com base nas notações de crédito disponíveis no Sistema Interno de Avaliação de Crédito do Banco de Portugal (SIAC) de 2023, com referência aos valores da Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2022, a análise avaliou se estas exposições estão associadas a empresas com menor qualidade de crédito em comparação, quer com o total da carteira analisada, quer com os eventos de risco físico considerados individualmente. Os resultados para a exposição conjunta a riscos de stress hídrico, stress térmico e incêndios apontam para um menor peso de crédito associado às empresas que apresentam probabilidades de incumprimento superiores (classe 3) face ao total da carteira e aos três eventos considerados de forma isolada (Quadro I.2.2), não evidenciando riscos acrescidos por essa via.

  1. Exposição conjunta a riscos de stress hídrico, stress térmico e incêndios e interação com classe de risco de crédito | Em percentagem do total do crédito às empresas

 

% Total de crédito

% crédito por classe de risco de crédito

Classe 1

(menor risco)

Classe 2

Classe 3

(maior risco)

Total da carteira de crédito

100,0

59,5

30,6

10,0

 
 
 
 
 
 
 

WS — níveis alto e severo

70,4

57,9

30,6

11,5

HS — níveis alto e severo

57,0

61,2

29,8

9,0

WF — níveis alto e severo

41,5

57,7

32,1

10,2

Exposição conjunta WS, HS e WF

d.q. nível alto WS, HS e WF

10,7

59,9

33,4

6,7

d.q. níveis alto e severo WS, HS e WF

7,6

64,5

28,1

7,4

Fontes: Banco de Portugal e Moody’s COD. | Notas: Os eventos de risco considerados são stress hídrico (WS), stress térmico (HS) e incêndios (WF), em linha com a identificação das maiores exposições do setor bancário aos riscos físicos objeto de análise. Os valores identificados na coluna “% Total de crédito” correspondem à percentagem do total de crédito às empresas em cada um dos subconjuntos de riscos físicos analisados. No caso das colunas associadas a “% crédito por classe de risco de crédito”, os valores estão associados ao peso de cada classe de risco no total do crédito em análise. O risco de crédito, medido pela probabilidade de incumprimento, tem por base notações de crédito disponíveis no SIAC com referência a 2023. Apenas foram consideradas as operações de empresas com informação de risco disponível. A classe de menor risco (classe de risco 1) corresponde às empresas com probabilidade de incumprimento (PD) a um ano inferior ou igual a 1%; a classe de risco 2 corresponde às empresas com PD a um ano superior a 1% e inferior ou igual a 5% e a classe de maior risco (classe de risco 3) corresponde às empresas com PD a um ano superior a 5%. O indicador de risco de crédito não inclui o impacto decorrente de alterações climáticas.

  • Interação entre risco físico e risco de crédito por setor de atividade

Importa ainda identificar os setores de atividade mais expostos, simultaneamente, aos riscos físicos e risco de crédito. Para esta análise considera-se o crédito concedido às empresas mais vulneráveis à materialização dos riscos físicos (níveis alto e severo) para os eventos de stress hídrico, stress térmico, incêndios e inundações. Para efeitos de comparação apresenta-se também a distribuição por setor de atividade do total de crédito às empresas. Salienta-se a importância da indústria transformadora, quer no total das empresas, quer para as empresas mais vulneráveis aos riscos físicos, em particular no risco de stress térmico. Apenas no caso do stress hídrico, a maior exposição setorial está associada ao setor da construção (Gráfico I.2.3).

Tendo em conta a composição da exposição nas classes de risco de crédito, com base na informação das notações de crédito disponíveis no SIAC de 2023, as empresas do setor da construção mais expostas aos riscos físicos apresentam um peso da categoria com as maiores probabilidades de incumprimento acima do total da carteira, mas em linha com o total do crédito das empresas do setor da construção (Gráfico I.2.3). Assim, não se observa uma concentração de riscos para este conjunto de empresas.

