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Boletim Económico — março 2025

Boletim Económico - Março 2025

Clique na infografia e consulte o sumário acessível. Fique a conhecer as projeções económicas em dois minutos.

Projeções para a economia portuguesa: 2025–2027

Projeções para a economia portuguesa: 2025–27

Projeções para a economia portuguesa: 2025–27

A economia portuguesa deverá crescer 2,3% em 2025 (1,9% em 2024), abrandando para 2,1% em 2026 e 1,7% em 2027 (Quadro I.1.1). O crescimento económico em 2025–26 beneficia do alívio das condições financeiras e tem subjacente uma aceleração da procura externa e uma execução dos fundos europeus mais concentrada agora em 2026. O menor crescimento em 2027 resulta em larga medida do fim do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O consumo e o investimento poderão beneficiar de um aumento da confiança, mas a sua concretização exige uma redução da incerteza interna e externa. Projeta-se um aumento do emprego, após os máximos atingidos em 2024, e uma estabilização da taxa de desemprego. A inflação deverá reduzir-se para 2,3% em 2025 e situar-se em 2% em 2026–27. A economia portuguesa continuará a crescer acima da área do euro, mantendo-se o diferencial de inflação próximo de zero.

  1. Projeções do Banco de Portugal: 2025–27 | Taxa de variação anual em percentagem (exceto onde indicado)

 

Pesos 2023

BE março 2025

BE dezembro 2024

2024

2025 (p)

2026 (p)

2027 (p)

2024 (p)

2025 (p)

2026 (p)

2027 (p)

Produto interno bruto (PIB)

100,0

1,9

2,3

2,1

1,7

1,7

2,2

2,2

1,7

Consumo privado

61,6

3,2

2,8

1,8

1,8

3,0

2,7

1,9

1,8

Consumo público

16,7

1,1

1,1

0,8

0,4

1,1

1,1

0,8

0,3

Formação bruta de capital fixo

20,1

2,3

3,9

4,4

0,1

0,5

5,4

4,6

0,1

Procura interna

98,9

2,5

2,3

2,2

1,2

2,2

2,9

2,3

1,2

Exportações

47,5

3,4

2,7

2,9

3,0

3,9

3,2

3,3

3,2

Importações

46,4

4,8

2,8

3,0

2,0

5,2

4,7

3,4

2,1

Emprego (a)

 

1,6

1,3

0,7

0,4

1,3

0,8

0,7

0,4

Taxa de desemprego (b)

 

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

Balança corrente e de capital (% PIB)

 

3,3

4,5

4,6

3,7

3,6

4,0

3,9

3,3

Balança de bens e serviços (% PIB)

 

2,3

2,4

2,5

3,0

2,4

2,0

2,0

2,6

Índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC)

 

2,7

2,3

2,0

2,0

2,6

2,1

2,0

2,0

Excluindo bens energéticos e alimentares

 

2,7

2,5

2,2

2,2

2,7

2,4

2,2

2,1

Deflator do PIB

 

4,3

2,9

2,5

2,3

4,9

3,3

2,5

2,2

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado, % — percentagem. O fecho de dados do exercício de projeção ocorreu a 10 de março. A projeção corresponde ao valor mais provável condicional ao conjunto de hipóteses consideradas. Pesos a preços correntes. (a) De acordo com o conceito de Contas Nacionais. (b) Em percentagem da população ativa.

Os riscos adversos em torno da projeção para a atividade acentuaram-se e prevalece uma incerteza elevada sobre a evolução da economia mundial (Caixa 1: Enquadramento e políticas). Para além dos fatores de risco já existentes — relacionados com a invasão militar da Ucrânia pela Rússia e os conflitos no Médio Oriente — surgiram novos fatores, com destaque para as alterações na orientação de política geoestratégica e comercial nos EUA. A materialização destes riscos pode conduzir a subidas de preços das matérias-primas, disrupções nas cadeias de abastecimento, menor crescimento do comércio mundial e variações cambiais marcadas, com impacto desestabilizador sobre a atividade. O indicador global de incerteza das políticas económicas atingiu valores próximos dos máximos históricos no início de 2025, o que por si só poderá limitar o crescimento da atividade mundial.1 Esta incerteza pode levar os agentes económicos a adiar ou cancelar decisões de investimento, a aumentar a poupança por motivos de precaução ou a exigir prémios de risco mais elevados, reduzindo o preço dos ativos e aumentando os custos de financiamento. A materialização de um cenário de aumento de tarifas pelos EUA às importações da UE, envolvendo retaliação e aumento da incerteza/redução da confiança, teria um impacto negativo relevante na atividade económica em Portugal (Caixa 2: Impacto de um cenário de aumento das tarifas sobre a atividade em Portugal). Em sentido contrário, o aumento esperado da despesa militar no contexto do plano de reforço da capacidade de defesa europeia pode estimular a economia. No caso da inflação, os riscos externos identificados têm potencial para gerarem pressões inflacionistas superiores às assumidas, via subidas dos preços das matérias-primas ou dos preços de importação pelo impacto das tarifas. O dinamismo dos salários poderá também persistir, refletindo-se nos preços dos serviços e comprometendo o ritmo projetado de redução da inflação, com consequências negativas para a competitividade externa.

A atividade económica acelerou no quarto trimestre de 2024, crescendo 1,5% em cadeia após 0,2% no trimestre anterior. A aceleração foi notória no consumo privado (a taxa em cadeia passou de 0,8% para 2,9%), mas as exportações de bens e serviços também recuperaram (de -0,2% para 0,7%), enquanto o investimento (incluindo em existências) se reduziu (em 6%, após um aumento de 4,5% no terceiro trimestre). O aumento do consumo refletiu a aceleração significativa do rendimento disponível no quarto trimestre (variação em cadeia estimada de 5%), em resultado sobretudo das alterações ao IRS com efeitos retroativos ao início do ano que foram refletidas em tabelas de retenção específicas em setembro e outubro2 e ao pagamento do suplemento extraordinário de pensão em outubro. No conjunto, estas medidas de política orçamental representaram um aumento de cerca de 2000 milhões de euros no rendimento das famílias (equivalendo a quase 4% do rendimento trimestral). No entanto, no primeiro trimestre de 2025, o rendimento disponível nominal deverá reduzir-se 1,2% — revertendo parcialmente o aumento do quarto trimestre — e refletir-se numa retração do consumo privado, já corroborada pelos indicadores de conjuntura disponíveis. O consumo privado deverá ser também condicionado no segundo trimestre pelo impacto da redução prevista nos reembolsos do IRS, resultante das menores retenções na fonte ocorridas em setembro e outubro de 2024. Desta forma, estima-se que a taxa de variação em cadeia do PIB seja de 0,2% no trimestre inicial de 2025 e que recupere para 0,4% no segundo trimestre e para 0,5% nos trimestres seguintes (Gráfico I.1.1 — Painel A). Estas variações em cadeia do PIB em 2025 são inferiores às projetadas em dezembro, pelo que a revisão em alta da taxa anual do PIB em 2025 reflete o maior efeito de arrastamento do crescimento no quarto trimestre de 2024.

  1. Projeções trimestrais para o PIB e para a inflação

Painel A — PIB — taxa de variação em cadeia | Percentagem

Painel B — IHPC — taxa de variação homóloga | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: As linhas a tracejado correspondem aos valores projetados nos BE de dezembro de 2024 e março de 2025.

A inflação aumentou no quarto trimestre de 2024, mas deverá diminuir para 2,4% no primeiro trimestre de 2025 (Gráfico I.1.1 — Painel B). O aumento para 2,8% no final do ano passado refletiu efeitos de base nos bens energéticos e a volatilidade nos serviços de alojamento. A taxa de variação homóloga do IHPC excluindo alimentares, energéticos e itens voláteis associados ao turismo manteve-se estável em torno de 2,5% ao longo dos trimestres de 2024 e no início de 2025. Em 2025, a volatilidade deverá manter-se, projetando-se valores trimestrais para a inflação total entre 1,9% e 2,6%, o que se traduz numa inflação anual de 2,3% (2,7% em 2024).

Alguns fatores têm contribuído para moderar as pressões sobre os preços num quadro de funcionamento da economia acima do potencial (Gráfico I.1.2). A dinâmica de desinflação resultante de fatores externos foi mais pronunciada do que o esperado e as pressões associadas aos custos unitários do trabalho — que mantiveram um crescimento elevado em 2024 (7,6%) — terão sido contrariadas pela redução das margens de lucro. Por seu turno, o impacto sobre o consumo do forte aumento do rendimento disponível real em 2024 (7,8%) foi atenuado pela subida da taxa de poupança das famílias para 12%, valor acima da média do período 2015–19 (7,1%). Finalmente, a oferta de mão de obra tem reagido ao crescimento económico, refletindo uma maior da taxa de participação e fluxos imigratórios. Projeta-se que o hiato do produto se mantenha positivo em 2025–27 (em torno de 0,5% do produto potencial) e que, no mercado de trabalho, a taxa de desemprego continue abaixo da taxa de equilíbrio (Gráficos I.1.2 e I.1.3).

  1. Hiato do produto: intervalo de estimativas alternativas | Em percentagem do produto potencial

  1. Taxa de desemprego observada e de equilíbrio | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: O hiato do produto é a diferença entre o PIB e produto potencial. São consideradas cinco estimativas alternativas para o produto potencial, calculadas com base em diferentes métodos: filtros estatísticos, como o filtro Hodrick e Prescott, Baxter e King, e Christiano e Fitzgerald (CF); o método da função de produção, com base na função Cobb-Douglas; e um modelo de componentes não observadas descrito em Duarte, Maria e Sazedj, S. (2020). "Trends and cycles under changing economic conditions." Economic Modelling, 92, 126–146.

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: A taxa de desemprego de equilíbrio é a taxa de desemprego compatível com o pleno emprego e a estabilização do crescimento dos salários. Para detalhes sobre a metodologia de cálculo ver Duarte, Maria e Sazedj (2020).

Com o PIB acima do potencial e com o grau de restritividade da política monetária do BCE a diminuir, o papel da política orçamental ganha relevância na manutenção da estabilidade macroeconómica. É essencial que a orientação da política orçamental não estimule um excesso de procura agregada e assegure margem para enfrentar inversões do ciclo económico. Esta orientação é importante também numa perspetiva estrutural e de longo prazo. Estima-se que a taxa de crescimento do produto potencial diminua ao longo dos próximos 10 anos, refletindo a redução da população em idade ativa (Caixa 3: Perspetivas para a evolução do produto potencial). Para garantir que o bem-estar da população mantém uma trajetória ascendente, é necessário que o produto por trabalhador aumente, o que requer mais investimento em capital físico e humano e reformas estruturais que contribuam para uma afetação mais produtiva dos recursos e para promover a inovação e a concorrência.

No horizonte de projeção espera-se o retorno gradual a um padrão de crescimento mais baseado no investimento e nas exportações. Em 2024, os fatores de sustentação do crescimento foram diferentes dos do ano anterior e do período 2015–19 (Gráfico I.1.4). O consumo privado (líquido de conteúdo importado) contribuiu 1,1 pp para o crescimento de 1,9% da economia. Em contraste, o contributo das exportações reduziu-se para 0,6 pp, refletindo um menor dinamismo dos serviços, expetável com o desvanecimento do impulso pós-pandémico do turismo internacional. O investimento permaneceu fraco, num contexto de taxas de juro e incerteza elevadas (contributo de 0,2 pp para a variação do PIB). Em 2025–26, espera-se um crescimento mais equilibrado, com um aumento do contributo do investimento (em especial da componente pública) e uma redução do contributo do consumo privado. Em 2027, o contributo do investimento torna-se nulo devido à redução da componente pública com o fim dos fundos do PRR.

  1. Taxa de variação do PIB e contributos das componentes da despesa (líquidos de conteúdo importado) | Em percentagem e pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. Para informações sobre a metodologia de cálculo dos contributos líquidos de conteúdo importado, ver Cardoso e Rua (2021), “O real contributo da procura final para o crescimento do PIB”, Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal, Volume VII, n.º 3.

O consumo privado deverá desacelerar e crescer em linha com o rendimento disponível real, mantendo-se a taxa de poupança elevada (Quadro I.1.1). Após um aumento de 3,2% em 2024, o consumo privado cresce 2,8% em 2025 e 1,8% em 2026 e 2027. Em 2024, o rendimento disponível terá aumentado 7,8% em termos reais, um valor historicamente elevado. O aumento do rendimento disponível, que terá ascendido a 10,6% em termos nominais, refletiu o crescimento da massa salarial, das pensões e das outras transferências, um contributo relevante dos outros rendimentos (abrangendo a remuneração do emprego por conta própria, os juros, os dividendos e as rendas) e o impacto da redução do IRS (Gráfico I.1.5). Projeta-se uma desaceleração progressiva do rendimento disponível real — para crescimentos de 2,3% em 2025, 2,2% em 2026 e 1,4% em 2027 — com um aumento mais contido do emprego e dos salários, a dissipação e, nalguns casos, reversão dos efeitos das medidas orçamentais e o abrandamento dos rendimentos de empresa e propriedade, em parte associado à redução das taxas de juro.

  1. Taxa de variação do rendimento disponível nominal e contributos das componentes | Percentagem e pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

A taxa de poupança das famílias aumentou nos últimos dois anos, com taxas de juro elevadas que incentivam a poupar mais e a consumir menos. A incerteza prevalecente e os choques recentes terão sido também um fator relevante, levando as famílias a aumentarem as suas poupanças por precaução. A subida terá sido reforçada em 2024 pela composição do aumento do rendimento disponível, que foi superior para alguns grupos de famílias ou tipo de rendimentos para os quais existe evidência de uma maior propensão a poupar.3 O inquérito aos consumidores da Comissão Europeia mostra que as intenções de poupança nos próximos 12 meses mantêm uma tendência ascendente — generalizada a todos os quartis de rendimento, mas mais acentuada nos mais elevados — suportando a projeção de manutenção da taxa de poupança em valores elevados em 2025-27 (11,7% em média).

O fraco crescimento do investimento no período recente limita a capacidade produtiva da economia. A reação da oferta de trabalho às condições da procura não tem sido acompanhada por uma resposta similar da FBCF. O investimento empresarial e residencial cresceu, em média, 2,1% e 0,3% nos últimos dois anos, o que contrasta com o crescimento observado entre 2015 e 2019 (7,7% e 5,3%, respetivamente) e estará relacionado com o impacto das condições financeiras mais restritivas e da maior incerteza. Em contraste, o investimento público cresceu mais significativamente no mesmo período, embora desacelerando em 2024 face ao ano anterior e ficando aquém das expetativas (Gráfico I.1.6). A necessidade de reforçar o investimento é crucial para aproximar o stock de capital da economia portuguesa, avaliado em rácio do PIB ou do emprego, ao dos congéneres europeus, o que se deverá refletir também numa convergência da produtividade (Caixa 4: Stock de capital excluindo habitação na economia portuguesa).

