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Boletim Económico — Dezembro 2024

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Clique na infografia e consulte o sumário acessível. Fique a conhecer as projeções económicas em dois minutos.

Sumário acessível_BE dez24

A economia portuguesa em 2024–27

Projeções para a economia portuguesa: 2024–27

O crescimento da economia portuguesa deverá situar-se em 1,7% em 2024, aumentar para 2,2% em 2025 e 2026, e reduzir-se para 1,7% em 2027 (Quadro I.1.1). O maior dinamismo da atividade nos próximos dois anos reflete um enquadramento mais favorável, com a melhoria das condições financeiras, a aceleração esperada da procura externa e a maior entrada de fundos da União Europeia (Caixa 1 — Enquadramento e políticas). No entanto, o enquadramento externo está sujeito a riscos significativos em baixa de natureza económica e geopolítica. O mercado de trabalho mantém-se robusto, com aumentos de emprego e de salários reais, a par de um desemprego baixo. A orientação expansionista e pró-cíclica da política orçamental contribui igualmente para o maior dinamismo da atividade. Em 2027, a desaceleração do PIB decorre, em larga medida, do impacto do fim da execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). No período 2024–27, o diferencial de crescimento face à área do euro situa-se, em média, em 0,8 pp. Face ao Boletim Económico de outubro, o crescimento em 2024–25 foi revisto em alta 0,1 pp, refletindo sobretudo a maior expansão orçamental, associada à inclusão de novas medidas fiscais e de aumento da despesa pública, assim como à recalendarização das despesas no âmbito do PRR.

  1. Projeções do Banco de Portugal: 2024–27 | Taxa de variação anual em percentagem (exceto onde indicado)

 

Pesos 2023

BE dezembro 2024

BE outubro 2024

2023

2024 (p)

2025 (p)

2026 (p)

2027 (p)

2023

2024 (p)

2025 (p)

2026 (p)

Produto interno bruto (PIB)

100,0

2,5

1,7

2,2

2,2

1,7

2,5

1,6

2,1

2,2

Consumo privado

61,8

2,0

3,0

2,7

1,9

1,8

2,0

2,5

2,3

1,9

Consumo público

16,8

0,6

1,1

1,1

0,8

0,3

0,6

1,0

0,9

0,8

Formação bruta de capital fixo

20,1

3,6

0,5

5,4

4,6

0,1

3,6

0,8

5,4

5,1

Procura interna

99,1

1,7

2,2

2,9

2,3

1,2

1,7

1,9

2,6

2,3

Exportações

47,3

3,5

3,9

3,2

3,3

3,2

3,5

3,8

3,3

3,4

Importações

46,4

1,7

5,2

4,7

3,4

2,1

1,7

4,5

4,4

3,7

Emprego (a)

 

1,0

1,3

0,8

0,7

0,4

1,0

1,1

0,6

0,9

Taxa de desemprego (b)

 

6,5

6,4

6,4

6,4

6,4

6,5

6,4

6,4

6,4

Balança corrente e de capital (% PIB)

 

1,9

3,6

4,0

3,9

3,3

1,9

4,2

4,1

4,0

Balança de bens e serviços (% PIB)

 

1,2

2,4

2,0

2,0

2,6

1,2

2,5

2,1

2,1

Índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC)

 

5,3

2,6

2,1

2,0

2,0

5,3

2,6

2,0

2,0

Excluindo bens energéticos e alimentares

 

5,4

2,7

2,4

2,2

2,1

5,4

2,6

2,3

2,3

Deflator do PIB

 

6,9

4,9

3,3

2,5

2,2

6,9

4,5

2,9

2,7

Saldo orçamental (% PIB)

 

1,2

0,6

-0,1

-1,0

-0,9

Dívida pública (% PIB)

 

97,9

91,2

86,5

83,5

81,3

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado, % — percentagem. O fecho de dados do exercício de projeção ocorreu a 25 de novembro. A projeção corresponde ao valor mais provável condicional ao conjunto de hipóteses consideradas. Pesos a preços correntes. (a) De acordo com o conceito de Contas Nacionais. (b) Em percentagem da população ativa.