 

  1. Interação com o risco de crédito por setor de atividade: total e empresas mais vulneráveis aos riscos físicos | Em percentagem do total do crédito às empresas

Total das empresas e dos riscos físicos

 

Empresas mais vulneráveis aos riscos físicos

WS — Stress hídrico

HS — Stress térmico

WF — Incêndios

FL — Inundações

Fontes: Banco de Portugal e Moody’s COD. | Notas: A categoria “Total” refere-se ao total da carteira do crédito concedido às empresas. A medida de exposição de crédito (esc. dir.), indicada pelos círculos, considera o crédito bancário associado concedido às empresas com um score de risco climático classificado no nível alto ou severo. Identificação dos setores de atividade: “Ind. Extrativas corresponde a indústrias extrativas; “Ind. Transf.”, indústria transformadora; “Eletricidade” Inclui os setores de eletricidade, gás, vapor e captação, tratamento e distribuição de água; “Construção” inclui os setores da construção e atividades imobiliárias; “Comércio” corresponde a comércio por grosso e retalho; “Transportes” refere-se a transportes e armazenagem; “Alojamento” corresponde a alojamento e restauração e a categoria “Outros” integra as restantes atividades. O risco de crédito, medido pela probabilidade de incumprimento, tem por base notações de crédito disponíveis no SIAC com referência a 2023. Apenas foram consideradas as operações de empresas com informação de risco disponível. A classe de menor risco (classe de risco 1) corresponde às empresas com probabilidade de incumprimento (PD) a um ano inferior ou igual a 1%; a classe de risco 2 corresponde às empresas com PD a um ano superior a 1% e inferior ou igual a 5% e a classe de maior risco (classe de risco 3) corresponde às empresas com PD a um ano superior a 5%. O indicador de risco de crédito não inclui o impacto decorrente de alterações climáticas.

Esta análise é complementada com o cálculo de um indicador de intensidade de risco físico e risco de crédito. Baseado em ECB/ESRB (2022 e 2023)34, este indicador apresenta uma medida de exposição combinada, ao nível da empresa, entre o risco físico, avaliado pelo valor do indicador de risco físico, e o risco de crédito, através da probabilidade de incumprimento. A forma de cálculo deste indicador é a seguinte:

Intensidadederiscofísicoeriscodecréditos=i=1nPDi*Scoresi*créditoii=1ncréditoi{Intensidade\ de\ risco\ físico\ e\ risco\ de\ crédito}_{s} = \sum_{i = 1}^{n}PD}_{i}*{Score}_{si}*\fraccrédito}_{i{\sum_{i = 1}^{n}{crédito}_{i}

Ondei=empresa\ i = empresa, s=riscofísicos = risco\ físico, PD=probabilidadedeincumprimentoPD = probabilidade\ de\ incumprimento, Crédito=créditoconcedidoàempresaCrédito = crédito\ concedido\ à\ empresae nncorresponde às 50 000 empresas objeto de análise.

A probabilidade de incumprimento tem por base as notações de crédito disponíveis no SIAC de 2023. Os dados de risco físico consideram os eventos de stress hídrico, stress térmico, incêndios e inundações, que representam, em termos do peso do crédito concedido a empresas, as maiores exposições à possibilidade de materialização do risco físico do setor bancário. O indicador é calculado ao nível da empresa e agregado por setor de atividade. De forma a ser possível comparar entre fenómenos de risco físico, os valores são normalizados recorrendo uma transformação linear35, permitindo ordenar os setores de atividade por relevância de intensidade de risco físico e risco de crédito.

A ‘Construção’ é o setor de atividade que apresenta o valor mais elevado para o indicador de intensidade de risco físico e risco de crédito em todos os fenómenos de risco físico considerados, seguido do setor da indústria transformadora (Gráfico I.2.4). Este resultado confirma as conclusões da interação entre riscos físicos e riscos de crédito, por setor de atividade, calculada em termos agregados para a carteira de crédito às empresas (Gráfico I.2.3). Adicionalmente, está em linha com os resultados obtidos a partir deste indicador para as empresas da área do euro, no que se refere a incêndios e a inundações (ECB/ESRB 2023).

  • Distribuição do crédito concedido às empresas por cada banco e por nível de risco físico

É relevante analisar a forma como as instituições bancárias em Portugal estão expostas aos riscos climáticos físicos por via do crédito concedido às empresas. Para o efeito é apresentada a distribuição do crédito concedido às empresas pelos bancos individuais para cada nível de risco físico. Esta distribuição considera o peso de cada banco no total do setor bancário, uma vez que as medidas consideradas para a quantificar — mediana e percentis 95 e 5 — são ponderadas pelo crédito associado a cada banco no total de crédito concedido às empresas. Esta caraterização permite, por um lado, refletir a distribuição do crédito ao nível das instituições, associada a cada nível de risco, e, por outro lado, identificar a dispersão da exposição dos bancos para cada nível de risco físico, ponderada pelo seu peso no total de crédito (Gráfico I.2.5).

