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Boletim Económico — outubro 2024

Capa Boletim Económico — outubro 2024

Clique na infografia e consulte o sumário acessível. Fique a conhecer as projeções económicas em dois minutos.

Sumário acessível_BE out 2024

 

A economia portuguesa em 2024–26

Projeções para a economia portuguesa 2024–2026

A atividade económica em Portugal deverá crescer 1,6% em 2024, 2,1% em 2025 e 2,2% em 2026 (Quadro I.1.1). A inflação deverá reduzir-se para 2,6% em 2024 e fixar-se em valores consistentes com a estabilidade de preços nos anos seguintes. Estas projeções traduzem-se na manutenção da convergência da economia portuguesa para os níveis de rendimento europeus e num diferencial de inflação face à área do euro aproximadamente nulo (Caixa 1 — Enquadramento e políticas). Face ao Boletim Económico de junho, verificaram-se revisões do crescimento em baixa em 2024 (-0,4 pp) e em 2025 (-0,2 pp).1 A inflação foi revista ligeiramente em alta em 2024 e em baixa em 2025.

  1. Projeções do Banco de Portugal: 2024–2026 | Taxa de variação anual em percentagem (exceto onde indicado)

 

Pesos 2023

BE outubro 2024

BE junho 2024

2023

2024 (p)

2025 (p)

2026 (p)

2023

2024 (p)

2025 (p)

2026 (p)

Produto interno bruto (PIB)

100,0

2,5

1,6

2,1

2,2

2,3

2,0

2,3

2,2

Consumo privado

61,8

2,0

2,5

2,3

1,9

1,7

2,0

1,9

1,8

Consumo público

16,8

0,6

1,0

0,9

0,8

1,0

1,0

0,9

0,8

Formação bruta de capital fixo

20,1

3,6

0,8

5,4

5,1

2,5

3,3

6,1

5,0

Procura interna

99,1

1,7

1,9

2,6

2,3

1,4

2,1

2,5

2,3

Exportações

47,3

3,5

3,8

3,3

3,4

4,1

4,2

3,7

3,4

Importações

46,4

1,7

4,5

4,4

3,7

2,2

4,3

4,3

3,5

Emprego (a)

 

1,0

1,1

0,6

0,9

0,9

1,0

0,8

0,8

Taxa de desemprego (b)

 

6,5

6,4

6,4

6,4

6,5

6,5

6,6

6,6

Balança corrente e de capital (% PIB)

 

1,9

4,2

4,1

4,0

2,7

4,4

4,4

4,5

Balança de bens e serviços (% PIB)

 

1,2

2,5

2,1

2,1

1,2

2,4

1,8

2,1

Índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC)

 

5,3

2,6

2,0

2,0

5,3

2,5

2,1

2,0

Excluindo bens energéticos e alimentares

 

5,4

2,6

2,3

2,3

5,4

2,3

2,3

2,3

Deflator do PIB

 

6,9

4,5

2,9

2,7

7,1

3,8

2,7

2,4

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado, % — percentagem. O fecho de dados do exercício de projeção ocorreu a 30 de setembro. A  projeção corresponde ao valor mais provável condicional ao conjunto de hipóteses consideradas. Pesos a preços correntes. (a) De acordo com o conceito de Contas Nacionais. (b) Em percentagem da população ativa.

A economia portuguesa mantém um crescimento equilibrado no horizonte de projeção. As pressões inflacionistas externas deverão manter-se moderadas (Caixa 1 — Enquadramento e políticas). O dinamismo do rendimento disponível continuará a refletir uma evolução favorável do mercado de trabalho, com aumento do emprego e dos salários, e o impacto das medidas orçamentais. A transição gradual para taxas de juro mais baixas e as entradas de fundos europeus apoiarão um maior crescimento do investimento. A procura externa dirigida à economia portuguesa acelera no horizonte de projeção, mas a evolução das exportações é condicionada pelo esgotamento do impulso da recuperação pós-pandemia dos serviços, em particular dos associados ao turismo.

A evolução recente da atividade foi mais fraca do que o esperado, projetando-se uma aceleração no final do ano. O crescimento em cadeia do PIB reduziu-se no segundo trimestre, para 0,2%, após um início do ano dinâmico (0,6%) (Gráfico I.1.1 — Painel A). A procura interna acelerou, as exportações cresceram a um ritmo robusto e registou-se um aumento marcado das importações, em especial de serviços. No terceiro trimestre, o crescimento deverá permanecer baixo de acordo com os indicadores de conjuntura disponíveis, incluindo um indicador de atividade baseado nos inquéritos qualitativos às empresas (Caixa 2 — Um indicador para a atividade económica em Portugal baseado nos inquéritos de confiança setoriais). A evolução estimada reflete um abrandamento das exportações e do consumo privado. A projeção de um maior crescimento do PIB no quarto trimestre e no início de 2025 deve-se, em parte, à recuperação das exportações associada à aceleração da procura externa e ao maior dinamismo do turismo. Também se deverá observar uma aceleração do consumo privado, em consonância com a melhoria da confiança das famílias e a evolução do rendimento disponível.

Após o aumento no segundo trimestre, a inflação reduziu-se para 2,3% no terceiro trimestre e deverá situar-se em 2,4% no final do ano (Gráfico I.1.1 — Painel B). A volatilidade recente da inflação foi inesperada e refletiu, em larga medida, efeitos idiossincráticos nos preços dos serviços de alojamento. A taxa de variação do IHPC excluindo os bens energéticos e alimentares e as componentes voláteis associadas ao turismo manteve-se em cerca de 2,5% entre o início do ano e o mês de agosto. No horizonte de projeção, a inflação flutua em torno de 2%.

A atividade económica é sustentada pelo consumo privado e pelas exportações em 2024 e acelera em 2025–26 refletindo o dinamismo do investimento. As exportações de bens e serviços (líquidas de conteúdo importado) mantêm um contributo importante para o crescimento no horizonte de projeção, ainda que inferior ao de 2023 (Gráfico I.1.2). Projeta-se um aumento significativo do contributo do investimento em 2025–26. O contributo do consumo privado no período é consistente com uma estabilização do seu peso no PIB, em termos reais, e um aumento da taxa de poupança.

  1. Projeções trimestrais para o PIB e para a inflação

Painel A — PIB — Taxa de variação em cadeia | Percentagem

Painel B — IHPC — Taxa de variação homóloga | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: As linhas a tracejado correspondem aos valores projetados nos BE de junho e outubro de 2024.

O consumo privado cresce moderadamente face ao dinamismo do rendimento real em 2024 — refletindo fatores propícios ao aumento da poupança — e de forma mais próxima em 2025–26. Projetam-se taxas de crescimento do consumo privado de 2,5% em 2024, 2,3% em 2025 e 1,9% em 2026 (Gráfico I.1.3). O rendimento disponível real deverá crescer 6,6% em 2024, uma taxa elevada em termos históricos, que resulta da situação favorável do mercado de trabalho — em termos de emprego e salários reais —, do aumento das pensões e outras transferências e do impacto da redução do IRS. A taxa de poupança aumenta para 11,5% no ano (8,0% em 2023), um valor historicamente elevado num contexto não recessivo (Gráfico I.1.3). Nos anos seguintes, projeta-se um crescimento mais contido do rendimento disponível real (1,9%, em média), refletindo a desaceleração da massa salarial e a dissipação dos efeitos das medidas orçamentais incluídas na projeção, recomendável dada a necessidade de assegurar o equilíbrio das finanças públicas, que tem beneficiado nos últimos anos de elevados excedentes da Segurança Social. A taxa de poupança das famílias estabiliza num valor próximo de 11%.

  1. Taxa de variação do PIB e contributos das componentes da despesa (líquidos de conteúdo importado) | Em percentagem e pontos percentuais

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) projetado. Para informações sobre a metodologia de cálculo dos contributos líquidos de conteúdo importado, ver Cardoso e Rua (2021), “O real contributo da procura final para o crescimento do PIB”, Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal, Volume VII, n.º 3.

  1. Consumo privado, rendimento disponível real e taxa de poupança | Dados encadeados em volume, em milhões de euros e em percentagem do rendimento disponível

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. As barras a cinzento assinalam os anos de contração da atividade económica.

A subida da taxa de poupança das famílias em 2024 reflete o alisamento habitual das despesas de consumo face a um aumento do rendimento, mas é potenciada pelo regime de taxas de juro positivas, que contrasta com os valores próximos de zero que caraterizaram a década anterior à pandemia. Taxas de juro mais altas aumentam o custo de oportunidade do consumo, ao tornarem mais atrativo o retorno das aplicações financeiras e a amortização de empréstimos. Condicionam também as despesas de consumo das famílias endividadas e a despesa com recurso ao crédito. O aumento da poupança também ocorreu noutros países europeus (Caixa 1). O crescimento moderado do consumo em 2024 pode também ser explicado por efeitos distributivos no rendimento disponível, dado que o seu dinamismo resulta numa parte considerável de componentes que beneficiam grupos de famílias com menor propensão marginal a consumir. Em particular, estima-se um contributo relevante dos outros rendimentos (excluindo salários e transferências) — que abrangem o rendimento misto, as rendas e os rendimentos de capital — e da redução dos impostos diretos, cujo impacto é mais marcado para as famílias de maior rendimento.2 Adicionalmente, o surto inflacionista recente reduziu o poder de compra dos ativos financeiros das famílias, o que poderá encorajar o aforro para repor o valor real dessa riqueza. O aumento da poupança pode refletir igualmente uma maior precaução das famílias nos gastos de consumo após os choques extremos dos últimos anos, incluindo a pandemia e o aumento significativo do custo de vida. Uma deterioração da poupança pública também contribui para o reforço precaucionário da poupança das famílias. A manutenção da taxa de poupança em valores elevados em 2025–26 é suportada pela tendência ascendente das intenções de poupança nos próximos 12 meses reportadas no inquérito aos consumidores da Comissão Europeia (Gráfico I.14). Esta tendência é notória para as famílias dos quartis de rendimento mais elevado, que concentram a maior parte da poupança. No entanto, a incerteza sobre a persistência dos fatores acima elencados comporta riscos de um aumento do consumo superior ao projetado.

  1. Intenções de poupança nos próximos 12 meses por quartil de rendimento | Saldo de respostas extremas

Fonte: CE (Inquérito de conjuntura aos consumidores). | Nota: Saldo de respostas extremas à seguinte questão colocada aos consumidores: Nos próximos 12  meses, pensa que lhe vai ser possível poupar algum dinheiro? (++) É muito provável, (+) É provável, (-) Não é provável, (--) Não é nada provável.

O investimento abranda este ano, mas espera-se um maior dinamismo em 2025–26 com o alívio das condições financeiras, a melhoria das perspetivas globais e o estímulo dos fundos europeus (Quadro I.1.1). O crescimento da FBCF em 2024 deverá ser baixo (0,8%) e concentrado no setor público. O investimento empresarial e o das famílias em habitação têm sido penalizados pela restritividade das condições financeiras. Ainda assim, a evolução do rácio FBCF/PIB nos anos recentes compara favoravelmente com a observada na área do euro (Gráfico I.1.5). A aceleração do investimento em 2025–26, para uma taxa de crescimento média de 5,2%, reflete a manutenção de um crescimento robusto da componente pública e a recuperação da FBCF do setor empresarial, onde se mantém a necessidade de aumento e modernização do stock de capital, em particular em domínios como a digitalização, a adoção de novas tecnologias e a transição energética. Projeta-se também uma retoma gradual do investimento em habitação, suportada pela descida das taxas de juro, pelo crescimento do rendimento disponível e pelo dinamismo dos fluxos migratórios, mas condicionada pela disponibilidade de mão de obra no setor da construção.

  1. Peso da FBCF no PIB em Portugal e na área do euro | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal, INE, Eurostat e BCE. | Notas: (p) — projetado. Pesos com base em dados encadeados em volume. As projeções para a FBCF total da área do euro coincidem com as do exercício de projeção do BCE divulgado a 12 de setembro (ver “Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do BCE”, setembro de 2024). O BCE não divulga projeções para a FBCF empresarial na área do euro.

O crescimento médio das exportações em 2024–26 deverá ser similar ao de 2023 (3,5%), tendo subjacente um abrandamento da componente de serviços e uma aceleração dos bens (Gráfico I.1.6). Esta recomposição reflete, por um lado, a normalização dos padrões de consumo global com a dissipação dos efeitos pós-pandemia sobre a procura de serviços e, por outro lado, a aceleração da procura externa, com impacto principalmente nos bens. O crescimento médio projetado para as exportações de bens é de 3,1% em 2024–26, após uma redução de 1,5% em 2023. O turismo, apesar de abrandar, continuará a crescer acima do total das exportações (5%, em média, em 2024–26). Os outros serviços também desaceleram face a 2023, crescendo a um ritmo médio de 3,2% no horizonte de projeção. Refira-se que a componente de serviços não turísticos foi a que mais cresceu em termos acumulados face a 2019, refletindo o dinamismo das atividades de informática, de consultoria em gestão, de investigação e desenvolvimento, de arquitetura e engenharia, entre outros (Gráfico I.1.6).3 A evolução projetada para as exportações de bens e serviços é consistente com a manutenção de ganhos de quota de mercado. Na primeira metade de 2024, os exportadores de bens continuaram a ganhar quota nos mercados da UE, em termos nominais, tendo os ganhos sido extensivos à maioria dos grupos de produto.

A alteração da composição das exportações, com o menor contributo dos serviços, e a aceleração da FBCF implicam um crescimento da atividade mais dependente de bens importados, refletido numa aceleração das importações face a 2023 (Quadro I.1.1).

  1. Exportações de bens e serviços | Índice 2019 = 100

Fontes: Banco de Portugal, INE e BCE. | Notas: (p) — projetado. O indicador de procura externa dirigida à economia portuguesa consiste numa média das importações dos parceiros comerciais, ponderadas pelo seu peso nas exportações portuguesas.