A inflação deverá reduzir-se de 5,3% em 2023 para 2,6% em 2024 e 2,1% em 2025, estabilizando em 2% em 2026–27. Esta evolução reflete a moderação gradual dos custos salariais e a manutenção de pressões inflacionistas externas contidas. O diferencial de inflação face à área do euro é aproximadamente nulo no horizonte de projeção.

As projeções orçamentais apontam para o retorno a uma situação deficitária, embora o rácio da dívida pública mantenha uma trajetória descendente. Estima-se que o excedente este ano possa atingir 0,6% do PIB, acima dos 0,4% previstos no Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) (Quadro I.1.1). A atual projeção aponta para um saldo de -0,1% do PIB em 2025, inferior aos 0,3% estimados no OE2025. Nos anos seguintes, a manutenção da situação orçamental deficitária é explicada pelos efeitos das medidas permanentes já adotadas, que impactam tanto a despesa pública como a receita fiscal, pelos empréstimos do PRR previstos para 2026 e, a partir de 2027, pelo aumento de despesa nacional necessária para assegurar a continuidade dos projetos financiados pelo PRR. Ao longo do horizonte, a orientação da política orçamental é expansionista e pró-cíclica, refletindo-se numa deterioração acumulada do saldo primário estrutural superior a 2 pp do PIB nos anos de 2024 a 2027, num contexto em que o PIB permanece acima do seu potencial. Na ausência de novas medidas de contenção da despesa ou de aumento da receita, o cumprimento das novas regras orçamentais europeias poderá estar comprometido (Caixa 2 — A trajetória de referência nas novas regras orçamentais europeias e Caixa 3 — Projeções para a despesa pública líquida em Portugal). A dívida pública em percentagem do PIB continua a diminuir, passando de 97,9% em 2023 para 81,3% em 2027. Contudo, esta diminuição abranda ao longo do período projetado, refletindo a deterioração das condições orçamentais e o menor contributo do crescimento económico nominal. Face às estimativas incluídas no OE2025 e no plano orçamental de médio prazo, projeta-se uma redução mais acentuada do rácio da dívida, essencialmente devido à hipótese de ajustamentos défice-dívida nulos.

As projeções trimestrais apontam para uma aceleração da atividade no final de 2024 e para um aumento temporário da inflação no quarto trimestre (Gráfico I.1.1). O PIB deverá acelerar para um crescimento em cadeia de 0,7% no final do ano, após um crescimento de 0,2% no segundo e terceiro trimestres de 2024 (Gráfico I.1.1 — Painel A). No terceiro trimestre, a procura interna acelerou, enquanto as exportações se reduziram, refletindo um abrandamento dos bens e uma redução do turismo no verão. A aceleração projetada para o quarto trimestre deve-se ao maior dinamismo do consumo privado e à recuperação esperada das exportações, refletindo o aumento do rendimento disponível e o comportamento da procura externa. A inflação reduziu-se para 2,3% no terceiro trimestre, após um incremento no segundo trimestre, e situou-se em 2,7% em novembro. A recente volatilidade da inflação resultou principalmente de efeitos pontuais sobre os preços dos serviços de alojamento. No quarto trimestre, a inflação deverá situar-se em 2,7%, em parte refletindo efeitos de base nos preços dos bens energéticos, e manter-se em valores em torno de 2% ao longo de 2025 (Gráfico I.1.1 — Painel B).

  1. Projeções trimestrais para o PIB e para a inflação

Painel A — PIB — Taxa de variação em cadeia | Percentagem

Painel B — IHPC — Taxa de variação homóloga | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: As linhas a tracejado correspondem aos valores projetados nos BE de outubro e dezembro de 2024.

O rendimento per capita cresce a um ritmo mais moderado do que o do PIB, refletindo o aumento da população (Gráfico I.1.2). Este aumento da população resulta de saldos migratórios positivos e significativos que mais que compensam o saldo natural negativo. Os imigrantes têm tido um efeito positivo sobre a economia, em particular mitigando a escassez de mão-de-obra nalguns sectores. Entre 2019 e 2023, enquanto o PIB aumentou 6,3%, o PIB per capita cresceu 3,7%, tendência que se mantém no horizonte de projeção. Em 2027, o PIB deverá situar-se 15% acima do valor de 2019 e o PIB per capita 9%.