Em 2025–26, o investimento deverá acelerar em reação à melhoria das condições de financiamento e da procura e à maior entrada de fundos europeus. A melhoria recente da confiança dos empresários e a situação financeira favorável do setor favorecem uma retoma do investimento empresarial, que deverá ser mais gradual do que a projetada em dezembro, dado o aumento da incerteza. Em 2024, as margens de lucro das empresas reduziram-se, mas permaneceram elevadas, contribuindo para o autofinanciamento do investimento e a manutenção da trajetória descendente do endividamento. O investimento público deverá manter um crescimento elevado em 2025–26 (16%, em média) — coincidindo com o maior volume de transferências da UE — e diminuir em 2027. Espera-se um crescimento do investimento residencial de 2,1%, em média, em 2025–27, após a recuperação de 2,7% em 2024 (Gráfico I.1.6). A oferta reagiu ao incentivo da subida de preços de venda e à moderação dos custos, observando-se um aumento do número de licenças de construção de habitação nova em 2024. Do lado da procura, as perspetivas de crescimento refletem o aumento da população e do rendimento disponível e a redução das taxas de juro.

  1. Taxa de variação da FBCF total e contributo das componentes | Percentagem e pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

As exportações crescem a uma taxa média de 2,9% em 2025–27, inferior à dos últimos anos, num contexto de aceleração esperada da procura externa e menores ganhos de quota (Gráfico I.1.7). Em 2024, as exportações de bens recuperaram, aumentando 3,4%, enquanto as exportações de serviços desaceleraram de forma marcada, com a componente de turismo a crescer 5,1% e a de outros serviços 2%. A evolução das exportações de bens e serviços foi mais favorável do que a verificada na maioria dos países da área do euro. No horizonte de projeção, as principais componentes das exportações deverão crescer a um ritmo similar e próximo do assumido para a procura externa. A hipótese de aceleração da procura externa reflete o comportamento projetado para as importações dos parceiros comerciais da área do euro. A perspetiva de um aumento das tarifas à importação de bens da UE pelos EUA implica riscos em baixa para o crescimento das exportações de bens, em particular de setores com maior proporção de empresas expostas a este mercado (Caixa 5: Tarifa efetiva média e exposição das exportações portuguesas ao mercado dos EUA). O impacto negativo de um maior protecionismo no comércio mundial deverá sobrepor-se a eventuais oportunidades que processos de reorientação dos fluxos de comércio para localizações com maior proximidade geográfica e institucional possam trazer à economia portuguesa.

A economia apresentará uma capacidade de financiamento historicamente elevada, devido às entradas de fundos europeus e à manutenção de um excedente da balança de bens e serviços (Gráfico I.1.8). Em 2024, o saldo da balança corrente e de capital aumentou para 3,3% do PIB (2,0% em 2023), refletindo uma redução do défice no comércio de bens (de 9,4% para 8,9% do PIB) e, em menor grau, o alargamento do excedente da balança de serviços (de 10,9% para 11,2% do PIB). O aumento do saldo de bens e serviços resultou de um novo ganho de termos de troca, uma vez que as importações em volume cresceram acima das exportações.4 As transferências líquidas com a UE estabilizaram em 1,3% do PIB. Em 2025–26, projeta-se a manutenção do saldo de bens e serviços em 2,4% do PIB, enquanto as transferências líquidas com a UE deverão atingir 2,8% do PIB, em média.

  1. Exportações totais e componentes | Taxa de variação anual em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. O indicador de procura externa dirigida à economia portuguesa consiste numa média das importações de bens e serviços dos parceiros comerciais, ponderadas pelo seu peso nas exportações portuguesas.

  1. Balança corrente e de capital e componentes | Percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

No mercado de trabalho, projetam-se aumentos progressivamente menores do emprego e dos salários reais e uma taxa de desemprego estável (Quadro I.1.1 e Gráfico I.1.9). Em 2024, o emprego cresceu 1,6%, acima da relação histórica com o crescimento do produto. Esta evolução foi possibilitada pela subida da taxa de participação e pelos fluxos de imigração líquida. A taxa de participação aumentou 1,5 pp nos dois últimos anos, atingindo 68,6% em 2024, considerando a população de 16 a 74 anos. O emprego médio de trabalhadores estrangeiros por conta de outrem registados na Segurança Social aumentou 22,6% em 2024, totalizando 653 milhares (de um total de 3985 mil empregos). A remuneração média por trabalhador manteve um crescimento nominal elevado (8,0%), para o que contribuiu o aumento do salário mínimo (7,9%) e uma componente de compensação pela inflação passada nas negociações salariais. Tal resultou num ganho real de 5,3%. No horizonte de projeção esperam-se crescimentos do emprego mais alinhados com a relação histórica com o PIB (1,3%, 0,7% e 0,4%). A desaceleração projetada para os salários nominais em 2025 é corroborada pelas indicações do inquérito aos consumidores do BCE e do inquérito às empresas do BCE/CE.5 Em 2026–27, os ganhos reais do salário médio serão mais contidos, aproximando-se do crescimento projetado para o produto por trabalhador (1,2%, em média).

  1. Remuneração média e produto por trabalhador | Taxa de variação anual em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE (Contas Nacionais). | Notas: (p) — projetado. A remuneração por trabalhador em termos reais foi calculada usando o deflator do consumo privado.

A redução da inflação em 2024, para 2,7%, refletiu principalmente o comportamento dos preços dos bens, mantendo-se elevadas as pressões inflacionistas nos serviços. Os preços dos bens alimentares e industriais não energéticos abrandaram — o seu contributo para a inflação total reduziu-se de 3,2 pp para 0,4 pp — compensando o aumento do contributo dos energéticos (de -0,7 pp para 0,2 pp) (Gráfico I.1.10). Nos bens alimentares, a evidência dos preços online de grandes retalhistas mostra que ocorreu um crescimento mais rápido dos preços dos produtos mais baratos durante o recente surto inflacionista, mas que esse processo reverteu parcialmente em 2024 (Caixa 6: Comportamento dos preços de diferentes gamas de bens alimentares no comércio online). O contributo dos preços dos serviços para a inflação total ascendeu a 2,1 pp (2,8 pp no ano anterior). Em termos das principais componentes do IHPC de serviços, observou-se uma redução do contributo dos serviços de lazer e cuidado pessoal e de férias organizadas e alojamento para a inflação total (de 2,0 pp para 1,1 pp), enquanto o dos restantes serviços se manteve ou aumentou. Neste último caso, a persistência poderá refletir, em parte, o ajustamento desfasado dos preços de alguns itens devido a uma componente de indexação, como nas rendas.

Projeta-se que a inflação se reduza para 2,3% em 2025 e para 2% em 2026–27, beneficiando do abrandamento dos preços dos serviços (Gráfico I.1.10). O contributo dos serviços reduz-se para 1,5 pp em 2025 e 1,3 pp em 2026–27. O contributo dos bens — em particular da componente excluindo alimentares e energéticos — aumenta em 2025 e reduz-se em 2026, em linha com as hipóteses de recuperação e posterior desaceleração dos preços de importação.

O deflator do PIB, que aproxima as pressões oriundas dos salários e das margens de lucro, cresceu 4,3% em 2024, após ter aumentado 7,0% em 2023 (Gráfico I.1.11). Este abrandamento resultou da redução do excedente bruto de exploração das empresas, mantendo-se o contributo significativo dos salários ajustados da produtividade. Em 2025–27, o menor contributo dos custos do trabalho deverá determinar um abrandamento do deflator do PIB.

  1. IHPC total e principais componentes | Taxa de variação anual em percentagem e contributos em pp

  1. Decomposição da taxa de variação anual do deflator do PIB na ótica do rendimento | Percentagem e pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

  1. Enquadramento e políticas

De acordo com as projeções de março do BCE, a economia mundial deverá manter um crescimento robusto até 2027, mas existe elevada incerteza relativamente à política comercial dos EUA e às tensões geopolíticas. O crescimento do PIB mundial situa-se em torno de 3% entre 2025 e 2027, com uma ligeira revisão em baixa face à projeção de dezembro de 2024 (Quadro C.1.1). Os recentes anúncios dos EUA sobre o aumento de tarifas às importações e a possibilidade de medidas retaliatórias por parte dos parceiros comerciais intensificaram os riscos descendentes em torno da projeção.

As projeções de março do BCE apontam para uma recuperação gradual da economia da área do euro, embora a um ritmo mais fraco do que o previsto em dezembro. Nos últimos anos, o crescimento da área do euro tem sido caraterizado por disparidades entre países, setores e componentes da despesa (Gráfico C.1.1). Espanha, França e Portugal cresceram acima da média, enquanto na Itália e sobretudo na Alemanha o crescimento foi fraco. Esta dicotomia refletirá em parte a disparidade que também se observa entre setores, continuando os serviços a impulsionar a atividade económica, enquanto a indústria mantém sinais de fragilidade. Quanto às componentes da despesa, o contributo do consumo privado e público para o crescimento tem-se reforçado, ao contrário do investimento e das exportações, que continuam a exercer uma pressão negativa. Ao longo do horizonte de projeção, a recuperação gradual do PIB reflete um contributo importante do consumo privado, mas é também impulsionada por uma recuperação do investimento e do setor externo. Em média anual, espera-se que o PIB da área do euro cresça 0,9% em 2025, 1,2% em 2026 e 1,3% em 2027 (Quadro C.1.1).

  1. Decomposição do PIB da área do euro | Índice (2023 T1=100)

Painel A — Países

Painel B — Setores (VAB)

Painel C — Despesa

Fonte: Eurostat (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: As componentes da despesa da área do euro excluem a Irlanda, devido a grandes variações em alguns agregados associadas à presença de empresas multinacionais neste país. Dados até ao quarto trimestre de 2024.

O comércio mundial acelerou em 2024 e deverá crescer ligeiramente acima da atividade no horizonte de projeção. O comércio mundial de bens e serviços terá crescido 3,4% em 2024 (0,4% em 2023) e espera-se que mantenha um ritmo de crescimento de 3,1%, em média, em 2025–27 (Quadro C1.1). O crescimento da procura externa dirigida à economia portuguesa recuperou em 2024 (crescimento de 1,4% após queda de 0,5% em 2023) e deverá manter um crescimento inferior ao do comércio mundial em 2025 (2,4%), em resultado do menor dinamismo relativo da área do euro, o principal mercado das exportações portuguesas. Em 2026–27, espera-se um crescimento próximo de 3%, em linha com o do comércio mundial.

  1. Hipóteses do exercício de projeção

 

 

BE março 2025

Revisões face ao BE dezembro 2024

 

 

2024

2025

2026

2027

2024

2025

2026

2027

Enquadramento internacional

 
 
 
 

 

 
 
 
 

PIB mundial

tva

3,1

3,1

3,0

3,0

0,0

-0,1

-0,1

0,0

PIB da área do euro

tva

0,8

0,9

1,2

1,3

0,1

-0,2

-0,2

0,0

Comércio mundial

tva

3,4

3,2

3,1

3,1

0,4

-0,2

-0,2

-0,1

Procura externa

tva

1,4

2,4

2,8

3,0

0,0

-0,5

-0,4

-0,1

Preços internacionais

 
 
 
 

 

 
 
 
 

Preço do petróleo

vma

75,8

71,8

67,5

66,1

0,3

4,3

1,5

0,9

Preço do gás (MWh)

vma

34,4

50,2

40,4

31,7

0,1

7,4

5,4

2,4

Matérias-primas não energéticas

tva

9,1

16,5

-1,3

-2,8

0,5

8,7

-0,9

-1,1

Preço de importação dos concorrentes

tva

0,3

2,7

2,4

2,1

0,1

0,5

0,0

-0,1

Condições monetárias e financeiras

 
 
 
 

 

 
 
 
 

Taxa de juro de curto prazo (EURIBOR a 3 meses)

%

3,6

2,2

2,0

2,1

0,0

0,1

0,0

-0,1

Taxa de juro implícita da dívida pública

%

2,2

2,3

2,4

2,5

0,0

-0,1

-0,1

-0,1

Índice de taxa de câmbio efetiva

tva

1,9

-1,5

0,0

0,0

0,0

-0,9

0,0

0,0

Taxa de câmbio euro-dólar

vma

1,08

1,04

1,04

1,04

0,0

-0,1

-0,1

-0,1

Fontes: Banco de Portugal e Eurosistema (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: tva — taxa de variação anual, % — em percentagem, vma — valor médio anual, MWh — megawatt-hora. As hipóteses técnicas e de enquadramento externo e as projeções para o PIB e inflação da área do euro coincidem com as do exercício de projeção do BCE divulgado a 6 de março (ver “Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema”, março de 2025), incluindo a informação disponível até 10 de fevereiro. Os preços internacionais são medidos em euros. A hipótese técnica para o preço do petróleo, gás e matérias-primas não energéticas assenta nos mercados de futuros. O preço de importação dos concorrentes corresponde a uma média ponderada dos deflatores de exportação dos países dos quais Portugal importa, ponderada pelo peso relativo nas importações portuguesas (para mais informação, ver “Trade consistency in the context of the Eurosystem projection exercises: an overview”, ECB Occasional Paper 108, março de 2010). A evolução da taxa EURIBOR a 3 meses tem por base as expetativas implícitas nos contratos de futuros. A taxa de juro implícita da dívida pública é calculada como o rácio entre a despesa em juros do ano e a média simples do stock da dívida no final do ano e no final do ano anterior. Um aumento da taxa de câmbio corresponde a uma apreciação. O índice de taxa de câmbio efetiva do euro é calculado face a um grupo de 42 países parceiros. A revisão da taxa de câmbio euro-dólar é apresentada em percentagem. A hipótese técnica para as taxas de câmbio bilaterais pressupõe a manutenção ao longo do horizonte de projeção dos níveis médios observados nas duas semanas anteriores à data de fecho da informação.

A inflação na área do euro foi revista ligeiramente em alta em 2025, projetando-se que atinja o objetivo da política monetária no início de 2026. Esta revisão reflete um maior aumento dos preços dos bens energéticos, associado à evolução dos preços do petróleo e do gás, bem como a uma ligeira depreciação do euro. As projeções de março do BCE apontam para uma diminuição da inflação na área do euro de 2,4% em 2024 para 2,3% em 2025, 1,9% em 2026 e 2,0% em 2027. A medida de inflação excluindo bens alimentares e energéticos deverá reduzir-se para 2,2% em 2025, 2,0% em 2026 e 1,9% em 2027.

A descida das taxas diretoras do BCE tem aliviado os custos de financiamento do setor privado, favorecendo uma recuperação dos empréstimos bancários na área do euro. As taxas de juro de novos empréstimos bancários às famílias e empresas têm vindo a reduzir-se na área do euro, incluindo em Portugal (Gráfico C1.2). Os fluxos de empréstimo têm evidenciado uma ligeira recuperação, num contexto de um aumento moderado da procura, especialmente por parte das famílias, e por condições de oferta de financiamento relativamente mais favoráveis. Com a recuperação da atividade e o maior alívio nas condições de crédito, espera-se que o crescimento dos empréstimos bancários acelere. As hipóteses do exercício apontam para que a média anual da taxa EURIBOR a 3 meses se situe em 2,2% em 2025, 2,0% em 2026 e em 2,1% em 2027 (Quadro C1.1). A taxa de juro implícita na dívida portuguesa deverá aumentar gradualmente, de 2,2% em 2024 para 2,5% em 2027. Face ao Boletim de dezembro, a revisão em baixa da taxa de juro média da dívida pública ao longo do horizonte de projeção resulta do stock da dívida pública em 2024 ter sido superior ao previsto.