A capacidade de financiamento da economia face ao exterior deverá aumentar para um valor médio de 4,1% do PIB em 2024–26. O saldo de bens e serviços aumenta de 1,2% do PIB em 2023 para 2,2%, em média, em 2024–26. Esta melhoria reflete um menor défice no comércio de bens e um maior excedente nos serviços (Gráfico I.1.7). No caso dos bens, o maior dinamismo em volume das importações face às exportações é mais do que compensado por ganhos de termos de troca, mais significativos em 2024. No primeiro semestre do ano, o ganho refletiu a evolução do preço relativo dos bens não energéticos — ao contrário do ano anterior quando esteve associado também à queda do preço do petróleo — e foi generalizado aos diversos grupos de produtos. Este ganho de termos de troca insere-se numa tendência longa e indicia alterações estruturais no setor exportador, com um redireccionamento para produtos de maior valor acrescentado.4 O aumento projetado do excedente de serviços prolonga também uma tendência: entre 2019 e 2023, o saldo de serviços aumentou 2,2 pp do PIB, com contributos de 1 pp do turismo e de 1,2 pp dos outros serviços (Gráfico I.1.7). Projeta-se uma melhoria do saldo das balanças de rendimentos e de capital devido ao aumento das transferências de fundos da União Europeia de 1,2% do PIB em 2023 para um valor médio de 2,5% do PIB em 2024–26. As projeções para o saldo externo implicam que o rácio de endividamento externo continuará a reduzir-se.

  1. Balança corrente e de capital | Em percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. A decomposição da balança de serviços entre viagens e turismo e outros serviços não está disponível no horizonte de projeção, dado que as importações de serviços são projetadas em termos agregados.

No mercado de trabalho, o emprego deverá continuar a crescer e a taxa de desemprego permanecerá baixa, num contexto de aumento da taxa de atividade e de fluxos imigratórios significativos. Projeta-se um aumento do emprego de 1,1% em 2024, 0,6% em 2025 e 0,9% em 2026 (Quadro I.1.1). A população ativa — que representa o potencial de criação de emprego — deverá continuar a aumentar. A imigração, que se traduz num aumento da taxa de atividade, tem sido uma peça fundamental no crescimento do emprego. Entre 2019 e 2023, o número de trabalhadores por conta de outrem registados na Segurança Social aumentou 14,4%, com um contributo de quase 10 pp dos indivíduos com nacionalidade estrangeira.5 Estes imigrantes colmataram a necessidade de mão de obra na generalidade dos setores, com destaque para a agricultura e pesca, indústria, construção, comércio, alojamento e restauração e serviços administrativos (Gráfico I.1.8).

O salário por trabalhador no total da economia abranda no período de projeção, em linha com a redução das expetativas de inflação. Os salários reais deverão aumentar 4,6% em 2024 (após 3,5% em 2023), sendo os ganhos mais moderados e alinhados com o crescimento da produtividade em 2025 e 2026 (Gráfico I.1.9). O crescimento médio da produtividade por trabalhador no horizonte de projeção (1,1%) deverá exceder o observado em média no período 2015–19 (0,5%) ou num período mais longo (0,8% em 2000–19). Esta evolução refletirá o impacto das transformações ocorridas na economia portuguesa, como a melhoria das qualificações da população, a criação de emprego em indústrias de alta e média tecnologia e serviços intensivos em conhecimento e o reforço da digitalização.

  1. Trabalhadores por conta de outrem registados na Segurança Social — variação entre 2019 e 2023 por setor e nacionalidade | Milhares de indivíduos

Fontes: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal) e DGAEP. | Notas: Foram considerados os trabalhadores por conta de outrem, em idade ativa (16–74 anos), com morada em Portugal e com, pelo menos, o equivalente a um dia de remuneração na empresa em cada mês. No “por memória” os subscritores da Caixa Geral de Aposentações são incluídos na variação de trabalhadores no setor das Administração Pública, educação e saúde. Tendo em conta estes indivíduos (para os quais não está disponível a repartição por nacionalidade), a variação do emprego por conta de outrem no setor é cerca de metade da que se obtém quando se considera apenas os indivíduos registados na Segurança Social (68 mil vs. 124 mil).

  1. Taxa de variação dos salários nominais e reais e da produtividade por trabalhador | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. Para o cálculo do salário real utilizou-se o deflator do consumo privado.

A inflação reduz-se para 2,6% em 2024 e estabiliza em 2% em 2025–26, num contexto de desaceleração dos custos salariais e de pressões externas moderadas. Em 2024, a redução reflete o menor contributo de todas as principais componentes com exceção dos bens energéticos (Gráfico I.1.10 — Painel A). Os preços dos serviços mantêm um crescimento superior ao dos bens no horizonte de projeção (Gráfico I.1.10 — Painel B). A evolução dos preços dos serviços é um indicador de pressões inflacionistas internas e da persistência da inflação. Enquanto os preços da maioria dos bens são determinados nos mercados internacionais e flutuam com as condições globais da oferta e da procura, uma grande parte dos serviços é menos transacionável e utiliza intensivamente o fator trabalho, o que torna os seus preços mais dependentes do grau de restritividade do mercado de trabalho e da evolução dos salários. Um modelo que decompõe a inflação em Portugal no contributo dos seus determinantes aponta para a preponderância dos choques sobre os preços externos na subida e subsequente redução da inflação no período pós-pandémico, mas sugere uma maior influência das pressões associadas ao mercado de trabalho no período mais recente (Caixa 3 — Fatores determinantes da inflação à luz do modelo de Bernanke-Blanchard). Na área do euro, as pressões inflacionistas têm vindo também a reduzir-se, com a inflação a aproximar-se do objetivo de estabilidade de preços do BCE (Caixa 4 — A direção das pressões inflacionistas na área do euro).

O deflator do PIB deverá crescer 4,5% em 2024 (6,9% em 2023) e abrandar para 2,9% em 2025 e 2,7% em 2026 (Quadro I.1.1). O abrandamento em 2025-26 é reflexo da redução das pressões inflacionistas internas com origem nos custos unitários do trabalho.

  1. IHPC e componentes

Painel A — PIB — Taxa de variação do IHPC e contributo das componentes | Percentagem e pp

Painel B — Taxa de variação do IHPC | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

Os riscos em torno da projeção para o crescimento e a inflação são equilibrados. Para a atividade, mantêm-se os riscos em baixa associados às tensões geopolíticas internacionais, com a possibilidade de agravamento dos conflitos associados à invasão da Ucrânia pela Rússia e no Médio Oriente e refletindo também o resultado das eleições presidenciais nos EUA, as tensões comerciais com a China e as políticas propostas de aumento do protecionismo. O crescimento da FBCF poderá ser menor num cenário de dificuldades de cumprimento das metas do PRR nos prazos estipulados. Em sentido contrário, destaca-se o risco em alta decorrente de um maior crescimento do consumo privado, em reação ao aumento projetado de rendimento das famílias. Para a inflação, existem riscos em baixa que derivam da possibilidade de efeitos desfasados da política monetária mais marcados no curto prazo. Estes riscos são contrabalançados por riscos em alta associados a choques sobre os preços das matérias-primas internacionais e as cadeias de abastecimento globais num contexto de tensões geopolíticas, bem como ao dinamismo dos salários e a sua transmissão aos preços.

A resistência da economia aos choques recentes é reflexo do progresso verificado na redução de desequilíbrios macroeconómicos e outras fragilidades estruturais. A diminuição dos rácios de dívida privada, pública e externa implicou uma menor vulnerabilidade ao choque das taxas de juro. Os grupos de famílias mais expostos beneficiaram também da adoção de medidas de mitigação do impacto da subida dos juros no crédito à habitação. O mercado de trabalho tem-se revelado robusto e flexível, com o impacto do envelhecimento da população a ser contrariado pela imigração e pelo aumento da taxa de atividade. Refira-se também a melhoria das qualificações da força de trabalho — na população com menos de 39 anos, o peso dos indivíduos com ensino superior é já próximo do da média europeia — o que suporta o desenvolvimento de atividades de maior valor acrescentado e se reflete no aumento da produtividade e em ganhos de competitividade nos mercados externos.

A economia portuguesa enfrentará desafios importantes no futuro próximo, associados às transformações tecnológicas, ao impacto das alterações geopolíticas e à gestão da transição climática (Tema em destaque: Cenários climáticos para a economia portuguesa). Um instrumento para fazer face a estes desafios é o PRR, que requer um esforço determinado para acelerar a execução dos projetos e das reformas associadas (Políticas em análise: A implementação do PRR em Portugal). Quanto à política orçamental, a sua orientação expansionista em todos os anos do horizonte de projeção, num contexto em que o PIB se encontra acima do seu potencial, gerará a necessidade de um ajustamento posterior numa fase menos favorável do ciclo económico. Assim, a redução sustentada do rácio da dívida pública não deverá abrandar o ritmo, pois representa um elemento fundamental para a estabilidade macroeconómica e para o crescimento das gerações presentes e futuras.

  1. Enquadramento e políticas

A economia mundial deverá manter um ritmo de crescimento moderado até 2026. De acordo com as hipóteses do exercício de projeção de setembro do BCE, o PIB mundial cresce a uma taxa anual de 3,1% entre 2024 e 2026, com ligeiras revisões em alta face ao cenário de junho de 2024 (Quadro C1.1). A estabilidade do crescimento global reflete uma ligeira recuperação nas economias avançadas, enquanto nas economias de mercado emergentes se espera uma desaceleração do PIB no horizonte de projeção.

As projeções de setembro do BCE apontam para uma aceleração da atividade económica na área do euro, mas para um ritmo mais fraco do que o considerado no exercício de junho. A recuperação esperada do consumo privado no segundo trimestre de 2024 não se verificou, tendo as perspetivas para a segunda metade do ano sido revistas em baixa num contexto de sinais mais fracos dos indicadores qualitativos. O PMI (Purchasing Managers’ Index) para a área do euro reduziu-se nos últimos meses, sinalizando uma estagnação do PIB no terceiro trimestre, com destaque para a fraqueza da atividade na França e na Alemanha (Gráfico C.1.1). A projeção de setembro mantém uma recuperação da atividade económica da área do euro sustentada pelo crescimento do consumo privado. Em média anual, o PIB da área do euro cresce 0,8% em 2024, 1,3% em 2025 e 1,5% em 2026. Esta evolução está associada à recuperação do rendimento disponível real, ao aumento da procura externa e ao alívio das condições financeiras, por via da redução das taxas de juro (Quadro C.1.2).

  1. PMI Compósito — Produção | Índice de difusão

Fonte: S&P Global.

A taxa de poupança assume um papel importante na projeção para a área do euro, esperando-se uma redução dos elevados níveis atuais à medida que os padrões de consumo normalizam. Após os máximos atingidos na pandemia, a taxa de poupança diminuiu ao longo de 2021 e 2022, mas tem vindo a aumentar desde o final de 2022. No primeiro trimestre de 2024, a taxa de poupança atingiu 15,4%, um valor acima da média do período pré pandemia (12,7%). A confiança dos consumidores tem vindo também a melhorar, num quadro de robustez do mercado de trabalho, embora se situe ainda abaixo da média histórica e dos níveis pré pandemia. Tal sugere que o aumento recente da taxa de poupança e das intenções de poupança não seja apenas justificado por motivos de precaução. A subida das taxas de juro de política monetária na área do euro entre julho de 2022 e setembro de 2023 repercutiu-se nas taxas de juro dos depósitos a prazo. Esta subida traduziu-se num incentivo à poupança, observando-se desde 2023 uma substituição dos depósitos à ordem por depósitos a prazo (Gráfico C.1.3). No horizonte de projeção, a normalização da política monetária e a recuperação da confiança dos consumidores deverão contribuir para uma redução gradual da taxa de poupança.

  1. Hipóteses do exercício de projeção

 
 

BE outubro 2024

Revisões face ao BE junho 2024

 

2023

2024

2025

2026

2023

2024

2025

2026

Enquadramento internacional

 
 
 
 

 

 
 
 
 

PIB mundial

tva

3,1

3,1

3,1

3,1

0,0

0,1

0,1

0,1

PIB Área do euro

tva

0,5

0,8

1,3

1,5

-0,1

-0,1

-0,1

-0,1

Comércio mundial

tva

0,5

2,3

3,3

3,3

0,1

0,2

0,0

0,1

Procura externa

tva

-0,1

1,1

2,8

3,3

0,4

0,0

-0,4

0,1

Preços internacionais

 
 
 
 

 

 
 
 
 

Preço do petróleo

vma

77,5

76,5

69,5

66,9

0,0

-1,2

-2,9

-2,3

Preço do gás (MWh)

vma

40,6

34,2

41,1

35,4

0,0

3,4

5,7

5,5

Matérias-primas não energéticas

tva

-14,5

6,7

0,6

2,5

0,0

-5,0

-3,5

1,6

Preço de importação dos concorrentes

tva

-1,6

0,4

2,0

2,3

0,0

-0,4

-0,6

0,0

Condições monetárias e financeiras

 
 
 
 

 

 
 
 
 

Taxa de juro de curto prazo (EURIBOR a 3 meses)

%

3,4

3,6

2,5

2,2

0,0

0,0

-0,3

-0,3

Taxa de juro implícita da dívida pública

%

2,0

2,2

2,3

2,3

-0,1

-0,2

-0,2

-0,3

Índice de taxa de câmbio efetiva

tva

4,9

2,2

0,5

0,0

0,0

0,4

0,4

0,0

Taxa de câmbio euro-dólar

vma

1,08

1,09

1,10

1,10

0,0

0,8

1,7

1,7

Fontes: Banco de Portugal e Eurosistema (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: tva — taxa de variação anual, % — Em percentagem, vma — Valor médio anual, MWh — Megawatt-hora. As hipóteses técnicas e de enquadramento externo e as projeções para o PIB e inflação da área do euro coincidem com as do exercício de projeção do BCE divulgado a 12 de setembro (“Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema”, setembro de 2024), incluindo a informação disponível até 16 de agosto. Os preços internacionais são medidos em euros. A hipótese técnica para o preço do petróleo, gás e matérias-primas não energéticas assenta nos mercados de futuros. O preço de importação dos concorrentes corresponde a uma média ponderada dos deflatores de exportação dos países dos quais Portugal importa, ponderada pelo peso relativo nas importações portuguesas (para mais informação, ver “Trade consistency in the context of the Eurosystem projection exercises: an overview”, ECB Occasional Paper 108, março de 2010). A evolução da taxa EURIBOR a 3 meses tem por base as expetativas implícitas nos contratos de futuros. A taxa de juro implícita da dívida pública é calculada como o rácio entre a despesa em juros do ano e a média simples do stock da dívida no final do ano e no final do ano anterior. Um aumento da taxa de câmbio corresponde a uma apreciação. O índice de taxa de câmbio efetiva do euro é calculado face a um grupo de 41 países parceiros. A revisão da taxa de câmbio euro-dólar é apresentada em percentagem. A hipótese técnica para as taxas de câmbio bilaterais pressupõe a manutenção ao longo do horizonte de projeção dos níveis médios observados nas duas semanas anteriores à data de fecho da informação.