  1. PIB e PIB per capita | Taxa de variação anual em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

A composição do crescimento económico altera-se no horizonte de projeção, refletindo uma elevada volatilidade do investimento (Gráfico I.1.3). Em 2024, o crescimento económico sustentou-se sobretudo no consumo, com um contributo (líquido de conteúdo importado) de 1 pp em 1,7%. O contributo do investimento deverá ser nulo em 2024, torna-se positivo em 2025–26 e volta a ser nulo em 2027, refletindo neste ano a queda da componente pública. O contributo das exportações de bens e serviços diminui em 2024 — após os valores elevados de 2023, ainda influenciados pela retoma pós-pandemia dos serviços — mas recupera gradualmente no horizonte, em linha com o comportamento esperado da procura externa.

Em 2024, o rendimento disponível real regista um aumento historicamente elevado, que se traduz numa aceleração do consumo privado e numa subida marcada da poupança (Gráfico I.1.4). O rendimento disponível real aumenta 7,1% (2,7% em 2023) o que compara com um crescimento de 3% do consumo privado (2% em 2023). A aceleração do rendimento disponível é explicada pelo maior contributo das transferências recebidas pelas famílias (nomeadamente pensões) e dos rendimentos de empresas e propriedade (englobando a remuneração do trabalho independente, receitas líquidas de juros, dividendos, rendas, entre outros), bem como pelo contributo da redução dos impostos (Gráfico I.1.5). As medidas sobre o IRS beneficiam proporcionalmente mais as famílias de maior rendimento (Caixa 4 — Efeito das alterações ao IRS e às prestações sociais na distribuição do rendimento de 2024 e 2025). A evidência sugere que as famílias de maior rendimento e nos escalões etários mais elevados apresentam maiores taxas de poupança (Caixa 5 — A distribuição da poupança das famílias em Portugal). Para 2025–27 projeta-se um crescimento do consumo privado mais em linha com o do rendimento disponível real, que desacelera refletindo um menor crescimento dos salários e do emprego e a dissipação dos efeitos das medidas orçamentais (Gráficos I.1.4 e I.1.5). A taxa de poupança estabiliza em valores ligeiramente acima de 11%.

  1. Taxa de variação do PIB e contributos das componentes da despesa (líquidos de conteúdo importado) | Em percentagem e pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. Para informações sobre a metodologia de cálculo dos contributos líquidos de conteúdo importado, ver Cardoso e Rua (2021), “O real contributo da procura final para o crescimento do PIB”, Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal, Volume VII, n.º 3.

  1. Rendimento disponível real, consumo e poupança

Painel A — Utilização do rendimento disponível real | Taxa de variação anual em percentagem e contributos em pp

Painel B — Taxa de poupança | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | | Nota: (p) — projetado.

A subida da poupança em 2024 refletirá o impacto das taxas de juro elevadas, motivos de precaução e a reposição do valor real do património financeiro, para além do efeito da composição do aumento do rendimento favorável à poupança. As taxas de juro mais elevadas (face às observadas na década anterior ao surto inflacionista) estarão a induzir as famílias a adiar o consumo, a reduzir empréstimos e a poupar mais. As famílias poderão também estar a constituir poupança para fazer face a futuros choques sobre o rendimento real. A maior precaução dos consumidores é sugerida pela evolução da confiança que, apesar de ter melhorado, permanece em valores baixos face ao dinamismo do rendimento disponível real (Gráfico I.1.6). Finalmente, o surto inflacionista implicou uma redução do poder de compra dos ativos financeiros líquidos detidos pelas famílias, em particular das mais ricas, o que poderá ter também estimulado a poupança no período recente para aumentar o valor real desse património (Caixa 6 — Riqueza das famílias: evolução recente para diferentes grupos). A importância relativa destes fatores é difícil de aferir e o seu impacto poderá atenuar-se no restante horizonte de projeção, implicando riscos ascendentes para a projeção do consumo privado nesses anos.