  1. Indicador de intensidade de risco físico e risco de crédito | Valores entre 0 e 1

Fontes: Banco de Portugal e Moody’s COD. | Notas: Os eventos de risco considerados são stress hídrico (WS), stress térmico (HS), incêndios (WF), inundações (FL). A normalização min-max corresponde a uma transformação linear do valor do indicador de intensidade de risco físico e de risco de crédito para efeitos de comparação entre os quatro riscos físicos considerados e os seus valores transformados (escala entre 0 e 1) são apresentados nas barras. Identificação dos setores de atividade: “Ind. Extrativas corresponde a indústrias extrativas; “Ind. Transf.”, indústria transformadora; “Eletricidade” Inclui os setores de eletricidade, gás, vapor e captação, tratamento e distribuição de água; “Construção” inclui os setores da construção e atividades imobiliárias; “Comércio” corresponde a comércio por grosso e retalho; “Transportes” refere-se a transportes e armazenagem; “Alojamento” corresponde a alojamento e restauração e a categoria “Outros” integra as restantes atividades.

Observa-se alguma dispersão, por nível de risco, na distribuição do crédito concedido pelos bancos — avaliada através da amplitude entre os percentis ponderados 95 e 5 (representada pelas barras azuis) — o que indicia alguma heterogeneidade na exposição aos riscos climáticos físicos.

Nos fenómenos de stress hídrico, stress térmico e incêndios, os resultados apontam para a existência de instituições com peso de crédito relativamente superior, face ao total da carteira, nos níveis de risco físico médio, alto e severo. Nos restantes riscos físicos, a dispersão é mais acentuada nas categorias de ausência ou exposição a risco físico não significativa (categorias ‘sem risco’ e ‘risco baixo’), como por exemplo na subida do nível da água do mar.

Conclusões

Esta secção avalia a exposição do setor bancário nacional aos riscos climáticos físicos, através do crédito concedido às empresas. Deste modo, assenta em métricas de exposição dessas empresas ao risco climático físico, considerando os eventos de stress térmico, stress hídrico, incêndios, inundações, subida do nível da água do mar e furacões e tufões, através da sua localização que, por restrições de disponibilidade de dados, se refere à morada da sede.

A análise desenvolvida avaliou várias dimensões desta exposição, apresentando-se os principais resultados no quadro I.2.3 (quadro-síntese), onde também se recuperam os principais resultados da edição de 2023 deste relatório.

  1. Distribuição do crédito concedido pelos bancos por nível de risco físico 
    | Em percentagem do total de crédito

WS — Stress hídrico

HS — Stress térmico

  

WF — Incêndios

FL — Inundações

  

SLR — Subida do nível da água do mar

HT — Furacões e tufões

Fontes: Banco de Portugal e Moody’s COD. | Notas: Percentis ponderados pelo peso do crédito concedido pelo banco no total de crédito às empresas. Total da carteira refere-se ao peso do crédito para cada nível de risco no total do crédito concedido às empresas, identificado para cada um dos riscos físicos analisados no gráfico I.2.1.

A avaliação da exposição do sistema bancário às empresas mais vulneráveis, em simultâneo, aos riscos físicos mais relevantes — stress hídrico, stress térmico e incêndios — permite concluir que a interação destes riscos com a qualidade de crédito das empresas não evidencia riscos de concentração acrescidos.

Os resultados da distribuição setorial da interação entre os riscos físicos — stress hídrico, stress térmico, incêndios e inundações — e o risco de crédito apontam para uma menor qualidade de crédito das empresas do setor da construção, em linha com a distribuição por setor de atividade por risco de crédito do total do crédito às empresas. Estes resultados são corroborados com a análise da interação ao nível da empresa através do indicador de intensidade da exposição ao risco físico e risco de crédito.

Por fim, a distribuição do crédito a empresas por nível de risco físico revela a existência de algumas diferenças no perfil da exposição dos bancos, sugerindo alguma heterogeneidade na exposição das instituições aos diversos tipos de risco físico, como nos níveis de risco mais elevados, como os casos do stress hídrico, stress térmico e incêndios.