  1. Depósitos das famílias — fluxos e taxas de juro | Em milhões de euros e em percentagem

Painel A — Área do euro

Painel B — Portugal

Fonte: BCE.

O crescimento do comércio mundial deverá recuperar no horizonte de projeção. Depois de um crescimento de 0,5% em 2023, espera-se que o comércio mundial de bens e serviços cresça 2,3% em 2024 e ligeiramente acima do ritmo de crescimento da atividade mundial em 2025 e 2026 (3,3%) (Quadro C1.1). Face ao exercício de projeção de junho, o crescimento do comércio mundial em 2024 foi revisto em alta (0,2 pp). Esta revisão estará relacionada com uma antecipação de importações nas economias avançadas durante o segundo trimestre, motivada por receios de perturbações nas cadeias de distribuição e intensificação de tensões comerciais e geopolíticas na segunda metade do ano. A recuperação projetada para a procura externa dirigida à economia portuguesa deverá ser mais lenta do que a do comércio mundial, refletindo um menor dinamismo do comércio intracomunitário, com crescimentos de 1,1% em 2024, 2,8% em 2025 e 3,3% em 2026.

A inflação na área do euro deverá diminuir e convergir para o objetivo de política monetária até ao final de 2025, em linha com a projeção de junho. É esperado um aumento da taxa de inflação da área do euro no último trimestre de 2024 associado a efeitos base na componente energética, seguindo-se um perfil de redução gradual até ao final de 2026. De acordo com as projeções do BCE, a inflação na área do euro diminui de 5,4% em 2023 para 2,5%, 2,2% e 1,9% em 2024, 2025 e 2026, respetivamente. A medida de inflação excluindo bens alimentares e energéticos deverá situar-se em 2,9%, 2,3% e 2,0% em 2024, 2025 e 2026, respetivamente.

As expetativas implícitas nos contratos de futuros apontam para uma redução das taxas de juro de curto prazo mais significativa do que a esperada no exercício de junho. Em média anual, a taxa EURIBOR a 3 meses deverá reduzir-se para 3,6% em 2024, 2,5% em 2025 e 2,2% em 2026 (Quadro C1.1). A revisão em baixa da taxa de juro de curto prazo em 2025 e 2026 reflete as expetativas de cortes adicionais das taxas de política do BCE. A taxa de juro implícita na dívida portuguesa aumenta para 2,2% em 2024 e estabiliza em 2,3% em 2025–26. Esta evolução reflete a substituição de dívida emitida no passado a taxas de juro inferiores às das atuais emissões.

 
  1. Um indicador para a atividade económica em Portugal baseado nos inquéritos de confiança setoriais

O acompanhamento de um conjunto alargado e tempestivo de indicadores da atividade é essencial à análise económica e à previsão de curto prazo. O novo indicador compósito para a taxa de variação em cadeia da atividade em Portugal é baseado nos inquéritos de opinião divulgados pela Comissão Europeia (CE). Este indicador é qualitativamente similar ao Purchasing Managers' Index (PMI) compósito da produção, muito utilizado para previsão de curto prazo do PIB em vários países, mas que não está disponível para Portugal.6

O indicador de atividade apresentado nesta caixa utiliza as respostas dos inquéritos da CE às empresas. Em maio de 2023, a amostra abrangia 5206 empresas: 1801 no setor da indústria, 1808 nos serviços, 728 no comércio, e 869 na construção. A CE reporta os resultados habitualmente na forma de saldos de respostas extremas, mas divulga também informação, detalhada, por tipo de resposta (positiva, neutra ou negativa). Para o cálculo do indicador, o resultado de cada questão é reconstruído na forma de indicador de difusão ― à semelhança do PMI e com uma interpretação similar ― indicando expansão (acima de 50), estabilidade (50) ou contração (inferior a 50).7 As questões setoriais são agregadas com base nos pesos de cada setor de atividade no total da economia.8 A combinação de questões que obteve maior correlação com o PIB no mesmo trimestre agrega apenas as expetativas de produção/negócios para os 3 meses seguintes dos questionários à indústria, aos serviços e ao comércio a retalho. Além de atempado, já que está disponível no último dia do trimestre de referência, este indicador tem a vantagem de praticamente não ser revisto.9

O gráfico C2.1 apresenta a comparação entre o indicador baseado nos inquéritos de confiança e a taxa de variação em cadeia do PIB. O indicador apresenta uma elevada correlação com a evolução da atividade (70% em 2004 T1–2019 T4 e 66% em 2022 T2–2024 T2).

  1. Indicador de atividade baseado nos inquéritos de confiança e PIB | Índice de difusão e taxa de variação em cadeia em percentagem

Fontes: Comissão Europeia e INE (cálculos do Banco de Portugal). | Nota: A escala da esquerda foi truncada para melhorar a legibilidade do gráfico, sendo os valores omitidos indicados em texto no gráfico.

O gráfico C2.2 ― Painel A avalia a capacidade do indicador baseado nos inquéritos de confiança de antecipar o sinal da taxa de variação em cadeia do PIB, para vários subperíodos. O período da pandemia (2020 T1–2022 T1) foi de grande instabilidade na atividade económica, pelo que não foi incluído nesta análise. Dada a frequência mensal dos indicadores de confiança, a previsão para a evolução do PIB com base no indicador pode ser feita em diferentes momentos do trimestre, correspondendo a diferentes graus de disponibilidade da informação. Os resultados para estas diversas situações possíveis são também apresentados no gráfico C2.2, que mostra uma taxa de sucesso na previsão do sinal da variação em cadeia do PIB próxima de 90% no período mais recente. Esta percentagem é ligeiramente inferior quando apenas está disponível informação relativa a um mês dos indicadores de confiança, mas estabiliza a partir da divulgação do segundo mês de informação, o que ocorre cerca de 30 dias antes do fecho do trimestre de referência para o PIB. No que diz respeito à capacidade de prever a aceleração/abrandamento do PIB, o indicador apresenta uma taxa de sucesso de 89% no período mais recente, quando estão disponíveis dois meses ou mais dos indicadores de confiança. Quando a disponibilidade dos indicadores de confiança é mais limitada, a taxa de sucesso é de 67%.

  1. Taxa de sucesso do indicador de atividade baseado nos inquéritos de confiança na previsão do sinal e do sentido da variação da taxa de variação em cadeia do PIB | Percentagem

Painel A — Previsão do sinal da taxa de variação

Painel B — Previsão de um aumento/redução da taxa de variação

Fontes: Comissão Europeia e INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A taxa de sucesso na previsão do sinal da taxa de variação é calculada como o rácio entre o número de trimestres em que o sinal da taxa de variação em cadeia do PIB coincidiu com o sinal do indicador de atividade baseado nos inquéritos de confiança deduzido de 50 e o número total de trimestres em análise. A taxa de sucesso na previsão de um aumento/redução da taxa de variação é dada pelo rácio entre o número de trimestres em que a taxa de variação em cadeia do PIB aumentou (diminuiu) e o indicador aumentou (diminuiu) e o número total de trimestres em análise.

A análise sugere que este indicador fornece indicações úteis sobre a evolução da atividade no trimestre corrente, não dispensando, no entanto, uma análise conjunta de todos os indicadores e modelos de curto prazo disponíveis. Um modelo de curto prazo para a taxa de variação em cadeia do PIB sugere que a cada ponto de aumento do indicador de atividade corresponde um aumento da taxa de variação em cadeia do PIB de 0,13 pp, um resultado similar ao obtido para a área do euro com base no PMI.10 Com base na informação dos indicadores de confiança de julho a setembro, o indicador aponta para uma taxa de variação em cadeia do PIB em 2024 T3 próxima da registada no trimestre anterior (Gráfico C2.1).

 
  1. Fatores determinantes da inflação à luz do modelo de Bernanke-Blanchard

Quais são os principais determinantes do comportamento da inflação em Portugal no período recente? Recorrendo ao modelo proposto recentemente por Bernanke e Blanchard (2023),11 explica-se conjuntamente a dinâmica dos preços, dos salários e das expetativas de inflação de curto e de longo prazo, condicional aos choques exógenos oriundos dos preços da energia, dos preços dos bens alimentares, da produtividade, de restrições do lado da oferta (constrangimentos nas cadeias de abastecimento) e do grau de aperto no mercado de trabalho. Tendo por base a estrutura deste modelo, é possível quantificar o papel relativo dos vários choques na determinação da inflação e a sua natureza transitória ou permanente.

O modelo para Portugal foi estimado para o período de 1999 T1 a 2024 T2. A inflação, medida pela taxa de variação do IHPC, é uma função da inflação passada, da variação dos preços relativos dos bens energéticos e dos bens alimentares face aos salários, do crescimento da produtividade de longo prazo, de um indicador de constrangimentos nas cadeias de abastecimento e do crescimento nominal dos salários por trabalhador. As condições do mercado de trabalho e as expetativas de inflação atuam no modelo por via da equação para o crescimento dos salários, que é representada por uma curva de Phillips aumentada de expetativas. O papel da política monetária é capturado indiretamente através da sua influência no mercado de trabalho e nas expetativas de inflação de longo prazo. A variável de mercado de trabalho capta também as pressões do lado da procura e os efeitos da política orçamental.

O modelo estimado e as respostas empíricas aos choques exógenos ocorridos no período pós-pandemia permitem analisar os fatores determinantes da inflação em Portugal no período 2021 T1–2024 T2 (Gráfico C3.1).

O aumento da inflação até 2022 T4 deveu-se sobretudo a uma sucessão de choques adversos sobre o preço dos bens energéticos e dos bens alimentares e a constrangimentos nas cadeias de abastecimento. A reabertura das economias e a retoma da atividade global levaram ao aumento da procura de matérias-primas energéticas e consequentemente ao aumento do seu preço. Os constrangimentos nas cadeias de abastecimento global refletiram uma reação lenta da oferta ao aumento da procura de bens, associado à concretização de despesa adiada durante os confinamentos da pandemia.

Com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 T1, o contributo dos efeitos observados anteriormente foi amplificado até ao final de 2022, com particular ênfase para o preço dos bens energéticos até 2022 T4 e dos bens alimentares até 2023 T2. Segundo o modelo, apesar do contributo mais persistente do preço dos bens alimentares, a diminuição observada na inflação desde 2022 T4 é explicada pela reversão dos choques nos preços relativos e pela dissipação dos constrangimentos nas cadeias de abastecimento.12

A situação do mercado de trabalho também influenciou o aumento das pressões inflacionistas, especialmente no período mais recente. O mercado de trabalho em Portugal, tal como noutras economias desenvolvidas, apresenta um grau de restritividade elevado — refletindo o aumento da procura agregada e uma oferta de trabalho já em máximos históricos — que contribuiu para a subida marcada dos salários nominais nos três últimos anos. As perdas reais em 2022, ano da subida acentuada da inflação, começaram a ser revertidas em 2023, explicando também o efeito desfasado sobre a inflação.

  1. Fatores determinantes da inflação no período pós-pandemia | Taxa de variação homóloga em percentagem e contributos em pontos percentuais

Fontes: Comissão Europeia, Consensus, Eurostat, INE, MTSSS, NYFED (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O gráfico ilustra a decomposição da taxa de variação homóloga do IHPC entre 2021 T1 e 2024 T2, com base no modelo estimado e nas funções de resposta a impulso implícitas. As barras representam o contributo de cada variável exógena e dos resíduos para a inflação observada, líquidos dos contributos das condições estruturais. As condições estruturais são dadas pelas variáveis exógenas no seu valor de equilíbrio ou de longo prazo. O contributo destas barras traduz o que seria a inflação se as variáveis de mercado de trabalho e de constrangimento nas cadeias de abastecimento estivessem em equilíbrio (índices no valor zero), o crescimento da produtividade estivesse na média de longo prazo e o crescimento dos preços relativos dos bens energéticos e dos bens alimentares fosse igual a zero. A inflação é medida pela taxa de variação do IHPC, os preços dos bens energéticos e dos bens alimentares correspondem às respetivas subcategorias do IHPC, a medida de salários utilizada é a dos salários base por trabalhador declarados à segurança social, a produtividade é calculada através do VAB por trabalhador, o índice de constrangimento nas cadeias de abastecimento é obtido pela série Global Supply Chain Pressure Index da NYFED e a variável do mercado de trabalho corresponde ao indicador de Força de Trabalho Insuficiente, explicado em maior detalhe nas notas ao gráfico C3.2.