  1. Taxa de variação do rendimento disponível nominal e contributo das componentes | Em percentagem e pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

  1. Rendimento disponível real e confiança dos consumidores | Taxa de variação homóloga em percentagem e saldo de respostas extremas

Fontes: INE e Comissão Europeia (Inquérito de conjuntura aos consumidores).

O investimento deverá recuperar dinamismo em 2025–26 com a melhoria das condições financeiras e das perspetivas globais e o estímulo dos fundos europeus (Gráfico I.1.7). Em 2024, o crescimento de 0,5% da FBCF decorre sobretudo da componente pública, com o investimento empresarial e das famílias em habitação a continuarem a ser penalizados pela restritividade das condições financeiras e pela baixa confiança. A situação melhora em 2025–27 refletindo a redução adicional das taxas de juro. O investimento público acelera em 2025–26 com a maior execução esperada dos fundos europeus e reduz-se em 2027 com o fim do PRR.

  1. Formação Bruta de Capital Fixo e componentes | Taxa de variação anual em percentagem e contributos em pp

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

As exportações deverão crescer 3,9% em 2024 e 3,2%, em média, em 2025–27, num contexto de aceleração da procura externa, menor dinamismo do turismo e ganhos de quota progressivamente menores (Gráfico I.1.8). As exportações de bens recuperaram em 2024, de forma mais marcada do que noutros países da área do euro, onde o setor exportador tem sido afetado por problemas de competitividade. No primeiro semestre de 2024, os exportadores portugueses de bens continuaram a ganhar quota em termos nominais nos mercados da UE, com contributos positivos da maioria dos grupos de produtos. As exportações de bens deverão crescer 3,8% em 2024 (após uma contração de 1,5% em 2023) e 3,3%, em média, em 2025–27. A desaceleração das exportações de turismo reflete a normalização dos padrões de consumo global após a forte recuperação pós-pandemia da procura destes serviços. Esta componente deverá crescer ainda a um ritmo superior ao total das exportações em 2024 (5,5%) e relativamente próximo nos anos seguintes (3,4%, em média). As restantes exportações de serviços deverão crescer, em média, 3% em 2024–27, o que representa uma desaceleração face aos crescimentos elevados registados no período pós-pandemia. O aumento da fragmentação da economia mundial comporta riscos descendentes para a projeção das exportações (TED — O comércio internacional português e a fragmentação da economia mundial).

As importações crescem no horizonte de projeção a um ritmo superior ao de 2023, em resultado do aumento do conteúdo importado da procura global, associado ao maior dinamismo das exportações de bens e da FBCF (Quadro I.1.1).

O excedente externo aumenta de 1,9% do PIB em 2023 para 3,8% em média em 2024–26 e reduz-se para 3,3% em 2027, condicionado pelo perfil das transferências com a UE (Gráfico I.1.9). As transferências líquidas da UE aumentam para 1,7% do PIB em 2024 e 2,7% em 2025 e 2026, diminuindo para 1,4% do PIB em 2027 com o fim do PRR. O saldo da balança de bens e serviços deverá situar-se em 2,2% do PIB em média no horizonte de projeção, refletindo um défice de 9% do PIB nos bens e um excedente de 11,2% nos serviços. A elevada capacidade de financiamento da economia face ao exterior em 2024–27 reflete o saldo entre poupança e investimento do setor privado, em particular das famílias, tendo o saldo das administrações públicas um contributo, em média, ligeiramente negativo.

  1. Exportações de bens e serviços | Taxa de variação anual em percentagem e contributos em pp

Fontes: Banco de Portugal, INE e BCE. | Notas: (p) — projetado. O indicador de procura externa dirigida à economia portuguesa consiste numa média das importações dos parceiros comerciais, ponderadas pelo seu peso nas exportações portuguesas.

  1. Balança corrente e de capital e componentes | Percentagem do PIB

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Nota: (p) — projetado.

