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Boletim Económico — junho 2025

Capa do boletim com umas colunas

Clique na infografia e consulte o sumário acessível. Fique a conhecer as projeções económicas em dois minutos.

Infografia sobre as projeções para a economia portuguesa

 

A economia portuguesa: 2025–27

Projeções para a economia portuguesa em 2025–27

O crescimento da economia portuguesa deverá situar-se em 1,6% em 2025, 2,2% em 2026 e 1,7% em 2027, e a inflação deverá estabilizar em valores inferiores a 2% em todo o horizonte de projeção (Quadro I.1.1). O crescimento da atividade continuará a ser acompanhado por aumentos do emprego e ganhos reais do rendimento das famílias. A aceleração em 2026 tem subjacente a hipótese de uma recuperação do atraso na execução dos fundos do PRR. Tendo por base as projeções do Eurosistema, o crescimento do PIB em Portugal deverá manter-se superior ao da área do euro (0,7 pp em média), enquanto o diferencial de inflação permanecerá próximo de zero.

  1. Projeções do Banco de Portugal: 2025–2027 | Taxa de variação anual em percentagem (exceto onde indicado)

 

Pesos 2024

BE junho 2025

BE março 2025

 

2024

2025(p)

2026(p)

2027(p)

2024

2025(p)

2026(p)

2027(p)

Produto interno bruto (PIB)

100,0

1,9

1,6

2,2

1,7

1,9

2,3

2,1

1,7

Consumo privado

61,3

3,2

2,2

2,0

1,9

3,2

2,8

1,8

1,8

Consumo público

16,8

1,1

1,0

1,0

0,7

1,1

1,1

0,8

0,4

Formação bruta de capital fixo (FBCF)

19,8

3,0

2,1

5,8

0,1

2,3

3,9

4,4

0,1

Procura interna

98,2

2,6

2,3

2,5

1,3

2,5

2,3

2,2

1,2

Exportações

46,5

3,4

1,7

2,6

2,9

3,4

2,7

2,9

3,0

Importações

44,7

4,9

3,4

3,2

2,2

4,8

2,8

3,0

2,0

Emprego (a)

 

1,6

1,4

0,7

0,5

1,6

1,3

0,7

0,4

Taxa de desemprego (b)

 

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

6,4

Balança corrente e de capital (% PIB)

 

3,3

3,9

4,5

3,0

3,3

4,5

4,6

3,7

Balança de bens e serviços (% PIB)

 

2,3

1,6

1,7

2,0

2,3

2,4

2,5

3,0

Índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC)

 

2,7

1,9

1,8

1,9

2,7

2,3

2,0

2,0

Excluindo bens energéticos e alimentares

 

2,7

2,5

2,0

2,0

2,7

2,5

2,2

2,2

Deflator do PIB

 

4,5

2,7

2,4

2,4

4,3

2,9

2,5

2,3

Saldo orçamental (% PIB)

 

0,7

-0,1

-1,3

-0,9

Dívida pública (% PIB)

 

94,9

91,1

88,4

85,8

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado, % — percentagem. As atuais projeções enquadram-se no exercício de projeção do Eurosistema de junho de 2025, com fecho de dados a 21 de maio e divulgado no dia 5 de junho. A projeção corresponde ao valor mais provável condicional ao conjunto de hipóteses consideradas. Pesos a preços correntes. (a) De acordo com o conceito de Contas Nacionais. (b) Em percentagem da população ativa.

As tensões comerciais e a maior incerteza limitam a atividade económica, mas os efeitos do alívio das condições financeiras, das maiores entradas de fundos da UE e da robustez do mercado de trabalho dominam em 2026. A projeção considera que os direitos aduaneiros impostos pelos EUA aos bens exportados pela UE se mantêm nos valores atuais — correspondendo a taxas 10 pp acima das observadas antes do anúncio das tarifas a 2 de abril (25% para o aço, alumínio e automóveis) — e que a UE não retalia. Neste contexto, espera-se um menor crescimento do PIB e do comércio mundiais, mas a procura externa dirigida a Portugal deverá ser menos afetada, refletindo o peso dominante da UE nas exportações nacionais (Caixa 1 — Enquadramento e políticas). A incerteza elevada gerada pela sequência de anúncios de tarifas penaliza o crescimento, em particular do investimento, mas deverá reduzir-se gradualmente no horizonte de projeção (Caixa 2 — Incerteza económica e implicações para a economia portuguesa). Os efeitos destes choques negativos são atenuados pelo impacto sobre a atividade na área do euro (e indiretamente sobre a procura externa dirigida a Portugal) do aumento previsto da despesa pública em defesa e infraestruturas em vários países europeus em 2026–27. A política monetária na área do euro tornou-se menos restritiva, após ter contribuído para a convergência da inflação para o objetivo de 2%. Os mercados esperam novas descidas das taxas de juro oficiais em 2025, para valores que se situam dentro do intervalo de estimativas para a taxa de juro nominal no longo prazo (Caixa 3 — Evolução da taxa de juro natural na área do euro e implicações para a política monetária).

A contração da atividade no primeiro trimestre do ano não foi antecipada, explicando em larga medida a revisão em baixa do crescimento do PIB em 2025 face ao Boletim anterior (Gráfico I.1.1 — Painel A). A redução de 0,5% do PIB ocorreu após um crescimento elevado no final de 2024 (1,4%). O consumo privado diminuiu 1,1% no primeiro trimestre, reagindo à redução do rendimento disponível real (estimada em 2,5%), após o aumento significativo no quarto trimestre impulsionado pelas medidas orçamentais (Gráfico I.1.2). A FBCF também se reduziu, refletindo o ambiente de maior incerteza. As exportações abrandaram, não obstante um maior dinamismo do comércio mundial em antecipação dos aumentos das taxas alfandegárias. Em contraste, as importações recuperaram, refletindo uma reposição de stocks, na sequência da redução marcada no trimestre anterior. Para o segundo trimestre projeta-se uma variação em cadeia do PIB de 0,4%, associada à recuperação da FBCF e das exportações. Em particular, as exportações de bens deverão beneficiar de uma retoma da fabricação automóvel. Espera-se uma evolução contida do consumo atendendo ao impacto dos menores reembolsos do IRS e à redução da confiança dos consumidores. Na segunda metade do ano, o crescimento trimestral do PIB deverá situar-se em 0,6%, refletindo em larga medida um maior dinamismo do consumo privado.

  1. Projeções trimestrais para o PIB e para a inflação

Painel A — PIB — taxa de variação em cadeia | Percentagem

Painel B — IHPC — taxa de variação homóloga | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: As linhas a tracejado correspondem aos valores projetados nos BE de março e junho de 2025.

A composição do crescimento altera-se no horizonte de projeção. Comparando com 2024, o crescimento será relativamente mais apoiado no investimento em 2025–26 e nas exportações em 2027 (Gráfico I.1.3). O contributo (líquido de conteúdo importado) do consumo privado para o crescimento do PIB reduz-se para 0,7 pp em 2025, mantendo-se estável em 0,8 pp nos anos seguintes. O contributo do investimento privado aumenta para 0,2 pp em 2026 e 0,3 pp em 2027. Por seu turno, o contributo do investimento público situa-se em 0,3 pp em 2025 e 0,5 pp em 2026, e torna-se marginalmente negativo em 2027 (-0,1 pp). O contributo das exportações reduz-se em 2025, mas apresenta uma tendência crescente nos anos seguintes, comum aos bens e aos serviços.

O consumo privado deverá crescer 2,2% em 2025, 2% em 2026 e 1,9% em 2027, taxas superiores em média às do rendimento disponível real (Quadro I.1.1). Após um crescimento de 7,8% em 2024, o rendimento disponível real das famílias deverá aumentar 2,2% em 2025, 1,7% em 2026 e 1,2% em 2027 (Gráfico I.1.2). A taxa de poupança, que subiu para 12,2% em 2024, diminui gradualmente no horizonte de projeção, situando-se em 11,3% em 2027. Este valor é superior ao observado em média no período 2015–19 (7,1%), o que reflete em parte o ambiente de taxas de juro mais elevadas.

  1. Rendimento disponível real, consumo privado e taxa de poupança | Dados encadeados em volume (base 2021) em milhares de milhões de euros e em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: O rendimento disponível é ajustado pela variação da participação líquida das famílias nos fundos de pensões. No primeiro trimestre de 2025, os valores apresentados para o rendimento disponível e para a taxa de poupança são uma estimativa. As linhas e as barras a tracejado correspondem aos valores médios anuais projetados.

  1. Taxa de variação do PIB e contributos das componentes da despesa (líquidos de conteúdo importado) | Em percentagem e pontos percentuais

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. Para informações sobre a metodologia de cálculo dos contributos líquidos de conteúdo importado, ver Cardoso e Rua (2021), “O real contributo da procura final para o crescimento do PIB”, Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal, Volume VII, n.º 3. O contributo da variação de existências foi incluído no contributo do investimento privado.

Projetam-se crescimentos da FBCF total de 2,1% em 2025, 5,8% em 2026 e 0,1% em 2027 (Quadro I.1.1). Este perfil é influenciado pelo comportamento dos fundos europeus. As transferências líquidas com a UE em percentagem do PIB deverão aumentar em 2025 e 2026, para 2,4% e 3,2%, respetivamente,e diminuir para 1,4% em 2027 (comparando com uma média de 1,1% no período de vigência do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) de 2014–2020) (Gráfico I.1.4). A projeção continua a assumir que a totalidade dos fundos disponíveis é utilizada. Com o aproximar do final do período de implementação do PRR e o aumento gradual do desembolso dos fundos do QFP 2021–2027 no horizonte de projeção, a utilização de fundos europeus atingirá um valor historicamente elevado em 2026.

As componentes pública e privada da FBCF apresentam um comportamento diferenciado. O dinamismo do investimento público deverá destacar-se em 2025–26, dando lugar a uma quebra em 2027 com o término do período de execução do PRR (Capítulo I.2 — Análise e projeções de finanças públicas). A FBCF privada deverá estagnar em 2025, refletindo o adiamento de decisões de investimento num quadro de maior incerteza. A redução esperada desta incerteza no horizonte permitirá um maior impulso do investimento privado em 2026–27, que beneficia também da redução das taxas de juro, da disponibilidade de fundos europeus e da situação financeira robusta das empresas e famílias. O rácio do investimento privado no PIB mantém-se estável no horizonte de projeção (17,3% em média).

  1. Transferências líquidas com a UE | Em percentagem do PIB

Fontes: Agência para o Desenvolvimento e Coesão (ADC), Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projeções do Banco de Portugal. As transferências correntes referem-se aos montantes líquidos de transferências com a UE contabilizados nas balanças de rendimentos primário e secundário, enquanto as transferências de capital referem-se aos montantes contabilizados na balança de capital. Até 2024, a distribuição dos montantes recebidos da UE por quadro financeiro plurianual (QFP) são uma estimativa do Banco de Portugal com base em informação da balança de pagamentos e em dados publicados pela ADC. Esta distribuição considera que o período de distribuição dos fundos de gestão direta e o Fundo Europeu Agrícola de Garantia está alinhado com o período coberto por cada QFP (2014–20 e 2021–27, respetivamente). No caso dos restantes fundos, enquadrados pelos acordos de parceria Portugal 2020 e Portugal 2030, poderão ocorrer desfasamentos. O NextGenerationEU (NGEU) inclui transferências associadas com o REACT-EU, o Reforço do Desenvolvimento Rural, o Fundo para uma Transição Justa, e o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que financia o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Nos pagamentos destaca-se a contribuição financeira de Portugal para o orçamento europeu e os direitos aduaneiros.

O ritmo de crescimento das exportações deverá reduzir-se em 2025, para 1,7%, recuperando nos anos seguintes para 2,6% e 2,9% (Quadro I.1.1). No turismo, espera-se uma normalização do crescimento (para taxas em torno de 3%), após o dinamismo elevado do período pós-pandemia. Muitas empresas, integradas em cadeias de produção globais, serão afetadas pelo aumento das barreiras comerciais e pela maior fragmentação do comércio internacional. Neste contexto, a projeção é conservadora quanto à evolução da quota de mercado das exportações, não assumindo ganhos em média no período. Uma escalada do protecionismo permanece um risco em baixa para o crescimento das exportações.

No mercado de trabalho, projeta-se um abrandamento do emprego e dos salários, mantendo-se a taxa de desemprego em valores baixos. No início de 2025, o emprego continuou a aumentar, encontrando-se em máximos. O emprego deverá crescer 1,4% em 2025, 0,7% em 2026 e 0,5% em 2027 — refletindo aumentos mais contidos da população em idade ativa e da taxa de atividade face ao passado recente — e a taxa de desemprego estabilizará em 6,4% (Quadro I.1.1).

O crescimento do emprego nos anos recentes beneficiou do afluxo de mão de obra estrangeira. Entre 2019 e 2024, o número de trabalhadores por conta de outrem registados na Segurança Social e inscritos na Caixa Geral de Aposentações aumentou 14,8%, com um contributo de 12,1 pp dos trabalhadores estrangeiros (entre 2014 e 2019, o aumento tinha sido de 19,1%, com um contributo dos estrangeiros de 4,3 pp) (Gráfico I.1.5).

O aumento do emprego por conta de outrem desde a pandemia resultou de um padrão setorial distinto face ao observado entre 2014 e 2019, estando agora associado a um maior contributo relativo dos setores com remunerações superiores à média da economia (Gráfico I.1.5). Estes setores representaram 41% do aumento do emprego, o que compara com 27% no período pré-pandemia (contribuindo em 2024 para 41% do emprego total). Esta evolução do emprego, apenas possível pelo gradual aumento das qualificações da população, favorecerá o crescimento da produtividade no médio prazo. Por nacionalidade, o contributo significativo dos trabalhadores estrangeiros para o crescimento do emprego desde a pandemia foi mais notório em setores com remuneração inferior à média. Em contraste, o número de trabalhadores de nacionalidade portuguesa nestes setores reduziu-se, enquanto o seu contributo para o aumento do emprego nos setores com salários mais elevados manteve-se significativo e superior ao dos estrangeiros (3,8 pp e 2,3 pp, respetivamente).

  1. Variação do emprego por conta de outrem e contributos por setor com remuneração acima ou abaixo da média e por nacionalidade: 2014 a 2019 vs. 2019 a 2024 | Em percentagem e pp

Fontes: INE, microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal) e DGAEP. | Notas: Foram considerados os trabalhadores por conta de outrem com descontos para a Segurança Social, em idade ativa (16–74 anos) e com, pelo menos, um dia de remuneração na empresa. Os trabalhadores com mais de um vínculo foram considerados apenas no setor onde exercem a atividade principal (i.e., onde auferem maior remuneração). Na variação de trabalhadores no setor das administração pública, educação e saúde foram incluídos também os subscritores da Caixa Geral de Aposentações, tendo em conta a respetiva nacionalidade. Os setores com remuneração abaixo da média incluem: agricultura, indústria, construção, comércio, alojamento e restauração, as atividades imobiliárias e as atividades administrativas. Os setores com remuneração acima da média incluem: transportes e armazenagem, atividades de informação e comunicação, atividades de consultoria e científicas, administração pública, defesa, saúde e educação e atividades artísticas, culturais, recreativas e desportivas.