O grau de restritividade no mercado de trabalho é avaliado recorrendo à relação entre um indicador de força de trabalho insuficiente e a taxa de desemprego. Esta relação é uma aproximação à chamada curva de Beveridge, que associa a taxa de desemprego com o rácio das vagas de emprego sobre o número de desempregados. O gráfico C3.2 ilustra aquela relação e mostra que, embora a taxa de desemprego tenha apresentado uma relativa estabilização nos últimos três anos, a percentagem de empresários a reportar dificuldades em recrutar aumentou para níveis historicamente elevados. Em 2024 T2, o grau de restritividade do mercado de trabalho era mais elevado que no período pré-pandemia, não obstante uma evolução favorável face a 2022.

A situação do mercado de trabalho contribui de forma desfasada no tempo para pressões sobre os salários e, consequentemente, para pressões inflacionistas. No modelo estimado, o contributo da situação no mercado de trabalho para a inflação é o mais persistente. Apesar de inicialmente pequeno comparado com o contributo dos choques nos preços relativos, é a restritividade do mercado de trabalho que mais contribui para a inflação no período mais recente, compensando o contributo negativo dos preços dos bens energéticos e dos bens alimentares (Gráfico C3.1). Note-se, no entanto, que neste período a taxa de inflação se encontra bastante próxima de 2%.

Comparando os resultados para Portugal com os apresentados em Bernanke e Blanchard (2024) até 2023 T2 para a área do euro e para outros Estados-Membros, conclui-se que, qualitativamente, os fatores por detrás da dinâmica dos preços são transversais a estas economias. Os choques nos preços relativos dos bens energéticos e alimentares e a sua posterior reversão, num quadro de expetativas de inflação ancoradas, foram os fatores determinantes da dinâmica da inflação nos últimos anos.

  1. Restritividade no mercado de trabalho e taxa de desemprego

Fontes: Comissão Europeia e INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Foram utilizados dados trimestrais entre 1999 T1 e 2024 T2; a restritividade no mercado de trabalho corresponde ao indicador de Força de Trabalho Insuficiente (FTI), construído a partir da percentagem de empresários que reporta a força de trabalho insuficiente como fator limitativo da produção nos inquéritos da Comissão Europeia, ponderando os resultados para a indústria, serviços e construção pelo respetivo peso do emprego de cada setor no total da economia e posteriormente padronizado com base na média e desvio padrão; para obter observações desde 1999T1 o indicador foi retropolado usando os dados para os setores disponíveis e ajustando a sua ponderação; a relação não-linear entre o indicador FTI e a taxa de desemprego, ilustrada pela tendência a amarelo, exclui o período 2010 T1–2015 T4; a interseção entre os eixos é dada pela relação não-linear, tendo implícita a taxa de desemprego de 6,9%.

 
  1. A direção das pressões inflacionistas na área do euro

A condução da política monetária do BCE tem em conta um vasto conjunto de informação. Uma peça importante é a análise da evolução da inflação total, complementada pela monitorização de medidas de inflação subjacente. Estas medidas visam sobretudo captar a tendência subjacente nos preços dos bens e serviços. Nesta caixa apresenta-se um novo instrumental que pretende aferir a direção da inflação subjacente na área do euro. Este preserva as propriedades de uma bússola, onde a agulha indica a direção média das pressões inflacionistas, ou seja, se as pressões sobre os preços estão a acelerar ou a desacelerar.13

A leitura da indicação da bússola é feita no sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio, onde as direções este (0°) e oeste (180°) correspondem a uma situação em que a inflação subjacente se situa em 2%. À medida que a agulha avança ao longo do primeiro quadrante, as pressões sobre os preços aumentam, com a inflação a subir até atingir um máximo local, representado pelo ângulo de 90° (norte). Ao transitar para o segundo quadrante, que se estende de 90° a 180°, a inflação continua acima do objetivo de estabilidade de preços do BCE. No entanto, os preços começam a desacelerar com o avanço neste quadrante, até que a inflação atinge o objetivo na direção oeste. No terceiro quadrante, que abrange as direções de 180° a 270°, a inflação encontra-se abaixo do objetivo. Aqui, as pressões sobre os preços continuam a desacelerar à medida que se avança neste quadrante, até que a inflação atinge um mínimo local na direção sul (270°). Por último, no quarto quadrante, que se estende de 270° a 360°, os preços aceleram. À medida que se avança neste quadrante, a inflação aumenta até voltar a atingir o objetivo (direção este).

A direção é obtida com base em toda a informação granular subjacente ao cálculo do IHPC na área do euro, indicando assim as pressões inflacionistas correntes. Apresenta-se também um intervalo de confiança para essa indicação, na forma de arco e cuja amplitude reflete a dispersão dos subitens elementares da inflação.

Este instrumental tem corroborado uma diminuição das pressões inflacionistas ao longo de 2024. A título de exemplo, no início do ano a agulha da bússola situava-se no segundo quadrante, sinalizando que as pressões inflacionistas estariam a diminuir (Gráfico C4.1). No início do segundo trimestre, esta indicação era novamente corroborada. Os dados mais recentes sugerem que as pressões inflacionistas continuaram a diminuir em agosto, com a agulha a aproximar-se da direção oeste. Não obstante a incerteza acrescida face a meses anteriores dada a maior amplitude do arco, o intervalo de confiança compreende a direção oeste, o que sugere que as pressões inflacionistas estarão compatíveis com o objetivo de estabilidade de preços.

Esta incerteza reforça a importância de analisar um conjunto vasto de indicadores para informar as decisões de política do BCE no atual contexto.

  1. Bússolas para a inflação

Painel A — Jan. 2024

Painel B — Abr. 2024

Painel C — Ago. 2024

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: As direções de 0° e 180° correspondem a uma taxa de inflação de 2% e as direções de 90° e 270° referem-se a um máximo e mínimo local, respetivamente. Bússolas calculadas com base na classificação ECOICOP-5 dos subíndices do IHPC. O intervalo é calculado para um nível de confiança de 90%.

 
 

Tema em destaque

Cenários climáticos para a economia portuguesa1

Este Tema em destaque apresenta uma seleção de resultados do exercício de avaliação dos impactos macroeconómicos do aquecimento global na economia portuguesa, realizado no âmbito do Roteiro Nacional para a Adaptação 2100 (RNA 2100). O RNA 2100 é uma iniciativa dedicada à avaliação da vulnerabilidade do território português às alterações climáticas durante o século XXI, foi promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente, sendo parceiros o Banco de Portugal, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Direção-Geral do Território, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e a Direção Norueguesa de Proteção Civil.2

O elemento central do Roteiro é um conjunto de projeções do clima para Portugal continental até 2100, consistentes com três dos cenários desenvolvidos pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). As projeções fornecem dados climáticos com elevada resolução geográfica que permitem apoiar a conceção de políticas públicas de mitigação e adaptação às alterações climáticas, tendo ainda por objetivo contribuir para a informação e sensibilização do público.

Na secção seguinte apresentam-se elementos sobre a geofísica do aquecimento global e as razões por que este é também um problema económico, descrevendo-se políticas económicas apropriadas para mitigar os seus efeitos. De seguida, caracterizam-se os cenários climáticos globais usados no Roteiro. Aplicando estes cenários ao território português, é possível descrever em traços muito gerais a evolução da economia portuguesa em cada um deles, através de um modelo de avaliação integrada3 com equilíbrio geral. O Tema em destaque inclui uma caixa dedicada às projeções climáticas para Portugal continental até 2100 para os diferentes cenários do IPCC usados no Roteiro.

O problema do aquecimento global

A questão do aquecimento global é conhecida pelo menos desde o final do século XIX, quando o químico sueco Svante Arrhenius descreveu o efeito que alguns gases tinham na absorção da radiação proveniente da Terra e reemissão dessa radiação de volta para a superfície, produzindo um efeito de estufa. Os gases com efeito de estufa atuam como uma espécie de cobertor da Terra, tornando a atmosfera opaca para a radiação que sai da Terra para o espaço, e que se processa em comprimentos de onda em geral distintos dos comprimentos de onda da luz visível proveniente do Sol, para os quais a atmosfera é transparente se não tiver nuvens. Quando a concentração destes gases aumenta, o efeito torna-se mais intenso, a retenção de energia é maior e a temperatura à superfície da Terra aquece. Isto acontece até que se reestabeleça um equilíbrio entre a energia proveniente do Sol que penetra na atmosfera (há uma parte — cerca de 70% — que é imediatamente refletida para o espaço) e aquela que sai para o espaço emitida pela Terra.

De entre os gases com efeito de estufa, destaca-se o vapor de água, que é aquele que mais radiação proveniente da Terra absorve e reemite. No entanto, a sua presença na atmosfera deve-se sobretudo a fatores endógenos ao próprio sistema climático e não diretamente à ação humana. Tal não é o caso do segundo gás com efeito de estufa mais importante, o dióxido de carbono, que representa ¾ das emissões de GEE excluindo o vapor de água. Uma parte da concentração deste gás na atmosfera deve-se a fatores naturais, mas há uma componente importante que provém da queima de combustíveis fósseis, ricos em carbono. Existem ainda outros gases que contribuem para este fenómeno, como o metano, que não se afiguram tão relevantes, por permanecer relativamente pouco tempo na atmosfera.

Uma vez emitido, o dióxido de carbono espalha-se por toda a atmosfera e nela permanece por muito tempo. O tempo necessário para que metade do gás emitido seja removido da atmosfera por processos naturais é superior a um século. É a conjunção de ser um gás com forte efeito de estufa, de permanecer durante muito tempo na atmosfera e de ser emitido por queima de combustíveis fósseis para obtenção de energia que o torna especialmente significativo para o fenómeno do aquecimento global devido a causas humanas.

O aquecimento global é um fenómeno muito complexo, condicionado não só pela concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, mas também por flutuações sazonais, variação geográfica, alterações na morfologia dos terrenos por ação humana ou natural, e mesmo fenómenos extraterrestres, nomeadamente a intensidade da radiação solar. Para além disso, o facto de a temperatura terrestre global média aumentar não significa que esse aumento seja uniforme no globo, podendo mesmo haver reduções localizadas da temperatura média. O aquecimento global afeta também a precipitação, a intensidade dos ventos e a frequência de fenómenos extremos, como secas, cheias e tempestades, de formas difíceis de prever e quantificar. É por esta razão que o termo “alterações climáticas” é muitas vezes usado em vez de “aquecimento global”.

A atividade económica liga-se fundamentalmente com o uso de energia e, se esta for produzida pela queima de combustíveis fósseis, fica evidente o impacto da atividade económica no clima. Alterações na atividade económica irão produzir alterações na concentração de gases com efeito de estufa, na temperatura média global e no clima. Será que o efeito contrário — uma alteração no clima produzir alterações na atividade económica — também ocorre? A resposta é sim, e por diversas razões. Em primeiro lugar, a atividade económica, sendo um fenómeno humano de otimização dos recursos existentes para maximização de proveitos económicos, está adaptada às condições climáticas dos locais em que é exercida. Por exemplo, nos climas frios as casas têm poderosos sistemas de aquecimento, sendo construídas em materiais apropriados para temperaturas baixas. Se a temperatura média anual aumentar, essas construções revelar-se-ão menos apropriadas; por exemplo, os materiais das casas provavelmente poderiam ser substituídos por outros mais económicos, e os sistemas de aquecimento poderiam revelar-se pouco eficientes. Esta inadequação resultante do aumento da temperatura média traduz-se num custo económico face à situação anterior, que pode ser fugaz ou perdurar durante muito tempo. O argumento é extensível a muitas outras facetas da atividade económica: infraestruturas de transportes e comunicações, diques para contenção de cheias, canais, edifícios públicos, estâncias de desportos, e por aí fora.

Há outros canais de impacto das alterações climáticas no produto de uma economia. Um canal óbvio de impacto é a produtividade agrícola, uma vez que os terrenos, as culturas e o material agrícola se encontram adaptados à situação inicial. Também a mortalidade tende a aumentar com a temperatura para climas suficientemente quentes, acontecendo o contrário para temperaturas suficientemente frias. Dependendo da distribuição da população por regiões, isto pode levar a perdas económicas agregadas.

Para além destes, há canais adicionais menos evidentes. O aquecimento global poderá levar ao crescimento de fenómenos extremos relacionados com a temperatura. É considerado “provável” pelo IPCC que os fenómenos de temperatura extrema que ocorreriam de dez em dez anos num clima sem influência humana, e que atualmente, com um aquecimento global de 1° C, já são 2,8 vezes mais frequentes, passem a ser 5,6 vezes mais frequentes num cenário de aquecimento global de 2 °C.4 Esta relação praticamente linear significa que atividades económicas sensíveis à ocorrência de ondas de calor serão mais frequentemente afetadas, aumentando a volatilidade dos seus retornos.5 A este aumento de temperatura está associado uma maior frequência de outros tipos de eventos extremos e fenómenos adversos, incluindo cheias, secas e acidificação dos oceanos, entre outros.

Do ponto de vista económico, o que se acaba de descrever tem a natureza de uma externalidade globalmente negativa.

A literatura económica sobre o combate às alterações climáticas distingue entre dois tipos de medidas para atenuar os seus efeitos e proporcionar maiores níveis de bem-estar: políticas de mitigação e políticas de adaptação. As primeiras visam incentivar os agentes a reduzir a intensidade da externalidade, neste caso a diminuir as emissões de gases com efeito de estufa; as segundas procuram reduzir os efeitos negativos dessa externalidade.

Políticas de mitigação

Na sua essência, a primeira prescrição de política económica de mitigação assenta no trabalho seminal de Pigou (1920). Como os agentes económicos que geram emissões de gases com efeito de estufa não levam em consideração os impactos negativos da sua atividade sobre os demais, está-se perante uma falha de mercado. A política de mitigação prescrita nesse caso é uma taxa sobre essas emissões na fonte, num valor igual ao dano marginal total não considerado pelo emissor. Pretende-se, assim, alinhar os incentivos dos agentes económicos no sentido de uma maior redução das emissões de gases com efeito de estufa. Esta medida pode também ser entendida como um incentivo à inovação em tecnologias menos intensivas no uso de carbono.