O emprego deverá continuar a crescer, mas com um perfil de desaceleração. No período pós-pandemia, o crescimento do emprego resultou, em larga medida, da contratação de mão-de-obra estrangeira, que permitiu sustentar o dinamismo da atividade económica. Estes trabalhadores têm compensado o impacto do envelhecimento da população de nacionalidade portuguesa, visível numa menor entrada de jovens no mercado de trabalho (Caixa 7 — Uma análise dos fluxos de contratação e de separação no mercado de trabalho português). Ao longo do horizonte de projeção, o emprego deverá aumentar 1,3% em 2024 e desacelerar progressivamente para 0,4% em 2027. Esta desaceleração acompanha a evolução mais contida da população em idade ativa — com saldos migratórios positivos, mas inferiores aos máximos registados no passado recente, e a manutenção de um saldo natural negativo — e aumentos marginais da taxa de atividade. A taxa de desemprego deverá manter-se historicamente baixa (Quadro I.1.1).

O salário por trabalhador desacelera no período de projeção, acompanhando a diminuição das expectativas de inflação (Gráfico I.1.10). Após um aumento de 7,6% em 2024, o crescimento dos salários nominais deverá situar-se em 4,6% em 2025 e desacelerar para 3,7% em 2027, refletindo também os menores aumentos do salário mínimo. No setor público, espera-se um dinamismo superior dos salários, refletindo o impacto da revisão nas carreiras de alguns setores e as novas regras de avaliação de desempenho e progressão na carreira anunciadas em 2024. Os salários reais aumentam 4,6% em 2024 (após 3,5% em 2023), projetando-se um crescimento ligeiramente superior ao da produtividade em 2025–27 (Gráfico I.1.10). A produtividade por trabalhador deverá crescer, em média, 1,4% em 2025–27, uma taxa superior à média registada em 2000–19 (0,8%). O maior crescimento da produtividade reflete as transformações estruturais que têm ocorrido na economia portuguesa, como a melhoria das qualificações da população, o aumento do stock de capital e os ganhos de emprego em setores de maior intensidade tecnológica e em conhecimento.

  1. Salário por trabalhador nominal e real e produtividade | Taxa de variação anual em percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE. | Notas: (p) — projetado. Para o cálculo do salário real utilizou-se o deflator do consumo privado.

A inflação deverá continuar a reduzir-se e fixar-se em valores próximos de 2% em 2025–27, mantendo-se as pressões sobre os preços dos serviços superiores às dos bens (Gráfico I.1.11). A redução da inflação em 2024 resulta sobretudo de menores pressões externas sobre a componente de bens, refletida na redução do deflator das importações. Os preços no consumidor dos bens desaceleram para 1,1% (4,1% em 2023), com a componente excluindo bens alimentares e energéticos a registar uma ligeira diminuição (-0,6%). Os preços dos serviços também crescem a um ritmo menor do que no ano anterior, mas ainda assim significativo (4,4%), refletindo a sua maior dependência das condições do mercado interno, em particular da evolução dos custos do trabalho. O crescimento do IHPC de serviços deverá continuar a reduzir-se nos próximos anos, aproximando-se da sua média histórica, num contexto de normalização das pressões salariais. Em contraste, o IHPC dos bens deverá acelerar, convergindo para a taxa de variação média do período 2000–19.

  1. IHPC | Taxa de variação anual em percentagem

Fontes: INE e Banco de Portugal. | Notas: (p) — projetado. As linhas a tracejado correspondem à média do período 2000–19.

O balanço de riscos em torno da projeção para a atividade é enviesado em baixa, com aumento da preponderância dos riscos externos, enquanto os riscos para a inflação são equilibrados. As tensões geopolíticas continuam a ser um risco adverso significativo, em especial se os conflitos armados em curso se agravarem ou perturbarem os mercados globais de matérias-primas (Gráfico I.1.12). Um maior protecionismo envolvendo as maiores economias mundiais — em particular, a imposição de tarifas aduaneiras pelos EUA e de medidas retaliatórias pelos países visados — poderá também pôr em causa as projeções para a atividade mundial, reduzindo o crescimento do comércio internacional. Este cenário de maior protecionismo torna mais imprevisíveis as perspetivas do setor exportador, sendo a incerteza acrescida também prejudicial à aceleração do investimento empresarial. Nos riscos internos, salientam-se as dificuldades na execução dos fundos europeus, que poderão também implicar um menor dinamismo do investimento. Mantém-se, no entanto, um risco em alta associado a uma maior reação do consumo privado ao aumento do rendimento disponível.