Os salários desaceleraram no início de 2025, após os aumentos de 8% em 2023 e 2024 negociados num contexto de inflação elevada. Projetam-se crescimentos das remunerações médias de 4,1% em 2025, 3,8% em 2026 e 3,6% em 2027. Os aumentos salariais deverão ser superiores no setor público, refletindo o impacto das revisões de carreiras e das novas regras de progressão na função pública. Os valores projetados implicam ganhos dos salários reais gradualmente mais contidos e alinhados com o crescimento da produtividade, sendo assim compatíveis com uma inflação próxima do objetivo de 2% do BCE.

A redução da inflação deverá consolidar-se no horizonte de projeção. A inflação diminuiu para 2,3% no primeiro trimestre de 2025 e para 2,1% em abril (Gráfico I.1.1 — Painel B). A taxa de variação homóloga do IHPC excluindo alimentares, energéticos e itens voláteis associados ao turismo — indicador que aproxima melhor a tendência subjacente dos preços – situou-se em 2,5% no primeiro trimestre e 2,2% em abril. A inflação total deverá apresentar alguma volatilidade ao longo do ano, em resultado de efeitos de base associados aos preços dos bens energéticos e ligados ao turismo. Em média anual, a inflação deverá diminuir de 2,7% em 2024 para 1,9% em 2025 e 1,8% em 2026 — refletindo sobretudo menores contributos dos preços dos serviços e dos bens energéticos — e situar-se em 1,9% em 2027. Este resultado reflete a evolução moderada dos preços de importação e a diminuição gradual das pressões internas com origem nos custos laborais (Gráfico I.1.6). Face ao Boletim de março, a inflação foi revista em baixa em 2025 e 2026 (0,4 pp e 0,2 pp, respetivamente), refletindo a revisão em baixa dos preços internacionais das matérias-primas energéticas e a apreciação recente da taxa de câmbio do euro.

  1. Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), deflator do PIB e deflator das importações | Taxa de variação, em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. O deflator das importações é indicativo das pressões inflacionistas externas. O deflator do PIB aproxima as pressões inflacionistas internas, podendo ser decomposto (na ótica do rendimento) nos contributos dos custos unitários de trabalho, do excedente bruto de exploração unitário e dos impostos indiretos líquidos por unidade produzida.

Os riscos em torno das projeções são significativos, sendo predominantemente negativos para o crescimento da atividade e equilibrados para a inflação. Um agravamento das tensões comerciais implicaria um maior impacto sobre as cadeias de abastecimento globais, o comércio mundial e a procura externa dirigida a Portugal.1 As políticas económicas dos EUA, incluindo a orçamental, podem ter também efeitos mais adversos sobre a confiança e os mercados financeiros e cambiais, reforçando o impacto negativo sobre a atividade. Os riscos em baixa relacionados com o prolongamento dos atuais conflitos armados mantêm-se. As dificuldades em executar integralmente os fundos europeus implicam riscos em baixa para o investimento. Da mesma forma, um aumento da incerteza pode resultar num aumento da poupança privada, com impacto negativo no consumo privado. Em sentido contrário, a resolução dos conflitos armados pode gerar uma recuperação da atividade na Europa com impacto positivo na procura externa dirigida a Portugal. O aumento da despesa em defesa em Portugal no quadro de compromissos internacionais constitui também um risco em alta para a atividade. No caso da inflação, os riscos em baixa estão associados à possibilidade de um enfraquecimento da atividade económica. Estes riscos podem ser acentuados pelo impacto sobre os preços dos bens importados de um cenário de maior penetração dos produtos asiáticos na Europa, em resultado das barreiras à entrada no mercado americano. No entanto, uma potencial retaliação por parte da UE às tarifas impostas pelos EUA teria efeitos opostos sobre o deflator das importações.

A manutenção dos equilíbrios macroeconómicos da economia portuguesa é uma condição necessária para enfrentar um enquadramento internacional desfavorável. A importância destes equilíbrios foi visível na resposta à crise pandémica e ao episódio inflacionista que se seguiu. A redução sustentada dos rácios de endividamento das empresas, famílias e administrações públicas tem sido fundamental (Gráfico I.1.7). Esta redução foi acompanhada de uma melhoria da posição de investimento internacional, que deverá prosseguir no horizonte de projeção refletindo a manutenção de excedentes elevados da balança corrente e de capital (Gráfico I.1.8 e Quadro I.1.1). Num contexto internacional volátil, as políticas nacionais devem contribuir para mitigar a incerteza, incentivar o investimento e promover a inovação, mantendo-se a aposta na melhoria contínua das qualificações da população. É importante também que os progressos obtidos nas contas públicas sejam preservados, pois a deterioração da posição orçamental limitaria a capacidade de reação a choques adversos e às pressões estruturais de aumento da despesa (I.2 — Análise e projeções de finanças públicas). A resiliência da economia, o crescimento da produtividade e uma convergência mais rápida para os níveis de bem-estar europeus dependem, em grande medida, de uma resposta eficaz nestas dimensões.

  1. Endividamento dos setores residentes | Em percentagem do PIB

  1. Posição de investimento internacional | Em percentagem do PIB

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: As linhas a pontilhado correspondem a valores projetados. Valores consolidados.

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: A linha pontilhada corresponde a valores projetados. A projeção para a posição de investimento internacional resulta da acumulação dos saldos projetados para a balança corrente, não tendo em conta alterações de valorização dos ativos e passivos ou efeitos cambiais.

  1. Enquadramento e políticas

O PIB mundial deverá abrandar em 2025–26, refletindo a incerteza e as tensões comerciais decorrentes da imposição generalizada de direitos aduaneiros pelos EUA. O crescimento mundial, que havia estabilizado em 3,2% em 2024, reduz-se para 2,9% em 2025 e 2,7% em 2026 (-0.3 pp, abaixo das projeções de março, em cada um dos anos) e recupera para 3,0% em 2027. O crescimento nas economias avançadas excluindo a área do euro situa-se em 1,4% em 2025–26, recuperando para 2,0% em 2027. Nas economias de mercado emergentes projeta-se uma desaceleração da atividade de 4,3% em 2024 para 3,9% em 2025 e 3,6% em 2026, com uma recuperação parcial em 2027. As maiores revisões em baixa ocorrem nos EUA e na China, onde a subida das tarifas é mais significativa (revisão acumulada do crescimento de -1,2 pp em 2025–27 em ambas as economias).

As projeções de junho do Eurosistema continuam a apontar para uma recuperação gradual do crescimento na área do euro. A atividade cresceu 0,3 em cadeia no primeiro trimestre de 2025, 0,1 pp acima do esperado. A projeção de crescimento anual do PIB situa-se em 0,9% em 2025, 1,1% em 2026 e 1,3% em 2027, em linha com as projeções anteriores (Quadro C.1.1). A aceleração gradual do PIB assenta na evolução do consumo privado e público e na recuperação do investimento. O investimento beneficia do impacto do plano de reforço da defesa europeia e da maior despesa em infraestruturas nalguns países. O contributo das exportações líquidas é negativo em 2025 e em 2026 e nulo em 2027.

  1. Hipóteses do exercício de projeção

 
 

BE junho 2025

Revisões face ao BE março 2025

 
 

2024

2025

2026

2027

2025

2026

2027

Enquadramento internacional

 
 
 
 

 

 
 
 

PIB mundial

tva

3,2

2,9

2,7

3,0

-0,3

-0,3

0,0

PIB da área do euro

tva

0,8

0,9

1,1

1,3

0,0

0,0

0,1

Comércio mundial

tva

3,2

2,8

1,9

3,0

-0,3

-1,2

-0,1

Procura externa

tva

1,7

2,8

2,2

2,9

0,4

-0,6

-0,1

Preços internacionais

 
 
 
 

 

 
 
 

Preço do petróleo

vma

75,8

60,3

55,8

57,0

-11,6

-11,7

-9,0

Preço do gás (MWh)

vma

34,4

38,0

33,2

29,3

-12,3

-7,1

-2,4

Matérias-primas não energéticas

tva

9,1

4,5

-2,2

0,6

-12,1

-0,9

3,4

Preço de importação dos concorrentes

tva

0,4

0,7

1,8

2,2

-2,0

-0,6

0,2

Condições monetárias e financeiras

 
 
 
 

 

 
 
 

Taxa de juro de curto prazo (EURIBOR a 3 meses)

%

3,6

2,1

1,9

2,2

-0,1

-0,1

0,1

Taxa de juro implícita da dívida pública

%

2,2

2,3

2,4

2,6

0,0

0,0

0,1

Índice de taxa de câmbio efetiva

tva

1,9

1,6

0,8

0,0

3,1

0,8

0,0

Taxa de câmbio euro-dólar

vma

1,08

1,11

1,13

1,13

0,1

0,1

0,1

Fontes: Banco de Portugal e Eurosistema (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: tva — taxa de variação anual, % — em percentagem, vma — valor médio anual, MWh — megawatt-hora. As hipóteses técnicas e de enquadramento externo e as projeções para o PIB e inflação da área do euro coincidem com as do exercício de projeção do Eurosistema divulgado a 5 de junho (“Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema”, junho de 2025), incluindo a informação disponível até 21 de maio. Os preços internacionais são medidos em euros. A hipótese técnica para o preço do petróleo, gás e matérias-primas não energéticas assenta nos mercados de futuros. O preço de importação dos concorrentes corresponde a uma média ponderada dos deflatores de exportação dos países dos quais Portugal importa, ponderada pelo peso relativo nas importações portuguesas (para mais informação, ver “Trade consistency in the context of the Eurosystem projection exercises: an overview”, ECB Ocasional Paper 108, março de 2010). A evolução da taxa EURIBOR a 3 meses tem por base as expetativas implícitas nos contratos de futuros. A taxa de juro implícita da dívida pública é calculada como o rácio entre a despesa em juros do ano e a média simples do stock da dívida no final do ano e no final do ano anterior. Um aumento da taxa de câmbio corresponde a uma apreciação. O índice de taxa de câmbio efetiva do euro é calculado face a um grupo de 42 países parceiros. A revisão da taxa de câmbio euro-dólar é apresentada em percentagem. A hipótese técnica para as taxas de câmbio bilaterais pressupõe a manutenção ao longo do horizonte de projeção dos níveis médios observados nas duas semanas anteriores à data de fecho da informação.

O crescimento do comércio mundial é limitado pelo aumento do protecionismo, cujos efeitos são amplificados pela incerteza e complexidade das cadeias globais de abastecimento. Estes fatores conduzem a um menor contributo do comércio para a procura global, não obstante um efeito temporário no primeiro trimestre de 2025 de aumento das importações em antecipação do aumento das tarifas. O crescimento do comércio mundial reduz-se de 3,2% em 2024 para 2,8% em 2025 e 1,9% em 2026, recuperando para 3,0% em 2027. Estes valores implicam uma revisão em baixa de 0,3 pp em 2025 e de 1,2 pp em 2026 face às projeções de março (Quadro C1.1). A procura externa dirigida à economia portuguesa, cujas exportações se destinam maioritariamente à área do euro, apresenta menor vulnerabilidade a estes choques (Gráfico C1.1).

  1. Comércio e procura externa dirigida à economia portuguesa | Taxa de variação anual

Painel A — Comércio internacional

Painel B — Procura externa

Painel C — Procura externa intra área do euro

Painel D — Procura externa extra área do euro

Fonte: Eurosistema. | Notas: Valores projetados para 2025, 2026 e 2027.

As hipóteses para os preços internacionais das matérias-primas foram revistas em baixa no horizonte de projeção (Gráfico C1.2 — Painéis A e B). O preço do petróleo em euros diminui quase 25% em termos acumulados entre 2024 e 2027. A revisão em baixa face às projeções de março reflete os receios de abrandamento da economia global, o aumento da oferta de petróleo por parte da OPEP+ e a depreciação do dólar americano. Os preços das matérias-primas não energéticas registam igualmente uma redução a partir do segundo trimestre até ao final de 2025, estabilizando posteriormente. Os preços das importações dos concorrentes deverão aumentar 0,7% em 2025, um ritmo inferior ao previsto anteriormente, refletindo a apreciação do euro. Em 2026–27, deverão retomar um crescimento em torno de 2,0%, à medida que se dissipam os efeitos das anteriores quedas nos preços das matérias-primas.

A inflação na área do euro deverá diminuir para 2,0% em 2025 e 1,6% em 2026, convergindo para 2% em 2027. As projeções de junho do Eurosistema incorporam uma revisão em baixa nos primeiros dois anos, de 0,3 pp, que reflete a descida dos preços dos bens energéticos e a apreciação do euro. A medida de inflação excluindo bens alimentares e energéticos deverá reduzir-se de 2,8% em 2024 para 2,4% em 2025 e 1,9% em 2026–27.

As expetativas implícitas nos contratos de futuros apontam para uma descida das taxas de juro mais pronunciada do que a considerada nas projeções de março (Gráfico C1.2 — Painel C). Os riscos de abrandamento da economia e as menores pressões sobre os preços na área do euro reforçaram as perspetivas de cortes das taxas de referência do BCE. Em média anual, a taxa EURIBOR a 3 meses deverá diminuir de 3,6% em 2024 para 2,1% em 2025 e 1,9% em 2026, subindo para 2,2% em 2027 (Quadro C1.1). A taxa de juro implícita na dívida pública portuguesa deverá aumentar progressivamente, passando de 2,2% em 2024 para 2,6% em 2027. Esta evolução mantém-se quase inalterada face ao Boletim de março e reflete, sobretudo, a subida das taxas de juro nas novas emissões de dívida pública a médio e longo prazo.

  1. Hipóteses para os preços internacionais e a taxa de juro

Painel A — Petróleo | EUR

Painel B — Matérias-primas não energéticas em euros | Índice 2005=100

Painel C — Taxa EURIBOR a 3 meses | Percentagem

Fonte: Eurosistema. | Nota: As hipóteses técnicas assentam nos mercados de futuros.

 
  1. Incerteza económica e implicações para a economia portuguesa

Nos últimos trimestres, os indicadores de incerteza económica registaram aumentos significativos, desencadeados em larga medida pelas alterações de política económica nos EUA, com destaque para o agravamento de direitos aduaneiros sobre as importações da generalidade dos seus parceiros comerciais. O índice global de Incerteza de Política Económica (EPU), desenvolvido por Davis (2016),2 atingiu um máximo histórico em março de 2025. Paralelamente, o Índice Sintético de Incerteza para Portugal (SIU) de Manteu e Serra (2017),3 que agrega diferentes medidas de incerteza incluindo um indicador de incerteza de política económica, também atingiu valores elevados, apontando para uma maior imprevisibilidade económica. A dinâmica recente destes indicadores estará fortemente relacionada com o aumento da incerteza relativa às políticas comerciais, tal como evidenciado pelo índice global de Incerteza de Política Comercial (TPU) desenvolvido por Caldara et al. (2020)4 (Gráfico C2.1).

  1. Medidas de incerteza económica | Índices

Fontes: Davis (2016), Caldara et al. (2020), e Manteu e Serra (2017). | Notas: o índice global de Incerteza de Política Económica (EPU) e o índice global de Incerteza de Política Comercial (TPU) são medidas de incerteza globais construídas com base na análise de notícias na imprensa que referem a incerteza da política económica e da política comercial, respetivamente. O Índice Sintético de Incerteza (SIU) é um indicador que combina diferentes tipos de medidas de incerteza para Portugal. Os detalhes sobre este indicador, bem como um resumo sobre as vantagens e desvantagens dos vários tipos de medidas de incerteza podem ser consultados em Manteu e Serra (2017).