A análise desenvolvida neste relatório apresenta algumas limitações que só poderão ser ultrapassadas com acesso a informação com maior granularidade e robustez relativa a: (i) riscos físicos, (ii) localização das atividades produtivas, da cadeia de valor e dos mercados de atuação, e (iii) medidas de cobertura, proteção e adaptação a estes riscos.

A utilização da informação de riscos físicos da Moody’s COD permite obter uma avaliação da exposição do setor bancário para um conjunto alargado de riscos físicos. No entanto, alguns destes riscos são avaliados recorrendo a um conjunto limitado de informação, ou tendo em conta apenas informação histórica. A incorporação de outras fontes de informação, incluindo a componente climática com recurso a fontes de dados públicas e a outras metodologias que permitam uma resolução espacial deste conjunto de fenómenos de risco físico, contribuiria para uma maior robustez nas conclusões obtidas.

À semelhança da generalidade dos trabalhos sobre riscos físicos desenvolvidos para o espaço europeu, esta análise também considerou a localização da sede da empresa como a área geográfica das suas atividades. Em Portugal, as empresas com apenas um estabelecimento (que corresponde à sede) representam a grande maioria das empresas e uma parte significativa do crédito analisado. Adicionalmente, se considerado apenas este conjunto de empresas, as conclusões relativas à exposição do setor bancário aos riscos físicos analisados mantêm-se. Contudo, esta limitação da informação deverá ser ultrapassada em futuras análises para se poder ter um maior grau de certeza nos resultados obtidos. Em todo o caso, mesmo a localização do estabelecimento é uma medida incompleta da exposição ao risco físico da empresa, que depende ainda da localização dos seus fornecedores, da localização dos mercados de destino e das infraestruturas utilizadas no transporte e/ou distribuição destes bens e/ou serviços.

A informação das coberturas por seguro dos ativos dados como garantia aos empréstimos é também um elemento fundamental a considerar na análise, uma vez que permite avaliar a capacidade de mitigação do risco para as empresas e para o setor bancário. Outras estratégias de mitigação e adaptação aos riscos físicos também deverão ser consideradas, incluindo medidas de política pública adotadas no âmbito da prevenção e/ou apoio aos impactos dos riscos físicos e de catástrofes naturais.

  1. Exposição do setor bancário português aos riscos físicos através do crédito concedido às empresas — Quadro-síntese das conclusões das edições de 2023 e 2024

Principais questões de análise

Questão 1: Qual a exposição do setor bancário português aos riscos físicos considerados?

Questão 2: Existe potencial de amplificação do risco físico com o risco de crédito?

Questão 3: Qual o perfil de exposição dos bancos ao risco físico?

 

Risco

Físico

Stress hídrico (WS)

Stress térmico (HS)

Incêndios (WF)

Inundações (FL)

Subida do nível da água do mar (SLR)

Furacões e tufões (HT)

 
 
 

Questão 1

 
 
 

Nível de risco (% do total de crédito às empresas)

Novas operações de empréstimo entre 2019 e 
2023 (análise 2024)

Exposição ao risco semelhante aos stocks de crédito.

Exposição ao risco semelhante aos stocks de crédito.

Exposição ao risco semelhante aos stocks de crédito.

Exposição ao risco semelhante aos stocks de crédito.

Exposição ao risco semelhante aos stocks de crédito.

Exposição ao risco semelhante aos stocks de crédito.

Protection gap (EIOPA36)

não aplicável (n.a.)

n.a.

Alto

Baixo

Médio

Baixo

 

Questão 2

Análise conjunta de riscos físicos 
e risco de 
crédito (2024)

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

n.a.

n.a.

n.a.

Interação com risco de crédito (2023)

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

n.a.

n.a.

n.a.

Interação com risco de crédito 
e de transição (2023)

Alguma concentração, mas peso do crédito reduzido.

Alguma concentração, mas peso do crédito reduzido.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

n.a.

n.a.

n.a.

Interação com risco de crédito 
e setor de atividade (2024)

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

Não existe evidência de riscos acrescidos.

n.a.

n.a.

 

Questão 3

Heterogeneidade na exposição dos bancos (2024)

Algumas diferenças nos níveis de risco mais elevados.

Algumas diferenças nos níveis de risco mais elevados.

Algumas diferenças nos níveis de risco mais elevados.

Sem diferenças significativas.