  1. Taxas de juro de novos empréstimos e empréstimos às famílias e às SNF

Painel A — Área do euro

Painel B — Portugal

Fonte: BCE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Emp. (fluxos) — fluxos mensais de empréstimos bancários ajustados de operações de titularização e cedências líquidas de empréstimos bem como de fluxos de caixa nocionais (notional cash pooling); empréstimos às famílias (habitação, consumo e outros fins) e às sociedades não financeiras (SNF). Taxas de juro bancárias de novos empréstimos às famílias (média das taxas de juro de empréstimos à habitação, consumo e outros fins ponderada pelos respetivos volumes de empréstimos concedidos) e taxas de juro bancárias de novos empréstimos às SNF. Dados até janeiro de 2025.

 
 
  1. Impacto de um cenário de aumento das tarifas sobre a atividade em Portugal

Estudos empíricos e estudos baseados em modelos sugerem que o aumento dos direitos alfandegários sobre as importações tem um efeito negativo na atividade económica, tanto no país que as impõe como nos países afetados por essas barreiras ao comércio. Estes impactos negativos são amplificados pela existência de cadeias de valor globais.

A plena avaliação do impacto de eventuais tarifas sobre as exportações portuguesas é complexa e requer informação ainda não disponível. Ainda assim, partindo de estimativas publicadas por instituições internacionais sobre os efeitos das tarifas na área do euro, pode ser construído um cenário muito simplificado.6 No cenário considerado, prevê-se um aumento de 25 pp das tarifas impostas pelos EUA, em particular, sobre os bens importados da União Europeia (EU), acompanhado por uma retaliação de igual magnitude por parte dos países afetados. De acordo com os resultados disponíveis, este aumento das tarifas poderá resultar numa contração acumulada do PIB da área do euro entre 0,5% e 0,7% ao fim de três anos, com um impacto mais significativo no primeiro ano.

Para estimar os efeitos sobre a economia portuguesa, recorreu-se aos modelos de projeção macroeconómica habitualmente utilizados, em particular o Modelo M, assumindo-se a introdução das tarifas a partir do segundo trimestre de 2025.7 Uma vez que o peso dos EUA nas exportações portuguesas de bens (6,8%) é apenas ligeiramente inferior ao peso no comércio intra e extra da área do euro (8,2%), os resultados obtidos para Portugal são semelhantes aos obtidos para a área do euro. Uma redução do PIB próxima de 0,7% ao fim de três anos e mais concentrada no primeiro ano.

Para além dos efeitos diretos da imposição de tarifas, o aumento das barreiras comerciais gera um ambiente de maior incerteza, com repercussões negativas na confiança dos agentes económicos fruto da imprevisibilidade de futuras políticas comerciais, da sua escala e duração, da possibilidade de medidas retaliatórias e da volatilidade induzida nos custos de produção e nos preços dos bens. Em resultado, observa-se frequentemente uma redução do investimento e do consumo privado.

Neste quadro, para além do efeito direto das tarifas sobre a atividade na economia portuguesa, considerou-se um choque adicional de incerteza e de confiança, com efeito negativo no consumo e no investimento privados. A calibração deste choque teve por base os resultados apresentados em Manteu e Serra (2017)8, assumindo um aumento significativo da incerteza, ainda que inferior ao registado durante a crise financeira e na pandemia COVID-19.

O impacto global dos choques considerados aponta para uma redução cumulativa do PIB em torno de 1,1% no final de três anos, com os efeitos concentrados nos primeiros dois anos (Gráfico C2.1).

  1. Impacto do choque de aumento de tarifas e aumento da incerteza/redução da confiança na taxa de variação anual do PIB | Diferenças face à taxa de variação anual no cenário base em pp

Fonte: Banco de Portugal.

 
  1. Perspetivas para a evolução do produto potencial

O produto potencial é uma construção teórica associada à capacidade produtiva latente — não observável — de uma economia. Nesta caixa segue-se a abordagem que considera que o produto potencial é uma medida da oferta potencial, refletindo o nível de produção em pleno emprego, que não gera pressões inflacionistas excessivas.

Nesta abordagem recorre-se ao método da função de produção, identificando como fatores produtivos a oferta de trabalho e o stock de capital, bem como a eficiência com que estes fatores podem ser combinados, ou seja, a produtividade dos fatores. A oferta de trabalho corresponde ao produto entre o número de trabalhadores e o número de horas que cada trabalhador deseja trabalhar. A oferta de trabalho depende da dimensão da população, da proporção da população que pretende participar ativamente no mercado de trabalho, designada de taxa de atividade, e da taxa de desemprego de equilíbrio, compatível com o pleno emprego e a estabilização do crescimento dos salários. Esta oferta diz-se potencial porque incorpora o valor potencial da taxa de atividade e das horas por trabalhador, bem como a taxa de desemprego de equilíbrio. O stock de capital total reflete a acumulação de investimento ao longo do tempo, deduzida da depreciação. A produtividade potencial dos fatores inclui diversos elementos, interligados e difíceis de destrinçar, tais como o progresso tecnológico, o capital humano e o funcionamento das instituições.

A literatura considera outros conceitos e uma pletora de métodos de estimação, que produzem estimativas com valores por vezes distintos, como ilustrado no gráfico C3.1 (Banco de Portugal, 2017).9 Contudo, a incerteza sobre a escolha do método de estimação tem um menor impacto nas estimativas do crescimento potencial do que nas estimativas do seu nível e hiato do produto (Duarte, Maria e Sazedj, 2020).10

Nos próximos dez anos antecipa-se um crescimento potencial médio de 1,4% (Gráfico C3.2). À semelhança da última década, este crescimento é dominado pelo contributo de 1 pp da produtividade potencial dos fatores.

Espera-se que a oferta potencial de trabalho tenha um contributo de 0,1 pp para o crescimento potencial, resistindo à pressão negativa do saldo natural (Gráfico C3.3). Projeta-se que a população em idade ativa deverá ficar aproximadamente estável, em média na próxima década, com os fluxos líquidos de entrada de imigrantes a contrabalançarem o saldo natural negativo e o envelhecimento da população. Adicionalmente, a proporção da população que pretende participar ativamente no mercado de trabalho deverá continuar a aumentar, refletindo o aumento da idade da reforma, a continuação da tendência de aumento da participação das mulheres e efeitos de composição positivos — aumento da proporção dos trabalhadores imigrantes e dos trabalhadores com qualificações mais elevadas, cuja participação no mercado de trabalho é superior à média. A taxa de desemprego de equilíbrio tem um contributo aproximadamente nulo para o crescimento potencial, não se esperando que varie de forma significativa.

O stock de capital deverá ter um contributo de 0,3 pp para o crescimento potencial na próxima década. Este contributo beneficia da implementação de projetos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sendo superior ao das últimas duas décadas (0,1 pp e -0,1 pp, respetivamente).11 Contudo, esta dinâmica fica aquém da registada no período 1985–2004 (1,4 pp em média) e é insuficiente para contrariar a menor intensidade capitalística face à área do euro (Caixa 4 —Stock de capital excluindo habitação na economia portuguesa).

  1. Crescimento potencial: impacto de métodos alternativos | Taxa de variação média anual em percentagem

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: (p) — projeção. O período 2025–27 corresponde ao horizonte das projeções apresentadas neste Boletim. O intervalo de estimativas representa os valores máximo e mínimo obtidos com cinco métodos alternativos: filtros estatísticos, como o filtro Hodrick-Prescott, Baxter-King,
e Christiano-Fitzgerald; o método da função de produção, com base na função Cobb-Douglas; e um modelo de componentes não observadas descrito em Duarte, Maria e Sazedj (2020).

  1. Crescimento potencial e principais contributos | Taxa de variação média anual em percentagem e contributos em pontos percentuais

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projeção. O período 2025–27 corresponde ao horizonte das projeções apresentadas neste Boletim. A decomposição do crescimento potencial é feita com base numa função de produção Cobb-Douglas.

A produtividade potencial dos fatores deverá ter um crescimento médio anual de 1%, próximo da média histórica e do valor da última década (Gráfico C3.2). Nos últimos dez anos, a economia portuguesa registou diversas transformações favoráveis. As empresas revelaram maior competitividade, o que se traduziu em ganhos de quota de mercado das exportações. O endividamento público e privado tem vindo a diminuir, refletindo a manutenção da disciplina financeira e orçamental. A digitalização tem sido reforçada. Mais emprego tem sido criado em indústrias de alta e média tecnologia e serviços intensivos em conhecimento, a par do aumento gradual das qualificações da população. As projeções para o crescimento da produtividade potencial dos fatores na próxima década consideram que estas trajetórias serão mantidas, assumindo-se a hipótese clássica de que o crescimento da produtividade é constante no longo prazo.

O crescimento potencial deverá desacelerar ao longo dos próximos dez anos e a oferta potencial de trabalho é o fator que mais contribui para este perfil (Gráficos C3.2 e C3.3). Portugal faz parte do grupo cada vez maior de países que deverá registar um decréscimo da população, que será cada vez mais envelhecida (United Nations, 2022).12 Projeta-se que a continuação destas tendências, bem como o seu alargamento geográfico, limitará a margem de manobra para mitigar o seu impacto no mercado de trabalho. Antecipa-se uma redução gradual das entradas de imigrantes, após permanecerem em máximos históricos no período 2024–26. Adicionalmente, considera-se que o aumento da taxa de atividade potencial será progressivamente menor. Este exercício assume a hipótese de convergência das horas médias potenciais para um nível constante, igual ao último valor observado. Em alternativa, poder-se-ia assumir a continuação da tendência de redução das horas médias trabalhadas, que se tem vindo a observar na generalidade dos países europeus (Astinova et al., 2024).13 A continuação desta tendência pode reforçar a desaceleração do crescimento potencial, caso não seja acompanhada por um aumento da produtividade.

O stock de capital e a produtividade potencial dos fatores também desaceleram nos próximos dez anos, embora de forma menos acentuada do que o fator trabalho. Esta evolução reflete o fim dos projetos de investimento associados ao PRR, bem como a dissipação de fatores de natureza temporária com impacto no produto potencial, associados à recuperação pós-pandemia.

  1. Decomposição do contributo da oferta potencial de trabalho para o crescimento potencial | Pontos percentuais

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projeção. O período 2025–27 corresponde ao horizonte das projeções apresentadas neste Boletim.
A decomposição da oferta potencial de trabalho (L) é feita com base na seguinte igualdade: L = P x A x (1 – D) x H, onde P corresponde à população em idade ativa (16 a 74 anos), A é a taxa de atividade potencial, D é a taxa de desemprego de equilíbrio e H representa as horas médias potenciais. A população em idade ativa corresponde à série subjacente às Estatísticas Demográficas divulgadas pelo INE. O contributo da população em idade ativa inclui um fator de escala que reflete a evolução relativa da população em idade ativa das Estatísticas Demográficas face à do Inquérito ao Emprego. A taxa de atividade e as horas médias potenciais são obtidas através da aplicação do filtro Hodrick-Prescott às séries originais. No caso das horas médias, o filtro é ajustado para lidar com o impacto da pandemia COVID-19 nesta variável. A taxa de desemprego de equilíbrio segue a metodologia descrita em Duarte, Maria e Sazedj (2020). O contributo da taxa de atividade inclui um fator de escala que permite converter o emprego relativo ao conceito do Inquérito ao Emprego para o de Contas Nacionais.

O crescimento do produto potencial por indivíduo em idade ativa deverá manter-se em 1,5% no final do horizonte das projeções. Este crescimento é semelhante à média no período 1985–2024. O crescimento do produto potencial per capita convergirá para 1,1%, 0,5 pp inferior à média histórica. O crescimento diferenciado destes dois rácios no horizonte das projeções traduz a redução da proporção da população em idade ativa na população total, devido ao seu envelhecimento, esperando-se um aumento médio do índice de dependência de idosos de 2,7% por ano.

 
  1. Stock de capital excluindo habitação na economia portuguesa

Em Portugal, o stock de capital excluindo habitação — ativo detido maioritariamente por famílias, não contribuindo diretamente para o processo produtivo — reduziu-se durante a crise das dívidas soberanas e recuperou posteriormente (Gráfico C4.1).14 Entre 2015 e 2023, o stock de capital excluindo habitação aumentou 7,3% (o que equivale a 0,8% por ano), destacando-se a evolução do stock em máquinas e equipamentos e em produtos de propriedade intelectual (Gráfico C4.2). O stock em produtos de propriedade intelectual tem apresentado crescimentos significativos, com o seu peso no total excluindo habitação a aumentar de 2,7% em 2000 para 5,8% em 2023. Este resultado, apesar de não sobressair nos países da UE, é um feito notável para um país que procura convergir economicamente com países mais desenvolvidos economicamente e não será ortogonal ao aumento das qualificações da força de trabalho e à contínua abertura da economia portuguesa. O investimento em produtos de propriedade intelectual é particularmente relevante dada a sua relação com os processos de inovação e com os resultados da investigação e desenvolvimento.

  1. Stock de capital excluindo habitação por tipo de ativo, em termos reais | Em milhões de euros

Fonte: INE (Séries Longas para a Economia Portuguesa). | Nota: Dados encadeados em volume (2020).

Portugal encontra-se no grupo de países da UE com menor stock de capital excluindo habitação, em percentagem do PIB — próximo, por exemplo, da Alemanha e da Bélgica —, sendo este resultado relativamente estável de 2000 a 2021 (Gráfico C4.3 — Painel A). Por tipo de ativo, Portugal apresenta uma posição comparativamente mais desfavorável no stock de máquinas e transportes e de produtos de propriedade intelectual, enquanto na construção excluindo habitação se encontra próximo da mediana.

No período em análise, Portugal também se encontra entre os países com menor intensidade capitalística, ou seja, com capital por trabalhador mais baixo (Gráfico C4.3 — Painel B). A relativa estagnação deste rácio em Portugal desde o final da crise das dívidas soberanas reflete uma recuperação do investimento insuficiente para que o stock de capital acompanhasse o dinamismo do emprego.

  1. Stock de capital excluindo habitação em Portugal | Taxa de variação média anual, em percentagem

Fonte: INE (Séries Longas para a Economia Portuguesa). | Nota: Dados encadeados em volume (2020).

  1. Comparação do stock de capital excluindo habitação em Portugal face à UE | Média no período

Painel A — Em percentagem do PIB

Painel B — Milhares de euros por trabalhador

Fonte: Eurostat. | Notas: Dados encadeados em volume (2020). O período de 2000 a 2021 corresponde à amostra comum a todos os países da UE. O intervalo interquartil representa a amplitude da distribuição dos dados de stock de capital excluindo habitação (em percentagem do PIB e por trabalhador) na UE entre o primeiro e o terceiro quartil (percentis 25 e 75, respetivamente).