Embora algum grau de incerteza seja uma caraterística intrínseca do ciclo económico, aumentos significativos de incerteza dão incentivos aos agentes económicos para adiar ou cancelar decisões de consumo, investimento ou contratação envolvendo custos elevados e irreversíveis. Uma maior incerteza pode também induzir os agentes a exigir prémios de risco mais elevados, reduzindo o preço dos ativos e aumentando os custos de financiamento. Estes canais de transmissão da incerteza limitam o dinamismo da atividade económica.

Esta caixa estima o impacto de um aumento da incerteza económica no PIB, no consumo privado e no investimento empresarial em Portugal. Seguindo Anderson et al. (2024),5 foi usado um modelo Vetorial Autorregressivo Bayesiano (BVAR) que incorpora dados trimestrais sobre o PIB, consumo privado e investimento empresarial, juntamente com o índice sintético de incerteza para Portugal (SIU), cobrindo o período de 1999 a 2024.

  1. Resposta do PIB, consumo privado e investimento empresarial a um choque de um desvio-padrão no índice sintético de incerteza económica para Portugal (SIU) | Desvio percentual face à tendência

Painel A — PIB

Painel B — Consumo privado

Painel C — FBCF empresarial

Fontes: Banco de Portugal e INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Resposta a um choque positivo de um desvio-padrão na medida de incerteza (SIU), a partir de um modelo BVAR com volatilidade estocástica, usando dados trimestrais para o período 1999 T1-2024 T4. O SIU foi padronizado para o período 1999-2019 e as variáveis macroeconómicas foram consideradas em logaritmos. Foi incluído um desfasamento de cada variável no modelo. A identificação dos choques estruturais foi obtida com recurso à decomposição de Cholesky da matriz de variância-covariância dos resíduos, em que a medida de incerteza é ordenada em primeiro, seguida do PIB real, consumo privado, investimento empresarial e deflator do PIB. Os resultados são robustos à ordenação das variáveis. As bandas em torno da resposta mediana referem-se aos intervalos de confiança de 68%.

O modelo BVAR estimado mostra que um aumento da incerteza diminui a atividade económica em Portugal (Gráfico C2.2). Considerou-se um choque de um desvio-padrão no índice sintético de incerteza para a economia portuguesa (SIU), relativamente similar ao incremento observado no indicador no quarto trimestre de 2024 (1,2 desvios-padrão), que demora um ano a reverter. No trimestre inicial, o PIB real reduz-se em 0,2% face ao seu valor tendencial, com um impacto não significativo no consumo privado e uma redução no investimento (-0,4%). Nos trimestres seguintes, a atividade continua a contrair face ao seu valor tendencial. O PIB diminui 0,7% e 0,9%, respetivamente, ao fim de um e dois anos. O consumo privado reduz-se 0,6% ao fim de um ano e 0,8% no final do segundo ano. O investimento é a componente que apresenta os efeitos cumulativos mais adversos no horizonte temporal, reduzindo-se face ao seu valor tendencial em 1,8% ao fim de um ano e em 2,1% ao fim de dois anos.6 O maior impacto acumulado sobre o investimento sugere uma maior sensibilidade desta componente da procura agregada à incerteza económica. Os resultados reforçam a relevância de uma política económica previsível e estável para mitigar os custos reais da incerteza.

Os efeitos estimados para Portugal são qualitativamente semelhantes aos apurados para a área do euro por Anderson et al. (2024), ainda que em magnitude superior. Não obstante, é importante destacar que a incerteza não é uma variável diretamente observável e que os resultados obtidos estão condicionados pelo modelo estimado. O modelo utilizado neste exercício é de natureza essencialmente empírica, centrado na correlação entre as variáveis e não na identificação estrutural de canais causais. Compreende um número reduzido de variáveis endógenas, favorecendo a parcimónia e a robustez em amostras limitadas, mas não permitindo uma decomposição detalhada dos mecanismos de transmissão dos choques. Por essa razão, os resultados devem ser lidos como uma aproximação estilizada dos efeitos da incerteza sobre a atividade económica, e não como estimativas causais definitivas.

 
  1. Evolução da taxa de juro natural na área do euro e implicações para a política monetária

A taxa de juro natural é geralmente definida como a taxa de juro real de curto prazo que é consistente com o produto potencial e a inflação estável no valor do objetivo do banco central. A evolução da taxa de juro natural, ou taxa de juro real de equilíbrio no longo prazo, interage com vários fatores, geralmente de natureza real, que determinam o equilíbrio entre poupança e investimento no longo prazo e, logo, o potencial de crescimento de uma economia. Neste sentido, esta taxa é em geral independente da política monetária.

A taxa de juro natural não é observável, tal como o produto potencial ou a taxa natural de desemprego. A literatura económica recorre a várias metodologias de estimação da taxa de juro natural, mas sempre sujeitas a incerteza, associada ao modelo utilizado, à estimação dos parâmetros desses modelos, às variáveis usadas na estimação, entre outros fatores.

O gráfico C3.1 apresenta a evolução das estimativas para a taxa de juro natural da área do euro usualmente seguidas pelo Banco Central Europeu.7 Estas estimativas baseiam-se em diferentes metodologias, apresentando diferenças significativas quanto ao valor da taxa natural, como ilustrado pelo intervalo representado no gráfico C3.1, atualmente entre -0,5% e 1%. Desde o início da área do euro até à pandemia de COVID-19, as estimativas da taxa de juro natural apresentaram uma clara trajetória descendente. Após o período da pandemia, estas estimativas registaram um aumento moderado e, mais recentemente, têm-se mantido estáveis em valores relativamente baixos.

Ao longo das últimas décadas, fatores estruturais têm pressionado em baixa a taxa de juro natural na área do euro e noutras economias avançadas. Entre estes fatores salientam-se: (i) o envelhecimento da população (provocado por uma menor taxa de fertilidade e um aumento da esperança de vida), que incentiva um aumento da poupança ao longo da vida ativa, e o menor crescimento da população, que condiciona o dinamismo do produto potencial; (ii) o fraco dinamismo da produtividade; e (iii) a maior procura por ativos seguros associada a uma maior aversão ao risco na sequência da crise financeira global.8

No período após a pandemia alguns fatores poderão estar a pressionar em alta a taxa de juro natural. Entre estes fatores incluem-se: (i) maiores necessidades de investimento, em particular para apoiar as transições digital e verde; (ii) o aumento da dívida pública após a pandemia; (iii) a menor procura por ativos seguros associada à finalização dos programas de compra de ativos pelos bancos centrais e fatores do lado da oferta associados ao aumento da dívida pública; e (iv) alterações no mercado de trabalho, nomeadamente com a redução do desemprego de longa duração e maiores fluxos de imigração, que podem ter atenuado os fatores demográficos que penalizam a taxa natural.

  1. Intervalo de estimativas disponíveis da taxa de juro natural da área do euro | Percentagem

Fontes: Eurosistema e cálculos do Banco de Portugal. | Nota: O gráfico apresenta o intervalo de todas as medidas consideradas e a respetiva mediana (Brand, C., N. Lisack e F. Mazelis (2025), “Natural rate estimates for the euro area: insights, uncertainties and shortcomings”, caixa 8 do Boletim Económico do BCE, 1/2025).

Uma reduzida taxa de juro natural apresenta desafios para a política monetária. O valor de equilíbrio das taxas de juro nominais no longo prazo pode ser obtido adicionando à taxa de juro natural o objetivo de inflação do banco central. Assim, uma taxa de juro natural baixa significa que, com expetativas de inflação ancoradas no objetivo do banco central, a taxa de juro nominal também se situa em valores baixos no longo prazo. Assim, há uma menor margem de descida até ao limiar inferior, abaixo do qual uma fração significativa dos agentes económicos estariam dispostos a substituir depósitos por moeda.9 A política monetária fica mais restringida no uso do seu principal instrumento.

Apesar da elevada incerteza na estimação da taxa de juro natural, este conceito continua a ser relevante para a política monetária. No longo prazo, as taxas de juro nominais têm de evoluir em linha com a inflação e com a taxa de juro natural. Assim, a ancoragem das expetativas de inflação em torno do objetivo do banco central depende de uma condução da política monetária consistente com esta relação. Adicionalmente, a taxa de juro natural pode ser útil para aferir o grau de acomodação da política monetária. Sendo a taxa de juro nominal de equilíbrio o valor para o qual as taxas nominais tendem no longo prazo, a comparação com a taxa de juro do banco central fornece uma indicação sobre a orientação da política monetária: acomodatícia se a taxa de política estiver abaixo da taxa de equilíbrio, restritiva se estiver acima. No entanto, quando a taxa de juro se situa no intervalo de valores estimados para a taxa de juro nominal de equilíbrio, como é o caso atualmente na área do euro, a avaliação é mais difícil.

 

Análise e projeções de finanças públicas

O saldo orçamental deverá piorar nos próximos anos, regressando a uma situação deficitária. Nas projeções apresentadas neste Boletim, elaboradas em conformidade com as regras do Eurosistema10, após um excedente de 0,7% do PIB em 2024, prevêem-se défices orçamentais de 0,1%, 1,3% e 0,9% em 2025, 2026 e 2027, respetivamente (Gráfico I.2.1).

  1. Saldo orçamental observado e projetado em Portugal e na área do euro | Em percentagem do PIB

Fontes: INE, Banco de Portugal (Portugal) e Comissão Europeia (restantes países e agregado da área do euro). | Notas: Os países estão ordenados pelo saldo orçamental de 2024. Os valores projetados pela Comissão Europeia para Portugal são 0,1% e -0,6% do PIB em 2025 e 2026.

A orientação expansionista da política orçamental verificada em 2024 prolonga-se em 2025 e 2026, revertendo apenas parcialmente em 2027. Após a deterioração de 0,6 pp do PIB no saldo primário estrutural em 2024, projeta-se, no período de 2025 a 2027, um agravamento adicional de 1 pp, enquanto o saldo orçamental se deteriora em 1,6 pp (Gráfico I.2.2). A componente cíclica contribui negativamente para esta variação (-0,5 pp), refletindo o abrandamento da atividade económica. Adicionalmente, o aumento do rácio das despesas com juros reduz ligeiramente o saldo orçamental (-0,2 pp).

  1. Decomposição da variação do saldo orçamental em Portugal | Em pontos percentuais do PIB e do PIB potencial

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: A correção pelos efeitos cíclicos e de medidas temporárias é apurada pelo Banco de Portugal de acordo com a metodologia e as definições utilizadas no SEBC. Para mais detalhes, ver Braz et al. (2019), “The new ESCB methodology for the calculation of cyclically adjusted budget balances: an application to the Portuguese case”, Working Papers 7, Banco de Portugal.

O perfil da orientação da política no horizonte de projeção é afetado pela execução do PRR. A projeção assume um perfil de execução dos programas do PRR financiados por subvenções mais concentrado em 2026, divergindo do que consta no relatório anual de progresso de 2025. Embora as subvenções do PRR representem um estímulo à atividade económica, o seu efeito é aproximadamente neutro em termos orçamentais. Quanto à componente de empréstimos, que afeta negativamente o saldo, o impacto também é mais pronunciado em 2026. Em 2027, a orientação da política inverte, em resultado do fim destes programas.

Excluindo o impacto do PRR, observa-se um efeito crescente das medidas de política no saldo orçamental até 2026 (Gráfico I.2.3). Destacam-se a nova formulação do IRS Jovem, a redução da taxa de IRC, o aumento extraordinário das pensões, as revisões de algumas carreiras e as novas regras de progressão dos funcionários públicos.

  1. Impacto direto de medidas de política sobre o saldo orçamental em Portugal | Em percentagem do PIB

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: Os valores apresentados referem-se aos impactos face a 2019. A componente ‘Medidas pré-OE2025’ inclui os impactos orçamentais diretos das medidas discricionárias permanentes adotadas desde a pandemia até ao Orçamento do Estado para 2025. A componente ‘OE 2025’ inclui, para além das medidas adotadas no contexto do orçamento, a revisão de algumas carreiras dos funcionários públicos aprovadas posteriormente (médicos, oficiais da justiça e funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira).

Projeta-se uma redução do peso da receita de impostos e contribuições no PIB em 2025 e 2026, seguida de uma estabilização em 2027. A redução acumulada da receita fiscal e contributiva reflete essencialmente o impacto das medidas legislativas e da componente residual (Gráfico I.2.4). O efeito positivo da progressividade do IRS, mitigado pela nova regra de atualização dos escalões, é anulado por um efeito de composição do crescimento económico, que resulta numa perda de receita. Entre as alterações fiscais, destacam-se a implementação do novo IRS Jovem e as atualizações do mínimo de existência e da dedução específica em sede de IRS. Em 2025, o impacto destas medidas será atenuado pela diminuição dos reembolsos de IRS, consequência da aplicação de taxas de retenção na fonte extraordinárias em setembro e outubro de 2024. No mesmo sentido, acresce uma atualização das tabelas de retenção na fonte aplicáveis em 2025, inferior à atualização dos limites dos escalões do imposto. A componente residual é explicada pela diminuição da receita de IRS sobre rendimentos de capitais, resultante da descida das taxas de juro, e pela evolução da receita dos impostos indiretos exceto o IVA, que depende apenas das quantidades transacionadas e não dos preços.

  1. Decomposição da variação da receita fiscal e contributiva estrutural em Portugal | Em pontos percentuais do PIB potencial

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: Valores estruturais, i.e., líquidos do impacto de medidas temporárias e da componente cíclica. Para mais detalhes sobre a metodologia, ver Braz et al. (2019). O efeito da progressividade fiscal é líquido do impacto da atualização automática dos escalões.

Em termos estruturais, a despesa corrente primária reduz-se em percentagem do PIB potencial no horizonte de projeção. Esta redução reflete sobretudo o comportamento das prestações sociais e da despesa associada aos projetos financiados pelo PRR, muito concentrada na outra despesa, sendo parcialmente compensada pelo aumento do peso das remunerações no PIB (Gráfico I.2.5).

As prestações sociais são influenciadas pela dinâmica das pensões, que registam um crescimento em torno de 3,5% ao ano ao longo do horizonte de projeção, após um aumento superior a 10% em 2024. Este perfil decorre da aplicação da regra de atualização das pensões num contexto de inflação mais moderada e de um aumento do número de pensionistas ligeiramente superior a 1% ao ano, bem como do efeito de base associado ao suplemento extraordinário pago em outubro de 2024. Apesar da projeção para os próximos anos apontar para uma redução desta despesa em percentagem do PIB, subsistem riscos caso se introduzam novas medidas, à semelhança do que tem sucedido no passado (“Caixa 4 — Tendências estruturais da despesa pública em Portugal”, deste Boletim).

As remunerações crescem 8% em 2025, após um aumento de quase 9% em 2024, desacelerando para ritmos ligeiramente superiores a 6% em 2026 e a 5% em 2027. A projeção incorpora as medidas de valorização remuneratória já aprovadas, assumindo-se, adicionalmente, aumentos anuais no número de funcionários públicos de 1%, 0,8% e 0,5%, respetivamente, ao longo do horizonte de projeção. A natureza estrutural desta dinâmica limita a margem de ajustamento futuro e acentua os riscos para a sustentabilidade orçamental.

O consumo intermédio cresce, em média, 5% no horizonte de projeção, desacelerando em 2027 com o fim da execução dos projetos do PRR. Esta evolução resulta numa quase estabilização em rácio do PIB.

  1. Decomposição da variação da despesa corrente primária estrutural em Portugal | Em pontos percentuais do PIB potencial

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: Valores estruturais, i.e., líquidos do impacto de medidas temporárias e da componente cíclica. Para mais detalhes sobre a metodologia, ver Braz et al. (2019).