A segunda prescrição de política de mitigação é inspirada no trabalho de Coase (1960) sobre a alocação de direitos de propriedade intelectual. Em vez de se implementarem impostos corretores, esta medida estipula uma dada quantidade de emissões de carbono que tem associado um certo número de licenças de emissão, transacionáveis em mercado. A compra de uma licença no mercado concede o direito de emissão de uma unidade de carbono. Um exemplo desta medida é o atual mecanismo de emissão de licenças transacionáveis na União Europeia (o EU ETS, da designação “EU Emissions Trading System”), em vigor desde 2005.6

A regulação é também uma medida de mitigação, como é o caso, por exemplo, das restrições à produção de energia fóssil. A regulação que exige determinados critérios de eficiência energética na nova construção é outro exemplo.

Políticas de adaptação

As medidas de adaptação para os efeitos das alterações climáticas não mitigam a externalidade climática em si, mas atenuam os seus efeitos. Por se tratar de uma forma de investimento público ou privado, a adaptação absorve recursos que podiam ser usados para outros fins, pelo que a definição de uma estratégia de política ótima terá em consideração este trade-off. A capacidade adaptativa das economias depende de fatores como a qualidade das instituições ou o grau de desenvolvimento financeiro, que estão relacionados com o crescimento económico. Assim, políticas que estimulem o crescimento económico ou a provisão de bens públicos (por exemplo, na saúde e na gestão do fornecimento de água potável) tenderão a aumentar a capacidade adaptativa dos países e a atenuar os efeitos da externalidade climática. A literatura reconhece que os impactos negativos são maiores nos países mais pobres (Tol 2024). Estas economias localizam-se em zonas do globo mais quentes e tendem a ter uma maior fração de setores de atividade mais expostos aos efeitos do aumento da temperatura, como a agricultura, para além de serem menos diversificadas.

Um exemplo de políticas públicas de adaptação é o investimento em proteção costeira para atenuar o efeito da subida do nível médio da água do mar. Grande parte destes investimentos visam proteger o capital físico existente, não sendo por isso investimentos produtivos per se. Por último, refira-se que existe um grau de substituibilidade entre as políticas de adaptação e de mitigação. Isto sugere que perante a existência de dois instrumentos, os incentivos para fazer mitigação reduzem-se, pelo que necessidades de investimento em adaptação avultadas podem ser um sinal de ineficácia das políticas de mitigação no combate às alterações climáticas.

Alguns desafios por resolver

A avaliação dos impactos económicos de diferentes cenários climáticos, como é o caso do exercício neste Tema em destaque, encontra-se num nível mais avançado do que a dos cenários com degradação do capital natural, entendido este como o conjunto dos recursos naturais (solos, água, minerais, ar, organismos vivos). Em particular, não existe ainda uma avaliação cuidada e exaustiva do impacto económico proveniente de perda de biodiversidade e da degradação dos ecossistemas. Uma das razões para isso é a falta de dados com georreferenciação sobre unidades de atividade económica, não disponíveis em muitas jurisdições, que permitiriam uma avaliação correta da exposição das atividades económicas a este tipo de riscos.

Existe também um problema de quantificação do valor económico da biodiversidade e do fluxo de serviços associados aos ecossistemas.7 O funcionamento dos ecossistemas é complexo e a quantificação do seu valor económico é difícil, por não haver uma forma geral de precificar o capital natural (IPBES, 2019). Qual o valor atribuível a salvar uma espécie animal da extinção? Qual o valor de manter uma floresta primitiva? Não existindo muitas vezes mercados para os serviços da biodiversidade e dos ecossistemas, a sua avaliação económica apenas pode ser feita indiretamente e de forma imprecisa.

Neste sentido, o desenvolvimento de cenários de risco associado à degradação da natureza tem sido objeto de estudo por parte da Taskforce on Nature-related Risks da Network for Greening the Financial System (NGFS). Estes desenvolvimentos metodológicos requerem o uso de modelos biofísicos e de modelos que integrem a economia e os serviços de ecossistemas numa estrutura unificada. Tal exige um esforço coletivo de investigadores de várias áreas, como biologia, geologia e economia. A atual geração dos modelos de avaliação integrada ilustra este esforço coletivo.

A análise que se segue não contempla ainda outros fatores que podem ser relevantes na análise de bem-estar dos diferentes cenários climáticos. Estes incluem, por exemplo, conflitos migratórios entre regiões ou o possível desconforto de viver num clima diferente do clima habitual numa determinada localização. A inclusão na análise de tais fatores introduziria uma complexidade adicional dada a difícil quantificação dos seus efeitos. De igual modo, os efeitos das alterações climáticas na saúde da população e na mortalidade não são contemplados. Estes tendem a ser estudados através de análises custo-benefício. Existem ainda fatores subjetivos de difícil medição, como os efeitos distributivos de políticas climáticas entre gerações. O estudo da relevância destes fatores é deixado para investigação futura.

Os cenários globais do IPCC

Os relatórios de avaliação do IPCC têm, desde a década de 1990, apresentado diversas projeções climáticas de longo prazo, sustentadas por narrativas de diversos cenários climáticos. A geração mais recente destes cenários veio compatibilizar as narrativas entre os “Representative Concentration Pathways” (RCP) e os “Shared Socioeconomic Pathways” (SSP), que estão presentes no Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC 2021b).

Os RCP correspondem a diferentes trajetórias de emissões de gases com efeito de estufa e encontram-se organizados em termos da concentração destes gases na atmosfera até 2100: são exemplos os cenários RCP2.6, RCP4.5 e RCP8.5 (van Vuuren et al., 2011). A sua designação advém do forçamento radiativo causado pela concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, isto é, a diferença entre o fluxo médio de energia que entra e sai da atmosfera e que torna o planeta progressivamente mais quente. Assim, o RCP2.6 assume um forçamento radiativo de 2,6 watt/m2 até 2100 relativamente ao período 1850-1900, entendido pelo IPCC como uma aproximação aos níveis pré-industriais. Destes três cenários, este é o mais alinhado com os objetivos definidos no Acordo de Paris para limitar o aumento de temperatura. O RCP4.5 tem implícito um forçamento radiativo máximo de 4,5 watt/m2 até 2100. O cenário mais gravoso em termos de emissões é o RCP8.5. Como referido anteriormente, este forçamento implica, a um prazo alargado, um aumento da temperatura global terrestre relativamente ao período pré-industrial, designado por anomalia da temperatura.

Os SSP correspondem a narrativas sobre como o futuro poderá ser, usando hipóteses internamente consistentes acerca da evolução conjunta de fatores socioeconómicos como a demografia, a tecnologia, a organização das instituições e os estilos de vida. Tal como nos RCP, os SSP compreendem trajetórias compatíveis com um mundo mais sustentável (SSP1, “Taking the Green Road”) e um mundo caracterizado por um crescimento rápido do uso de combustíveis fósseis (SSP5, “Taking the Highway”), passando por um cenário intermédio onde se mantêm as tendências históricas observadas (SSP2, “Middle of the Road”).

O relatório mais recente do IPCC propõe combinações entre as narrativas dos SSP e as trajetórias de emissões de gases com efeito de estufa implícitas nos RCP. Desta forma, obtêm-se as designações SSP1-2.6, SSP2-4.5 e SSP5-8.5. O gráfico 1 apresenta uma representação destes três cenários. Observa-se que o cenário SSP1-2.6 é caraterizado por uma trajetória da temperatura que em 2100 já se encontra em queda, embora muito suave. O cenário SSP2-4.5 praticamente estabiliza a anomalia da temperatura em 2100 abaixo de 3 °C. O caso mais gravoso, correspondente ao cenário SSP5-8.5, projeta uma anomalia de temperatura em 2100 um pouco abaixo dos 5 °C, mas ainda a aumentar a um ritmo forte.

Cada projeção tem associada uma verosimilhança difícil de quantificar. Existe algum consenso de que o cenário SSP5-8.5 pode ser encarado como um caso extremo, enquanto o cenário SSP1-2.6 pode ser visto como ambicioso, mas não impossível, porque assume atitudes e políticas públicas exigentes. Deste trio, o cenário SSP2-4.5 parece o mais provável, dados os compromissos já assumidos e as políticas atualmente implementadas pelos maiores emissores.

Algumas estimativas8 apontam para que, na hipótese de os países cumprirem as respetivas NDC (sigla de Nationally Determined Contribution), que são instrumentos criados no Acordo de Paris em que os países definem objetivos em termos de emissões de carbono e estratégias para os atingir, a anomalia de temperatura em 2100 será cerca de 2,5 °C. Se, além disso, forem também cumpridos outros objetivos firmes já assumidos pelos países, a anomalia cifrar-se-á em 2,1 °C no final do século. Estas duas estimativas são inferiores às do SSP2-4.5. Na hipótese otimista de serem escrupulosamente cumpridos todos os objetivos já anunciados pelos países, é possível limitar o aquecimento global a 1,8 °C em 2100, um valor idêntico ao do cenário SSP1-2.6.

É importante que se interprete com grande cautela estas projeções, uma vez que a incerteza é significativa. Por exemplo, no cenário SSP1-2.6, o intervalo de confiança para a temperatura em 2100 é 1,3-2,4 °C, sendo 2,5-3,5 °C para o cenário SSP2-4.5 e 3,3-5,7 °C para o cenário SSP5-8.5.

  1. Anomalia da temperatura global terrestre 1950-2100 relativamente ao período 1850-1900 para diversos cenários

Fonte: RNA 2100. | Nota: A incerteza provém de a temperatura ser projetada usando muitas simulações em cada modelo, e de se usar modelos distintos para essas projeções.

  1. Projeções do clima em Portugal continental para o século XXI

Um dos elementos centrais para a avaliação da vulnerabilidade do território português ao aquecimento global é as projeções de variáveis climáticas como temperatura média, temperatura máxima, temperatura mínima e precipitação. Importa também analisar a forma como essa evolução concorre para uma maior materialização de eventos extremos, como secas ou inundações. Esta caixa ilustra alguns dos resultados dos grupos de trabalho do projeto RNA 2100 dedicados a esta questão.9 A análise dos cenários climáticos toma como referência o clima observado num período de 30 anos, de 1971 a 2000.

As projeções da temperatura média diária em Portugal continental sugerem um aumento entre 0 e 2 °C nos vários cenários para o período de 2011 a 2040 face ao período de referência (Gráfico C1.1). Estas diferenças na temperatura média diária projetada acentuam-se significativamente ao longo do século XXI. O contraste entre o litoral e o interior é visível no cenário RCP4.5 em meados do século (2041-2070), com um aumento de temperatura menor na região litoral. No cenário extremo RCP8.5 — muito improvável com a informação atualmente disponível — a temperatura pode aumentar entre 4 e 5 °C em 2071-2100.

  1. Projeções da temperatura média diária em Portugal continental

Fontes: RNA 2100, Lima et al. (2023a, b) e Soares et al. (2023). | Nota: Desvios face ao período de 1971 a 2000.

As projeções para a precipitação em Portugal continental sugerem um declínio ao longo do século XXI (Gráfico C1.2) para os cenários RCP4.5 e RCP8.5. No cenário RCP4.5, poderão atingir-se diminuições entre 0 e 20% face ao período de referência. O cenário RCP8.5 projeta diminuições em todo o território entre 10 e 40%.

Outro aspeto relevante para a tipificação do clima futuro é o número de dias por ano em que a temperatura máxima diária excede os 25 °C, designados por dias de verão. O período histórico mostra um gradiente crescente norte-sul destes dias em Portugal continental, variando entre cerca de 40 e 100 dias por ano a norte, e entre 100 e 140 dias por ano a sul (Gráfico C1.3 — Painel A). A evolução projetada mantém esta característica. Nesta métrica, o aumento ocorre em todas as regiões e para os três cenários (Gráfico C1.3 — Painel B). No cenário RCP4.5, o aumento será progressivo ao longo do século, sem aumento significativo nas primeiras décadas, até cerca de 30 a 50 dias por ano em 2100. No cenário RCP2.6 projeta-se um aumento de dias de verão entre 20 e 30 dias para 2100, especialmente no litoral. No cenário mais gravoso de concentração de emissões, Portugal continental apresenta cerca de mais 70 dias de verão.

  1. Projeções da precipitação total acumulada em Portugal continental

Fontes: RNA 2100, Lima et al. (2023a, b) e Soares et al. (2023). | Nota: Desvios face ao período de 1971 a 2000.

  1. Painel A — Número médio de dias por ano em Portugal continental em que a temperatura máxima diária excede os 25 °C (definidos como dias de verão). Painel B — Variação do número médio de dias de verão face ao período de 1971 a 2000

Painel A

 

Painel B

Fontes: RNA 2100, Lima et al. (2023a, b) e Soares et al. (2023).

Uma das consequências do aquecimento global é a distorção dos padrões de precipitação. Este efeito é particularmente visível no gráfico C1.4. A precipitação máxima acumulada a cinco dias permite medir a concentração temporal da precipitação. Para uma mesma orografia, quanto maior este valor maior a probabilidade de ocorrência de enxurradas, cheias e aluimentos de terras. Apesar do padrão geográfico da evolução da precipitação acumulada a cinco dias se manter ao longo do horizonte, a tendência é de aumento em todo o país. Estes resultados, em conjunto com os apresentados anteriormente, mostram que em certos cenários e locais haverá menos precipitação, mas mais episódios de forte precipitação. Esta simples observação pode ter grandes consequências em termos de uma política da gestão da água em Portugal, visto implicar uma menor constância do fluxo de água dos rios portugueses.