  1. Indicadores de risco geopolítico e de incerteza das políticas comerciais

Painel A — Índice de risco geopolítico global | Índice, média 1985–2019 = 100

Painel B — Índice de incerteza da política comercial

Fontes: Caldara e Iacoviello (2022) e Caldara, Iacoviello, Molligo, Prestipino e Raffo (2019). | Notas: O índice de risco geopolítico global é calculado com base na pesquisa automática de artigos em 10 jornais (Chicago Tribune, the Daily Telegraph, Financial Times, The Globe and Mail, The Guardian, the Los Angeles Times, The New York Times, USA Today, The Wall Street Journal, e The Washington Post). A contabilização do número de artigos sobre eventos adversos em termos geopolíticos abarca oito dimensões: ameaças de guerra, ameaças à paz, mobilização militar, ameaças nucleares, ameaças terroristas, início de guerra, escalada de guerra e atos terroristas. O índice de incerteza da política comercial mede a frequência mensal de notícias relacionadas com a incerteza da política comercial, obtido a partir da pesquisa automática de texto dos arquivos eletrónicos de sete jornais (Boston Globe, Chicago Tribune, Guardian, Los Angeles Times, New York Times, Wall Street Journal e Washington Post). O índice é calculado de forma que 100 indique que 1% dos artigos contêm referências à incerteza das políticas comerciais. Última observação: novembro 2024.

A inflação pode situar-se acima do projetado caso se materializem os cenários de agravamento dos conflitos — com impacto nos preços das matérias-primas e dos transportes marítimos — ou de aumento das restrições ao comércio internacional, com reflexo num agravamento dos preços de importação. Adicionalmente, uma desaceleração menor do que a antecipada dos salários, num contexto de restrições de oferta de mão-de-obra, constitui também um risco em alta para a inflação. Em contrapartida, a materialização dos riscos em baixa para a atividade resultaria em menores pressões sobre os preços.

A persistência de importantes riscos descendentes de natureza geopolítica, cuja materialização teria um impacto acentuado na economia global, reforça a necessidade de uma reorientação da política orçamental que assegure o espaço adequado de resposta.

  1. Enquadramento e políticas

As projeções do Eurosistema apontam para um crescimento moderado da atividade económica mundial em 2024–27, mas as tensões económicas e geopolíticas implicam uma incerteza elevada. A evolução recente da economia mundial tem sido caraterizada por diferenças significativas de crescimento entre regiões e setores. O dinamismo da economia americana e das economias emergentes (excluindo a China) contrasta com a fraqueza das grandes economias europeias e o abrandamento na China. O dinamismo dos serviços continua a apoiar a atividade, em contraste com o enfraquecimento da indústria (Gráfico C.1.1). A dinâmica da economia mundial permanece frágil, com riscos significativos de uma escalada dos conflitos geopolíticos ou do protecionismo. Projeta-se que o PIB mundial cresça 3,1% em 2024, 3,2% em 2025 e ligeiramente menos nos anos seguintes, refletindo o abrandamento gradual da atividade da China (Quadro C1.1).

  1. Purchasing Managers’ Index (PMI) global | Índice de difusão

Fonte: S&P Global.

A atividade na área do euro deverá acelerar gradualmente, beneficiando da redução das taxas de juro, da recuperação do poder de compra das famílias e da robustez do mercado de trabalho. No terceiro trimestre de 2024, o PIB da área do euro registou um aumento de 0,4% em cadeia, acima do esperado, traduzindo em larga medida o ligeiro crescimento da atividade na Alemanha e o maior crescimento da economia francesa associado ao impacto dos Jogos Olímpicos. Nos primeiros três trimestres de 2024, a Alemanha e a Itália apresentaram um desempenho económico bastante aquém do observado na média da área do euro, em contraste com o dinamismo da economia espanhola. As projeções para a atividade na área do euro foram ligeiramente revistas em baixa face a outubro, apontando para crescimentos de 0,7% em 2024, 1,1% em 2025, 1,4% em 2026 e 1,3% em 2027.