De forma simplificada, a teoria clássica de crescimento económico sugere que o produto por trabalhador depende do stock de capital disponível para cada trabalhador e da produtividade total dos fatores. A relação positiva entre o capital por trabalhador e o VAB por trabalhador é visível nos países da UE (Gráfico C4.4).15 Portugal encontra-se no grupo com menor intensidade capitalística e menor produtividade por trabalhador. Ainda assim, apresenta uma produtividade superior à de países com capital por trabalhador semelhante.

Em Portugal, é visível uma relação histórica positiva entre o capital por trabalhador e o VAB por trabalhador (Gráfico C4.5). Após 2014, esta relação deixou de ser evidente, implicando que os crescimentos do VAB por trabalhador observados neste período estarão associados a progressos na produtividade total dos fatores. A melhoria na eficiência na utilização dos fatores produtivos parece ter desempenhado um papel particularmente relevante em setores como a Informação e comunicação e as Atividades financeiras e de seguros, onde o stock de capital por trabalhador diminuiu significativamente entre 2014 e 2022, mas o VAB por trabalhador apresentou variações mais contidas (Quadro C4.1).

  1. Intensidade capitalística e produtividade do trabalho na UE, média 2015–21 | Milhares de euros

Fonte: Eurostat. | Notas: VAB, emprego e stock de capital para o total da economia excluindo atividades imobiliárias. Dados encadeados em volume (2020). Por motivos de escala, o Luxemburgo (stock por trabalhador de 204,8 e VAB por trabalhador de 121,4) e a Irlanda (317,5 e 134,7) não estão representados no gráfico.

  1. Intensidade capitalística e produtividade do trabalho em Portugal | Em milhares de euros

Fonte: Eurostat. | Notas: VAB, emprego e stock de capital para o total da economia excluindo atividades imobiliárias. Dados encadeados em volume (2020).

Com exceção das Atividades financeiras e de seguros, a intensidade capitalística por ramo de atividade em Portugal é inferior à da média da UE, bem como os respetivos valores para o VAB por trabalhador (Quadro C4.1). Os desvios negativos face à média da UE são significativos para alguns setores, sugerindo margem para um maior crescimento do produto por trabalhador suportado pelo investimento.

A aproximação do VAB por trabalhador em Portugal à média da UE constitui um desafio importante, num contexto em que a economia portuguesa procura alcançar o rendimento médio europeu. A acumulação de capital, em particular através de um maior investimento nos setores transacionáveis, contribui para este processo.

  1. Intensidade capitalística e produtividade do trabalho em Portugal, por ramo de atividade | Milhares de euros e percentagem

 

Nível, em 2022

Variação entre 2014 e 2022

Média 2015–21, UE=100 em cada ramo

 

Stock de capital por trabalhador

VAB por trabalhador

Stock de capital por trabalhador

VAB por trabalhador

Stock de capital por trabalhador

VAB por trabalhador

Total excluindo atividades imobiliárias

67,0

34,2

-9,0

4,9

62,8

60,4

Agricultura e produção animal

37,8

13,8

61,6

50,1

33,9

54,4

Indústria e energia

121,1

40,8

2,6

4,3

65,4

54,5

Construção

25,5

24,6

-24,7

-5,2

39,8

49,9

Comércio, transportes e aloj. e restauração

59,2

35,4

-0,4

0,9

67,0

72,1

Informação e comunicação

107,2

65,0

-40,8

-12,1

91,5

67,3

Atividades financeiras e de seguros

130,9

124,3

-35,1

18,1

115,7

90,7

At. de consultoria e serviços de apoio

26,4

26,7

12,1

9,4

36,2

43,9

Administração pública, educação e saúde

83,9

34,5

-25,6

-3,6

75,2

70,9

Atividades artísticas e outros serviços

25,7

18,5

12,4

5,4

38,5

53,5

Fonte: Eurostat. | Nota: Dados encadeados em volume (2020).

 
  1. Tarifa efetiva média e exposição das exportações portuguesas ao mercado dos EUA

A orientação da política comercial da nova administração dos EUA aumenta as barreiras à entrada de bens no país. Uma das medidas anunciadas é o aumento de direitos aduaneiros sobre a importação de bens. Existe forte incerteza sobre o momento de implementação, intensidade, abrangência geográfica e os tipos de bens que poderão ser afetados (Gráfico C5.1). Neste contexto, é relevante conhecer o nível e a abrangência das tarifas atualmente em vigor, bem como medir o grau de exposição da economia e das empresas portuguesas ao mercado americano. De referir que existem também vastas barreiras de natureza não tarifária, mas cuja intensidade e impacto são de difícil avaliação.16

  1. Incerteza quanto à política comercial dos EUA | Índice

Fonte: Baker, Bloom and Davis, “Measuring Economic Policy Uncertainty” em www.PolicyUncertainty.com. | Nota: 1985–2010=100.

Os EUA são o principal parceiro comercial extracomunitário de Portugal. O peso das exportações de bens para os EUA representou 2% do PIB em 2023. Este valor coloca Portugal numa posição intermédia entre os países da UE (Gráfico C5.2). O peso das exportações portuguesas de serviços para os EUA é igualmente importante, tendo representado 1,8% do PIB em 2023, mas, pela sua natureza, estas exportações não são afetadas diretamente por barreiras tarifárias. A cobrança de tarifas implica a verificação do trânsito dos bens na fronteira, controlando a sua origem, quantidade e valor declarado, mas no caso dos serviços esse controlo físico não é realizável. No entanto, podem existir barreiras não tarifárias com efeito nas exportações de serviços, por exemplo em resultado dos apoios recebidos pelas empresas estrangeiras que vendem no mesmo mercado.

A UE opera como uma união aduaneira, com tarifas comuns às importações e livre circulação de bens no espaço comunitário, o que constitui uma das quatro liberdades do Mercado Comum Europeu. Por seu turno, as barreiras tarifárias impostas às exportações dos países da UE no mercado dos EUA variam consoante o cabaz de bens exportados e as taxas que são aplicadas aos pares país-produto. Assim, a tarifa efetiva média das exportações portuguesas para os EUA resulta da taxa aduaneira aplicada por esse país a cada bem nacional, ponderada pelo peso desse bem no cabaz de exportação para esse destino. A tarifa efetiva média nas exportações portuguesas para os EUA oscilou em torno de 4% até 2015, com uma redução para valores próximos de 3,5% após 2016 e que se acentuou mais recentemente (Gráfico C5.3).17

  1. Peso das exportações de bens para os EUA no PIB em 2023 | Percentagem

Fonte: Eurostat.

  1. Tarifa efetiva média nas exportações portuguesas para os EUA | Percentagem

Fonte: WITS. | Nota: A tarifa efetiva média resulta da taxa alfandegária aplicada a cada bem, ponderada pelo peso desse bem no cabaz de exportação.

Considerando a classificação a dois dígitos da Nomenclatura Combinada do comércio internacional que considera 97 capítulos de bens, perto de 70% do valor dos bens exportados por Portugal para os EUA enfrentam tarifas entre zero e dois por cento. No entanto, 6% do valor das exportações está afetado por tarifas iguais ou superiores a 10% (Gráfico C5.4). O impacto sobre as exportações portuguesas de um eventual agravamento das tarifas dos EUA dependerá de fatores como a magnitude do aumento das taxas aduaneiras sobre cada tipo de bem e o peso destes nas exportações de Portugal para o mercado dos EUA. A reação das empresas exportadoras, num contexto dinâmico em que se procuram novos mercados e em que existem alterações nos níveis de rendimento dos consumidores e nos preços relativos dos bens transacionados internacionalmente, determinará também o impacto das novas tarifas. A expectável redução no rendimento dos consumidores a nível global reduzirá as exportações, mas a imposição de tarifas retaliatórias sobre bens americanos por parte de alguns países, pode favorecer a capacidade competitiva dos bens nacionais nesses mercados. O aumento da concorrência num mercado global menor (sem os EUA) aumentará os desafios para as empresas (portuguesas).

A informação detalhada das transações no comércio internacional pode ser cruzada com o valor das vendas de cada empresa para avaliar o seu grau de exposição ao mercado dos EUA e identificar os setores que poderão ser mais afetados. Considerando o universo das empresas da indústria transformadora que exportam para o mercado americano, 70% dirigem até 5% das vendas totais para esse mercado, enquanto 12% dirigem entre 5 e 10% das vendas para os EUA. No outro extremo, menos de 4% das empresas que exportam para os EUA dependem desse destino para mais de 40% das suas vendas totais (Gráfico C5.5).

  1. Exportações portuguesas para os EUA, por valor da tarifa média efetiva em 2023 (produtos a 2 dígitos da Nomenclatura Combinada) | Percentagem

Fontes: WITS e cálculos do Banco de Portugal | Nota: Distribuição ponderada pelo peso das exportações de cada bem.

  1. Empresas exportadoras para os EUA, pelo peso deste mercado no total de vendas em 2023 | Percentagem

Fonte: INE e cálculos do Banco de Portugal. | Nota: Consideram-se as empresas da indústria transformadora que exportam para os EUA.

Assumindo que uma empresa tem uma elevada exposição ao mercado americano se o peso das suas exportações para este destino se situar acima de um limiar de 10% das vendas totais, é possível calcular qual a percentagem de empresas em cada setor da indústria transformadora que se encontra nessa situação. Selecionando os 5 setores com maior exposição segundo este critério, verifica-se que, em 2023, 12% das empresas exportadoras de fabricação de têxteis e de fabricação de produtos minerais não metálicos (que inclui vidro, produtos cerâmicos e cimento) apresentava elevada exposição ao mercado americano (Gráfico C5.6). As indústrias das bebidas, dos equipamentos informáticos, de comunicações, eletrónicos e ótica e na indústria do couro e seus produtos, apresentavam também uma relevante percentagem de empresas com elevada exposição ao mercado americano.

  1. Empresas com elevada exposição ao mercado dos EUA em 2023 | Em percentagem das empresas exportadoras do setor

Fontes: INE e cálculos do Banco de Portugal | Notas: Empresas da indústria transformadora que exportam para os EUA. Elevada exposição — exportações de bens para os EUA representam mais de 10% do valor das vendas (internas e externas). Em 2023, as exportações das empresas com elevada exposição representavam respetivamente 76%, 82%, 34%, 75% e 69% do total das exportações para os EUA de cada um dos cinco setores representados no gráfico.

Na prática, com a imposição de tarifas, o consumidor americano observará um aumento do preço dos bens e consequentemente reduzirá a quantidade procurada. As empresas exportadoras poderão mitigar esse efeito reduzindo os seus preços de venda, comprimindo a sua margem de lucro. Nos casos de empresas multinacionais outra estratégia de resposta pode ser a criação de capacidade produtiva nos EUA. No entanto, apesar da redução dos custos de transporte até ao consumidor final, a deslocalização da produção implica uma alteração da estrutura de custos que pode não ser compatível com o aproveitamento das vantagens comparativas, tornando esta opção inviável. Note-se que as empresas podem também ser afetadas por via indireta, quer pelas alterações nos preços praticados pelos seus concorrentes nos vários mercados ou através de alterações nas cadeias de abastecimento e custos de produção. Contudo, estes efeitos indiretos são muito difíceis de avaliar.

Os efeitos de alterações tarifárias, que podem ser ampliados por medidas retaliatórias, serão negativos para as exportações e para o bem-estar agregado das economias. Portugal, tal como a generalidade das restantes economias, tem beneficiado estruturalmente do comércio internacional. A internacionalização das empresas portuguesas e os ganhos de quota de mercado observados nas últimas duas décadas têm contribuído para o crescimento do PIB, num quadro de preservação dos equilíbrios macroeconómicos. O grau de abertura da economia portuguesa, medido pela soma das exportações e importações em percentagem do PIB em termos reais, aumentou 37,3 pp entre 2004 e 2024, o saldo da balança de bens e serviços melhorou 10,1 pp nesse período, enquanto o ganho acumulado de quota de mercado das exportações em termos reais foi de 28,2 pp. Embora o comércio externo português ocorra na sua maioria no mercado da EU, onde não existem barreiras tarifárias, a efetivação de novas medidas protecionistas por parte dos EUA e o agravamento das barreiras ao comércio a nível global constitui um risco importante e exigirá uma adaptação por parte das empresas e das políticas públicas.

 
  1. Comportamento dos preços de diferentes gamas de bens alimentares no comércio online

O comportamento dos preços de diferentes gamas de produtos reflete a evolução dos respetivos mercados, sendo possível que estes sejam também influenciados por dinâmicas globais. Estudos recentes para outros países18 identificaram um crescimento mais acentuado dos preços dos bens de gama inferior. A identificação deste fenómeno é importante pois os consumidores com menos rendimento, que tendem a comprar as versões mais baratas, são mais afetados.

Nesta análise utilizamos a informação recolhida diariamente pelo Banco de Portugal dos preços nas plataformas de venda eletrónica de grandes retalhistas nacionais de produtos alimentares. A recolha é feita com recurso a métodos de web scraping e abrange os preços de todos os produtos disponíveis para venda online, permitindo identificar a distribuição de preços em cada categoria e em cada momento do tempo. Este tipo de análise difere da que é utilizada para cálculo dos índices de preços no consumidor que não discriminam entre gamas.

Os dados recolhidos para os bens alimentares e bebidas abrangem o período entre agosto de 2021 e dezembro de 2024. A informação permite o cálculo de preços médios e medianos para cada categoria da nomenclatura, que podem ser agregados para produzir um índice de preços de venda online (Gráfico C6.1).

  1. Índice baseado nos preços online — bens alimentares e bebidas não alcoólicas | Janeiro de 2022=100

Fonte: Banco de Portugal e INE. | Nota: O índice baseado nos preços online resulta da agregação da média/mediana dos preços dos bens recolhidos online, classificados por categoria da ECOICOP, usando como ponderadores os pesos da respetiva categoria no IPC.

Em cada momento do tempo, considerando a totalidade da oferta dos retalhistas, o preço por quilograma dos produtos de gama baixa numa determinada categoria é definido pelo percentil 10 da distribuição de preços dessa categoria, enquanto o preço por quilograma dos produtos de gama alta corresponde ao percentil 90 da distribuição. A análise consiste na comparação da evolução dos preços destes percentis.

À semelhança do ocorrido noutros países, observou-se em Portugal um crescimento mais rápido do preço dos produtos alimentares de gama baixa face aos de gama alta, embora por um período limitado do tempo (Gráfico C6.2). Esta divergência aumentou entre janeiro de 2022 e março de 2023, tendo sido parcialmente revertida posteriormente. Refira-se que a evolução dos vários índices entre 18 de abril de 2023 e 4 de janeiro de 2024 foi afetada pela isenção temporária do IVA em 46 alimentos considerados essenciais. Face ao mês base de janeiro de 2022, a diferença entre os índices para o percentil 10 e para o percentil 90 situou-se em 7,0 pp em dezembro de 2024, após um máximo de 13,3 pp em março de 2023.