Com a implementação do PRR, o rácio do investimento público no PIB aumenta de 2,7% em 2024 para 3,7% em 2026, reduzindo-se em 2027 para 3,1%. O crescimento do investimento público em termos nominais é de 20% e 24%, em 2025 e 2026, seguido de uma queda de 14% em 2027 (Gráfico I.2.6). A aceleração gradual da execução dos fundos relativos ao quadro regular de apoio comunitário explica o aumento do investimento excluindo PRR em rácio do PIB em 2026 e 2027. Prevê-se que a componente não comparticipada do investimento público evolua em linha com o PIB nominal, sendo pontualmente influenciada por entregas de material militar em 2024 e 2026 e, em 2027, pela manutenção de despesa associada a projetos anteriormente financiados pelo PRR.

Portugal já recebeu as cinco primeiras tranches do PRR, o que corresponde a 51% da dotação prevista. Atualmente, a percentagem de fundos recebidos está em linha com a média da área do euro (Gráfico I.2.7). No final do ano passado, Portugal submeteu à Comissão Europeia o pedido para a sexta tranche que, de acordo com o calendário estabelecido, deveria ter ocorrido no terceiro trimestre de 2024. Entretanto, o pedido para a sétima tranche deveria ter sido submetido no primeiro trimestre deste ano. A informação disponibilizada pela Recuperar Portugal permite acompanhar o progresso da aprovação e do pagamento dos fundos do PRR para os beneficiários finais. Atualmente, 97% da dotação está aprovada e 35% já foi paga (Gráfico I.2.8). Os valores pagos são superiores aos registados nas estatísticas oficiais, refletindo dificuldades na identificação dos montantes do PRR, em particular na administração local. A projeção assume a execução integral da dotação do PRR até ao final de 2026.

  1. Investimento público em Portugal | Em percentagem do PIB

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Nota: Os valores entre parêntesis correspondem às taxas de variação do investimento público total, em termos nominais.

  1. Recebimento de fundos no âmbito do PRR | Em percentagem do total

  1. Implementação financeira do PRR em Portugal | Em percentagem do total

Fonte: Comissão Europeia. | Nota: Situação em 28 de maio de 2025.

Fontes: Recuperar Portugal e cálculos do Banco de Portugal. | Nota: Situação em 28 de maio de 2025.

As projeções do Banco de Portugal continuam a apontar para um risco de incumprimento das regras orçamentais europeias11. A aprovação do plano orçamental-estrutural de Portugal pelo Conselho da União Europeia, em janeiro de 2025, fixou os tetos para o crescimento da despesa líquida entre 2025 e 2028. No plano, a despesa líquida deverá crescer, em média, 3,8% entre 2025 e 2027, valor que compara com 4,6% nas projeções do Banco de Portugal (Gráfico I.2.9). Este desvio, expresso em percentagem do PIB, corresponde a 0,6 pp do PIB por ano, ultrapassando os limites de 0,3 pp anuais ou 0,6 pp cumulativos fixados para a conta de controlo. No relatório de progresso apresentado em abril, o Governo estima um crescimento de 3,4% para a despesa líquida em 2025, inferior à projeção do Banco de Portugal (5,4%). A informação disponível permite identificar as principais componentes deste cálculo e compará-las com as estimativas do Banco de Portugal (Quadro I.2.1). Verifica-se que a estimativa do Governo assenta numa maior utilização de fundos comunitários para financiar uma despesa total próxima da prevista pelo Banco de Portugal. Em sentido contrário, o Governo projeta um impacto mais negativo das medidas discricionárias do lado da receita em 2025, sobretudo por não refletir o efeito da diminuição dos reembolsos e da maior retenção na fonte em sede de IRS.

Importa ainda referir que a Comissão Europeia apresentou, em março de 2025, uma proposta de alteração às regras orçamentais europeias, com o objetivo de acomodar o esforço acrescido de despesa pública em defesa por parte dos Estados-Membros da UE. A proposta prevê a introdução de uma exceção temporária, através da ativação da chamada cláusula de escape nacional, que permitirá aos países aumentar a despesa em defesa até 1,5% do PIB por ano, durante um período de quatro anos (Caixa 5 — A despesa pública em defesa e as regras orçamentais europeias).

  1. Variação da despesa líquida: objetivos e estimativas atuais | Em percentagem

Fontes: Ministério das Finanças, Comissão Europeia e Banco de Portugal. | Nota: A despesa líquida é definida como a despesa pública excluindo as despesas em juros, a componente cíclica dos subsídios de desemprego, a receita de fundos europeus com contrapartida em despesa, a comparticipação nacional mínima em projetos financiados pela UE, o impacto de medidas temporárias do lado da despesa e as medidas discricionárias do lado da receita.

  1. Decomposição da despesa líquida nas estimativas do Governo e do Banco de Portugal | Em milhões de euros e percentagem

 

Relatório de progresso

Projeções BdP

 

2024

2025

2024

2025

Despesa total

121 967

132 368

121 967

132 261

Despesas em juros

5875

6489

5875

6258

Componente cíclica dos sub. de desemprego

102

90

-124

-137

Despesa financiada por fundos da UE

3 032

9304

3032

6928

Co-financiamento nacional de projetos da UE

375

820

375

522

Medidas temporárias do lado da despesa

0

406

86

241

Medidas discricionárias do lado da receita

-1507

-1105

-1739

-321

Despesa líquida

114 090

116 364

114 462

118 771

Taxa de variação da despesa líquida (%)

11,6

3,4

11,7

5,4

Fontes: Ministério das Finanças e Banco de Portugal.

O rácio da dívida pública continua a diminuir ao longo do horizonte da projeção, passando de 94,9% em 2024 para 85,8% em 2027. Esta redução contrasta com o aumento projetado para a área do euro até 2026 pela Comissão Europeia (Gráfico I.2.10). Consequentemente, o rácio da dívida pública em Portugal deverá situar-se, em 2026, abaixo da média da área do euro. A evolução do rácio da dívida entre 2025 e 2027 beneficia de um efeito denominador significativo (-6,6 pp deflator e -4,9 pp volume) e de saldos primários excedentários (-4,1 pp), em contraste com o maior impacto da despesa com juros (+6,5 pp). Contudo, o ritmo de diminuição do rácio da dívida previsto para Portugal é inferior ao observado no triénio anterior (2022–2024), período durante o qual o rácio se reduziu em 29 pp, num contexto de forte crescimento do PIB nominal e de acumulação de excedentes primários elevados (Gráfico I.2.11).

  1. Dívida pública observada e projetada em Portugal e na área do euro | Em percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal (Portugal) e Comissão Europeia (restantes países e agregado da área do euro). | Notas: Os países estão ordenados pelo rácio da dívida de 2024. Os valores projetados pela Comissão Europeia para Portugal são 91,7% do PIB em 2025 e 89,7% em 2026.

  1. Contributos para a variação do rácio da dívida pública | Em pontos percentuais do PIB

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: Na projeção, assume-se a hipótese técnica de ajustamentos défice-dívida nulos. A diferença entre as despesas em juros e o efeito denominador total corresponde ao ‘efeito bola de neve’.

Na ausência de medidas de política adicionais, o prolongamento das atuais projeções, incorporando os custos associados ao envelhecimento da população, aponta para uma estabilização do rácio da dívida no início da próxima década (Gráfico I.2.12). O cenário base determinístico assume, até 2034, uma orientação neutra da política orçamental, exceto no que respeita aos custos do envelhecimento, estimados com base no Ageing Report de 2024. Adicionalmente, considera a convergência do PIB real para um crescimento potencial de 1% e inclui as atuais projeções do Eurosistema para as taxas de juro, que convergem para 4,5% nas emissões a 10 anos. Em resultado, o saldo orçamental reduz-se para valores próximos de -3% do PIB em 2034 e o rácio da dívida estabiliza em torno de 83%. Face ao Boletim de junho de 2024, as perspetivas orçamentais agravaram-se significativamente. Esta perspetiva reflete-se também na análise estocástica, que incorpora os efeitos da incerteza macroeconómica na trajetória da dívida pública. Face à publicação de há um ano, a distribuição de probabilidade do rácio da dívida desloca-se para níveis mais elevados. Em resultado, a probabilidade de o rácio da dívida em 2033 ultrapassar o valor de referência de 60% do PIB aumenta de 58% no Boletim de junho de 2024 para 86%.

  1. Trajetórias para o rácio da dívida pública de acordo com a análise estocástica | Em percentagem do PIB

Fontes: INE, BCE e Banco de Portugal. | Notas: Para mais detalhes sobre a metodologia, ver “Caixa 7 — Trajetórias para a dívida pública portuguesa” publicada no Boletim Económico de junho de 2024.

É fundamental conter a deterioração orçamental, assegurando a sustentabilidade das finanças públicas. A persistência de políticas expansionistas não constitui uma estratégia prudente em contextos de crescimento económico acima do potencial e com hiato do produto positivo, sobretudo perante a possibilidade de uma inversão do ciclo económico e face às dinâmicas estruturais da despesa pública. Apesar de a posição orçamental portuguesa se manter favorável no contexto da área do euro, a elevada dívida pública constitui uma vulnerabilidade que importa mitigar, aproveitando os momentos mais favoráveis de crescimento económico para promover a sua redução. Neste enquadramento, será fundamental preservar uma trajetória de redução sustentada da dívida, tendo presente os desafios orçamentais estruturais que continuarão a marcar o futuro próximo, designadamente no domínio do investimento público — em particular nas dimensões da transição climática e digital —, na maior exigência de despesa na área da defesa e nos efeitos orçamentais negativos associados ao envelhecimento demográfico.

  1. Tendências estruturais da despesa pública em Portugal

A análise da evolução estrutural da despesa pública é essencial para a definição de políticas económicas sustentáveis e ajustadas às necessidades do país. A despesa corrente primária constitui um bom indicador dessa evolução, por refletir os encargos associados ao funcionamento do Estado e à prestação de serviços públicos, que têm em grande medida uma natureza permanente. Esta despesa não inclui os juros da dívida, que não resultam de decisões de política corrente, nem a despesa de capital, condicionada pelos ciclos de investimento e pela execução de fundos comunitários.

Em Portugal, nos últimos 30 anos, a despesa corrente primária em percentagem do PIB nominal potencial aumentou 6,7 pontos percentuais (Gráfico C4.1). O valor máximo foi atingido em 2010, antes do início do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF). Desde então, verificou-se uma trajetória de redução até 2017, seguindo-se um período de relativa estabilização, interrompido durante os anos da pandemia e com um aumento novamente em 2024.

  1. Despesa corrente primária em Portugal | Em percentagem do PIB potencial

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Nota: O PIB potencial nominal é estimado pelo Banco de Portugal.

Na classificação funcional da despesa corrente primária, a proteção social é a componente com maior peso, representando 45,3% do total em 2023, último ano com dados disponíveis (Quadro C4.1). Seguem-se a saúde, com 17,6%, e a educação, com 11,2%. Em termos de evolução desde 1995, em percentagem do PIB potencial nominal, destaca-se o aumento muito expressivo da proteção social e, em menor escala, da saúde. Pelo contrário, a educação e a defesa nacional registaram as maiores reduções, sendo que, no caso da educação, esta diminuição se concentrou sobretudo no período após o início do PAEF.

De acordo com a classificação económica para a despesa corrente primária, as duas principais componentes — despesas com pessoal e prestações sociais (incluindo pensões) — representam mais de três quartos do total (Quadro C4.2). Desde 1995, as prestações sociais ganharam peso relativo, em contrapartida da diminuição das despesas com pessoal, e correspondem atualmente a quase metade da despesa corrente primária. Verifica-se que o aumento em percentagem do PIB nominal potencial até 2010 foi transversal a todas as componentes, mas particularmente expressivo nas prestações sociais. Já a redução registada após o início do PAEF concentrou-se sobretudo nas despesas com pessoal.

  1. Peso e evolução da despesa corrente primária por componente: classificação funcional | Em percentagem do total e do PIB potencial

 

Peso no total (%)

Variação em pp do PIB potencial

 

1995

2010

2023

1995–2010

2011–2023

1995–2023

Proteção social

37,0

41,4

45,3

5,4

-0,4

5,0

Saúde

16,2

16,9

17,6

1,9

-0,5

1,4

Educação

16,0

14,2

11,2

0,8

-1,7

-0,9

Serviços gerais da administração pública

11,1

9,8

9,1

0,5

-0,7

-0,1

Assuntos económicos

6,7

6,5

7,0

0,6

-0,1

0,5

Defesa nacional

4,5

2,7

1,7

-0,3

-0,5

-0,8

Segurança e ordem pública

4,5

4,6

4,1

0,5

-0,4

0,1

Outras categorias (a)

4,0

3,9

3,9

0,3

-0,2

0,2

Total

100,0

100,0

100,0

9,7

-4,4

5,3

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: O PIB potencial nominal é estimado pelo Banco de Portugal. ‘Outras categorias’ inclui a despesa corrente primária em proteção ambiental, habitação e equipamentos coletivos, e serviços culturais, recreativos e religiosos. De 1995 a 1998, o total da despesa corrente primária na classificação funcional difere dos valores da classificação económica.

  1. Peso e evolução da despesa corrente primária por componente: classificação económica | Em percentagem do total e do PIB potencial

 

Peso no total (%)

Variação em pp do PIB potencial

 

1995

2010

2024

1995–2010

2011–2024

1995–2024

Despesas com pessoal

39,1

32,7

28,5

1,4

-2,8

-1,4

Prestações sociais

38,7

45,0

48,7

6,6

-0,2

6,4

Consumo intermédio

13,3

14,0

14,0

1,6

-0,5

1,2

Outra despesa corrente primária

8,9

8,3

8,8

0,7

-0,1

0,6

Total

100,0

100,0

100,0

10,4

-3,6

6,7

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: O PIB potencial nominal é estimado pelo Banco de Portugal. De 1995 a 1998, o total da despesa corrente primária na classificação funcional difere dos valores da classificação económica.

De seguida, analisam-se estas duas componentes da despesa corrente primária, enquadrando a evolução recente e as perspetivas para os próximos anos com base nas projeções deste Boletim.

Despesas com pessoal

O número de trabalhadores das administrações públicas aumentou de cerca de 632 mil em 1995 para mais de 783 mil em 2024, o que corresponde a uma taxa média de crescimento anual de 0,7%. A percentagem face ao total do emprego remunerado da economia tem-se mantido relativamente estável em torno de 18% (Gráfico C4.2, Painel A). Nos últimos 10 anos, observou-se um aumento do peso do emprego público na administração local, em contraste com a diminuição na administração central. Com efeito, com base nos dados da DGAEP, o número de trabalhadores na administração local aumentou a uma taxa média de 2,5% ao ano (3% nos últimos 4 anos), que compara com 1,3% nos restantes subsetores (Gráfico C4.2, Painel B). Esta evolução, ainda que possa estar associada no período mais recente à decentralização de competências para os municípios, poderá ter implicações ao nível da organização e eficiência na prestação dos serviços públicos.