  1. Painel A — Precipitação máxima acumulada a cinco dias. Painel B — Variação da precipitação máxima acumulada a cinco dias face ao período de 1971 a 2000

Painel A

 

Painel B

Fontes: RNA 2100, Lima et al. (2023a, b) e Soares et al. (2023).

As projeções climáticas apontam ainda para um pequeno aumento na frequência da ocorrência de secas moderadas. O maior aumento será no cenário RCP4.5, em cerca de dois eventos por década em algumas regiões do país, no final do século (Gráfico C1.5 — Painel A). Contudo, prevê-se um aumento na duração média de cada evento (Gráfico C1.5 — Painel B), sobretudo para o cenário RCP8.5, podendo chegar a mais 12 meses por evento. Estes resultados estão ligados às projeções da precipitação anual, uma vez que o SPI (acrónimo de Standard Precipitation Index) se baseia apenas na precipitação. Nas regiões onde as projeções apontam para uma redução significativa da precipitação anual, a frequência de ocorrência de secas moderadas aumenta, enquanto nas regiões onde há uma redução do número de secas moderadas por década são esperadas alterações na precipitação anual próximas de zero.

Por último, as projeções climáticas apontam para um aumento do número de dias de risco de incêndio extremo, sobretudo nos cenários mais gravosos de concentração e a partir de meados do século (Gráfico C1.6). As regiões interiores serão as mais afetadas.

  1. Painel A — Variação do número médio de secas moderadas por década. Painel B — Variação da duração média de eventos de seca moderada em Portugal continental

Painel A

 

Painel B

Fontes: RNA 2100, Lima et al. (2023a, b) e Soares et al. (2023). | Notas: Valores calculados para o índice SPI (acrónimo de Standard Precipitation Index) num período acumulado de 12 meses, considerando o período 1971–2000 como referência. O índice SPI mede a severidade das secas com base na probabilidade de precipitação num dado período.

  1. Anomalia do número de dias de risco de incêndio extremo em Portugal continental

Fontes: RNA 2100 e Bento et al. (2023). | Nota: Usa-se como referência o período 1971–2000.

 

Estimativas de impacto macroeconómico

O impacto macroeconómico do aquecimento global é um conceito difícil porque depende do cenário de referência. Na literatura sobre o tema, considera-se que esse impacto é medido relativamente ao produto interno bruto (PIB) que seria observado se a anomalia de temperatura fosse nula. Em qualquer economia, uma alteração do clima irá induzir um esforço de adaptação dos agentes. As estimativas da literatura já levam em conta essas alterações endógenas; mais adiante considerar-se-á também o efeito de políticas de adaptação públicas.

Modelos de avaliação integrada com equilíbrio geral

A análise que se segue é baseada num modelo com equilíbrio geral que integra vários módulos interrelacionados: o ciclo do carbono, o clima, as perdas económicas e a economia (ver Adão et al. 2024). Por se tratar de uma descrição consistente da forma como o sistema climático natural funciona e de como a economia evolui, este é um dos instrumentos preferenciais para fazer análises custo-benefício de políticas climáticas.

O ciclo do carbono descreve como as emissões de CO2 determinam a quantidade de carbono na atmosfera, enquanto o módulo do clima ilustra a forma como a quantidade de carbono afeta a temperatura. Alterações na temperatura influenciam diretamente a produtividade dos fatores de produção, gerando perdas económicas. Como o desempenho das atividades económicas exige o uso de energia, de origem fóssil ou renovável, e o uso de combustíveis fósseis gera emissões de carbono, torna-se necessária a implementação de políticas de mitigação para aumentar a importância relativa da energia verde.

O exercício combina os SSP com os RCP, tal como apresentados no Sexto Relatório de Avaliação do IPCC. O modelo inclui instrumentos globais de tributação das emissões fósseis, só possíveis à luz das narrativas dos SSP, de forma a que seja possível obter trajetórias consistentes com os RCP.

Resultados para o mundo

As estimativas obtidas com modelos de equilíbrio geral com avaliação do clima implicam perdas económicas mundiais em geral crescentes com a anomalia da temperatura (Gráfico 2), parecendo haver um elemento de não linearidade. As estimativas obtidas neste trabalho são um pouco mais pessimistas do que a média dos estudos disponíveis. Na gama abrangida pelos três cenários considerados, os resultados apontam para uma perda de 0,9 pontos percentuais do PIB mundial por cada grau Celsius adicional na temperatura global terrestre.

O quadro 1 apresenta os resultados para quatro variáveis de interesse: emissões líquidas, anomalia da temperatura, ganho de consumo face ao cenário SSP1-2.6 e perda económica, para os vários cenários e em dois momentos do tempo. Os resultados referem-se ao mundo e a uma pequena economia aberta, calibrada para Portugal com dados económicos e das ciências naturais.10 No exercício, a única variável de política é o nível do imposto sobre o carbono: quanto maior a tributação das emissões, mais intensa a substituição de combustíveis fósseis, menores as emissões de carbono e menor a anomalia da temperatura. No modelo usado neste trabalho é possível calcular o nível ótimo para a tributação do carbono que maximiza o bem-estar dos agentes. Usando o nível de tributação para cada unidade de carbono emitida, é possível mimetizar os três cenários em termos de emissões globais e de anomalia da temperatura em 2050 e 2100. O cenário com emissões mais elevadas (SSP5-8.5) tem associado um nível de imposto mais baixo, de cerca de 15% do valor ótimo. Analogamente, o cenário SSP1-2.6 tem subjacente um nível de imposto elevado, 15 vezes superior ao valor ótimo. O cenário SSP2-4.5 pode ser obtido com um imposto de valor intermédio, de cerca de dois terços do valor ótimo. O imposto ótimo é igual em todas as regiões do mundo, incluindo Portugal. Note-se que o modelo não inclui diversos aspetos negativos das alterações climáticas, o que justifica que o ótimo encontrado à luz do modelo seja distinto do nível de tributação do cenário com menores emissões de carbono.

  1. Perda económica em percentagem do PIB mundial usando modelos de avaliação integrada com equilíbrio geral

Fontes: Tol (2024), RNA 2100 e Adão et al. (2024). | Nota: Perda económica em percentagem do PIB mundial relativamente ao caso em que não há anomalia da temperatura global terrestre, em 2100. Os resultados foram obtidos por diversos autores usando modelos de avaliação integrada com equilíbrio geral. No caso de diferentes perdas para a mesma anomalia utilizou-se a média dessas perdas. Os pontos a azul dizem respeito aos resultados deste Tema em destaque.

A métrica usada para aferir os ganhos de consumo dos indivíduos corresponde à variação de consumo, medido em termos de utilidade, que os agentes económicos que vivem numa economia caraterizada pela implementação de políticas de mitigação do cenário SSP1-2.6 teriam de experienciar para ficarem indiferentes a viver no cenário sob avaliação.11 Importa reconhecer que esta métrica não contempla todos os efeitos relevantes que afetam o bem-estar dos agentes económicos, alguns dos quais mencionados anteriormente, o que afetaria a magnitude desses ganhos de consumo.

Considera-se ainda que não é realizado investimento significativo em políticas de adaptação públicas, o que permite avaliar a eficácia das políticas de mitigação como instrumento de forma isolada. A análise com política de adaptação ótima ao nível local será discutida mais abaixo.

Os resultados apresentados no topo do quadro 1 para o mundo revelam que, no cenário SSP1-2.6, a anomalia da temperatura global se situa em 1,3-1,4 °C, com as emissões líquidas a diminuírem de 35 GtCO2 em 2020 para 5 GtCO2 em 2050, tornando-se negativas no final do século. Já no cenário intermédio, as emissões líquidas reduzem-se em 10 GtCO2 no final do século face a 2020. No entanto, no cenário SSP5-8.5, estas aumentam de forma considerável, o que faz com que a anomalia da temperatura em 2100 seja elevada (2,9 °C). Tal induz perdas económicas que podem ascender a 3,1% do PIB em 2100.

  1. Resultados principais sem política de adaptação para o mundo e para Portugal

Mundo

 

SSP1-2.6

SSP2-4.5

SSP2-8.5

 

2020

2050

2100

2050

2100

2050

2100

Emissões líquidas (GtCO2 por ano)

35

5

-2

27

25

42

111

Anomalia da temperatura (°C)

1,0

1,3

1,4

1,5

2,2

1,6

2,9

Ganho de consumo (%)

0,3

0,3

0,2

0,4

Perda económica (%)

0,6

0,9

0,9

1,2

1,8

1,4

3,1

Portugal

 

SSP1-2.6

SSP2-4.5

SSP2-8.5

 

2020

2050

2100

2050

2100

2050

2100

Emissões líquidas (MtCO2 por ano)

36

0

-8

18

10

25

41

Anomalia da temperatura (°C)

1,2

1,6

1,7

1,8

2,6

1,9

3,5

Ganho de consumo (%)

-0,4

-0,4

-0,6

-0,9

Perda económica (%)

1,0

1,0

1,0

1,3

1,9

1,5

3,3

Fonte: RNA 2100. | Nota: O ganho do consumo diz respeito ao ano indicado e é calculado face ao consumo no cenário SSP1-2.6 no mesmo ano. A perda económica é calculada face a um cenário sem anomalia da temperatura.

Em traços gerais, os resultados mostram que o agente económico médio estaria, em termos de consumo, numa situação ligeiramente melhor no final do século nos cenários com políticas de mitigação menos estritas. O modelo sugere que os indivíduos experienciam uma perda de consumo de 0,3% no cenário de maior tributação face ao de tributação intermédia (tanto em 2050 como em 2100). Tal pode criar algum grau de resistência à implementação de impostos corretores muito elevados, como é o caso neste cenário.12

O modelo projeta que os ganhos de consumo no período 2020-2100 sejam da mesma ordem de grandeza nos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 face ao cenário SSP1-2.6. O facto de a tributação do carbono estar abaixo do valor ótimo nestes dois cenários faz com que a economia continue a usar combustíveis fósseis acima do desejável, em particular no cenário SSP5-8.5.

Duas notas finais sobre estes resultados. No modelo, considera-se que as receitas dos impostos sobre o carbono são devolvidas para os agentes económicos de forma proporcional ao rendimento, por uma questão de simplificação. No entanto, a literatura reconhece que a tributação do carbono produz diferentes resultados consoante a forma como essa receita é usada para financiar as atividades económicas.13 Por outro lado, refira-se novamente que as medidas de consumo usadas não incluem efeitos fora do mercado, incluindo perda de biodiversidade e outras consequências do aquecimento global.

O caso português

Apesar de as políticas de redução das emissões de carbono deverem ser implementadas globalmente, os efeitos das alterações climáticas são heterogéneos e sentidos à escala local, o que motiva a análise dos impactos na economia portuguesa. Os cientistas do clima reconhecem que a materialização dos efeitos das alterações climáticas depende, entre outros fatores, da latitude e da proximidade ao mar. Portugal apresenta assim diferenças significativas face à economia mundial, pelo seu posicionamento geográfico acima da linha do equador e junto ao mar.

Os cientistas do clima do consórcio do RNA estimam que a anomalia da temperatura em Portugal seja 20% superior à do resto do mundo. No cenário SSP1-2.6, a anomalia da temperatura estabilizará em 1,7 °C no final do século (Gráfico 3). Em Portugal, é possível atingir a neutralidade carbónica em 2050, ou seja, emissões líquidas nulas, para o que concorrem dois fatores. Em primeiro lugar, 39% do território português é coberto por área florestal, um valor superior ao do resto do mundo (31%). Em Portugal, as florestas são responsáveis pelo sequestro de cerca de 1/6 das emissões. Em segundo lugar, esta redução das emissões tem subjacente um decréscimo populacional em Portugal nos três cenários, de cerca de 30% em 2050, em linha com a evolução demográfica estimada pelo INE. Em contraste, assume-se que no resto do mundo a população não varia, tal como em Hassler et al. (2021).

  1. Anomalia da temperatura em Portugal | Graus Celsius (°C)

Fonte: RNA 2100. | Nota: Desvios face ao período pré-industrial.

A literatura científica reconhece ainda que a externalidade global tem um impacto macroeconómico maior em Portugal do que no resto do mundo. Isto significa que para uma dada variação do stock de carbono na atmosfera, a perda económica em Portugal é superior à do resto do mundo. Para isso contribui o facto de a temperatura aumentar mais em Portugal. Desta forma, um imposto global mais alto sobre o carbono proporciona maiores níveis de bem-estar para Portugal do que para o resto do mundo. No cenário SSP1-2.6, a perda económica ascende a 1% do PIB ao longo do horizonte de projeção, idêntica à que já se observa atualmente (Gráfico 4).

Os cientistas do clima do consórcio do RNA estimam que o cenário SSP2-4.5 seja, no momento presente, o mais provável dos três considerados. A tributação do carbono subjacente a este cenário é de cerca de dois terços do valor ótimo e produz uma anomalia da temperatura em Portugal de 1,8 e 2,6 °C em 2050 e 2100, respetivamente. As emissões líquidas em Portugal diminuem de 36 MtCO2 em 2020 para 10 MtCO2 em 2100, sem nunca se anularem. Neste cenário, os impactos na economia portuguesa são consideráveis. Em relação a 2020, ascendem de uma perda adicional de 0,3% do PIB em 2050, e a uma perda adicional de 0,9% do PIB em 2100. Os ganhos de utilidade em termos de consumo equivalente são negativos face ao cenário de impostos sobre o carbono muito elevados (SSP1-2.6) (Gráfico 5). Isto acontece porque a externalidade climática penaliza mais Portugal do que o resto do mundo.

  1. Perdas económicas em Portugal | Em percentagem do PIB anual

Fonte: RNA 2100. | Nota: A perda económica é obtida face ao que se observaria sem anomalia da temperatura.

  1. Ganho de consumo em Portugal relativamente ao cenário com taxa de carbono alta | Em percentagem

Fonte: RNA 2100.