  1. Índice de preços online — bens alimentares | Janeiro de 2022=100 e diferença em pontos percentuais

Fonte: Banco de Portugal e INE. | Nota: Tal como no índice de preço médio e mediano, para efeitos apenas de agregação são utilizados os pesos do IPC.

O maior crescimento dos preços dos produtos mais baratos não ocorreu de igual modo em todas as categorias de bens alimentares e bebidas não alcoólicas. Esta evolução diferenciada pode estar associada a múltiplos fatores, tais como a evolução dos custos de produção do produto, a sua escassez no mercado, a sensibilidade da quantidade procurada a variações de preços ou as estratégias de fixação de preço por parte dos retalhistas individuais. No Gráfico C6.3 ilustra-se a diferença entre a evolução dos preços do percentil 10 face ao percentil 90 para cinco categorias de produtos selecionadas. Com exceção da categoria “frutas”, que tem grande variedade de produtos e cujos preços têm importantes flutuações sazonais, as diferenças entre os índices dos percentis 10 e 90 foram positivas e cresceram até ao final de 2022 nos casos do “leite, queijo e ovos” e “pão e cereais”, enquanto no caso da “carne e peixe” o aumento perdurou até ao final do primeiro trimestre de 2023. A partir daí os diferencias reduziram-se, embora se tenham mantido positivas, observando-se um aumento no final de 2024 no caso da categoria “carne e peixe”.

O grau de diferenciação dos preços dos bens que pertencem a cada categoria é elevado, mas os resultados mantêm-se quando se realiza uma análise com uma classificação mais detalhada. Embora existam diferenças em termos quantitativos, os resultados são também robustos quando a análise é realizada por retalhista.

  1. Diferença entre os índices de preços online dos bens de gama baixa e dos bens de gama alta em categorias selecionadas | Em pontos percentuais

Fonte: Banco de Portugal e INE. | Nota: As ECOICOP agregadas correspondem às COICOP a quatro dígitos correspondentes, sendo que a categoria “Carne e Peixe” corresponde às COICOP Carne e Peixe e Marisco.

 

Tema em destaque

Sobe, desce e volta ao nível de partida: a evolução do peso dos rendimentos do trabalho em Portugal1

"A distribuição do rendimento nacional pelos vários fatores de produção é um tópico que tem suscitado um fascínio peculiar nos economistas desde que se começou a estudar a economia. Sem dúvida, este interesse está, de alguma forma, relacionado com o significado social que é atribuído aos fenómenos distributivos, mas, mais do que isso, representa um desafio intelectual que é, na melhor das hipóteses, perturbador. Afinal de contas, qualquer corpus respeitável de pensamento económico deveria incluir alguma explicação do processo pelo qual o produto final da atividade económica é distribuído pelos fatores que entraram na sua produção."2

Gallaway (1964)

A análise do peso dos rendimentos do trabalho tem uma longa tradição na economia. Desde Adam Smith (1776), que identificou os salários como uma das "fontes originais de todas as receitas", e David Ricardo (1817), que identificou a determinação das leis que regem a distribuição do rendimento como o "principal problema da Economia Política”, muitos economistas têm dedicado o seu trabalho à análise do peso dos rendimentos do trabalho. Apesar desta longevidade, o tema não perdeu notoriedade. Atualmente, continua a existir um debate vivo e dinâmico, que se traduz numa linha crescente de investigação.

Este Tema em destaque sintetiza as principais discussões sobre o conceito e a sua medição e apresenta um vasto conjunto de dados empíricos para Portugal (estimativas agregadas, por ramo de atividade e ao nível da empresa, tendências e desenvolvimentos cíclicos), incluindo uma comparação com a área do euro.

Na última década, por cada 10 euros de valor acrescentado bruto foram pagos cerca de 6 euros aos trabalhadores em Portugal e 6,5 euros na área do euro. O peso dos rendimentos do trabalho regista flutuações assinaláveis ao longo do tempo. As alterações de curto prazo são influenciadas pelo ciclo económico, com alguns indícios de aumentos durante recessões e de diminuições na fase de recuperação. As flutuações de médio prazo podem durar 10 ou 20 anos, mas parece haver alguma reversão para a média histórica em períodos mais longos.

O que é o peso dos rendimentos do trabalho? Porque é importante?

O peso dos rendimentos do trabalho é muito fácil de definir. É simplesmente o rácio (ω) entre o rendimento nominal dos trabalhadores (W) e o rendimento nominal agregado (I) resultante de um processo de produção que tanto utiliza trabalho como capital. Assumindo que o rendimento dos trabalhadores é igual ao produto do salário médio (w) pelo número de trabalhadores (L), e que o rendimento agregado resulta da multiplicação do produto real (Y) pelo seu preço (P), então o peso dos rendimentos do trabalho também pode ser apresentado como o rácio entre o salário real (w⁄P) e o produto real por trabalhador (Y⁄L). Em suma:

ω=WI=w.LP.Y=(w/P)(Y/L)\omega = \frac{W}{I} = \frac{w.L}{P.Y} = \frac{(w/P)}{(Y/L)} (1)

Esta repartição aparentemente simples do rendimento entre trabalhadores e proprietários do capital tem subjacente vários desafios. O primeiro desafio começa com o necessário reconhecimento de que o peso dos rendimentos do trabalho é o resultado de múltiplas decisões, tomadas em diferentes mercados e ramos de atividade, que estão interrelacionadas e são afetadas por muitos choques, alguns comuns a todos os ramos, outros idiossincráticos, incluindo de origem externa. Os outros desafios decorrem da falta de consenso sobre a definição exata do numerador (W) e do denominador (I), o seu perímetro e medição. Na prática, não existe um, mas vários pesos dos rendimentos do trabalho, medidos de diferentes formas.

A falta de consenso reflete, em certa medida, diferentes objetivos e linhas de investigação. A distribuição funcional do rendimento por fatores de produção é fundamental para quem está interessado em modelos macroeconómicos e nos seus fundamentos. A aferição dos ganhos de produtividade agregada em exercícios simples de contabilidade do crescimento (Solow, 1957) baseia-se frequentemente em estimativas do peso dos rendimentos do trabalho (Bontadini et al., 2023). A repartição do rendimento entre os fatores produtivos trabalho e capital é fundamental na literatura sobre desigualdade e bem-estar e tem sido utilizada para avaliar o bem-estar relativo dos trabalhadores em comparação com os detentores de capital. O peso dos rendimentos do trabalho é frequentemente utilizado em análises de caráter social e do mercado de trabalho (OIT, 2024), sendo um dos 231 indicadores no quadro global de indicadores para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (Nações Unidas, 2025).

Tradicionalmente, o peso dos rendimentos do trabalho era visto como uma constante, especialmente quando avaliado durante um período suficientemente longo. Este facto estilizado na literatura sobre crescimento económico, referido no trabalho seminal de Kaldor (1961), está subjacente às propriedades clássicas de longo prazo dos modelos dinâmicos. Não exclui flutuações de curto prazo; apenas pressupõe a inexistência de uma tendência temporal, ou seja, de movimentos ascendentes ou descendentes que se estendem por períodos longos.

A visão tradicional tem sido posta em causa nos últimos tempos e, atualmente, não existe consenso. Vários autores encontraram evidência de uma tendência descendente, enquanto outros defendem a visão tradicional.3 Grossman e Oberfield (2022) notam que "após mais de 12 000 projetos de investigação, ainda não sabemos bem por que razão o peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional diminuiu e se essa redução será temporária, permanente ou em curso, está a estabilizar ou a inverter-se".4 Estes autores oferecem uma abordagem de síntese, discutindo a existência de forças estabilizadoras a longo prazo, num contexto em que se registam oscilações de curto prazo. Um exemplo destas forças baseia-se numa elasticidade de substituição unitária entre capital e trabalho (ou seja, uma diminuição de 1% no custo relativo do capital em relação aos salários aumenta o rácio entre capital e trabalho em 1%).

A redução do peso dos rendimentos do trabalho coloca questões importantes. De um ponto de vista macroeconómico, os pressupostos teóricos básicos podem não permanecer válidos, o que implica que os modelos têm de ser revistos. No que diz respeito à discussão sobre a desigualdade e o bem-estar, uma tendência decrescente pode indicar diretamente uma maior desigualdade de rendimentos, uma vez que os salários reais (w⁄P) crescem sistematicamente menos do que a produto por trabalhador (Y⁄L). No entanto, a redução do peso dos rendimentos do trabalho impulsionada, por exemplo, por um avanço tecnológico, pode facilmente coexistir com o aumento dos rendimentos dos trabalhadores. Em contrapartida, uma tendência decrescente num contexto de fraco crescimento da produtividade pode ser mais preocupante.

Foram propostas várias explicações possíveis para a redução do peso dos rendimentos do trabalho. Uma das mais mencionadas é o rápido progresso tecnológico, que conduz à diminuição do preço relativo dos bens de investimento e que incentiva as empresas a substituírem trabalho por capital.5 Outras explicações possíveis incluem o aumento do poder de mercado das empresas e as tendências de globalização do comércio e do capital. As alterações demográficas, as mudanças de políticas (por exemplo, a diminuição do imposto sobre o rendimento das empresas) e a evolução do enquadramento institucional (por exemplo, a diminuição das taxas de sindicalização) também foram consideradas, mas as análises empíricas disponíveis atribuem-lhe um papel mais limitado.6 Na seção seguinte, discutiremos um tipo diferente de explicação: questões de medição.

Como medir o peso dos rendimentos do trabalho?

As análises agregadas utilizam normalmente dados de contas nacionais. A caixa 1 reúne algumas definições propostas por várias instituições, nomeadamente a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Comissão Europeia (CE), o Bureau of Labor Statistics (BLS) dos EUA e o Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido. As medidas mais utilizadas do rendimento agregado (denominador I na equação 1) são o produto interno bruto (PIB) nominal ou o valor acrescentado bruto (VAB) nominal, que são muito publicitadas e estão facilmente disponíveis. A figura 1 divide o rendimento nominal entre trabalho, capital e outras fontes. O PIB inclui impostos líquidos de subsídios sobre os produtos, cuja evolução pode influenciar o peso dos rendimentos do trabalho por razões não diretamente ligadas aos processos de produção. Se estes impostos aumentarem substancialmente, o PIB aumentará mais do que o VAB e o mesmo rendimento do trabalho conduzirá a um peso dos rendimentos do trabalho menor.7

Os rendimentos do trabalho devem abranger as remunerações recebidas pelos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria. As remunerações dos trabalhadores por conta de outrem estão registadas nas contas nacionais. No entanto, a remuneração dos trabalhadores por conta própria não existe; apenas é registado o rendimento misto, que não distingue entre rendimentos do trabalho e do capital (Figura 1). O peso dos rendimentos do trabalho, não ajustado, pode ser calculado como o rácio entre as remunerações dos trabalhadores por conta de outrem e o PIB ou o VAB; a OCDE divulga esta medida em percentagem do VAB nominal (Horvát e Webb, 2020). Apesar de ser simples e fácil de calcular, esta medida representa um limite inferior, uma vez que não tem em conta os rendimentos do trabalho dos trabalhadores por conta própria.

  1. Distribuição funcional do rendimento em Contas Nacionais

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Fontes: Banco de Portugal e Sistema Europeu de Contas (SEC 2010). | Nota: Os blocos coloridos representam a distribuição funcional do rendimento e não estão à escala. A remuneração dos empregados corresponde à remuneração dos trabalhadores por conta de outrem.

A remuneração dos trabalhadores por conta própria tem de ser imputada. Existem vários métodos para incluir a remuneração dos trabalhadores por conta própria e assim ajustar o numerador W da equação 1. A OIT (2019) divide as principais metodologias em dois grupos: a "abordagem via rendimento misto", que divide o rendimento misto disponível entre a remuneração do trabalho e do capital; e a "abordagem via trabalho por conta própria", que estima diretamente o salário destes trabalhadores. Gollin (2002) identifica três métodos de ajustamento principais. Os dois primeiros adotam a abordagem do rendimento misto, quer tratando todos os rendimentos mistos como rendimentos do trabalho (o que é fácil de calcular, mas constitui um limite superior), quer dividindo-os com base na hipótese de que os pesos dos rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria são iguais (uma hipótese simples, mas ad hoc, que é a opção utilizada pelo ONS). Por último, o terceiro ajustamento segue a abordagem via trabalho por conta própria e utiliza uma correspondência entre os salários dos dois tipos de trabalhadores, ou seja, utiliza um salário relativo. Os salários relativos são inferiores, iguais ou superiores a um quando os salários dos trabalhadores por conta própria são inferiores, iguais ou superiores aos salários dos trabalhadores por conta de outrem. A hipótese mais comum é assumir que, em média, ambos ganham o mesmo salário, medido pela remuneração por trabalhador (utilizada, por exemplo, pela CE) ou pela sua remuneração média por hora (utilizada, por exemplo, pelo BLS). As escolhas não são inócuas. Por exemplo, de acordo com Elsby et al. (2013), o método de ajustamento utilizado para imputar os rendimentos dos trabalhadores por conta própria desempenha um papel significativo na redução do peso dos rendimentos do trabalho nos EUA divulgado pelo BLS.

Alguns sectores tendem a ser excluídos da análise. Embora simples, as estimativas do total da economia (divulgadas, por exemplo, pela CE, OIT e ONS) enfrentam desafios de medição devido à imputação da remuneração do trabalho por conta própria e à inclusão do setor público, cuja produção não é, na maioria dos casos, vendida nos mercados ou cujos preços são influenciados pelo governo. A literatura tem frequentemente recorrido a definições setoriais mais restritas para tentar contornar estas questões. Por exemplo, o BLS e Elsby et al. (2013) centram-se no setor empresarial não agrícola. As atividades agrícolas tendem a ser excluídas devido à grande percentagem de trabalhadores por conta própria, o que conduz frequentemente a pesos (ajustados) dos rendimentos do trabalho superiores a um (Gutiérrez e Piton, 2020). O setor empresarial é outra escolha frequente (Karabarbounis e Neiman, 2014).

O tratamento dos serviços de habitação tem implicações muito relevantes. Rognlie (2015) sublinha a sua relevância devido às especificidades subjacentes às regras das contas nacionais. Os rendimentos dos serviços de habitação são registados de duas formas: rendas imputadas (ou seja, um montante hipotético), pagas pelos proprietários a si próprios; e rendas efetivas, pagas pelos inquilinos. Rognlie sugere que a redução do peso dos rendimentos do trabalho no total da economia nos países grandes e desenvolvidos é principalmente impulsionada pelo aumento do valor dos serviços de habitação. Esta pode ser uma questão importante na análise da desigualdade da riqueza, mas não está diretamente ligada ao processo de produção. Assim, alguns autores defendem que os serviços de habitação devem ser totalmente excluídos das análises, uma vez que a forma funcional da sua função de produção e a divisão entre trabalho e capital não são claras. A solução mais comum consiste em excluir as atividades imobiliárias, uma vez que o rendimento da habitação representa a maior parte do seu valor acrescentado; ver Gutiérrez e Piton (2020) para uma discussão sobre este tópico.