Os ordenados e salários nas administrações públicas registaram, desde 2001 até 2023, uma tendência de diminuição em percentagem do PIB potencial (Gráfico C4.3, Painel A). Em 2024, observou-se um ligeiro aumento, prevendo-se que este perfil se mantenha ao longo do horizonte de projeção, impulsionado pela dinâmica do salário médio. Em 2023 e 2024, a variação salarial acumulada situou-se cerca de 2,5% acima da inflação, recuperando da perda real observada no surto inflacionista (Gráfico C4.3, Painel B). No horizonte de projeção, o crescimento do salário médio mantém-se acima da inflação, refletindo os compromissos assumidos em matéria de atualização da tabela remuneratória da função pública e do salário mínimo nacional, o impacto estimado das revisões ao sistema de avaliação de desempenho (assumido como semelhante ao observado em 2024) e o efeito gradual das diversas revisões de carreiras.

  1. Funcionários públicos | Número, percentagem do total e taxas de variação

Painel A — Total

Painel B — Por subsetor (tx. var.)

Fontes: INE, DGAEP e Banco de Portugal. | Notas: No painel A, o número de funcionários públicos corresponde aos dados das Contas Nacionais até 2022, prolongados para 2023 e 2024 com as taxas de variação da DGAEP. No painel B, todos os dados são da DGAEP.

  1. Contributos para a variação da despesa em ordenados e salários e do salário médio | Em percentagem e percentagem do PIB potencial

Painel A

Painel B

Fontes: INE, DGAEP e Banco de Portugal. | Notas: O PIB potencial nominal é estimado pelo Banco de Portugal. A inflação é medida através da variação do deflator do consumo privado. No Painel B, a categoria “Outros” inclui o impacto das promoções e progressões nas carreiras, o efeito composição associado a diferentes níveis salariais nas entradas e saídas da função pública, bem como outros fatores que influenciem o salário médio e que não se encontrem refletidos nas restantes categorias.

Prestações sociais

Tal como referido anteriormente, as prestações sociais foram a componente da despesa corrente primária que mais aumentou o seu peso no PIB potencial nominal nos últimos 30 anos. No seu conjunto, destaca-se a despesa com pensões — tanto do regime geral da Segurança Social como da Caixa Geral de Aposentações (CGA) — que representa atualmente cerca de 65% do total das prestações sociais e é a principal responsável pelo aumento observado. As outras prestações sociais em dinheiro registaram também um acréscimo expressivo (Gráfico C4.4).

A despesa com pensões é a principal componente da despesa pública cuja evolução está sujeita a uma regra de atualização legalmente definida. Esta regra tem em consideração a inflação do ano anterior e é mais favorável para os escalões de pensões mais baixos e em contextos de maior crescimento do PIB real (Quadro C4.3).

  1. Despesa em prestações sociais por componente | Em percentagem do PIB potencial

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Nota: O PIB potencial nominal é estimado pelo Banco de Portugal.

  1. Sistematização da regra de atualização das pensões

 

Valor da pensão

Crescimento real do PIB

1.º escalão: até 2 IAS

2.º escalão: 2 a 6 IAS

3.º escalão: 6 a 12 IAS

< 2%

IPC

IPC - 0,5%

IPC - 0,75%

Entre 2% e 3%

IPC + 20% tx cresc. PIB (c/ máx. de IPC + 0,5%)

IPC - 0,5%

IPC - 0,25%

> 3%

IPC + 0,5%

IPC + 12,5% tx cresc. PIB

IPC

Fonte: Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro. | Notas: O IPC utilizado é a variação média dos últimos 12 meses do IPC, sem habitação, em novembro do ano anterior. O crescimento real do PIB é a média da taxa do crescimento anual dos últimos dois anos, terminados no 3.º trimestre do ano anterior. Até 2017, o primeiro escalão de atualização compreendia apenas as pensões até 1,5 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). Da aplicação da regra não pode resultar uma redução nominal do valor das pensões.

Focando nas pensões do regime geral, as atualizações da última década asseguraram ganhos médios de poder de compra para os pensionistas inseridos no primeiro escalão (em 2024, pensões até 1018,52 euros), enquanto as pensões mais elevadas registaram perdas em termos reais (Gráfico C4.5). Em média no período 2015–24, e tendo em conta apenas as atualizações regulares, as pensões do regime geral registaram uma ligeira diminuição de 0,6% em termos reais.

Contudo, a evolução do valor das pensões neste período refletiu não apenas a atualização regular, mas também a eliminação da CES (Contribuição Extraordinária de Solidariedade introduzida durante o PAEF), aumentos adicionais das pensões mais baixas e o pagamento de complementos extraordinários em 2022 e 2024. Considerando o efeito conjunto destas medidas, os pensionistas registaram um ganho médio acumulado de poder de compra de 9,8% neste período.

A despesa em pensões é igualmente influenciada pela evolução do número de pensionistas e pelo efeito composição, resultante da diferença entre o valor das pensões que cessam e das novas pensões atribuídas. Com a maturação do sistema e o envelhecimento demográfico, ambos os fatores têm contribuído para o aumento da despesa, que registou um crescimento médio de 4% ao ano no período considerado, evoluindo ligeiramente abaixo do PIB potencial nominal (Gráfico C4.6). Na ausência de novas medidas, perspetiva-se que esta tendência se mantenha no horizonte da projeção.

  1. Variação real das pensões entre 2015 e 2024 por escalão de atualização | Em percentagem

  1. Decomposição da variação da despesa em pensões | Em percentagem

Fontes: INE, Segurança Social e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: A análise centra-se no regime geral da Segurança Social, não incluindo a Caixa Geral de Aposentações. Os cálculos consideram a não atualização das pensões acima de 12 IAS, não sendo o seu efeito apresentado separadamente por representar uma proporção muito reduzida de pensionistas. O total após medidas considera, para além da atualização regular, outras medidas como: a eliminação da CES; aumentos extraordinários das pensões mais baixas entre 2017 e 2022; e o suplemento extraordinário de pensão de 2024.

Fontes: INE, Segurança Social e cálculos do Banco de Portugal. | Notas: O PIB potencial nominal é estimado pelo Banco de Portugal. A despesa em pensões respeita apenas ao regime geral da Segurança Social, não incluindo a Caixa Geral de Aposentações.

 
  1. A despesa pública em defesa e as regras orçamentais europeias

O agravamento das ameaças externas, em particular a invasão da Ucrânia pela Rússia, colocou a necessidade de reforço das capacidades de defesa da União Europeia no centro da agenda europeia. Em simultâneo, a implementação das novas regras orçamentais veio suscitar preocupações quanto à margem disponível para acomodar este esforço adicional sem comprometer a sustentabilidade das finanças públicas.

De acordo com os dados do Eurostat (classificação COFOG, que organiza a despesa pública por função), a despesa pública em defesa em Portugal atingiu 0,8% do PIB em 2023, face a 1,3% na UE (Gráfico C5.1). Desde 2000, verifica-se em Portugal uma tendência de diminuição desta despesa, com exceção do ano de 2010, no qual se registou um pico de despesa associado ao registo de dois submarinos, cujo montante ascendeu a 0,5% do PIB.

Por principais rubricas da classificação económica, destaca-se o peso mais elevado das despesas com pessoal face à média da UE e, em sentido inverso, o menor peso do investimento e do consumo intermédio em defesa. Entre 2000 e 2023, as despesas com pessoal representaram em média 69% da despesa pública em defesa em Portugal, comparando com 51% na UE, enquanto o investimento e o consumo intermédio corresponderam a 18% e 12% em Portugal, face a 25% e 20% na União (Gráfico C5.2). Ao longo deste período, a estrutura da despesa manteve-se relativamente estável, tanto em Portugal como no agregado da UE.

  1. Despesa pública em defesa em Portugal e na União Europeia | Em percentagem do PIB

Fonte: Eurostat (dados COFOG).

  1. Repartição da despesa pública em defesa em Portugal e na União Europeia, média em 2000-23 | Em percentagem do total

Painel A — UE

Painel B — PT

Fonte: Eurostat (dados COFOG).

A NATO tem vindo a debater o reforço da meta de despesa em defesa dos seus membros, considerando que o atual objetivo de 2% do PIB é insuficiente face aos desafios de segurança emergentes12. Paralelamente, o tema ganhou relevo também na UE e, em março deste ano, a Comissão apresentou a Comunicação "White Paper for European Defence" e o plano "ReArm Europe/Readiness 2030", dois documentos complementares que definem, respetivamente, as prioridades estratégicas para o setor da defesa na UE e os instrumentos financeiros e operacionais destinados a viabilizar a sua concretização.

O primeiro instrumento proposto é o Security Action for Europe (SAFE), um mecanismo temporário que disponibilizará até 150 mil milhões de euros em empréstimos aos Estados-Membros para investimentos urgentes na base industrial e tecnológica de defesa europeia. O financiamento será assegurado através da emissão de dívida pela UE, embora a responsabilidade pelo seu reembolso recaia individualmente sobre os Estados-Membros mutuários. Para reforçar a autonomia estratégica europeia, o SAFE estabelece critérios específicos para a elegibilidade dos projetos financiados, incentivando aquisições conjuntas em áreas prioritárias como defesa antiaérea, drones e cibersegurança, e promovendo a participação de empresas europeias no fornecimento de equipamentos.

A segunda medida consiste numa proposta de exceção temporária às regras orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento, através da ativação da chamada cláusula de escape nacional13. De acordo com a proposta, os Estados-Membros podem aumentar os seus gastos em defesa até 1,5% do PIB anualmente durante quatro anos, com possibilidade de extensão, sem violar as regras orçamentais da UE. Esta cláusula abrange a despesa classificada na categoria COFOG de defesa, mas serão também analisadas as diferenças face à definição da NATO. De modo a garantir um tratamento semelhante para os Estados-Membros que aumentaram recentemente esta despesa, a cláusula abrangerá o montante de despesa que exceda a observada em 2021. Os Estados-Membros não necessitam de rever os planos orçamentais de médio prazo na sequência destes pedidos. Até ao momento, alguns Estados-Membros, incluindo Portugal, já solicitaram a ativação desta cláusula para acomodar o aumento dos seus gastos em defesa.

O aumento da despesa em defesa num Estado-Membro, mantendo inalteradas as restantes variáveis, implica inevitavelmente uma deterioração da sua posição orçamental, refletindo-se no défice e na dívida pública, mesmo que seja acionada a cláusula de escape para evitar o incumprimento das regras europeias. Em termos dos impactos orçamentais, são de salientar:

  • O impacto direto, decorrente do montante da despesa realizada.

  • O acréscimo dos encargos com juros, resultante do aumento da emissão de dívida pública. A utilização do SAFE poderá atenuar este efeito, na medida em que os empréstimos concedidos pela UE poderão apresentar condições de financiamento mais vantajosas do que as disponíveis para os países no mercado.

  • As pressões orçamentais futuras decorrentes de encargos permanentes com a manutenção, operação e atualização dos equipamentos adquiridos, bem como dos custos associados à eventual contratação de mais efetivos militares, cuja despesa tende a ser duradoura e difícil de reverter.

Quanto aos efeitos indiretos, por via dos impactos macroeconómicos, a sua dimensão depende dos multiplicadores associados à despesa em defesa. A literatura indica que, em média, estes multiplicadores são inferiores aos da outra despesa pública, sobretudo devido ao elevado conteúdo importado de uma parte significativa da despesa em defesa, como o equipamento militar, o que reduz o impacto sobre a economia nacional. Além disso, os multiplicadores variam de forma significativa consoante o tipo de despesa. A contratação de pessoal militar tende a ter, no curto prazo, um efeito mais direto e relevante na economia interna do que o investimento em tecnologia militar avançada. Este último poderá, contudo, gerar impactos superiores no médio e longo prazo, sobretudo se envolver produtores nacionais e potenciar ganhos de produtividade e desenvolvimento tecnológico noutros setores.

Por último, importa sublinhar que, sendo a segurança coletiva um bem público europeu, o esforço de investimento em defesa beneficia o conjunto da União, independentemente de onde a despesa ocorre, o que reforça a relevância de instrumentos financeiros comuns e de mecanismos de coordenação europeus.

 

Tema em destaque

A transmissão intergeracional da pobreza e da privação material e social em Portugal1

As pessoas que vivem em situação de pobreza ou de privação material e social durante a infância ou adolescência têm maior probabilidade de reviver essa situação na idade adulta.2 Compreender o grau e os mecanismos de transmissão da pobreza e privação entre gerações é importante para a definição de políticas que quebrem este ciclo de desvantagem intergeracional.

Este Tema em destaque utiliza os dados do módulo ad hoc sobre a transmissão intergeracional das desvantagens sociais do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) de 2023 para responder às seguintes questões. Em que medida as más condições financeiras no início do ciclo de vida aumentam o risco de pobreza ou a privação material e social na idade adulta? Qual é o papel da educação, da situação face ao mercado de trabalho e da estrutura familiar nesta transmissão intergeracional? E, por último, como é que a transmissão intergeracional da pobreza e da privação em Portugal compara com a de outros países da UE?

Dados e conceitos

A análise é efetuada com a base de dados European Union Statistics on Income and Living Conditions (EU-SILC), utilizada para calcular as estatísticas de pobreza e desigualdade na União Europeia. Esta base de dados agrega os vários inquéritos conduzidos pelos institutos de estatística europeus e, no caso português, corresponde ao ICOR do INE. O questionário incorpora perguntas sobre o agregado familiar e também sobre as caraterísticas de cada membro, em particular sobre os rendimentos dos indivíduos com 16 ou mais anos. Em 2023, o ICOR incluiu um módulo ad hoc sobre transmissão intergeracional de vantagens e desvantagens sociais, onde cada indivíduo com idades entre 25 e 59 anos foi inquirido sobre as suas circunstâncias familiares quando era adolescente. Uma das questões é sobre a situação financeira do agregado familiar quando o indivíduo tinha 14 anos. A resposta contempla uma escala entre 1 (muito má) e 6 (muito boa), o que permite dividir os indivíduos em dois grupos: aqueles com uma situação financeira má (resposta entre 1 e 3) e aqueles com uma situação financeira boa (resposta entre 4 e 6). Esta agregação é a habitualmente utilizada na literatura, mas os resultados são robustos a outras opções de agregação. Esta variável será usada como identificadora de uma situação de privação ou de pobreza na adolescência.

Relativamente à idade adulta, a análise centrar-se-á em dois indicadores habitualmente utilizados para avaliar a pobreza e privação no âmbito da União Europeia: o risco de pobreza e a privação material e social. Um indivíduo vive em risco de pobreza se tem um rendimento inferior ao limiar de pobreza, correspondendo a 60% da mediana dos rendimentos monetários da população. Por seu turno, um indivíduo vive em privação material e social se tem dificuldade de acesso a pelo menos cinco de treze itens relacionados com necessidades sociais e económicas das famílias e dos indivíduos.

A literatura sugere que a transmissão intergeracional é captada de forma mais fidedigna se a análise se centrar no mesmo momento do ciclo de vida dos pais e dos filhos e, em particular, nas idades entre 35 e 45 anos (momento em que a participação no mercado de trabalho atinge alguma maturidade).3 Tendo em conta que o módulo ad hoc inquire a situação dos pais quando o indivíduo tinha 14 anos, a análise neste Tema em destaque centrar-se-á na amostra de inquiridos com idades entre 39 e 49 anos.4 Esta amostra inclui 4759 indivíduos. O objetivo é avaliar a situação de pobreza ou privação dos filhos e dos pais em momentos próximos do respetivo ciclo de vida, tendo subjacente a idade média de fertilidade em Portugal, que se concentra entre os 25 e os 35 anos.