Por último, o cenário de baixa tributação do carbono em Portugal (SSP5-8.5) tem implícito um imposto de cerca de 15% do valor ótimo. Este cenário é particularmente gravoso e produz uma anomalia de temperatura de 3,5 °C em 2100, com uma trajetória de emissões líquidas de carbono ascendente, situando-se em 41 MtCO2 em 2100. As perdas económicas aumentam em 2,3% do PIB durante todo o horizonte de simulação. Em termos de consumo, o cenário é cada vez mais desfavorável face aos outros dois à medida que o fim de século se aproxima.

Portugal com adaptação

Os resultados descritos até aqui não consideram políticas públicas de adaptação. O quadro 2 detalha os principais resultados quando se incluem políticas públicas ótimas de adaptação, em concomitância com as políticas globais de mitigação. As despesas em adaptação visam atenuar as perdas económicas associadas aos efeitos das alterações climáticas. De acordo com a literatura, este mecanismo é modelado como um efeito que limita as perdas económicas em função da intensidade de investimento público em adaptação. O efeito é crescente, mas côncavo, nessa intensidade.

Como mencionado anteriormente, o investimento em adaptação produz dois efeitos. Em primeiro lugar, reduz o impacto na economia da externalidade climática. Em segundo lugar, absorve recursos que podiam ser alocados para outros usos.14

  1. Resultados com política de adaptação ótima para Portugal

Portugal

 

SSP1-2.6

SSP2-4.5

SSP2-8.5

 

2020

2050

2100

2050

2100

2050

2100

Emissões líquidas (MtCO2 por ano)

36

0

-8

18

10

25

42

Anomalia da temperatura (°C)

1,2

1,6

1,7

1,8

2,6

1,9

3,5

Ganho de consumo (%)

-0,3

0,0

-0,5

0,2

Perda económica (%)

1,0

1,0

0,9

1,1

1,3

1,2

1,9

Custos de adaptação (%)

0,1

0,0

0,2

0,4

0,2

0,7

Diferença relativamente à não adaptação

 

SSP1-2.6

SSP2-4.5

SSP2-8.5

 

2020

2050

2100

2050

2100

2050

2100

Emissões líquidas (MtCO2 por ano)

0

0,0

0,0

0,1

0,2

0,1

1,0

Ganho de consumo (pp)

0,1

0,4

0,1

1,1

Perda económica (pp)

0

-0,1

0,0

-0,2

-0,6

-0,3

-1,4

Fonte: RNA 2100.

No cenário SSP1-2.6, a adaptação reduz as perdas económicas numa percentagem muito pequena do PIB. Os custos de adaptação (em percentagem do PIB anual) são negligenciáveis neste caso. No cenário intermédio (SSP2-4.5) a adaptação reduz as perdas económicas de forma mais significativa, em 0,2 e 0,6% do PIB em 2050 e 2100, respetivamente.

Por último, no cenário de emissões mais gravoso (SSP5-8.5), a adaptação reduz as perdas económicas em 1,4% do PIB em 2100 e gera um ganho de consumo equivalente de 1,1% relativamente ao cenário sem adaptação. Os custos de adaptação em 2100 são estimados em 0,7% do PIB, significativamente menores do que a redução das perdas económicas.

Refira-se que a adaptação, por si só, não implica uma redução de emissões. Pode mesmo acontecer o contrário. Ao reduzir os danos da externalidade climática, mas não a externalidade em si, a adaptação permite que a economia opere num nível mais elevado e por isso com maiores emissões. Este efeito é visível no painel inferior do quadro 2, onde as emissões líquidas face ao cenário sem adaptação são marginalmente maiores, sobretudo nos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5.

As medidas de adaptação são suficientes para tornar as perdas de consumo equivalente dos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 face ao cenário de elevado imposto sobre o carbono (SSP1-2.6) muito menores do que no caso sem adaptação. Como esperado, a adaptação reduz a perda económica em todos os cenários e horizontes, com maior redução nos cenários com maiores perdas. O efeito é maior nos horizontes mais longos porque as diferenças no stock de carbono associadas aos vários cenários são maiores no longo prazo.

Os resultados anteriores sugerem que a adaptação é um instrumento eficaz para compensar possíveis insuficiências nos esforços de mitigação, que só são eficazes se houver políticas globais em vigor. Considerando estes resultados no seu conjunto, observa-se que quanto maior o esforço de mitigação — ou seja, quanto maior o imposto global sobre o carbono ou medidas de mitigação equivalentes — menos adaptação local é necessária, pelo menos no caso português. Isto sugere um papel relevante da adaptação na melhoria do bem-estar a nível local perante políticas globais de tributação do carbono. Sem medidas de mitigação, o que corresponderia a um cenário ainda mais gravoso do que o SSP5-8.5, os custos seriam muito expressivos, não passíveis de compensação por via de esforços de adaptação.

Conclusões

O RNA 2100 é um esforço desenvolvido por diferentes parceiros institucionais dedicado ao estudo da vulnerabilidade do território português a alterações climáticas durante o século XXI. As projeções do clima do projeto assentam em três dos cenários do IPCC, depois convertidos para a realidade portuguesa. Este Tema em destaque parte desses cenários para fazer uma avaliação macroeconómica para Portugal. Cada um dos três cenários do IPCC é implementado por tributação à escala global das emissões de carbono. Esta política de mitigação simplificada é caraterizada por três níveis muito diferentes de impostos sobre o carbono: alto para o cenário SSP1-2.6, que é uma aproximação ao esperado no Acordo de Paris; intermédio para o cenário SSP2-4.5, tido neste momento como alcançável; baixo para o cenário SSP5-8.5, considerado como um caso extremo.

No cenário mais benigno de cumprimento aproximado do Acordo de Paris (SSP1-2.6), as perdas económicas adicionais são negligenciáveis e implicam uma elevada tributação das emissões de carbono a nível global, várias vezes superior ao valor de referência ótimo obtido com o modelo. Neste cenário, também não são necessários esforços significativos de adaptação com políticas públicas. Para Portugal, este é o cenário mais favorável em termos do bem-estar estritamente relacionado com o consumo; presumivelmente, sê-lo-á também relativamente aos outros efeitos do aquecimento global não incluídos nesta análise, porque esses efeitos adicionais serão negligenciáveis.

No cenário intermédio, visto por diversos especialistas como alcançável com as políticas de mitigação atuais (SSP2-4.5), os efeitos do aquecimento global na economia são já significativos. A tributação global de emissões de carbono que implementa este cenário situa-se abaixo do valor de referência ótimo obtido através do modelo. Do ponto de vista do bem-estar estritamente adveniente da utilidade do consumo, e tendo em conta o mundo como um todo, este cenário é em cada momento preferido pelos agentes ao cenário de baixas emissões. Se é certo que muitos dos efeitos negativos do aquecimento global não são tidos em conta na nossa análise, esta observação não deixa de colocar desafios para a implementação global de uma política de mitigação exigente, quando não acompanhada por medidas de adaptação. Dada a exposição geográfica de Portugal, este cenário implica uma situação pior relativamente ao resto do mundo, tanto em termos de PIB como de bem-estar estritamente relacionado com o consumo. Estes traços qualitativos são igualmente observados no cenário mais extremo (SSP5-8.5), mas surgem reforçados em termos quantitativos.

A análise mostra ainda que as políticas de adaptação públicas contribuem para minorar os impactos económicos locais das alterações climáticas. O modelo sugere que essas políticas quase revertem os efeitos da externalidade do carbono, com um custo adicional. Para Portugal, no entanto, a hierarquia de preferência entre cenários mantém-se, com diferenças esbatidas: o cenário mais benéfico para Portugal em termos de bem-estar proveniente do consumo é o SSP1-2.6, em linha com o Acordo de Paris.

De entre questões merecedoras de aprofundamento nesta análise, destaca-se a o desenvolvimento de tecnologias capazes de mitigação significativa, incluindo maior eficiência na produção e armazenamento de energias renováveis e a absorção de carbono na atmosfera por métodos naturais (florestação, por exemplo) ou artificiais. Outras questões não analisadas, em parte devido à sua complexidade, são a tributação do conteúdo carbónico nos fluxos de comércio internacional e a mobilidade de indivíduos motivada por alterações climáticas.

Uma nota final relaciona-se com a incerteza que rodeia este exercício, que é elevada. Por essa razão, os resultados aqui apresentados devem ser lidos como estimativas imprecisas de um futuro incerto — que pode ser escolhido por todos hoje, minorando um problema que também é de todos.

Referências

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Políticas em análise

A implementação do PRR em Portugal1

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) é o elemento central do Next Generation EU (NGEU), tendo como objetivo fortalecer a economia europeia após a pandemia de COVID-19. Através deste mecanismo, a Comissão Europeia obtém fundos nos mercados de capitais, emitindo obrigações em nome da União Europeia (UE), para depois os disponibilizar aos Estados-Membros sob a forma de subvenções e empréstimos. Estes deverão implementar reformas e investimentos até ao final de 2026 que tornem as suas economias e sociedades mais sustentáveis, resilientes e preparadas para as transições verde e digital.

Para beneficiar do apoio, os governos da UE submeteram planos nacionais de recuperação e resiliência (PRR), estabelecendo marcos e metas a atingir, dos quais depende o desembolso dos fundos. Posteriormente, os planos foram revistos, em particular na sequência do plano REPowerEU, criado para enfrentar as dificuldades socioeconómicas e a disrupção do mercado energético causadas pela invasão injustificada da Ucrânia pela Rússia. Este Políticas em análise foca-se na implementação do PRR de Portugal, destacando os montantes envolvidos, a caraterização dos projetos e das entidades beneficiárias, bem como o avanço da sua execução. As reformas do PRR não estão incluídas na análise, devendo ser objeto de uma análise futura.

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Portugal é o quinto país da área do euro que irá receber mais fundos do MRR em percentagem do PIB.

As dotações do MRR destinadas aos 20 países da área do euro totalizam 529 mil milhões de euros, equivalentes a 4,4% do PIB de 2019 (Gráfico 1). Desse montante, 55% são subvenções e o restante são empréstimos. As subvenções do MRR foram distribuídas entre os países da UE com base em critérios como a população, o PIB per capita e a taxa de desemprego, com o objetivo de assegurar uma afetação dos fundos que privilegiasse os países cuja recuperação se afigurasse mais complexa, face ao choque económico e social decorrente da crise pandémica. Os empréstimos do MRR podiam ser solicitados pelos Estados-Membros até agosto de 2023, tendo sido solicitados aproximadamente 75% do total disponível.

Portugal é o quinto país da área do euro que receberá mais fundos do MRR: 10,4% do PIB de 2019, correspondendo a 22,2 mil milhões de euros (16,3 mil milhões de euros em subvenções e 5,9 mil milhões de euros em empréstimos).

Os PRR estão estruturados em torno de três dimensões: transição climática, transição digital e resiliência. Pelo menos 37% dos fundos devem ser destinados a medidas verdes e 20% a iniciativas digitais. Com base numa classificação menos detalhada, os fundos em Portugal distribuem-se entre estas três dimensões da seguinte forma: 20% para a transição climática, 12% para a transição digital e 68% para a resiliência. No entanto, como a dimensão da resiliência inclui investimentos com elementos verdes e digitais, o PRR português cumpre os requisitos europeus, afetando 41% e 21% dos fundos aos objetivos climáticos e digitais (Gráfico 2).

  1. Total de subvenções e empréstimos do MRR nos países da área do euro | Em percentagem do PIB de 2019

  1. Fundos destinados às transições climática e digital nos países da área do euro | Percentagem do total de dotação por país

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Portugal recebeu, até ao momento, quatro tranches, o que corresponde a 38% da dotação e atingiu 23% dos marcos e metas, sendo o cumprimento mais exigente nos últimos pedidos de pagamento.

Os PRR de cada Estado-Membro incluem marcos (milestones) e metas (targets) específicos e verificáveis, visando garantir a eficácia e a responsabilidade na utilização dos fundos. Os marcos são etapas qualitativas ou eventos específicos que indicam o progresso na implementação dos projetos, enquanto as metas representam objetivos quantitativos a alcançar. A Comissão Europeia monitoriza o cumprimento destes marcos e metas, condicionando o desembolso das tranches de financiamento à sua realização.

Portugal definiu 202 marcos e 261 metas, repartidos pelos 123 investimentos e 44 reformas. Até ao momento, foram cumpridos 75 marcos e 30 metas, equivalentes a 23% do total (Gráfico 3 — Painel A). A maioria dos marcos concentrou-se na aprovação de legislação e na celebração de contratos e acordos. As metas atingidas abrangem diversas áreas, destacando-se as referentes à habitação acessível e à capitalização e inovação empresarial. Em termos de fundos recebidos, Portugal já recebeu as quatro primeiras tranches, totalizando 7 mil milhões de euros, o que corresponde a 38% da dotação prevista (Gráfico 3 — Painel B). Atualmente, as percentagens de execução, medidas em termos de marcos e metas cumpridas ou fundos recebidos, são inferiores à média da área do euro.

No início de julho deste ano, Portugal submeteu à Comissão Europeia o pedido para a quinta tranche, que, de acordo com o calendário, deveria ter sido feito no primeiro trimestre. O cumprimento dos marcos e metas associados a este pedido eleva a taxa de cumprimento para 32%, o que poderá melhorar a posição relativa de Portugal. Além disso, caso se consiga submeter e aprovar o pedido para a sexta tranche ainda em 2024, o atraso no cumprimento de metas e marcos face ao planeado seria recuperado (Gráfico 4 — Painel A). À medida que os pedidos de tranches avançam, o número de metas é mais expressivo, especialmente a partir da nona tranche, tornando o cumprimento mais exigente (Gráfico 4 — Painel B).