As análises ao nível da empresa não são menos difíceis do que as análises agregadas. Nesta linha de investigação, o peso dos rendimentos do trabalho é obtido a partir da demonstração de resultados, que inclui as remunerações dos trabalhadores e permite calcular uma medida do valor acrescentado bruto medido a custo de fatores (obtido deduzindo as aquisições de bens e serviços das vendas, excluindo os custos do trabalho, e corrigindo dos impostos indiretos e subsídios). Alguns autores centram-se nas distribuições estatísticas do peso dos rendimentos do trabalho nas empresas (Kehring e Vincent, 2021 e Pereira, 2025) e nos seus determinantes, como o progresso tecnológico e o poder de mercado. É difícil estabelecer uma relação de causalidade, uma vez que as regressões com dados seccionais ou de painel não têm em conta os efeitos de equilíbrio geral, ou seja, efeitos que ocorrem através de canais que afetam a economia como um todo (Nakamura e Steinsson, 2018). Além disso, a medição da remuneração do trabalho nos dados contabilísticos das empresas é dificultada pela ausência de remuneração não salarial ou outras formas de compensação, bem como pela imputação dos rendimentos do trabalho por conta própria. Alguns tipos de empresas são frequentemente excluídos, como as mais pequenas ou de ramos específicos. A economia informal não é normalmente considerada.

A evolução do peso dos rendimentos do trabalho pode ser avaliada de forma diferente pelas empresas e pelos trabalhadores. As empresas preocupam-se com os preços na ótica da produção (P), definidos em termos de produto interno (ou seja, deflator do PIB ou do VAB). Estes preços, que são os considerados na equação 1, são a medida relevante para a determinação dos salários reais pelas empresas e dos incentivos à contratação. Em contrapartida, os trabalhadores preocupam-se com os preços no consumidor (PcP^{c}) e com o valor dos seus rendimentos em termos do cabaz de bens e serviços que consomem (ou seja, preocupam-se com o seu poder de compra). Na perspetiva dos trabalhadores, o peso dos rendimentos do trabalho que é relevante (ω̃\widetilde{\omega}) deve refletir o seu poder de compra, ou seja:

ω̃=ω.PPc=w.LPc.Y=(w/Pc)(Y/L)\widetilde{\omega} = \omega.\frac{P}{P^{c = \ \frac{w.L}{P^{c}.Y} = \ \frac{(w/P^{c})}{(Y/L)} (2)

O produto por trabalhador é o mesmo, mas o salário real (w/Pcw/P^{c}) é diferente. Esta distinção não teria grande importância se ambos os preços evoluíssem de forma semelhante. No entanto, os preços no consumidor podem diferir dos preços na ótica da produção, sobretudo em economias abertas (FMI, 2017). Por exemplo, o valor do salário para os trabalhadores, medido em termos do seu cabaz de consumo, pode facilmente diminuir mais do que o valor do salário na perspetiva das empresas, após um aumento assinalável dos preços internacionais do petróleo. Neste caso, o peso dos rendimentos do trabalho que leva em conta o poder de compra (ω̃\widetilde{\omega}) diminui devido a um preço relativo (P/Pc)(P/P^{c}) mais baixo (Fleck et al., 2011).

Como evoluiu o peso dos rendimentos do trabalho em Portugal?

Se olharmos para medidas alternativas do peso dos rendimentos do trabalho chegamos a conclusões diferentes. O gráfico 1 apresenta diferentes medidas para Portugal, em alguns casos desde 1953.8 Por construção, as estimativas para o total da economia em percentagem do PIB nominal são inferiores às estimativas em percentagem do VAB nominal (linhas amarelas no painel A e no painel B). A versão não ajustada, ou seja, excluindo os rendimentos do trabalho por conta própria, é um limite inferior (linha vermelha no painel A). A CE (na base de dados AMECO) considera que o salário relativo dos trabalhadores por conta própria face aos trabalhadores por conta de outrem é igual a um (linha amarela no painel A). Cabral et al. (2023) utilizam um salário relativo inferior a um, calculado como o rácio entre o rendimento bruto mediano dos trabalhadores por conta própria e dos trabalhadores por conta de outrem, constante ao longo do tempo para cada ramo de atividade, tendo por base informação reportada em inquéritos às famílias (linha azul no painel A). Os cálculos da OIT incorporam uma estimativa que é superior a um, variável ao longo do tempo e estimada com base num modelo (linha azul a tracejado no painel A), resultando naturalmente no peso dos rendimentos do trabalho mais elevado no período para o qual existe informação.

Também apresentamos o setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias, que é mais robusto perante os desafios colocados pelos setores não mercantis e pelos serviços de habitação (Painel B). Este setor representa quase dois terços do valor acrescentado e do emprego no total da economia. O peso dos rendimentos do trabalho, ajustado com um salário relativo igual a um, é comparável com as estimativas obtidas a partir de dados ao nível da empresa (não estão disponíveis estimativas ajustadas para salários relativos superiores a um). A utilização de dados por ramo de atividade restringe a análise a uma amostra temporal mais curta.

No período 1985–2023, o peso (ajustado) dos rendimentos do trabalho no setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias situa-se em 60% quando se assume que os salários relativos são iguais a um e se utilizam dados das contas nacionais (linha vermelha no painel B). Este valor não se altera quando se considera o período 2006-21 e se utilizam dados ao nível da empresa (linha azul no painel B). Por outras palavras, por cada 10 euros de valor acrescentado bruto neste setor, em Portugal são pagos aos trabalhadores cerca de 6 euros. No período 1995–2023, o valor comparável para a área do euro é de 65% (linha verde no painel B).

O gráfico 1 mostra que também existem grandes flutuações ao longo do tempo. Este comportamento reflete uma combinação de fatores económicos, políticos e institucionais. Os valores mais altos registam-se em 1975, após a revolução de 25 de abril de 1974, que se caraterizou pelo aumento do poder negocial dos trabalhadores e pela introdução do salário mínimo nacional (Macedo e Krugman, 1979, Mata e Valério, 1994, e Banco de Portugal, 2025). Mais recentemente, destacam-se também os picos registados no período pandémico. Os valores mais baixos do peso dos rendimentos do trabalho concentram-se sobretudo no período de recuperação após a crise da dívida soberana na década de 2010, com os finais da década de 1950 e a década de 1980 a registarem também valores baixos.

  1. Peso dos rendimentos do trabalho em Portugal

Painel A — Total da economia | Percentagem do PIB

Painel B — Seleção de agregados, séries ajustadas com salário relativo igual a um | Percentagem do VAB

Fontes: Cabral et al. (2023), CE (AMECO), Eurostat, INE, OCDE STAN, OIT, Pereira (2025) e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: As estimativas não ajustadas correspondem ao rácio entre as remunerações dos trabalhadores por conta de outrem e o PIB. As versões ajustadas incluem uma correspondência entre os salários dos trabalhadores por conta própria e dos trabalhadores por conta de outrem, nomeadamente um salário relativo inferior, igual ou superior a um, quando o salário dos trabalhadores por conta própria é, respetivamente, inferior (como em Cabral et al., 2023), igual (AMECO), ou superior (OIT, 2019) ao salário dos trabalhadores por conta de outrem. O setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias corresponde aos códigos CAE rev. 3 B a K, M e N. As séries por ramo de atividade baseiam-se em dados trimestrais harmonizados, disponíveis desde 1995; uma retropolação até 1985 é possível com base nos dados da OCDE STAN (linha vermelha pontilhada). As estimativas obtidas a partir de dados ao nível da empresa referem-se ao setor empresarial excluindo atividades imobiliárias e financeiras (códigos CAE rev. 3 A a J, M e N; para mais detalhes ver Pereira, 2025). As áreas sombreadas a cinzento representam os anos com crescimento negativo do PIB em Portugal. O sombreado mais escuro no painel B representa os períodos em que a área do euro também registou crescimentos negativos do PIB.

Aumentos (diminuições) do peso dos rendimentos do trabalho significam que os salários reais crescem acima (abaixo) do produto por trabalhador. O gráfico 2 mostra a evolução destas duas variáveis desde 1953 no total da economia, e desde 1985 no setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias. Há alturas em que os salários reais crescem acima ou abaixo do produto por trabalhador. Os resultados para Portugal mostram que os valores máximos e mínimos do peso dos rendimentos do trabalho no total da economia foram condicionados por uma maior volatilidade dos salários reais do que do produto por trabalhador durante as décadas de 1970 e 1980 (Gráfico 2 — Painel A). Este padrão não se mantém a partir de 1995. Verifica-se uma menor volatilidade em ambas as séries e, quando muito, o produto por trabalhador é mais volátil do que os salários reais.9 Este resultado também se verifica no setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias (Gráfico 2 — Painel B). Em geral, a volatilidade da economia portuguesa é mais elevada do que na área do euro.

  1. Salários reais e produto por trabalhador | Índice, 1999 = 100

Painel A — Total da economia

Painel B — Setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias

Fontes: Eurostat, INE e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Os salários reais e o produto por trabalhador são medidos a preços de 2021. Os salários reais resultam da deflação dos salários nominais pelo deflator do VAB. Os salários nominais incluem os rendimentos dos trabalhadores por conta própria, assumindo um salário relativo igual a um. Os resultados mantêm-se qualitativamente inalterados se usarmos outro método de imputação. O setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias corresponde aos códigos CAE rev. 3 B a K, M e N. As áreas sombreadas a cinzento representam os anos com crescimento negativo do PIB em Portugal. O sombreado mais escuro representa os períodos em que a área do euro também registou crescimentos negativos do PIB.

Não existe uma tendência de longo prazo comum às várias medidas do peso dos rendimentos do trabalho. Como as estimativas das tendências são afetadas pela dimensão da amostra, consideramos duas alternativas, ambas apresentadas no gráfico 3: uma amostra maior, abrangendo até sete décadas (barras amarelas), e uma amostra mais curta, centrada nos últimos 30 anos (barras azuis). Estimativas negativas/positivas implicam tendências de longo prazo descendentes/ascendentes, identificadas com um asterisco (**) quando estatisticamente diferentes de zero com um intervalo de confiança de 95%. Se a estimativa não for diferente de zero, isso implica um peso dos rendimentos do trabalho sem tendência, o que está de acordo com a visão tradicional.

O peso dos rendimentos do trabalho no total da economia diminui em ambas as amostras. Estas tendências são mais pronunciadas em percentagem do PIB do que do VAB. Para uma dada medida dos rendimentos do trabalho (numerador na equação 1), este resultado é condicionado por um peso crescente dos impostos líquidos de subsídios sobre os produtos no PIB, o que leva o nível do PIB a estar cada vez mais acima do VAB ao longo do tempo (Gráfico 4 — Painel A). As tendências descendentes são mais acentuadas para as medidas ajustadas do que para as não ajustadas. Este resultado é influenciado pela diminuição da percentagem dos trabalhadores por conta própria (Gráfico 4 — Painel B). Mantendo-se tudo o resto constante, quanto mais baixa for esta percentagem, menor é o montante da imputação relativa aos trabalhadores por conta própria que é adicionado aos rendimentos do trabalho, e menor será o peso dos rendimentos do trabalho. O FMI (2017) refere que a percentagem dos trabalhadores por conta própria é maior nas economias em desenvolvimento e que é de esperar uma tendência decrescente quando os países se desenvolvem e a economia informal diminui.

Quando se analisa o setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias, a tendência já não é estatisticamente diferente de zero (Gráfico 3). Esta mudança, de um sinal negativo para zero, é condicionada pelo aumento do valor dos serviços de habitação, refletido no aumento do VAB nominal das atividades imobiliárias (Gráfico 4 — Painel C). As atividades imobiliárias têm um peso dos rendimentos do trabalho reduzido em relação ao resto da economia (cerca de 5%, em média, no período 1995–2023). Um aumento do peso dos serviços de habitação no valor acrescentado faz descer o peso dos rendimentos do trabalho no total da economia.

  1. Variações de longo prazo do peso dos rendimentos do trabalho

Fontes: Cabral et al. (2023), CE (AMECO), Eurostat, INE, OCDE STAN, Pereira (2025) e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: As variações de longo prazo são calculadas como o coeficiente β numa regressão linear simples das diferentes medidas do peso dos rendimentos do trabalho (ωt\omega_{t}) numa tendência temporal (t), ou seja ωt=α+β×t+ut\omega_{t} = \alpha + \beta \times t + u_{t}, onde α é uma constante e utu_{t} é um resíduo. Se β for negativo (positivo) e estatisticamente diferente de zero com um intervalo de confiança de 95%, então existe evidência de uma tendência descendente (ascendente) no peso dos rendimentos do trabalho (representada por um asterisco(**). Se não conseguimos rejeitar a hipótese de β=0, então os resultados são consistentes com um peso dos rendimentos do trabalho sem tendência ao longo do período da amostra (ou seja, com variações em torno de uma constante). As séries mais longas começam em 1953 (barras amarelas), as mais curtas em 1995 (barras azuis) e ambas terminam em 2023. As exceções são indicadas entre parênteses. “Emp. não agr. excl. ativ. imob.” refere-se ao setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias (códigos CAE rev. 3 B a K, M e N). Para mais detalhes, ver as notas do gráfico 1.

  1. Tendências subjacentes à evolução do peso dos rendimentos do trabalho

Painel A — Impostos líquidos de subsídios sobre os produtos | Percentagem do PIB

Painel B — Trabalhadores por conta própria | Percentagem do total de trabalhadores

Painel C — Atividades imobiliárias | Percentagem do VAB

Fontes: Eurostat, INE e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: O PIB e o VAB são medidos a preços correntes. O VAB das atividades imobiliárias inclui os serviços dos bens imobiliários residenciais próprios ou em locação e as atividades de compra e venda de bens imobiliários. A sua componente mais importante está associada aos serviços de habitação, que incluem os serviços de arredamento imputados e efetivos. As rendas de habitação referem-se à despesa de consumo final em rendas efetivas e imputadas pagas pelas famílias em troca de serviços de habitação. Esta série, que apenas está disponível desde 1995, representa de forma aproximada a evolução do VAB dos serviços de habitação. Contudo, existem diferenças entre ambos os conceitos; o VAB exclui os consumos intermédios, tais como consumos de água e eletricidade, despesas de manutenção e seguros. As áreas sombreadas a cinzento representam os anos com crescimento negativo do PIB em Portugal.

A inexistência de uma tendência no peso dos rendimentos do trabalho está em consonância com a evidência empírica, com base em dados ao nível da empresa, de que a elasticidade de substituição entre capital e trabalho é igual a um em muitos ramos do setor empresarial excluindo atividades imobiliárias e financeiras (Pereira, 2025). A elasticidade unitária é considerada uma força estabilizadora de longo prazo do peso dos rendimentos do trabalho (Grossman e Oberfield, 2022).

As estimativas da área do euro apresentam padrões semelhantes, mas com magnitudes (absolutas) inferiores. Ao longo das últimas três décadas, os declives das tendências não são estatisticamente significativos em seis das oito medidas consideradas.