Extrapolando os resultados com os ponderadores amostrais, conclui-se que 25,8% dos indivíduos com idades entre 39 e 49 anos reportaram uma má situação financeira aos 14 anos. Por seu turno, a taxa de risco de pobreza dos indivíduos nesta faixa etária, no momento presente, situou-se em 14,2% e a taxa de privação material e social em 9,4% (Quadro 1).5 Estes valores são inferiores aos da população total, refletindo taxas de risco de pobreza superiores nas crianças e taxas de privação material e social superiores nos mais velhos.

A análise de dois indicadores para avaliar a pobreza e privação na idade adulta é útil dado que cada indicador identifica um subconjunto distinto da população. De facto, existe uma proporção significativa de indivíduos que se encontram em risco de pobreza sem viverem uma situação de privação material e social e vice-versa (Quadro 2). Na amostra dos indivíduos de 39 a 49 anos do módulo ad hoc do ICOR, apenas 4,4% vivia simultaneamente em risco de pobreza e em privação material e social. Este resultado reflete a natureza diferente dos indicadores, no caso da pobreza com um foco no rendimento monetário e no caso do indicador de privação com uma perspetiva mais ampla que procura avaliar como a falta de recursos afeta as condições e qualidade de vida. A relação entre baixos rendimentos e situações de privação pode ser limitada pela existência de poupanças ou dívidas acumuladas no passado, pelo acesso a rendimentos não monetários ou pela possibilidade de recorrer a empréstimos ou a apoio de familiares e amigos. Adicionalmente, a informação sobre a privação material e social reporta-se ao ano do inquérito, enquanto a informação sobre o rendimento refere-se ao ano anterior ao inquérito, pelo que não reflete necessariamente a situação contemporânea dos indivíduos.6

Por uma questão de facilidade de exposição, no remanescente deste Tema em destaque usar-se-ão de forma equivalente os termos pobreza e risco de pobreza e os termos privação e privação material e social.

  1. Taxa de privação material e social e taxa de risco de pobreza na população e nos indivíduos em análise (39–49 anos) | Percentagem

 

População total

Indivíduos em análise (39–49 anos)

Taxa de privação material e social (a)

12,0

9,4

Taxa de risco de pobreza (b)

17,0

14,2

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: (a) Um indivíduo vive em privação material e social se tem dificuldade de acesso a pelo menos cinco dos treze itens seguintes relacionados com necessidades sociais e económicas: 1) Assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada (sem recorrer a empréstimo); 2) Pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa; 3) Atraso em pagamentos regulares; 4) Ter uma alimentação adequada; 5) Manter a casa adequadamente aquecida; 6) Dispor de automóvel próprio; 7) Substituir o mobiliário usado; 8) Substituir a roupa usada; 9) Ter dois pares de sapatos de tamanho adequado; 10) Gastar semanalmente uma pequena quantia de dinheiro consigo; 11) Participar regularmente numa atividade de lazer; 12) Encontrar amigos/familiares para uma bebida/refeição pelo menos uma vez por mês; 13) Ter acesso à internet para uso pessoal em casa. (b) Um indivíduo vive em risco de pobreza se tem um rendimento inferior ao limiar de pobreza, correspondendo a 60% da mediana dos rendimentos monetários da população. Os rendimentos são avaliados por adulto equivalente, com base na escala de equivalência modificada da OCDE. Nesta escala, o primeiro adulto tem o peso de 1,0, os restantes adultos têm um peso de 0,5 e as crianças até aos 14 anos têm um peso de 0,3. Por exemplo, no caso de uma família com dois adultos e duas crianças, o rendimento da família seria dividido por 2,1. Este rendimento equivalente é atribuído a cada um dos elementos do agregado familiar. De acordo com o ICOR 2023 (referente a rendimentos de 2022), a linha de pobreza em Portugal situava-se em 7095 euros anuais por adulto equivalente (591 euros por mês). Os resultados para a população total coincidem com os reportados pelo INE (2023). A amostra em análise inclui 4759 indivíduos.

  1. Decomposição dos indivíduos em análise (39–49 anos) de acordo com o risco de pobreza e a privação material e social | Percentagem

 
 

Risco de pobreza

 
 

Não

Sim

Total

Privação material e social

Não

80,9

9,8

90,6

Sim

4,9

4,4

9,4

Total

85,8

14,2

100

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal).

 

Relação entre dificuldades financeiras na adolescência e a pobreza ou privação na idade adulta

O conceito de persistência intergeracional da pobreza e privação remete para uma associação entre as dificuldades económicas dos pais e as dos seus filhos na idade adulta. No caso de não haver persistência, a probabilidade de pobreza ou de privação não seria afetada pela situação financeira passada. Assim, a persistência intergeracional será medida pela probabilidade acrescida que uma pessoa que viveu na adolescência com dificuldades financeiras tem de viver atualmente em pobreza ou em privação.7 O gráfico 1 apresenta estimativas desta persistência com base nos indicadores de pobreza e privação.

Um indivíduo com idade entre 39 e 49 anos e com uma boa situação financeira aos 14 anos tem uma probabilidade de 5,8% de viver atualmente em privação. Esta probabilidade aumenta para 19,5% se a sua situação financeira na adolescência era má. Assim, a persistência intergeracional da privação material e social ascende a 13,7 pontos percentuais (pp).

Se considerarmos a taxa de risco de pobreza, um indivíduo com uma boa situação financeira aos 14 anos apresenta uma probabilidade de 12,5% de viver atualmente em risco de pobreza. No caso de a situação financeira ter sido má, essa probabilidade é de 19,2%. Conclui-se que a persistência intergeracional da pobreza ascende a 6,7 pp.

As probabilidades acima apresentadas são calculadas de forma incondicional, ou seja, não controlam por fatores subjacentes às relações entre as dificuldades financeiras no passado e a privação/pobreza no presente (cada uma será assim designada como “relação simples (incondicional)” no remanescente deste artigo).

  1. Percentagem de Indivíduos em situação de pobreza ou privação material e social por situação financeira do agregado familiar quando o indivíduo tinha 14 anos

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Indivíduos dos 39 aos 49 anos. A persistência intergeracional corresponde à diferença entre a taxa de pobreza /privação nos casos em que a situação financeira aos 14 anos era má e boa.

O papel de caraterísticas dos indivíduos na transmissão intergeracional da privação ou da pobreza

Existe um conjunto alargado de fatores que podem afetar a relação entre as circunstâncias na adolescência e a situação económica e social na idade adulta, reforçando ou atenuando a reprodução de situações de (des)vantagem entre gerações.8 Os mais referidos na literatura e que podem ser analisados com os dados do EU-SILC são a educação, a situação face ao mercado de trabalho e a estrutura familiar. Nesta secção procura-se analisar o papel destas caraterísticas na transmissão intergeracional, ainda que de forma descritiva e não causal (Figura 1).

Para tal, estima-se uma regressão multivariada que relaciona a privação/pobreza atual com a situação financeira do indivíduo na adolescência, a educação alcançada pelo indivíduo (até ao 9.º ano, secundário ou superior), a sua situação no mercado de trabalho (se trabalha ou não), a sua estrutura familiar (um ou mais adultos), a sua idade e o sexo. Os coeficientes revelaram-se todos estatisticamente significativos com um grau de significância de 1%, com exceção da idade, que nem sempre apresentou significância estatística (ver Anexo).

  1. Canais de transmissão intergeracional da pobreza e privação analisados com base no EU-SILC

Esta regressão incorpora fatores que poderão desempenhar um papel mediador na transmissão intergeracional da privação/pobreza, como a educação e a situação perante o trabalho, para além de outras variáveis de controlo. A medida em que estes fatores reduzem o efeito calculado na relação simples (incondicional) indica a sua importância relativa na associação entre a privação/pobreza dos pais e a dos seus descendentes. Esta regressão multivariada permite também avaliar se, mesmo controlando pelas caraterísticas observadas dos indivíduos no presente, persiste um contributo da situação financeira passada na probabilidade de viverem atualmente em pobreza ou privação.

O gráfico 2 apresenta o impacto de uma situação financeira adversa no passado sobre a taxa de privação e de pobreza na idade adulta. Como vimos na relação simples (incondicional), a taxa de privação é superior em 13,7 pp no caso de uma situação financeira má aos 14 anos. Quando se comparam pessoas com caraterísticas semelhantes em termos de educação, condição face ao mercado de trabalho, tipo de família, sexo e idade, o aumento da taxa de privação associado à situação financeira má aos 14 anos reduz-se para 7,1 pp. Deste modo, a persistência intergeracional da privação não é totalmente mitigada pelas caraterísticas observáveis incluídas na regressão multivariada (a parte atribuída à situação financeira aos 14 anos, após controlar pelas outras variáveis, corresponde à barra a azul no gráfico). No caso do risco de pobreza, quando se comparam indivíduos com caraterísticas semelhantes, não persiste um papel para as dificuldades financeiras passadas. Como se verá em seguida, este resultado está muito associado ao contributo da educação, dada a sua importância na geração do rendimento monetário das famílias.

Para estabelecer a importância relativa das diferentes caraterísticas observadas dos indivíduos, recorreu-se à chamada decomposição de Gelbach (Gráfico 3).9 Em contraste com a equação estimada anteriormente, esta decomposição baseia-se numa estimação por mínimos quadrados, pelo que os resultados não coincidem exatamente com os apresentados no gráfico 2. A vantagem desta decomposição é que permite identificar de forma robusta o contributo de cada variável para a diminuição do coeficiente associado à situação financeira passada dos indivíduos.10 Os resultados mostram que a educação desempenha o papel mais importante na redução da transmissão das circunstâncias passadas ao risco de privação ou pobreza (entre 70 a 75% da diminuição), seguida da participação no mercado de trabalho (entre 35 a 40% da diminuição), sendo o contributo do tipo de família, da idade e do género negativo mas pouco relevante.

  1. Aumento da probabilidade de viver em privação ou em risco de pobreza para os indivíduos com uma má situação financeira aos 14 anos | Pontos percentuais

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O gráfico apresenta o aumento da probabilidade de ocorrência de privação/pobreza para os indivíduos (39–49 anos) com situação financeira má aos 14 anos comparativamente aos indivíduos com situação boa. Este efeito marginal é calculado através de uma relação simples (incondicional) e de uma regressão multivariada, estimadas com modelos Logit. Na regressão multivariada são consideradas como variáveis independentes a situação financeira aos 14 anos e as caraterísticas dos indivíduos: o seu nível de escolaridade completo, a sua condição perante o trabalho, o número de adultos no seu agregado familiar atual, bem como a sua idade e sexo. As linhas a vermelho correspondem aos intervalos de confiança a 95%.

  1. Contributos para a diminuição da probabilidade de viver em privação ou pobreza para os indivíduos com uma má situação financeira aos 14 anos, quando se controla pelas caraterísticas dos indivíduos | Pontos percentuais

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O gráfico apresenta a diferença entre os resultados da estimação por mínimos quadrados ordinários da regressão incluindo como variável independente apenas a situação financeira aos 14 anos e a regressão incluindo todas as variáveis. O contributo das caraterísticas dos indivíduos é estimado com base na decomposição de Gelbach. Dado o diferente modo de estimação, a diferença das barras do gráfico 2 não coincide com a diferença (total) apresentada neste gráfico.

O papel fundamental da educação na transmissão intergeracional da privação e da pobreza

O investimento em educação é uma das formas mais eficazes de melhorar as perspetivas económicas e sociais de uma criança. No entanto, as qualificações dos pais condicionam a obtenção de qualificações dos seus descendentes, sendo esta transmissão intergeracional da educação reforçada pela interação com a situação financeira das famílias. Esta transmissão da educação entre pais e filhos funciona como fator de reprodução de situações de vulnerabilidade, pobreza e exclusão.

A amostra de indivíduos analisada neste Tema em destaque corrobora estes resultados. Em primeiro lugar, a escolaridade dos pais está diretamente associada à situação financeira dos indivíduos quando tinham 14 anos. Quando a escolaridade máxima dos pais é o 9.º ano (68% da amostra), 34,5% dos indivíduos vivia aos 14 anos em famílias com uma situação financeira má. Quando a educação máxima dos pais é o ensino secundário (18,4% da amostra), a percentagem de indivíduos em agregados com dificuldades financeiras reduz-se para 14,8%. Por fim, no caso dos pais com ensino superior (13,5% da amostra), apenas 1,7% vivia numa má situação financeira.

Em segundo lugar, existe uma forte transmissão intergeracional da educação.11 Quando a escolaridade máxima dos pais é o 9.º ano, apenas 21,7% dos filhos completa o ensino superior. Essa percentagem ascende a 57,9% quando os pais têm o ensino secundário e 79,7% quando têm o ensino superior.

A transmissão intergeracional da educação é reforçada pelas dificuldades financeiras das famílias (Gráfico 4). Em particular, apenas 10,9% dos indivíduos cujos pais tinham no máximo o 9.º ano de escolaridade e que viviam com dificuldades financeiras concluiu o ensino superior. Essa percentagem sobe para 31,1% se os pais tinham uma boa situação financeira. A situação financeira não emerge como relevante quando os pais têm o ensino superior.

  1. Indivíduos com o ensino superior, em função da educação dos pais e da situação financeira do agregado familiar quando tinham 14 anos | Percentagem

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Nota: Indivíduos dos 39 aos 49 anos.

Finalmente, a evidência confirma a ideia de que a educação é um poderoso mecanismo para quebrar a persistência intergeracional da privação e da pobreza. O quadro 3 mostra a percentagem de indivíduos em privação material e social ou em risco de pobreza em relação às qualificações obtidas e à situação financeira aos 14 anos. A percentagem de indivíduos em pobreza ou privação reduz-se acentuadamente com o grau educativo atingido, apresentando valores particularmente baixos quando os indivíduos alcançam o ensino superior. Ainda assim, uma situação financeira má na adolescência contribui globalmente para aumentar a probabilidade de um indivíduo viver hoje em pobreza ou privação. Este lastro das dificuldades financeiras na adolescência — que se pode aferir na diferença entre as colunas referentes à situação financeira má e boa — é particularmente relevante nos casos em que o indivíduo atingiu apenas o 9.º ano, sendo quase nulo (e estatisticamente não significativo) nos indivíduos com o ensino superior.

Esta evidência sugere que uma educação superior é um forte mitigante da pobreza e da privação, mas que tal coexiste com um forte papel da educação na transmissão intergeracional da pobreza e privação em Portugal.

  1. Indivíduos em situação de pobreza ou privação material e social por grau educativo atingido e situação financeira do agregado familiar quando tinham 14 anos | Percentagem

 
 
 

Taxa de privação material e social

Taxa de risco de pobreza

 
 
 

Situação financeira do agregado familiar aos 14 anos

Situação financeira do agregado familiar aos 14 anos

 
 

Percentagem da amostra

Boa

Boa

Educação do indivíduo

Até ao 9.º ano

34,4

11,5

27,0

20,7

27,8

Secundário

29,4

6,7

12,2

14,4

6,5

Superior

36,2

1,4

2,4

5,6

7,8

 

Total

100

5,8

19,5

12,5

19,2

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Nota: Indivíduos dos 39 aos 49 anos.

Comparação com outros países da União Europeia

A utilização de dados do EU-SILC facilita a comparação da transmissão intergeracional da privação e pobreza em Portugal com a registada noutros países europeus. Existem diferenças na persistência intergeracional da privação entre países (Gráfico 5). Nos países nórdicos, mas também na Áustria, Chéquia e França, uma situação financeira má na adolescência aumenta de forma moderada a probabilidade de ocorrer uma situação de privação em adulto (o aumento é inferior a 7 pp; quando se controla pelas caraterísticas dos indivíduos é inferior a 5 pp, e em vários casos não é estatisticamente diferente de zero). No extremo oposto da persistência intergeracional da privação situam-se a Roménia e a Bulgária, onde a probabilidade de um indivíduo com dificuldades financeiras na adolescência viver em privação supera a dos restantes indivíduos em 39 e 49 pp, respetivamente (mais de 20 pp com ajustamento pelas caraterísticas dos indivíduos). Portugal ocupa uma situação intermédia entre os países considerados.