  1. Recebimento de fundos do MRR e cumprimento de marcos e metas na área do euro | Percentagem do total

Painel A — Marcos e metas

Painel B — Fundos recebidos

Fonte: Comissão Europeia. | Notas: Situação em 24 de setembro de 2024. Nos gráficos, os valores para Portugal associados aos triângulos correspondem às percentagens após a aprovação da 5.ª tranche.

  1. Marcos e metas em Portugal | Número

Painel A — Por ano

Painel B — Por pedido de pagamento

Fontes: Recuperar Portugal e Comissão Europeia. | Notas: No Painel A, dois dos 75 marcos cumpridos e uma das 30 metas alcançadas só atingiram esse estatuto em agosto de 2024. No Painel B, o eixo das abcissas representa os pedidos de pagamento e o montante correspondente.

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Dos fundos do PRR, 87% foram aprovados e 24% pagos aos beneficiários, até ao momento.

A informação disponibilizada pela Recuperar Portugal permite acompanhar o progresso da aprovação e do pagamento dos fundos do PRR. Os fundos estão distribuídos por 21 componentes, alinhadas com as três dimensões estruturantes referidas anteriormente. Atualmente, 87% das dotações para beneficiários estão aprovadas, e 24% já foram pagas (Gráfico 5). A percentagem de fundos pagos é mais elevada na área da transição digital (30%) e mais baixa na transição climática (20%).

As componentes com maior dotação são a C5 — Capitalização e inovação empresarial, a C2 — Habitação e a C6 — Qualificações e competências, que representam quase metade da dotação total. Estas componentes destacam-se também pela elevada proporção de empréstimos. A maioria das componentes apresenta uma taxa de aprovação superior a 75%, sendo as que apresentam menores taxas a C21 — RepowerEU e a C13 — Eficiência energética em edifícios. No caso da C21 — RepowerEU, a menor taxa deve-se à inclusão posterior desta componente no PRR. A percentagem de pagamentos é maior nas componentes C20 — Escola digital, C10 — Mar e C5 — Capitalização e inovação empresarial.

  1. Implementação financeira do PRR por dimensão estruturante e componente | Em milhões de euros

Fontes: Recuperar Portugal e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Situação em 18 de setembro de 2024. Componentes ordenadas pela dotação total em milhões de euros. Os valores apresentados por componente no final de cada barra representam a dotação total em milhões de euros e a percentagem de subvenções. A letra no final de cada componente indica a dimensão estruturante: “R” — Resiliência, “TC” — Transição climática; “TD” — Transição digital. Na Componente 11 — Descarbonização da Indústria, o valor apresentado no gráfico corresponde ao montante aprovado, que excede a dotação inicialmente prevista.

Em Contas Nacionais, os fundos do MRR são registados à medida que são despendidos pelas administrações públicas. Os montantes que não são executados diretamente por estas entidades aparecem como transferências correntes ou de capital para outros setores da economia. Do total da dotação, 10% foi registado em Contas Nacionais como executado até ao final de 2023. Em termos de composição verifica-se que 71% foi registado como despesa de capital (29% investimento público e 41% transferências de capital para outros setores da economia) e 29% como despesa corrente. A execução e a distribuição por categoria de despesa no restante horizonte ainda são incertas.

Os valores registados nas Contas Nacionais podem diferir da informação sobre os pagamentos disponibilizada pela Recuperar Portugal devido a diferenças na cobertura (particularmente no que diz respeito à administração local) e no momento do registo, assim como à inclusão dos empréstimos que são classificados como operações financeiras. No final do primeiro semestre de 2024, os pagamentos totalizavam 4,6 mil milhões de euros, em comparação com 3,1 mil milhões de euros nas Contas Nacionais.

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Mais de metade dos fundos aprovados destinam-se às administrações públicas, mas os pagamentos avançam mais rapidamente no setor privado.

A mesma informação disponibilizada pela Recuperar Portugal permite classificar as entidades com projetos aprovados por setor institucional. Dos valores aprovados para beneficiários diretos e finais2, verifica-se que 62% pertencem às administrações públicas (AP), 5% a empresas públicas fora do perímetro das AP e 33% a entidades do setor privado, empresas ou particulares.

A distribuição dos montantes aprovados por entidade varia entre os diferentes setores institucionais. A média, a mediana e o intervalo interquartil dos montantes aprovados são mais elevados no caso das empresas públicas, seguidos pelas AP e, por último, pelo setor privado (Gráfico 6 — Painel A). A mediana mais elevada nas empresas públicas indica a prevalência de projetos de maior dimensão neste setor. No entanto, é nas AP que se encontram as entidades com as maiores dotações aprovadas: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (756 milhões de euros3), Metropolitano de Lisboa (748 milhões de euros), Infraestruturas de Portugal (512 milhões de euros), Metro do Porto (418 milhões de euros) e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (301 milhões de euros). No caso das empresas públicas fora do perímetro das AP, os valores aprovados mais elevados correspondem ao Banco Português do Fomento (268 milhões de euros), às Águas do Algarve (169 milhões de euros) e à Empresa de Eletricidade da Madeira (97 milhões de euros).

A percentagem de montantes pagos em relação aos valores aprovados é, em média, superior no setor privado (Gráfico 6 — Painel B). Nos grandes projetos, atrás referidos, a percentagem de pagamento é baixa: 19% nas cinco entidades com maiores valores aprovados.

  1. Distribuição dos fundos aprovados e da percentagem paga

Painel A — Fundos aprovados

Painel B — Percentagem paga

Fontes: Recuperar Portugal e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Situação em 18 de setembro de 2024. Apenas entidades com projetos aprovados superiores a 1 milhão de euros são consideradas. As caixas mostram os valores entre o percentil 25 e o percentil 75 (intervalo interquartil), as linhas horizontais no seu interior representam a mediana da distribuição e o marcador x identifica a média. As linhas horizontais exteriores correspondem ao máximo e ao mínimo da distribuição excluindo outliers. Os outliers são observações que estão abaixo do primeiro quartil menos 1,5 vezes o intervalo interquartil ou acima do terceiro quartil mais 1,5 vezes o intervalo interquartil.

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Nas empresas do setor privado, os fundos aprovados foram canalizados para empresas mais antigas, mais produtivas e com maior intensidade exportadora.

Focando no setor privado, verifica-se que o número de entidades com projetos aprovados é semelhante entre micro, pequenas, médias e grandes empresas (Gráfico 7 — Painel A). O valor médio aprovado por entidade é superior nas grandes empresas. Ainda assim, perto de metade dos fundos aprovados destinam-se às micro e pequenas empresas. Em termos de classificação das atividades económicas, a diversidade é bastante elevada (Gráfico 7 — Painel B). Destacam-se três atividades com maior peso: (i) indústrias transformadoras (32%), como a fabricação de produtos químicos, fibras sintéticas, pasta e papel; (ii) atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares (24%), nomeadamente, investigação científica e desenvolvimento; (iii) e atividades financeiras e de seguros (13%). Estas atividades acumulam 70% dos fundos aprovados, mais do dobro do seu peso no total da economia (30%). Por seu turno, as atividades relacionadas com o comércio a grosso e a retalho, apesar de serem as mais preponderantes na economia, são pouco expressivas em termos de montantes aprovados.

Uma comparação com o universo das empresas privadas não financeiras na economia portuguesa revela que as empresas beneficiárias do PRR apresentam uma idade média e mediana superior à observada no total da economia, independentemente da dimensão (Gráfico 8 — Painel A). Com efeito, as empresas beneficiárias são, em média, 11 anos mais antigas. Estas empresas tendem, também, a ser mais produtivas (Gráfico 8 — Painel B). Apesar disso, nas grandes empresas, a média é muito inferior, devido a uma minoria de empresas não beneficiárias com produtividade muito elevada. No que respeita à abertura ao exterior, as empresas beneficiárias destacam-se por uma maior intensidade exportadora, particularmente acentuada nas microempresas e PMEs, onde o peso das exportações atinge, em média, 32% do volume de negócios, contrastando com os 7% observados no total dessas empresas (Gráfico 8 — Painel C).

  1. Repartição dos montantes aprovados no setor privado | Em número, milhões de euros e percentagem

Painel A — Por dimensão

Painel B — Por CAE

Fontes: Recuperar Portugal, Sistema de Partilha de Informação de Referência (SPAI) e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Situação em 18 de setembro de 2024. Apenas entidades com projetos aprovados superiores a 1 milhão de euros são consideradas.

  1. Idade, produtividade aparente do trabalho e intensidade exportadora nas empresas beneficiárias do PRR do setor privado e no total da economia

Painel A — Idade da empresa | Anos

Painel B — Produtividade do trabalho | 1000 euros por trabalhador

Painel C — Intensidade exportadora | Em percentagem

Fontes: Recuperar Portugal, IES e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Situação em 18 de setembro de 2024. A informação da IES corresponde ao ano 2022 e não inclui as empresas criadas posteriormente. Os setores financeiro e imobiliário foram excluídos da análise. A produtividade do trabalho é medida pelo rácio entre o volume de negócios e o número de trabalhadores e a intensidade exportadora pelo peso das exportações no volume de negócios. Nos beneficiários do PRR, apenas entidades com projetos aprovados superiores a 1 milhão de euros são consideradas. As caixas mostram os valores entre o percentil 25 e o percentil 75 (intervalo interquartil), as linhas horizontais no seu interior representam a mediana da distribuição e o marcador x identifica a média. As linhas horizontais exteriores correspondem ao máximo e ao mínimo da distribuição excluindo outliers. Os outliers são observações que estão abaixo do primeiro quartil menos 1,5 vezes o intervalo interquartil ou acima do terceiro quartil mais 1,5 vezes o intervalo interquartil.

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O ritmo de implementação do PRR nos países varia, sem uma relação clara com a qualidade da administração pública, prevendo-se desafios na execução dos planos.

Como referido, o progresso no recebimento de fundos por cada Estado-Membro está condicionado ao cumprimento dos marcos e metas estabelecidos. O gráfico 9 mostra que a percentagem de marcos e metas atingidos não parece estar correlacionada com a importância relativa dos fundos do MRR em cada país. Adicionalmente, a comparação entre o European Quality of Governance Index e a taxa de cumprimento dos marcos e metas indica também a ausência de uma relação entre as duas variáveis, ou seja, países com qualidade de governação semelhante têm, até ao momento, taxas de cumprimento diferentes.

No caso de Portugal, foi divulgado recentemente o primeiro relatório de 2024 da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR (CNA-PRR). O relatório identifica vários constrangimentos, incluindo atrasos na análise das candidaturas e dificuldades no funcionamento das plataformas de submissão de despesas. Entre os grandes investimentos, como os projetos de expansão e modernização dos metropolitanos, o relatório aponta atrasos significativos devido a dificuldades nos processos de contratação pública, escassez de mão-de-obra especializada, e problemas na emissão de pareceres e autorizações ambientais. Estas demoras podem comprometer os prazos de conclusão, inicialmente previstos para 2026. O relatório atribui a perto de 40% dos investimentos uma avaliação crítica ou preocupante (Gráfico 10). Recentemente, o Governo aprovou alguns diplomas que visam acelerar a execução do PRR, reforçando a monitorização dos marcos e metas e a transparência dos procedimentos.

  1. Qualidade do governo e percentagem de fundos do MRR recebidos | Índice e percentagem

  1. Apreciação qualitativa da execução dos investimentos pela CNA-PRR | Percentagem

Fontes: Comissão Europeia e cálculos do Banco de Portugal. | Nota: O European Quality of Governance Index é baseado numa sondagem aos cidadãos, onde os respondentes são questionados sobre as suas perceções e experiências com a participação e responsabilização do governo, a eficácia do governo e a qualidade dos serviços públicos prestados, o Estado de direito, bem como o controlo da corrupção no setor público. A dimensão dos círculos corresponde à dotação do MRR de cada Estado-Membro em percentagem do PIB de 2019. A percentagem de marcos e metas cumpridos corresponde à situação em 24 de setembro de 2024.

Fonte: CNA-PRR Relatório 1 de 2024. | Nota: A avaliação qualitativa é elaborada com base na execução dos investimentos até junho de 2024.

A Comissão Europeia também anunciou diretrizes que aumentam a flexibilidade dos Estados-Membros para ajustarem os projetos financiados pelo PRR, permitindo aditar, suprimir ou alterar investimentos e reformas para reduzir os custos associados e melhorar a resposta a desafios imprevistos, como atrasos em processos de contratação pública e escassez de mão-de-obra especializada. Além disso, os Estados-Membros podem transferir os fundos do PRR para um regime financeiro, que depois utiliza o montante para incentivar investimentos de entidades privadas. Em termos genéricos, os Estados-Membros têm duas opções: transferir os fundos para a componente dos Estados-Membros do InvestEU (como garantia orçamental) ou utilizar outra estrutura, por exemplo nacional.

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A monitorização contínua e a adaptação das estratégias de implementação são essenciais para garantir uma execução eficiente.

Os resultados apresentados destacam que, embora Portugal tenha feito progressos significativos na execução do PRR, é crucial acelerar a execução dos projetos para atingir os objetivos estabelecidos. O cumprimento dos marcos e metas, que se tornarão progressivamente mais exigentes nas próximas fases, requererá maior atenção. A recente disposição da Comissão Europeia para flexibilizar a implementação dos projetos financiados pelo PRR oferece uma oportunidade valiosa para enfrentar desafios imprevistos e garantir a continuidade dos investimentos. Neste sentido, a monitorização contínua e a adaptação das estratégias de implementação revelam-se essenciais.

Com o progresso da execução, o maior volume de informação disponibilizada permitirá análises mais completas e aprofundadas. Estas análises deverão incluir uma caraterização mais detalhada das entidades beneficiárias dos fundos e uma avaliação dos impactos económicos, que considere tanto os investimentos realizados como as reformas implementadas.


A economia portuguesa

Cenários climáticos para a economia portuguesa

A implementação do PRR em Portugal