O peso dos rendimentos do trabalho é influenciado por flutuações cíclicas. As variações de curto prazo podem ser desencadeadas por choques associados ao ciclo económico. Muitos estudos identificam propriedades contracíclicas, nomeadamente que o peso dos rendimentos do trabalho aumenta durante as recessões e diminui nas recuperações.10 As variações de médio prazo podem traduzir-se em flutuações grandes e persistentes que duram 10 ou 20 anos (Acemoglu, 2003).

  1. Peso dos rendimentos do trabalho nas últimas recessões e recuperações | Diferenças face ao trimestre de referência (T), em pontos percentuais

Painel A — Portugal

Painel B — Área do euro

Fontes: Eurostat, INE e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Os cálculos baseiam-se em dados das contas nacionais trimestrais, que cobrem todas as recessões e recuperações identificadas desde 1995 T1. O peso (ajustado) dos rendimentos do trabalho em percentagem do VAB assume a hipótese de um salário relativo igual a um. A análise restringe-se ao setor empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias (códigos CAE rev. 3 B a K, M e N). Os resultados mantêm-se qualitativamente inalterados se usarmos outras medidas do peso dos rendimentos do trabalho. O trimestre de referência (T) corresponde ao último trimestre antes do início da recessão (ou seja, ao pico), ou ao último trimestre antes do início da recuperação (ou seja, à cava). A datação dos ciclos é feita pelo Comité de datação dos ciclos económicos portugueses e pelo seu congénere para a área do euro.

O gráfico 5 apresenta as flutuações cíclicas nas recessões e nas recuperações em Portugal (Painel A) e na área do euro (Painel B), durante oito trimestres. Devido a restrições de dados, os eventos considerados abrangem apenas as últimas três décadas. Em Portugal, há alguma evidência de um padrão contracíclico ao longo do ciclo económico durante este período, que é mais claro no curto prazo e nas fases de recuperação. O padrão contracíclico é mais vincado nas estimativas anuais obtidas com dados ao nível da empresa, abrangendo o período 2006–21 (Pereira, 2025). A área do euro apresenta um padrão contracíclico mais claro, com menor volatilidade do que em Portugal.

O perfil cíclico não é comum a todos os eventos e depende do tipo de choque que desencadeia as flutuações. O padrão contracíclico do peso dos rendimentos do trabalho está normalmente associado ao facto de o emprego e os salários tenderem a evoluir mais lentamente do que a produção, em parte devido a custos de ajustamento. Por exemplo, durante uma crise, as empresas podem preferir manter os vínculos com os trabalhadores durante o maior tempo possível (ou seja, reter a mão-de-obra) e evitar os custos associados ao recrutamento de novos trabalhadores nos períodos de recuperação. No entanto, este comportamento depende também de outros fatores, como a duração da crise. Face a choques de curta duração, o padrão contracíclico tende a ser mais claro. É o caso da pandemia COVID-19, cujo caráter temporário foi reforçado pelas políticas de proteção do emprego.

  1. Peso dos rendimentos do trabalho por ramo de atividade | Percentagem do VAB

Painel A

Painel B

Fontes: INE e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: O peso (ajustado) dos rendimentos do trabalho em percentagem do VAB assume a hipótese de um salário relativo igual a um. De acordo com a CAE rev. 3, “B, D-E” refere-se às indústrias extrativas, eletricidade, gás e água; “C” às indústrias transformadoras; “F” à construção; “G” ao comércio por grosso e a retalho; “H” aos transportes e armazenagem; “I” ao alojamento e restauração; “J” às atividades de informação e de comunicação; “K” às atividades financeiras e de seguros; e, “M-N” às atividades de consultoria, científicas e administrativas. A amostra apenas cobre o período desde 1995 devido a restrições de dados. As áreas sombreadas a cinzento representam os anos com crescimento negativo do PIB em Portugal.

O peso dos rendimentos do trabalho varia consoante os ramos de atividade. As especificidades dos processos de produção são os principais fatores que determinam os resultados por ramo de atividade. Os ramos intensivos em capital têm pesos dos rendimentos do trabalho mais baixos. Por exemplo, nas indústrias extrativas e da eletricidade, gás e água (códigos B, D-E da CAE), cerca de 28% do VAB é pago aos trabalhadores, em média no período 1995–2023 (Gráfico 6 — Painel A). Em contrapartida, os serviços mais intensivos em trabalho têm pesos dos rendimentos do trabalho mais elevados. É o caso das atividades de consultoria, científicas e administrativas (códigos M-N), em que o peso dos rendimentos do trabalho é cerca de 80% do VAB (Gráfico 6 — Painel B).

Os valores para o total da economia escondem diferenças entre os ramos de atividade ao longo da amostra disponível. Este é o caso quando se analisam as tendências temporais dos diversos ramos, tanto em Portugal como na área do euro (Gráfico 7). Um padrão comum é o aumento do peso dos rendimentos do trabalho nos ramos de serviços especializados, intensivos em trabalho, com trabalhadores altamente qualificados e processos de alta tecnologia, como as atividades de informação e de comunicação e as atividades de consultoria, científicas e administrativas. Pelo contrário, há indícios de uma redução nas indústrias transformadoras. Há também alguma evidência de uma diminuição do peso dos rendimentos do trabalho nos transportes e armazenagem e nas atividades financeiras e de seguros, que é mais pronunciada na área do euro.

Do ponto de vista dos trabalhadores, o peso dos seus rendimentos diminui quando os preços no consumidor crescem acima dos preços na ótica da produção. Em média, os preços no consumidor cresceram acima dos preços na ótica da produção no sector empresarial não agrícola excluindo atividades imobiliárias nas últimas três décadas. Isto resulta numa queda dos rendimentos reais dos trabalhadores/consumidores. O peso dos rendimentos do trabalho que leva em conta o poder de compra também diminui, embora não seja identificada qualquer tendência estatisticamente significativa na perspetiva das empresas/produção (Gráfico 8). Este padrão é comum à área do euro.

  1. Tendências lineares do peso dos rendimentos do trabalho por ramo de atividade

Fontes: Eurostat, INE, Pereira (2025) e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: O peso (ajustado) dos rendimentos do trabalho em percentagem do VAB assume a hipótese de um salário relativo igual a um. Os ramos de atividade estão de acordo com a CAE rev. 3. As tendências lineares calculadas com base em dados ao nível da empresa (barras com cor menos intensa) cobrem o período 2006–21 e o setor empresarial excluindo atividades imobiliárias e financeiras (códigos CAE rev. 3 A a J, M e N). As restantes tendências cobrem o período 1995–2023. O asterisco (**) assinala os coeficientes que são estatisticamente diferentes de zero com um intervalo de confiança de 95%. Para mais detalhes, ver as notas do gráfico 3.

Considerando os vários ramos de atividade, as alterações mais notórias verificam-se no comércio por grosso e a retalho, onde o peso dos rendimentos do trabalho tem uma tendência positiva (ou não tem tendência, no caso da área do euro) e o peso dos rendimentos do trabalho que leva em conta o poder de compra tem uma tendência negativa; e nas atividade de informação e de comunicação, onde o peso dos rendimentos do trabalho tem uma tendência positiva, e quando se leva em conta o poder de compra essa tendência deixa de existir (ou passa a ser negativa, como é o caso na área do euro). Em sentido contrário, a tendência negativa do peso dos rendimentos do trabalho na construção na área do euro contrasta com a tendência positiva da medida que leva em conta o poder de compra.

  1. Tendências lineares do peso dos rendimentos do trabalho: o impacto de levar em conta o poder de compra

Fontes: Eurostat, INE e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Os resultados para os preços na ótica da produção e no consumidor baseiam-se nas equações 1 e 2, respetivamente. O peso (ajustado) dos rendimentos do trabalho em percentagem do VAB assume a hipótese de um salário relativo igual a um. Os ramos de atividade estão de acordo com a CAE rev. 3. Os preços na ótica da produção são medidos pelo deflator do VAB, enquanto os preços no consumidor são medidos pelo deflator do consumo privado (o mesmo para todos os ramos de atividade). As tendências lineares cobrem o período 1995–2023. O asterisco (**) assinala os coeficientes que são estatisticamente diferentes de zero com um intervalo de confiança de 95%. Para mais detalhes, ver as notas do gráfico 3.

Considerações finais

O peso dos rendimentos do trabalho é um indicador relevante em diferentes vertentes da literatura, embora o próprio conceito e a sua medição sejam objeto de controvérsia. A distribuição do rendimento entre trabalho e capital é, no entanto, apenas a primeira etapa da análise. Outras dimensões não devem ser ignoradas, tais como a distinção entre flutuações no curto e no longo prazo, bem como entre a evolução nos ramos de atividade e a nível nacional. As tecnologias mais intensivas em capital, que podem ter potenciais impactos negativos a curto prazo nos pesos dos rendimentos do trabalho por ramo de atividade, não implicam necessariamente uma diminuição permanente desse peso no total da economia. Pelo contrário, podem ser necessárias para que a economia garanta níveis mais elevados de bem-estar a longo prazo. Como escreveu John Maynard Keynes em 1930, o “desemprego devido ao facto de a nossa descoberta de meios para economizar o uso de mão de obra ultrapassar o ritmo a que conseguimos encontrar novas utilizações para a mão de obra excendentária (…) é, porém, apenas uma fase temporária de inadaptação. Tudo isto significa, a longo prazo, que a humanidade está a resolver o seu problema económico” (Keynes, 2018).

Finalmente, os rendimentos do capital são, em última análise, distribuídos por diferentes agentes, incluindo o Estado (por exemplo, impostos sobre o rendimento das pessoas coletivas) e as famílias, na qualidade de investidoras em títulos de dívida e em ações. Uma parte considerável dos rendimentos do trabalho também é canalizada para receitas públicas. Por conseguinte, a plena compreensão da distribuição funcional do rendimento, especialmente no contexto das discussões sobre desigualdade e bem-estar, exige um conjunto mais alargado de indicadores e modelos, bem como uma análise de políticas públicas abrangente.

  1. Definições do peso dos rendimentos do trabalho

O quadro C1.1 reúne várias definições do peso (ajustado) dos rendimentos do trabalho, tal como propostas pela Organização Internacional do Trabalho, pela Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia e por autoridades estatísticas dos Estados Unidos (Bureau of Labor Statistics) e do Reino Unido (Office for National Statistics).

  1. Medidas do peso dos rendimentos do trabalho segundo fontes oficiais de estatísticas

Fonte

Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Conceito

Parte dos rendimentos do trabalho no PIB

Definição

Remuneração total dos trabalhadores por conta de outrem, mais o rendimento do trabalho dos trabalhadores por conta própria, em percentagem do PIB. Todas as séries são retiradas das contas nacionais, exceto os rendimentos do trabalho dos trabalhadores por conta própria, que são imputados a partir de um modelo baseado em microdados recolhidos a partir de inquéritos às famílias.

Referência

Fonte

Comissão Europeia (base de dados AMECO)

Conceito

Peso ajustado dos rendimentos do trabalho, percentagem do PIB (ALCD0)

Definição

Rácio entre as remunerações dos trabalhadores (remunerações dos trabalhadores por conta de outrem mais um ajustamento para os trabalhadores por conta própria, assumindo que estes ganham, em média, o mesmo salário por indivíduo que os trabalhadores por conta de outrem) e o PIB nominal, a preços de mercado.

Referência

Fonte

US Bureau of Labor Statistics (BLS)

Conceito

Peso dos rendimentos do trabalho

Definição

Rácio da soma entre a remuneração dos trabalhadores por conta de outrem e a remuneração do trabalho dos trabalhadores por conta própria em relação ao valor acrescentado bruto do sector empresarial não agrícola (exclui administrações públicas, instituições sem fins lucrativos, famílias, forças armadas e explorações agrícolas). Assume-se que a remuneração horária dos trabalhadores por conta própria é igual à remuneração horária dos trabalhadores por conta de outrem.

Referência

Fonte

UK Office for National Statistics (ONS)

Conceito

Peso dos rendimentos do trabalho

Definição

Rácio entre os custos totais do trabalho e o valor acrescentado bruto nominal. Os custos totais do trabalho são calculados como a soma das remunerações dos trabalhadores por conta de outrem e de uma parte do rendimento misto, menos subsídios ao emprego. Esta parte do rendimento misto é igual ao peso das remunerações dos trabalhadores por conta de outrem no valor acrescentado bruto (rácio entre as remunerações dos trabalhadores por conta de outrem e a soma dessas remunerações com o excedente bruto de exploração).

Referência

 
 
 

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Políticas em análise

A retribuição mínima mensal garantida em Portugal1

O debate sobre a política de retribuição mínima mensal garantida (comummente referida como salário mínimo nacional) ocupa uma parte relevante do debate em torno das políticas para o mercado de trabalho. Introduzido em Portugal em maio de 1974 (Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de maio de 1974), o salário mínimo nacional (SMN) é uma das instituições mais importantes do mercado de trabalho português. O objetivo principal desta política é o de promover a valorização salarial, estando assim associada a questões de desigualdade de rendimento e de eficiência no mercado de trabalho.

Em Portugal, o SMN é definido anualmente pelo Governo através de decreto-lei, após auscultação da Comissão Permanente da Concertação Social. Ao estabelecer um limite mínimo salarial, o SMN afeta diretamente a estrutura de remuneração dos trabalhadores do setor privado. Os empregadores apenas podem pagar menos do que o SMN a tipos específicos de trabalhadores, como aprendizes, estagiários e pessoas com deficiência. É, por isso, um elemento estruturante da arquitetura do sistema de negociação salarial.

Os decisores políticos têm manifestado um interesse crescente na política de SMN. Por exemplo, a Alemanha introduziu um SMN pela primeira vez em 2015; nos últimos anos, e ainda antes da subida das taxas de inflação, vários países da OCDE aumentaram os SMN de forma expressiva; em 2022, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram uma diretiva que promove a adequação dos SMN, a negociação coletiva de salários e a melhoria do acesso dos trabalhadores a uma proteção salarial mínima na União Europeia (Diretiva (UE) 2022/2041 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de outubro de 2022).

Este Políticas em análise descreve a evolução do SMN em Portugal e carateriza os trabalhadores abrangidos pelo SMN, bem como as empresas em que trabalham. A principal fonte de dados utilizada são os Quadros de Pessoal para os anos de 2015 a 2022.2

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O rácio entre o SMN e o salário mediano (índice de Kaitz) é mais elevado em Portugal do que nos restantes países da área do euro.

Em 2023, 17 dos 20 países da área do euro tinham uma política explícita de SMN.3 Nos restantes três países (Áustria, Finlândia e Itália), os contratos coletivos definem salários mínimos de facto para a maior parte dos trabalhadores.

Os critérios de fixação e de atualização do SMN na União Europeia são diferenciados, assim como o seu valor (Gráfico 1). Em 2023, o SMN em Portugal ajustado pelo número de pagamentos anuais manteve-se entre os mais baixos da área do euro (887 euros), mesmo considerando as diferenças nos níveis de preços entre os países (paridades de poder de compra). Portugal insere-se no grupo de países em que o SMN se situava em torno dos 850 euros, e que inclui também Grécia, Lituânia e Malta. Em Portugal, o SMN representava 68% do salário mediano (índice de Kaitz), o valor mais elevado entre os países da área do euro, e que compara com 62% em França, o país que tradicionalmente apresentava o valor mais elevado deste indicador (Gráfico 2). Este resultado reflete em grande medida os aumentos significativos do SMN em Portugal. Em 2015, o índice de Kaitz situava-se em 56% em Portugal e em 62% em França.