O gráfico 6 replica a evidência do gráfico anterior para a taxa de risco de pobreza. Os efeitos estimados são agora inferiores, sugerindo uma transmissão intergeracional da pobreza inferior à da privação.12 A ordenação dos países não sofre uma alteração substancial. O grupo de países com menor persistência intergeracional da privação é também o que apresenta a menor persistência da pobreza. Nestes países, a diferença na probabilidade de viver em pobreza monetária entre os indivíduos com situação financeira desfavorável e favorável na adolescência é inferior a 3 pp (não se diferenciando estatisticamente de zero). Neste grupo de países, bem como nos Países Baixos, Irlanda e Espanha, o impacto da situação financeira aos 14 anos não é estatisticamente diferente de zero quando se controla pelas caraterísticas dos indivíduos na idade adulta. A Roménia e a Bulgária voltam a destacar-se pela forte persistência intergeracional da pobreza (26 e 40 pp, respetivamente; 5,5 e 14,7 pp controlando pelas caraterísticas dos indivíduos).

  1. Aumento da probabilidade de viver em privação para os indivíduos com uma má situação financeira aos 14 anos — comparação internacional | Pontos percentuais

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O gráfico apresenta o aumento da probabilidade de ocorrência de privação para os indivíduos (39–49 anos) com situação financeira má aos 14 anos comparativamente aos indivíduos com situação boa. Este efeito marginal é calculado através de uma relação simples (incondicional) e de uma regressão multivariada, estimadas com modelos Logit. Na regressão multivariada são consideradas como variáveis independentes a situação financeira aos 14 anos e as caraterísticas dos indivíduos. Os países são apresentados por ordem crescente da persistência intergeracional da privação calculada na relação simples (incondicional). As barras de cor viva indicam uma significância a 5% dos efeitos estimados.

  1. Aumento da probabilidade de viver em risco de pobreza para os indivíduos com uma má situação financeira aos 14 anos — comparação internacional | Pontos percentuais

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O gráfico apresenta o aumento da probabilidade de ocorrência de pobreza para os indivíduos (39–49 anos) com situação financeira má aos 14 anos comparativamente aos indivíduos com situação boa. Este efeito marginal é calculado através de uma relação simples (incondicional) e de uma regressão multivariada, estimadas com modelos Logit. Na regressão multivariada são consideradas como variáveis independentes a situação financeira aos 14 ano e as caraterísticas dos indivíduos. Os países são apresentados por ordem crescente da persistência intergeracional da pobreza calculada na relação simples (incondicional). As barras de cor viva indicam uma significância a 5% dos efeitos estimados.

Robustez dos resultados às situações mais adversas de privação

Uma limitação da análise acima descrita é a utilização de uma medida imperfeita para avaliar a situação de pobreza ou de privação enquanto criança. Sendo uma avaliação subjetiva dos indivíduos já adultos, a perceção de dificuldade no passado depende das referências presentes do respondente. Este enviesamento pode condicionar a comparação entre países e também entre indivíduos do mesmo país. No sentido de avaliar a robustez das conclusões, considerou-se uma medida alternativa de dificuldades económicas na adolescência, também disponível no módulo ad hoc do EU-SILC 202313: não ter acesso a uma refeição diária de carne/peixe aos 14 anos por dificuldades financeiras (denominada “privação alimentar” no que se segue). Naturalmente, esta medida deverá captar as situações mais severas de pobreza e de privação em cada país.

Na amostra para Portugal, 4,1% dos indivíduos entre 39 e 49 anos vivia em privação alimentar aos 14 anos. Estes indivíduos reportaram quase na íntegra que tinham uma situação financeira má naquela idade. A privação alimentar é assim um subconjunto, mais severo, das situações de dificuldade financeira.

Os gráficos 7 e 8 apresentam a persistência intergeracional da privação e da pobreza para os vários países da UE acima analisados, usando como variável a privação alimentar dos indivíduos aos 14 anos. Esta persistência corresponde assim à probabilidade acrescida que um indivíduo em privação alimentar aos 14 anos tem de viver atualmente numa situação de privação ou de pobreza. O gráfico permite tirar três ilações principais. Em primeiro lugar, a persistência intergeracional estimada é maior quando se usa a medida de privação alimentar (comparar com os gráficos 5 e 6). Esta conclusão ilustra a ideia de que quanto mais severas as situações de fragilidade no início do ciclo de vida, maior a probabilidade de estas se refletirem na vida adulta. Em segundo lugar, a transmissão intergeracional continua a ser mais significativa no indicador de privação material e social, em comparação com o risco de pobreza. Aquele indicador parece assim refletir melhor a transmissão das fragilidades de pais para filhos. Esta ideia está em linha com a obtida anteriormente com o indicador de “situação financeira má”. Em terceiro lugar, a ordenação dos países não se altera significativamente quando se usa o indicador de privação alimentar. Em particular, Portugal continua a estar incluído no grupo de países com uma posição intermédia na persistência da pobreza e da privação.

  1. Aumento da probabilidade de viver em privação para os indivíduos que reportaram privação alimentar aos 14 anos — comparação internacional | Pontos percentuais

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: O gráfico apresenta o aumento da probabilidade de ocorrência de privação para os indivíduos (39–49 anos) que reportaram privação alimentar aos 14 anos comparativamente aos indivíduos que não reportaram. Este efeito marginal é calculado através de uma relação simples (incondicional) e de uma regressão multivariada, estimadas com modelos Logit. Na regressão multivariada são consideradas como variáveis independentes a privação alimentar aos 14 anos e as caraterísticas dos indivíduos. Os países são apresentados por ordem crescente da persistência intergeracional da privação calculada na relação simples (incondicional). As barras de cor viva indicam uma significância a 5% dos efeitos estimados.

  1. Aumento da probabilidade de viver em pobreza para os indivíduos que reportaram privação alimentar aos 14 anos — comparação internacional | Pontos percentuais

Fonte: EU-SILC 2023 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas:O gráfico apresenta o aumento da probabilidade de ocorrência de pobreza para os indivíduos (39–49 anos) que reportaram privação alimentar aos 14 anos comparativamente aos indivíduos que não reportaram. Este efeito marginal é calculado através de uma relação simples (incondicional) e de uma regressão multivariada, estimadas com modelos Logit. Na regressão multivariada são consideradas como variáveis independentes a privação alimentar aos 14 anos e as caraterísticas dos indivíduos. Os países são apresentados por ordem crescente da persistência intergeracional da pobreza calculada na relação simples (incondicional). As barras de cor viva indicam uma significância a 5% dos efeitos estimados.

Conclusões

A pobreza e a privação transmitem-se entre gerações. Em Portugal, os adolescentes que cresceram em famílias com dificuldades financeiras têm uma maior probabilidade de viverem em privação material e social ou em risco de pobreza na idade adulta (13,7 pp e 6,7 pp, respetivamente, face aos adolescentes sem essas dificuldades). Controlando para outros desenvolvimentos pessoais como a educação alcançada e o emprego, as dificuldades financeiras na adolescência continuam a condicionar a privação material e social na vida adulta, mas em menor magnitude (7,1 pp), e deixam de ter um contributo direto no caso do risco de pobreza. Portugal situa-se numa posição intermédia entre os países da União Europeia em termos da persistência intergeracional da pobreza e da privação.

Na generalidade dos países, esta persistência intergeracional é mais forte e significativa quando se avaliam as situações de maior fragilidade à partida. Em Portugal, os indivíduos com privações alimentares enquanto adolescentes têm uma probabilidade cerca de 33 pp superior de viverem em privação material e social na idade adulta (cerca de 20 pp no caso de risco de pobreza). A transmissão intergeracional surge de forma mais clara quando o foco da análise se centra em conceitos de pobreza multidimensional, como a privação material e social. Existe assim um gradiente de exclusão que se transmite de pais para filhos e que extravasa a geração de rendimento monetário.

A educação emerge como um pilar essencial para quebrar a persistência intergeracional da pobreza e da privação. Em Portugal, os indivíduos com maior escolaridade apresentam taxas residuais de privação e de pobreza, independentemente das circunstâncias familiares no início do ciclo de vida. No entanto, estas circunstâncias continuam a ser um forte determinante do percurso escolar dos jovens, em particular quando as famílias vivem à partida numa situação financeira frágil. Esta transmissão intergeracional da educação, catalisada pela situação financeira dos agregados familiares, contribui para preservar o ciclo de transmissão intergeracional da pobreza e da privação.

Mesmo controlando por um conjunto de caraterísticas observáveis das famílias e dos indivíduos, a persistência intergeracional das desvantagens permanece significativa. Este resultado não é surpreendente dado que o capital humano — as capacidades e competências que contribuem para uma plena participação na vida em sociedade — é sensível às circunstâncias familiares (incluindo os seus recursos económicos), ao enquadramento social (incluindo as redes sociais mais próximas) e às medidas de política adotadas em cada país.14 Todos estes fatores reforçam-se ao longo do tempo, sugerindo a importância de políticas multidimensionais que intervenham desde o início do ciclo de vida.

Referências

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Anexo

Quadro A1 • Efeitos marginais das variáveis incluídas nas regressões multivariadas (impacto de cada variável na probabilidade de um indivíduo viver em privação ou pobreza)
 

Taxa de privação material e social

Taxa de risco de pobreza

Situação financeira má aos 14 anos

0,0707

0,0034

 

(0,0153)

(0,0177)

Indivíduo com ensino secundário

-0,057

-0,0787

 

(0,0173)

(0,0218)

Indivíduo com ensino superior

-0,1279

-0,1472

 

(0,0142)

(0,0211)

Família com 1 adulto

0,0675

0,0944

 

(0,0143)

(0,0192)

Indivíduo empregado

-0,1049

-0,1613

 

(0,0131)

(0,0183)

Idade do indivíduo

-0,0036

-0,0017

 

(0,0019)

(0,0025)

Género feminino

0,0354

-0,0037

 

(0,0120)

(0,0161)

Fonte: Cálculos com base no EU-SILC (2023). | Notas: Regressões estimadas com modelo Logit e desvios-padrão entre parênteses calculados com o método Delta. Os efeitos marginais são calculadas nas médias das variáveis.

Políticas em análise

O IVA em Portugal e a sua incidência na distribuição de rendimento1

O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que é o principal imposto sobre o consumo na União Europeia, representa a maior fonte de receita fiscal em Portugal. Trata-se de um imposto aplicado ao consumo da generalidade dos bens e serviços, incidindo sobre o valor acrescentado em cada etapa do processo produtivo, podendo os produtores recuperar o valor do imposto pago na aquisição de bens intermédios. O seu regime legal contempla a aplicação de diferentes taxas com propósitos tão distintos quanto a proteção de determinados setores económicos, a prossecução de políticas ambientais e a promoção da acessibilidade a bens essenciais.

A diferenciação das taxas permite também mitigar os efeitos regressivos associados a este tipo de imposto. Embora o IVA não integre os instrumentos de política redistributiva, tem implicações na justiça social. A discussão em torno das alterações a este imposto, implementadas nos países da área do euro como resposta à crise inflacionista — por exemplo, o IVA zero no caso português — ilustra bem essa ligação.

Este Políticas em análise carateriza os efeitos do IVA ao longo da distribuição de rendimento, e apresenta uma comparação com a média da área do euro. Para tal, é utilizado o modelo EUROMOD2 e uma base de dados que combina informação dos inquéritos EU-SILC (European Union Statistics on Income and Living Conditions), de 2022, e dos HBS (Household Budget Surveys), de 20153. Este modelo calcula, para cada agregado na amostra, o rendimento disponível e a despesa com os impostos sobre o consumo considerando os sistemas fiscais e os benefícios em vigor em cada um dos países da área do euro.

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Portugal está entre os cinco países da área do euro onde a receita do IVA tem mais peso na economia.

Entre 2000 e 2023, a receita do IVA em Portugal, em rácio do PIB, aumentou 1,4 pp, situando-se em 9% em 2023 (Gráfico 1). Este aumento foi particularmente marcado durante a crise da dívida soberana. Durante todo o período considerado, Portugal manteve-se quase sempre acima da média da área do euro, posicionando-se na última década no quartil superior de países com um rácio 1 pp acima da média.

  1. Peso da receita de IVA no PIB em Portugal e na área do euro

  1. Taxa média do IVA e peso do consumo (privado e público) no PIB em 2023

Fonte: Eurostat. | Notas: Os valores para a área do euro correspondem a uma média simples dos países.

Fonte: Eurostat. | Notas: As retas representam uma média simples da área do euro. A taxa média é calculada como o rácio da receita de IVA sobre o consumo antes de IVA, utilizando dados de contas nacionais.

Esta posição relativa reflete a maior importância do consumo4 na estrutura da economia portuguesa (79% em Portugal que compara com 73% na área do euro em 2023) e o facto de a taxa média de IVA em Portugal ser superior à média da área do euro (13% em Portugal que compara com 12% na área do euro) (Gráfico 2). O IVA representava em 2023 mais de um quinto da receita fiscal em todos os países da área do euro e 36% em Portugal, mais 3,7 pp do que a média da área do euro.

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A taxa média do IVA em Portugal é semelhante à da área do euro, embora com diferenças por tipo de bens e serviços.

O gráfico 3 apresenta as taxas estatutárias do IVA em vigor em 2024 nos países da área do euro, incluindo a taxa normal, a taxa reduzida, a taxa intermédia e a super-reduzida. Apesar de o IVA ser um imposto de aplicação homogénea na área do euro e ter de cumprir regras comuns estabelecidas na legislação comunitária, verifica-se alguma variabilidade entre países, tanto na taxa normal (que varia entre 17% e 25%), como no número e no tipo de taxas reduzidas aplicadas. Atualmente, nenhum país na área do euro aplica a taxa normal mínima de 15% estabelecida na legislação europeia. Em todos os países existem bens e serviços isentos de IVA. A legislação comunitária define quais os bens e serviços que podem ser isentos, tendo esta lista sido alargada com a reforma de 2022.

A taxa média do IVA — calculada como o rácio entre a receita de IVA e o consumo antes de IVA — apresenta uma tendência de ligeiro aumento na área do euro, com um acréscimo de 2 pp entre 2000 e 2023 (Gráfico 4). Portugal seguiu esta tendência, observando-se um aumento da taxa média de 10% para 13%, passando de uma posição abaixo da média da área do euro nos anos 2000, para uma posição entre a média (12%) e o percentil 75 (14%) nos anos mais recentes. No contexto da crise da dívida soberana foram introduzidas várias alterações no regime do IVA. Destacam-se o aumento de 3 pp na taxa normal em apenas dois anos, o acréscimo de 1 pp nas taxas reduzida e intermédia, bem como a redução do número de bens abrangidos pela taxa reduzida (Gráfico 5). A maioria destas alterações permanece ainda hoje em vigor. A taxa média é também afetada pelo perfil do consumo, em particular pelo peso dos bens alimentares (tipicamente sujeitos a taxas reduzidas) no consumo total, que tende a ser menor em países de rendimento mais elevado.