O comércio mundial acelera em 2024 e deverá manter um crescimento em linha com o da atividade global nos anos seguintes. Os fluxos de comércio internacional recuperaram mais do que o esperado na primeira metade do ano, em parte refletindo o estímulo causado pela antecipação das importações de bens no segundo trimestre. Os indicadores quantitativos disponíveis para o terceiro trimestre — relativos à carga transportada em contentores ou por via aérea e ao número de passageiros das companhias aéreas — indicam que estes fluxos continuaram a crescer, embora os PMI relativos a novas encomendas de exportação sugiram algum abrandamento (Gráfico C.1.1). A procura externa dirigida à economia portuguesa recupera em 2024 (variação de 1,4%, após -0,4% em 2023) e acelera para 2,9% em 2025, devido à forte recuperação do comércio intracomunitário. Em 2026–27 o crescimento da procura externa estabiliza em torno de 3,2%, em linha com o do comércio mundial. A materialização das políticas protecionistas pré-anunciadas pelo Presidente recém-eleito dos EUA constitui um risco adverso para as exportações da área do euro. O mercado dos EUA representa 17% das exportações extra-área do euro, 10% das exportações da Alemanha, França e Itália, 6% das exportações de Espanha e Portugal e mais de 20% das exportações da Irlanda.

A inflação da área do euro continuará a diminuir em 2025, estabilizando em torno de 2,0% até 2027 (Quadro C1.1). Espera-se uma diminuição do preço do petróleo no horizonte de projeção, particularmente em 2025, num contexto de abrandamento da procura na China. Os preços das matérias-primas não energéticas também apresentam um perfil de abrandamento. Os preços de importação aceleram em 2024, mas mantêm taxas de variação contidas, em torno de 2%, no horizonte de projeção. A evolução dos preços de importação da China tem contribuído para limitar as pressões sobre os preços na área do euro, em especial dos bens não energéticos. As projeções apontam para que a inflação na área do euro se reduza de 2,4% em 2024 para 2,1% em 2025, estabilizando em torno de 2,0% nos anos seguintes. A inflação excluindo bens alimentares e energéticos tem um perfil semelhante, situando-se em 2,9%, 2,3% e 1,9% e 1,9% de 2024 a 2027.

As taxas de juro de curto prazo deverão continuar a diminuir, de forma mais rápida e em maior magnitude do que o assumido no Boletim de outubro (Quadro I.1.1). Os futuros da Euribor a 3 meses indicam uma descida de 1,4 pp em 2025, para 2,1%, com uma relativa estabilização nos anos seguintes. Ao longo do horizonte de projeção, a taxa de juro implícita na dívida pública portuguesa aumenta gradualmente, de 2% em 2023 para 2,6% em 2027. Esta evolução reflete a substituição de dívida emitida no passado a taxas de juro inferiores às das atuais emissões, bem como o aumento das necessidades de financiamento líquidas por via da deterioração da situação orçamental.

  1. Hipóteses do exercício de projeção

 
 

BE dezembro 2024

Revisões face ao BE outubro 2024

 

2023

2024

2025

2026

2027

2024

2025

2026

Enquadramento internacional

 
 
 
 
 

 

 
 
 

PIB mundial

tva

3,2

3,1

3,2

3,1

3,0

0,0

0,1

0,0

PIB Área do euro

tva

0,5

0,7

1,1

1,4

1,3

-0,1

-0,2

-0,1

Comércio mundial

tva

0,5

3,0

3,3

3,3

3,2

0,7

0,0

0,0

Procura externa

tva

-0,4

1,4

2,9

3,3

3,1

0,3

0,1

0,0

Preços internacionais

 
 
 
 
 

 

 
 
 