Algumas diferenças nos níveis ‘sem risco’ ou ‘nível baixo’.

Sem diferenças significativas.

Riscos climáticos de transição: exposição a sociedades não financeiras

Os riscos climáticos de transição estão associados aos impactos de mudanças estruturais na economia resultantes da necessidade de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Esta secção avalia, com base em seis indicadores, a exposição do setor bancário aos riscos de transição, por via dos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras (SNF)37, cujas definições são apresentadas no Anexo. A análise é complementada pela quantificação da exposição a setores de atividade relevantes do ponto de vista climático e do risco de crédito que lhes está associado.

Esta análise cobre os empréstimos bancários concedidos pelo setor bancário a empresas disponíveis na Central de Responsabilidades de Crédito (CRC). A informação económico-financeira das empresas é obtida a partir da Central de Balanços do Banco de Portugal (CB). As probabilidades de incumprimento a um ano das empresas são utilizadas como indicador de risco de crédito e são obtidas a partir do Sistema Interno de Avaliação de Crédito do Banco de Portugal (SIAC). A informação sobre as intensidades carbónicas das empresas encontra-se nas Contas de Emissões Atmosféricas por setor de atividade, compiladas pelo Eurostat. O período de análise — 2010 a 2022 — utiliza a informação disponível na CB à data de elaboração deste relatório.

Os dados relativos às intensidades carbónicas do Eurostat apresentam um detalhe setorial até dois dígitos do código NACE38. Na análise desenvolvida nesta secção, foi atribuída a cada empresa a intensidade carbónica do setor de atividade em que opera, ao nível máximo de granularidade disponível na informação do Eurostat. Com base nesta intensidade carbónica e no VAB de cada empresa foram obtidas estimativas para as respetivas emissões diretas39 de GEE. A utilização de dados individuais com um maior nível de granularidade permite a construção de indicadores mais robustos e precisos do que recorrendo a informação agregada, o que constitui um progresso face à edição de 2023 deste relatório.

Exposição do setor bancário aos setores relevantes para a política climática (CPRS)

A exposição do setor bancário aos riscos climáticos de transição é condicionada pela relevância dos diferentes setores de atividade para a política climática. Battiston et al. (2017) apresentou uma definição de climate policy relevant sectors (doravante referidos por CPRS)40 que considera a relevância dos setores de atividade para a política climática tendo em conta a sua contribuição direta e indireta para as emissões de GEE. Foram, assim, identificados os seguintes CPRS: agricultura, combustíveis fósseis, intensivos em energia, utilities, imobiliário e transportes. Os restantes setores foram agrupados numa categoria residual (outros).

A análise da exposição do setor bancário a CPRS beneficia da leitura conjunta com o indicador ICB, utilizado frequentemente na avaliação dos riscos de transição das empresas (ver definição no Anexo):

  • Média da intensidade carbónica das empresas com empréstimos bancários (Indicador 1 — ICB).

A ICB corresponde ao somatório das intensidades carbónicas atribuídas às empresas com empréstimos bancários, ponderadas pelo respetivo peso no VAB agregado de todas as empresas com empréstimos bancários, para cada ano.

Em 2022, o stock de empréstimos do setor bancário a empresas pertencentes a CPRS representava 60% do total dos empréstimos a empresas, menos 7,2 pp do que em 2010 (Gráfico I.2.6 — Painel A). O imobiliário é o CPRS com maior peso na carteira de empréstimos a empresas residentes em Portugal (24%), concentrando-se nos setores das atividades imobiliárias e da construção. As empresas pertencentes a estes setores e financiadas pelo setor bancário apresentam uma intensidade carbónica baixa (Gráfico I.2.6 — Painel B). Contudo, estes setores poderão estar indiretamente expostos aos riscos de transição, e.g. por via dos encargos com o aumento da eficiência energética dos edifícios.

Os CPRS mais intensivos em carbono (combustíveis fósseis, utilities e agricultura), possivelmente os mais afetados pelo processo de transição, apresentam um peso relativamente contido na carteira de empréstimos a empresas (9% do total, no seu conjunto). Os transportes e os intensivos em energia, que também apresentam uma intensidade carbónica acima da média, representam, cada um, 13% do total de empréstimos bancários a empresas. Estes cinco CPRS representavam, em 2022, 36% dos empréstimos a empresas, mais 3,9 pp do que em 2010. Entre 2010 e 2022, o peso dos intensivos em energia e da agricultura aumentou 3,9 pp e 2,4 pp, respetivamente, enquanto o das utilities diminuiu 2,6 pp.