  1. Taxas estatutárias de IVA na área do euro em 2024

  1. Taxa média de IVA na área do euro 2000–2023

Fontes: EUROMOD. | Notas: Taxas em vigor no final de junho de 2024. Para Portugal, consideram-se as taxas aplicadas no continente. As simulações realizadas neste Políticas em análise assumem a aplicação das taxas do continente a todas as famílias portuguesas e a aplicação das taxas em vigor no final de junho a todo o ano de 2024. A perda de receita associada às taxas preferenciais praticadas nas regiões autónomas representava 3% da receita de IVA em 2022.

Fonte: Eurostat. | Notas: A taxa média é calculada como o rácio da receita de IVA sobre o consumo antes de IVA, utilizando dados de contas nacionais. Os valores para a área do euro correspondem a uma média simples dos países.

  1. Evolução das taxas estatutárias de IVA em Portugal continental | Em percentagem

Fonte: Legislação do IVA. | Notas: A alteração da taxa normal em 2002 entrou em vigor em junho desse ano. As alterações de 2005, 2008 e 2010 ocorreram em julho dos respetivos anos.

Apesar da proximidade entre a taxa média do IVA em Portugal e a verificada na área do euro, o gráfico 6 revela algumas diferenças relevantes por categoria de bens e serviços. De forma geral, Portugal aplica taxas de IVA inferiores à média da área do euro nas categorias sujeitas a taxas reduzidas. As diferenças mais significativas observam-se nas categorias de habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis (-2,2 pp), bem como nos restaurantes e hotéis (-1,3 pp). Nos bens como os combustíveis, as bebidas alcoólicas e o tabaco, importa notar que o IVA constitui apenas uma fração da tributação total, sendo aplicado sobre o valor da despesa incluindo impostos específicos sobre o consumo.

Por outro lado, em categorias onde se aplica predominantemente a taxa normal do IVA, Portugal apresenta valores superiores à média da área do euro, destacando-se as categorias de comunicações e de vestuário e calçado, onde a diferença é superior a 2 pp.

  1. Taxa média de IVA por categoria de bens e serviços em Portugal e na área do euro em 2024

Fontes: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A taxa média é calculada como o rácio do IVA sobre a despesa antes de IVA. A média da área do euro é uma média simples dos países. A despesa considera apenas o consumo monetário e a análise centra-se na receita de IVA proveniente do consumo privado.

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As taxas reduzidas e isenções têm um impacto maior nos mais pobres, mas mais de um quarto desta despesa fiscal concentra-se nos 20% dos agregados com maior rendimento.

Cerca de 43% da despesa de consumo das famílias está sujeita à taxa normal, um terço à taxa reduzida, 15% está isenta de imposto e apenas um décimo está sujeita à taxa intermédia (Gráfico 7). Dado o diferencial entre as taxas, 75% da receita de IVA advém da aplicação da taxa normal e apenas 14% da taxa reduzida (Gráfico 8).

A importância dos bens sujeitos a cada taxa de IVA é variável entre famílias com diferentes níveis de rendimento5. Por ser aplicada a um conjunto de bens essenciais, a taxa reduzida tem um peso maior nas famílias com menores rendimentos (1.º quintil), sendo aplicada a 37% do seu cabaz de consumo e representando 18% do IVA pago por essas famílias. Contudo, mesmo nas famílias com maiores rendimentos (último quintil) esta taxa aplica-se a mais de um quarto da despesa. Os bens e serviços isentos de IVA — incluindo a educação, saúde, rendas e serviços financeiros e de seguros — têm um peso relativamente constante ao longo da distribuição do rendimento. O mesmo se verifica para a taxa intermédia, aplicada essencialmente à restauração que representa 78% do consumo abrangido por esta taxa.

  1. Peso do consumo por taxa em cada quintil de rendimento em 2024

  1. Peso da receita de IVA por taxa em cada quintil de rendimento em 2024

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A despesa considera apenas o consumo monetário e a análise centra-se na receita de IVA proveniente do consumo privado.

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A despesa considera apenas o consumo monetário e a análise centra-se na receita de IVA proveniente do consumo privado.

A aplicação de taxas de IVA inferiores à taxa normal de 23% traduz-se num benefício fiscal para os consumidores. Este benefício pode ser calculado como a diferença entre o IVA pago atualmente e aquele que as famílias teriam de pagar sem a existência de isenções e taxas reduzidas, mantendo constantes os preços e as quantidades consumidas. Esta diferença corresponde a 15% do rendimento disponível dos agregados pertencentes ao primeiro quintil da distribuição de rendimento, valor que desce para 6% no caso do último quintil (Gráfico 9). O principal contributo para este benefício provém da taxa reduzida de 6%, cuja vantagem é progressivamente menor à medida que o rendimento aumenta. Na perspetiva do impacto orçamental, 29% do benefício associado às isenções e taxas reduzidas dirige-se aos 20% da população com rendimentos mais elevados (Gráfico 10).

  1. Benefício fiscal das isenções e taxas reduzidas em % do rendimento disponível por quintil de rendimento em 2024

  1. Distribuição do impacto orçamental das isenções e taxas reduzidas por quintil de rendimento em 2024

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A despesa considera apenas o consumo monetário e a análise centra-se na receita de IVA proveniente do consumo privado.

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A despesa considera apenas o consumo monetário e a análise centra-se na receita de IVA proveniente do consumo privado.

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Apesar de a taxa média de IVA ser crescente com o rendimento, a carga fiscal deste imposto é decrescente porque a propensão a consumir é menor nos quintis mais elevados.

A taxa média de IVA é crescente com o rendimento e a despesa (Gráfico 11). Os 20% de agregados com menores recursos (primeiro quintil) pagam uma taxa média de 12,2% e esta aumenta para 13,7% nos 20% com maior rendimento (último quintil). De modo semelhante, as famílias com despesa abaixo da mediana pagam uma taxa média inferior (12,3% versus 13,4% para as restantes).

A carga fiscal do IVA mede a proporção do rendimento disponível destinada ao pagamento do imposto, situando-se em 10,4% em 2024. Este indicador tem um perfil descendente com o rendimento, o que justifica a classificação deste imposto como regressivo. As famílias com menores rendimentos, apesar de estarem sujeitas a uma taxa média de IVA inferior, têm uma maior carga fiscal associada a este imposto. Isto sucede porque, para estas famílias, o consumo representa uma proporção maior do seu rendimento. Nas famílias em risco de pobreza, o IVA absorve quase um quinto do rendimento disponível. Por seu turno, as famílias com mais despesa dedicam uma parte mais substancial do seu rendimento ao pagamento do IVA. A carga fiscal é de 7,4% nas famílias com um nível de despesa abaixo da mediana e de 12,2% nas que situam acima deste referencial. Importa sublinhar que as famílias com um nível de despesa baixo não são necessariamente famílias com um rendimento baixo.

  1. Taxa média e carga fiscal do IVA de 2024 por nível de rendimento disponível e de despesa

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Nota: A taxa média é calculada como o rácio do IVA pago sobre a despesa antes de IVA. A carga fiscal é o rácio do IVA pago sobre o rendimento disponível. Os agregados familiares em risco de pobreza são aqueles em que o rendimento disponível por adulto equivalente é inferior a 60% da mediana. Os agregados de despesa baixa (elevada) estão abaixo (acima) da mediana da despesa por adulto equivalente.

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O IVA é mais regressivo em Portugal do que na área do euro.

A distribuição do rendimento torna-se mais desigual quando o IVA é deduzido ao rendimento disponível (Gráfico 12). O índice de Gini calculado após o pagamento do IVA é superior em 1,6 pontos, aumentando de 30,3 para 31,96. Esta caraterística é comum a todos os países da área do euro, mas o IVA em Portugal distingue-se por contribuir para um aumento da desigualdade pós-imposto acima da média da área do euro, revertendo cerca de um terço do efeito redistributivo gerado pela aplicação do IRS.

Dado que a carga fiscal do IVA é semelhante entre Portugal e a área do euro, o efeito mais acentuado na desigualdade está associado à maior regressividade do imposto em Portugal, que resulta da maior carga fiscal do IVA sobre as famílias do primeiro quintil (Gráfico 13). Assumindo a manutenção das quantidades consumidas e dos preços praticados, as taxas reduzidas contribuem para uma menor desigualdade, diminuindo o índice de Gini em 1,3 pontos em Portugal e em 0,5 na área do euro. A maior regressividade do IVA não decorre, por isso, de uma menor eficácia das taxas reduzidas na mitigação do efeito regressivo do imposto, mas de uma maior desigualdade na propensão a consumir em Portugal.

  1. Impacto do IVA na desigualdade (índice de Gini da distribuição do rendimento) em Portugal e na área do euro em 2024

  1. Carga fiscal do IVA por quintil de rendimento em Portugal e na área do euro em 2024

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A média da área do euro é uma média simples dos países. O impacto na desigualdade é a diferença entre o Gini depois e antes de IVA. O índice de Gini mede o desvio entre a distribuição de rendimento de uma população face a uma distribuição perfeitamente igualitária, variando entre 0 (situação em que todos possuem o mesmo rendimento) e 100 (situação em que um indivíduo acumula todo rendimento da população). O cenário sem taxas reduzidas assume que as taxas super-reduzida, reduzida e intermédia são iguais à taxa normal e que o consumo (quantidade e preço antes de IVA) é constante.

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal com base nas simulações do EUROMOD utilizando dados do EU-SILC e dos HBS. | Notas: A carga fiscal é o rácio do IVA pago sobre o rendimento disponível. A média da área do euro é uma média simples dos países. A análise centra-se na receita de IVA proveniente do consumo privado.

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A definição das taxas do IVA deve ponderar os objetivos de sustentabilidade orçamental e de justiça social, enquadrando-se nos efeitos redistributivos globais das políticas públicas.

O IVA é o principal imposto em Portugal, representando mais de um terço da receita fiscal, e tem um peso na economia maior do que em média na área do euro. A taxa média do IVA em Portugal situa-se próxima da média observada na área do euro, mas a sua regressividade é mais acentuada em Portugal. Isto decorre da elevada propensão a consumir das famílias com rendimentos mais baixos, embora o regime de taxas diferenciadas, principalmente a taxa reduzida, contenha este efeito.

O IVA é um imposto eficiente que permite uma elevada arrecadação fiscal e que, quando comparado com instrumentos que tributam o rendimento, tem menores efeitos distorcivos na afetação dos recursos produtivos. No entanto, por ser aplicado independentemente da situação particular de cada consumidor, não é o instrumento mais adequado para promover a redistribuição. As políticas redistributivas devem, preferencialmente, assentar no desenho progressivo da tributação sobre o rendimento e nos benefícios sociais. Assim, eventuais alterações ao IVA devem ser ponderadas em articulação com os outros instrumentos fiscais disponíveis, tendo em consideração questões de equidade e de eficiência, sem comprometer a sustentabilidade das finanças públicas. Adicionalmente, os seus impactos devem ser quantificados à luz de um modelo de equilíbrio geral que considera as reações dos consumidores e dos produtores às alterações no imposto.

Séries

Séries trimestrais para a economia portuguesa: 1977–2024

O Banco de Portugal divulga anualmente a atualização das séries longas trimestrais para a economia portuguesa. Estas encontram-se distribuídas por três blocos: despesa, rendimento disponível dos particulares e mercado de trabalho.

A atualização divulgada neste Boletim mantém o detalhe das séries anteriormente publicado e inclui pela primeira vez os valores trimestrais para o ano de 2024. Esta informação incorpora as séries de Contas Nacionais Trimestrais divulgadas pelo INE a 30 de maio de 2025 e segue, em larga medida, os procedimentos metodológicos descritos detalhadamente em Cardoso e Sequeira (2015).1

Em termos trimestrais, as séries publicadas para o PIB e principais componentes da despesa coincidem com os dados divulgados pelo INE para o período posterior a 1995. As séries do rendimento disponível dos particulares para o período a partir do primeiro trimestre de 1999 também coincidem com as publicadas pelo INE (Contas Trimestrais por Setor Institucional) corrigidas de sazonalidade e efeitos de calendário.

No bloco do mercado de trabalho, as séries encontram-se agrupadas segundo duas medidas: equivalentes a tempo completo (ETC, conceito Contas Nacionais) e milhares de indivíduos (conceito Inquérito ao Emprego). As séries do emprego em ETC correspondem, em termos anuais, às divulgadas pelo INE desde 1995. As séries em milhares de indivíduos e a série da taxa de desemprego apenas diferem das atualmente publicadas pelo INE devido à correção de sazonalidade.

Em termos anuais, e para o período anterior a 1995, as séries respeitam a evolução das Séries Longas para a Economia Portuguesa, cujos dados mais recentes correspondem à versão de dezembro de 2024, disponível no portal do INE.

Para a correção de sazonalidade recorreu-se, regra geral, ao procedimento X13-ARIMA (através do software JDemetra+).

Estas séries trimestrais para o período de 1977-2024 são apresentadas em formato eletrónico no sítio do Banco de Portugal relativo a este Boletim Económico e no BPstat | Portal das Estatísticas nos domínios Contas nacionais e População e mercado de trabalho.

Séries anuais do património dos particulares: 1980–2024

As séries anuais do património dos particulares, para o período 1980-2024, correspondem à atualização das estimativas publicadas no Boletim Económico de junho do ano passado. Estas estimativas de património, com divulgação anual1, incluem a componente financeira (ativos e passivos) e a habitação (principal componente do património não financeiro). Os conceitos e metodologia são idênticos aos descritos em Cardoso, Farinha e Lameira (2008).2

As séries financeiras (ativos e passivos) aqui apresentadas são consistentes com a versão mais recente das contas nacionais financeiras publicadas pelo Banco de Portugal, que estão disponíveis para o período 1994-2024. As séries financeiras para o período anterior a 1994 foram retropoladas utilizando as taxas de variação implícitas nas séries de património anteriores e obtidas de acordo com a metodologia descrita detalhadamente em Cardoso, F. e Cunha, V. (2005).

A série do património em habitação está ancorada, para o período de 2000 a 2022, nas estimativas de stock de capital em habitação das famílias a preços correntes disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).3 Esta série foi prolongada para os períodos 1980–1999 e 2023–2024. Para o período anterior a 2000 e para o ano de 2023, a série foi prolongada respeitando as taxas de variação nominais do stock de capital em habitação total que integra as Séries Longas para a Economia Portuguesa, cujos dados mais recentes correspondem à versão de dezembro de 2024 disponível no portal do INE, assumindo-se que a taxa de variação do stock de habitação das famílias é idêntica à do stock de habitação total.4 Para 2024, recorreu-se a um indicador em volume assente numa metodologia semelhante à utilizada pelo INE no cálculo do stock de capital, baseada no método de inventário permanente, que consiste em acumular sucessivamente a FBCF habitação, assumindo hipóteses para os períodos de vida útil e de depreciação.5 Os dados a preços correntes para 2024 foram obtidos tomando como deflator do stock o deflator da FBCF em habitação do INE para esse ano.

As estatísticas de stock de capital em habitação do INE não incluem o valor dos terrenos subjacentes aos alojamentos (que estão incluídos nas séries de património aqui publicadas). O valor desses terrenos foi estimado com base no rácio definido para efeitos fiscais (nomeadamente, na avaliação de imóveis em sede de IMI), que corresponde a 25% do valor global dos alojamentos.


A economia portuguesa: 2025–27

A transmissão intergeracional da pobreza e da privação materiale social em Portugal

O IVA em Portugal e a sua incidência na distribuição de rendimento

Séries trimestrais para a economia portuguesa: 1977–2024

Séries anuais do património