  1. Salário mínimo nacional nos países da área do euro em 2023 | Em euros e em paridade de poder de compra

Fonte: Eurostat. | Notas: Os valores do salário mínimo nacional (SMN) são ajustados pelo número de pagamentos mensais no ano. O SMN mensal em paridade de poder de compra (PPC) refere-se ao SMN ajustado às diferenças nos níveis de preços entre países.

  1. Salário mínimo nacional nos países da área do euro em 2023 | Em euros e em percentagem do salário mediano (índice de Kaitz)

Fonte: Eurostat e OCDE. | Notas: A OCDE não calcula o índice de Kaitz para Chipre e Malta, dois países que não são membros desta organização. Os valores do salário mínimo nacional (em euros) são ajustados pelo número de pagamentos mensais no ano.

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Entre 2015 e 2024, o SMN aumentou em média 5,5% em termos nominais e 3,4% em termos reais.

Em Portugal, o Código do Trabalho prevê que o SMN seja determinado ponderando as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida e a evolução da produtividade, entre outros fatores. Na última década, o SMN registou aumentos significativos, em termos nominais e reais. Após ter estado congelado em 485 euros entre 2012 e setembro de 2014, o SMN registou entre 2015 e 2024 um crescimento médio anual de 5,5% em termos nominais e de 3,4% em termos reais, tendo por base a evolução do Índice de Preços no Consumidor (Gráfico 3). Em 2025, o SMN foi atualizado para 870 euros.

  1. Salário mínimo nacional mensal em Portugal em termos nominais e reais | Em euros, valores nominais e deflacionados pelo IPC

Fonte: Eurostat. | Notas: IPC: Índice de Preços no Consumidor (2015=100). Em outubro de 2014, o salário mínimo nacional foi atualizado para 505 euros.

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A atualização do SMN traduziu-se num aumento do número de trabalhadores abrangidos e numa maior prevalência na distribuição salarial.

Entre 2015 e 2022, a percentagem de trabalhadores abrangidos pelo SMN aumentou de 18% para 23% (Gráfico 4). A par do aumento notável da escolaridade e da participação feminina no mercado de trabalho, bem como do envelhecimento da força de trabalho, o aumento do SMN foi um dos desenvolvimentos no mercado de trabalho com maior impacto na distribuição dos salários em Portugal (Quadro 1). A atualização mais acentuada do SMN nos últimos anos contribuiu para o aumento significativo dos percentis inferiores da distribuição salarial e para a redução significativa da desigualdade salarial em Portugal, nomeadamente na aba esquerda da distribuição (Gráfico 5).

  1. Prevalência do salário mínimo nacional | Percentagem de trabalhadores com salário base igual ao salário mínimo nacional

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal).

  1. Distribuição do salário base nominal nos anos 2015 e 2022 | Em euros

 

2015

2022

SMN

505

705

Percentil 10

505

705

Percentil 25

525

710

Mediana

650

818

Percentil 75

999

1204

Percentil 90

1563

1898

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal).

  1. Indicadores de desigualdade salarial | Rácio entre percentis da distribuição de salários

Painel A — Salário base

Painel B — Salário total

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Em 2015 (2022), os percentis 10, 50 e 90 da distribuição do salário base deflacionado pelo Índice de Preços no Consumidor (outubro de 2015=100) corresponderam a 505 (609) ezuros, 650 (707) euros e 1563 (1640) euros; os percentis 10, 50 e 90 da distribuição do salário total a preços constantes de 2015 corresponderam a 581 (691) euros, 867 (972) euros e 2195 (2282) euros.

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A prevalência do SMN é mais elevada nas mulheres, nos jovens, nos trabalhadores com escolaridade básica e nos de nacionalidade estrangeira.

A prevalência do SMN na estrutura salarial difere por caraterísticas dos trabalhadores e das empresas. Em 2022, 22,8% dos trabalhadores auferiam um salário base igual ao SMN. A percentagem de trabalhadores que recebe o SMN é superior nas mulheres (27,1%), nos jovens (36,1%), nos trabalhadores com ensino básico ou inferior (32,9%) e nos trabalhadores de nacionalidade estrangeira (38,0%) (Gráfico 6). Entre 2015 e 2022, o aumento na percentagem de trabalhadores que aufere um salário base igual ao SMN foi transversal aos grupos socioeconómicos considerados. Por tipo de contrato, a prevalência do SMN é mais elevada nos contratos com termo certo (33,3%, face a 18,7% nos contratos sem termo certo). Neste período, a percentagem de contratos com termo certo abrangidos pelo SMN aumentou 6,7 pp, o que compara com um aumento de 4,1 pp nos contratos sem termo certo.

  1. Prevalência do salário mínimo nacional em 2015 e 2022 por caraterísticas dos trabalhadores e dos contratos | Em percentagem

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Percentagem de trabalhadores com salário base igual ao salário mínimo nacional.

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A prevalência do SMN é mais elevada nos setores do alojamento e restauração e da construção, nas empresas de menor dimensão e nos concelhos do interior do país.

A percentagem de trabalhadores com salário base igual ao SMN é mais elevada nas empresas dos setores do alojamento e da restauração (41,5%) e da construção (30,2%), bem como nas empresas de menor dimensão (44,0%) (Gráfico 7). Estes grupos de empresas foram os que registaram os maiores aumentos na prevalência do SMN na sua estrutura salarial. Tendo por base os microdados da Segurança Social, a prevalência do SMN é mais elevada nas empresas com morada nos concelhos do interior do país (Gráfico 8).

  1. Prevalência do salário mínimo nacional em 2015 e 2022 por caraterísticas das empresas | Em percentagem

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Percentagem de trabalhadores com salário base igual ao salário mínimo nacional.

  1. Prevalência do salário mínimo nacional por concelho da empresa em 2023 | Em percentagem

Fonte: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Foram considerados os trabalhadores por conta de outrem, em idade ativa (16–74 anos) e com remuneração de pelo menos 80% do salário mínimo nacional (SMN). Percentagem de trabalhadores com salário base igual ao SMN. Para mais detalhes sobre o mapa consultar o link.

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A atualização do valor do SMN também se reflete na percentagem de novos contratos com SMN, que aumentou 1,8 pp entre 2015 e 2022.

As atualizações do SMN refletiram-se igualmente no número de novos contratos de trabalho celebrados com salário base igual ao SMN. A incidência do SMN em novos contratos aumentou 1,8 pp entre 2015 e 2022, para 31,4% (Gráfico 9). Em particular, considerando o grupo de trabalhadores com idade igual ou inferior a 30 anos e que são observados pela primeira vez na base de dados, a incidência do SMN aumentou 3,8 pp, de 32,7% para 36,5%.

A percentagem de novos contratos celebrados com salário base igual ao SMN é mais elevada nas escolaridades mais baixas (Gráfico 10). Em 2022, 45,3% dos contratos de trabalhadores com ensino básico ou inferior e 35,7% dos contratos de trabalhadores com ensino secundário foram celebrados com salário base igual ao SMN. Esta percentagem é consideravelmente menor nos graus do ensino superior: 8,3% nos trabalhadores com bacharelato/licenciatura e 2,9% nos trabalhadores com mestrado. Entre 2015 e 2022, a incidência dos contratos com salário base igual ao SMN aumentou nas escolaridades mais baixas e diminuiu no ensino superior. Por nacionalidade, em 2022, 43% dos novos contratos de trabalhadores com nacionalidade estrangeira contemplavam um salário base igual ao SMN, o que compara com 29% no caso dos trabalhadores nacionais.

  1. Incidência do salário mínimo nacional em 2015 e 2022 | Em percentagem

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Percentagem de novos contratos com salário base igual ao salário mínimo nacional. Entradas de trabalhadores no mercado de trabalho aproximadas pelo ano de entrada na base de dados de trabalhadores com idade igual ou inferior a 30 anos.

  1. Novos contratos com salário base igual ao salário mínimo nacional em 2015 e 2022 por nível de escolaridade | Em percentagem

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Não são apresentados os valores para os trabalhadores com doutoramento, dado o peso residual deste grupo de trabalhadores na base de dados.

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O número crescente de trabalhadores que aufere um salário base igual ao SMN também reflete a absorção de escalões salariais que estavam na sua vizinhança.

Uma dimensão importante do aumento do SMN é o efeito sobre os salários dos trabalhadores próximos desse limiar. Para avaliar este efeito, consideram-se dois grupos de trabalhadores: (i) os trabalhadores que auferem um salário base igual ao SMN em dois anos consecutivos; e (ii) os trabalhadores que auferiam um salário base superior ao SMN num dado ano, mas cujo salário passou a ser igual ao SMN no ano seguinte (efeito de absorção de escalões salariais que, estando na vizinhança do SMN, não acompanharam a sua atualização). Entre 2015 e 2022, dos trabalhadores que permaneceram na mesma empresa em dois anos consecutivos, a percentagem de trabalhadores que recebia um salário base igual ao SMN e que assim continuou oscilou em torno dos 81% (Gráfico 11), enquanto a percentagem de trabalhadores que passou a auferir um salário base igual ao SMN em resultado da absorção do escalão salarial pela atualização do SMN se situou em torno de 4%. Estes resultados mostram que, em parte, o número crescente de trabalhadores que aufere um salário base igual ao SMN reflete o impacto da atualização do SMN nos salários que estavam na sua vizinhança. Em 2022, 67% dos trabalhadores que auferiam um salário base superior ao SMN em 2021 e inferior ao primeiro quartil da distribuição de salários da empresa registaram crescimentos salariais inferiores ao do SMN.

  1. Efeito do aumento do salário mínimo nacional nos salários que estão na sua vizinhança | Em percentagem

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A amostra inclui os trabalhadores que permaneceram na mesma empresa em dois anos consecutivos. “Continuam a auferir o SMN” refere-se à percentagem de trabalhadores que auferiam um salário base igual ao salário mínimo nacional (SMN) no ano anterior à alteração do SMN e que assim continuam no ano corrente; “Passam a auferir o SMN” refere-se à percentagem de trabalhadores que auferiam um salário base superior ao SMN no ano anterior, mas cujo salário base passou a ser igual ao SMN no ano corrente.

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A percentagem de trabalhadores que entraram no mercado de trabalho com salário base igual ao SMN e que se mantiveram a receber esse salário nos anos seguintes tem aumentado.

As condições de entrada no mercado de trabalho podem condicionar o perfil salarial dos trabalhadores ao longo da sua vida. Importa, por isso, perceber a evolução salarial dos trabalhadores que entraram no mercado de trabalho com um salário base igual ao SMN, agregando os trabalhadores por ano de entrada no mercado de trabalho e seguindo-os ao longo do tempo.

No gráfico 12 apresenta-se a evolução dos salários dos trabalhadores que entraram no mercado de trabalho com idade igual ou inferior a 30 anos e a auferir um salário base igual ao SMN, por ano de entrada no mercado de trabalho. Os salários reais (a preços constantes de 2015) destes trabalhadores registaram um perfil ascendente no período em análise, mais acentuado no caso dos trabalhadores com ensino superior (Painel B do gráfico 12). Este perfil ascendente foi interrompido em 2022, refletindo o aumento generalizado dos preços.

Por outro lado, uma análise da duração dos salários destes trabalhadores revela que o tempo de permanência com um salário base igual ao SMN tem vindo a aumentar (Gráfico 13). No período mais recente (2016–2021), 52% dos trabalhadores continuou a auferir um salário base igual ao SMN no ano seguinte ao da sua entrada no mercado de trabalho, o que compara com 44% no período entre 2009 e 2015 e 40% no período entre 2002 e 2008. Entre 2016 e 2021, dos trabalhadores que entraram no mercado de trabalho com remuneração base igual ao SMN, 13% continuaram a receber um salário base igual ao SMN passados seis anos (o que compara com 4% nos períodos 2002–2008 e 2009–2015).

  1. Evolução salarial média dos trabalhadores que entraram no mercado de trabalho com salário base igual ao salário mínimo nacional | A preços constantes de 2015

Painel A — Todos os níveis de ensino

Painel B — Ensino Superior

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Salário base deflacionado pelo Índice de Preços no Consumidor (outubro de 2015=100) em outubro de cada ano. As entradas de trabalhadores no mercado de trabalho são aproximadas pelo ano de entrada na base de dados de trabalhadores com idade igual ou inferior a 30 anos.

  1. Curvas de Kaplan-Meier para a duração do salário base igual ao salário mínimo nacional dos trabalhadores que entraram no mercado de trabalho | Em anos

Fonte: Quadros de Pessoal — INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: As curvas de Kaplan-Meier indicam a fração de trabalhadores que entraram no mercado de trabalho a auferir um salário base igual ao salário mínimo nacional e que assim continuam ao longo do tempo. As entradas de trabalhadores no mercado de trabalho são aproximadas pelo ano de entrada na base de dados de trabalhadores com idade igual ou inferior a 30 anos. Considerou-se o período entre 2002 e 2022 de modo a evitar as intermitências na disponibilidade da base de dados. Para comparar os três períodos temporais, restringiu-se a duração a seis anos. A análise de duração apresentada é ao nível do trabalhador.

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Os aumentos do SMN devem ser definidos num quadro coerente de políticas do mercado de trabalho, tendo em consideração a evolução da produtividade, a dinâmica da inflação e o ciclo económico.

Os aumentos do SMN nos últimos anos têm sido superiores à taxa de inflação e aos crescimentos da produtividade. Esta evolução do SMN tem-se traduzido num aumento da prevalência do SMN na estrutura salarial em Portugal, que tem oscilado em torno dos 22%, sendo mesmo a remuneração de referência para as empresas de alguns setores de atividade. Em 2025, o SMN aumentou para 870 euros, tendo o Governo anunciado um aumento progressivo até 2028, ano em que deverá atingir 1020 euros. Esta evolução representa um aumento nominal de 17% em apenas três anos, 5,4% ao ano.

A dinâmica dos salários, em particular do SMN, pode ser uma fonte de pressão sobre os preços e sobre a competitividade de uma economia numa união monetária. Os aumentos salariais devem ter em consideração o dinamismo do mercado de trabalho e da economia, com destaque para os ganhos de produtividade dos trabalhadores e das empresas. Adicionalmente, ainda que o impacto do aumento do SMN sobre o emprego permaneça um debate em aberto, não sendo conclusiva a literatura para Portugal, importa que a evolução do SMN se enquadre na posição do ciclo económico.

Recomenda-se, assim, que a evolução e a dinâmica salarial sejam definidas num quadro coerente de políticas do mercado de trabalho e de perspetivas macroeconómicas, bem como de proteção dos trabalhadores e das famílias com rendimentos mais baixos.


Projeções para a economia portuguesa: 2025–27

Sobe, desce e volta ao nível de partida: a evolução do peso dos rendimentos do trabalho em Portugal

A retribuição mínima mensal garantida em Portugal