Na área do euro, a exposição dos bancos a CPRS era, em 2020, de 52% do total de empréstimos a empresas residentes, segundo o Comité Europeu do Risco Sistémico (ESRB, na sigla inglesa) (ECB/ESRB, 2021). No âmbito de um exercício piloto realizado pela EBA em 2021, para uma amostra de bancos residentes na União Europeia (UE), a exposição doméstica a CPRS correspondia a 58% do total de exposições a empresas (excluindo PME) no final de 2019 (EBA, 2021a). Considerando apenas os CPRS com intensidades carbónicas mais elevadas, a exposição do setor bancário português seria inferior à média da UE, embora superior se considerados todos os CPRS. De facto, excluindo o CPRS Imobiliário, a exposição a CPRS dos bancos residentes na UE implícita no exercício da EBA era de 41% em 2019, enquanto em Portugal essa exposição se situava em 36% em 2022 (37% em 2019).

A leitura destas comparações deve ser interpretada com alguma cautela dadas as diferentes hipóteses das análises, nomeadamente a existência de diferentes critérios na seleção das amostras, bem como diferentes estruturas setoriais entre países.

  1. Empréstimos bancários e intensidade carbónica das empresas financiadas pelo setor bancário (ICB), por setor relevante para a política climática (CPRS)

Painel A — Empréstimos bancários | Em percentagem

Painel B — Intensidade carbónica das empresas com empréstimos bancários (2010–2022) | Índice (média = 1)

Fontes: Banco de Portugal e Eurostat. | Notas: Setores relevantes para a política climática (CPRS) de acordo com Battiston et al. 2017. As cores do painel A correspondem às associadas aos setores no eixo horizontal do painel B. Cada barra do painel B, por grupo de cores (i.e. por CPRS) corresponde a um ano representado no painel A. No painel B, a intensidade carbónica de cada CPRS corresponde ao Indicador 1 — ICB, tendo sido normalizada pela respetiva média (representada pela linha a tracejado).

Peso dos setores de atividade mais intensivos em carbono no financiamento bancário à economia

A avaliação da exposição dos agentes económicos aos riscos de transição é habitualmente conduzida através da intensidade carbónica e do nível de emissões de GEE. Na perspetiva do setor bancário, o financiamento às empresas mais intensivas em carbono constitui uma fonte de exposição indireta aos riscos climáticos de transição.

Como referido anteriormente, a exposição do setor bancário aos setores mais intensivos em carbono é relativamente limitada. Contudo, a análise da exposição aos setores mais intensivos em carbono deve considerar também a estrutura da economia em que os bancos operam. Para avaliar em que medida os empréstimos concedidos pelo sistema bancário se dirigem proporcionalmente mais para setores mais intensivos em carbono, esta secção recorre à ICB acima apresentada e a um segundo indicador (Anexo):

  • Intensidade carbónica ponderada pelos empréstimos bancários (Indicador 2 — WACI).

A interpretação da evolução destes indicadores tem como ponto de comparação a intensidade carbónica da economia (ICE). A ICE é calculada como o rácio entre as emissões de GEE e o VAB da totalidade das empresas residentes na economia.

A diferença entre a ICE e a ICB reflete as diferentes composições setoriais, em termos de VAB, da carteira de empréstimos do setor bancário e da economia. Estas diferenças são determinadas por diversos fatores, relacionados tanto com a oferta como com a procura de crédito em cada setor, não refletindo apenas as decisões comerciais dos bancos. No período em análise, a ICB é superior à ICE, indicando que as empresas com empréstimos bancários são, em média, mais intensivas em carbono do que a economia como um todo (Gráfico I.2.7 —Painel A). O diferencial entre estas métricas tem vindo a reduzir-se, de forma particularmente acentuada desde 2018.

O cálculo da WACI segue o da ICB, mas substituindo, como ponderadores, os pesos do VAB das empresas pelos pesos dos empréstimos a cada empresa no total da carteira. A diferença entre a WACI e a ICE indica, de forma agregada, o desvio dos montantes de empréstimos bancários concedidos a empresas para setores mais ou menos intensivos em carbono, tendo como referência a estrutura do VAB da economia. A WACI tem mantido um desvio positivo face à ICE desde 2010, acompanhando a sua descida mais acentuada desde 2018 (Gráfico I.2.7 — Painel A). A diferença entre a WACI e a ICE em percentagem da ICE situou-se em torno de 50% entre 2014 e 2021, tendo aumentado para 59% em 2022, indicando que a composição setorial da carteira de empréstimos do setor bancário a empresas manteve, no período considerado, um desvio para setores mais intensivos em emissões de GEE.

Estes resultados estão em linha com os apresentados na edição de 2023 deste relatório anual (Banco de Portugal, 2023)41. A análise apresentada concluiu que, em 2021, a generalidade dos países da área do euro, incluindo Portugal, apresentava uma intensidade carbónica ponderada pela carteira de empréstimos a empresas mais elevada do que quando ponderada pelo VAB.

Os indicadores ICB e a WACI convergiram para um valor semelhante nos anos mais recentes, traduzindo uma diminuição mais acentuada da ICB a partir de 2018. Com efeito, o contributo acumulado (em valor absoluto) da composição da carteira foi, entre 2018 e 2022, inferior ao da intensidade carbónica, permitindo a convergência entre os dois indicadores (Gráfico I.2.7 — Painel B). Em suma, a redução da exposição do setor bancário aos riscos de transição, medida pela WACI, tem sido suportada mais pela diminuição da intensidade carbónica média das empresas financiadas do que pela recomposição da carteira de empréstimos para setores menos intensivos em carbono.

  1. Intensidades carbónicas das empresas financiadas pelo setor bancário

Painel A — Intensidade carbónica das empresas financiadas, da economia e ponderada pelos empréstimos bancários | kg CO2e/EUR

Painel B — Intensidade carbónica ponderada pelos empréstimos (esc. dir.) e contributos para a variação (esc. esq.) | kg CO2e/EUR

Fontes: Banco de Portugal e Eurostat. | Notas: No painel A, a ICB corresponde à intensidade carbónica média das empresas financiadas pelo setor bancário através de empréstimos, a ICE indica a intensidade carbónica média de todas as empresas e a WACI designa a intensidade carbónica média das empresas financiadas pelo setor bancário ponderada pelos empréstimos bancários; no painel B, o cálculo dos contributos para a variação da WACI considera as intensidades carbónicas e os pesos dos empréstimos por setor NACE a 2 dígitos (no detalhe disponível no Eurostat).

 

Concentração da carteira de empréstimos a empresas de acordo com os riscos de transição

A exposição do setor bancário aos riscos de transição pode ser amplificada por uma concentração das exposições em setores de atividade com uma intensidade carbónica elevada. Para o efeito, esta análise recorre a um terceiro indicador (Anexo):

  • Índice de concentração em atividades intensivas em carbono (Indicador 3 — cwHHI).

O grau de concentração de uma carteira pode ser quantificado pelo índice de Herfindahl-Hirschman (HHI) que, por definição, atribui uma maior ponderação às exposições mais significativas. O indicador cwHHI corresponde a uma transformação do HHI, de acordo com a qual o ponderador da exposição a cada setor é multiplicado pela respetiva intensidade carbónica, atribuindo, assim, uma maior (menor) ponderação às exposições dos setores mais (menos) intensivos em carbono.

Desde 2010, o cwHHI é inferior ao HHI não ponderado, indicando que as fontes de risco de concentração da carteira de empréstimos do setor bancário não estão associadas a setores de atividade com maior intensidade carbónica (Gráfico I.2.8 — Painel A). Após uma relativa estabilidade do cwHHI entre 2013 e 2020, este indicador observou um ligeiro aumento em 2021 e 2022, devido a um aumento das intensidades carbónicas setoriais relativas das empresas financiadas pelo setor bancário, bem como, no último ano, a um aumento da concentração da carteira (Gráfico I.2.8 — Painel B).

  1. Índice de concentração em atividades intensivas em carbono (cwHHI)

Painel A — Índice de Herfindahl–Hirschman (HHI) e índice cwHHI

Painel B — cwHHI (esc. dir.) e contributos para a variação (esc. esq.)

Fontes: Banco de Portugal e Eurostat. | Notas: No painel B, o cálculo dos contributos para a variação do índice de concentração em atividades intensivas em carbono (cwHHI) considera as int