Preço do petróleo

vma

77,5

75,5

67,6

66,0

65,2

-1,0

-1,9

-0,9

Preço do gás (MWh)

vma

40,6

34,3

42,9

34,9

29,3

0,1

1,8

-0,4

Matérias-primas não energéticas

tva

-14,5

8,7

7,8

-0,4

-1,7

1,9

7,3

-2,9

Preço de importação dos concorrentes

tva

-1,3

0,3

2,2

2,3

2,1

-0,2

0,2

0,1

Condições monetárias e financeiras

 
 
 
 
 

 

 
 
 

Taxa de juro de curto prazo (EURIBOR a 3 meses)

%

3,4

3,6

2,1

2,0

2,2

0,0

-0,4

-0,2

Taxa de juro implícita da dívida pública

%

2,0

2,2

2,4

2,5

2,6

0,0

0,1

0,1

Índice de taxa de câmbio efetiva

tva

4,9

1,9

-0,6

0,0

0,0

-0,2

-1,1

0,0

Taxa de câmbio euro-dólar

vma

1,08

1,08

1,06

1,06

1,06

-0,3

-3,0

-3,0

Fontes: Banco de Portugal e BCE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: tva — taxa de variação anual, % — em percentagem, vma — valor médio anual, MWh — megawatt-hora. As hipóteses técnicas e de enquadramento externo e as projeções para o PIB e inflação da área do euro coincidem com as “Projeções macroeconómicas para a área do euro elaboradas por especialistas do Eurosistema”, divulgadas a 12 de dezembro de 2024, incluindo a informação disponível até 25 de novembro. Os preços internacionais são medidos em euros. A hipótese técnica para o preço do petróleo, gás e matérias-primas não energéticas assenta nos mercados de futuros. O preço de importação dos concorrentes corresponde a uma média ponderada dos deflatores de exportação dos países dos quais Portugal importa, ponderada pelo peso relativo nas importações portuguesas (para mais informação, ver “Trade consistency in the context of the Eurosystem projection exercises: an overview”, ECB Ocasional Paper 108, março de 2010). A evolução da taxa EURIBOR a 3 meses tem por base as expetativas implícitas nos contratos de futuros. A taxa de juro implícita da dívida pública é calculada como o rácio entre a despesa em juros do ano e a média simples do stock da dívida no final do ano e no final do ano anterior. Um aumento da taxa de câmbio corresponde a uma apreciação. O índice de taxa de câmbio efetiva do euro é calculado face a um grupo de 41 países parceiros. A revisão da taxa de câmbio euro-dólar é apresentada em percentagem. A hipótese técnica para as taxas de câmbio bilaterais pressupõe a manutenção ao longo do horizonte de projeção dos níveis médios observados nas duas semanas anteriores à data de fecho da informação.

 
  1. A trajetória de referência nas novas regras orçamentais europeias

No âmbito das novas regras orçamentais europeias1, aprovadas em abril, a Comissão Europeia introduziu orientações específicas para a elaboração dos planos orçamentais-estruturais de médio prazo dos Estados-Membros. Entre essas orientações, destaca-se a definição de trajetórias de referência para a despesa líquida. Este conceito refere-se à despesa pública primária ajustada para excluir o impacto de medidas discricionárias do lado da receita, a componente cíclica dos subsídios de desemprego, medidas temporárias, a receita de fundos europeus com contrapartida em despesa, bem como a comparticipação nacional mínima em projetos financiados pela UE2.

As trajetórias de referência são aplicáveis a países com uma dívida pública superior a 60% do PIB ou um défice das administrações públicas acima de 3% do PIB, abrangendo o período dos planos de médio prazo, que pode variar entre 4 e 7 anos. Para os restantes Estados-Membros, a Comissão disponibiliza, a pedido, informações técnicas sobre o saldo primário estrutural necessário para assegurar o cumprimento dos limites estabelecidos.

O ponto de partida para a trajetória de referência é o crescimento do PIB potencial em termos nominais, que pode ser tornado mais exigente caso o Estado-Membro necessite de cumprir determinados requisitos. As situações que podem conduzir a este ajustamento incluem (Gráfico C2.1):

  • O país encontra-se em défice excessivo, tendo de realizar um ajustamento no saldo estrutural de 0,5 pp do PIB por ano. Transitoriamente, até 2027, as despesas com juros não são consideradas (ou seja, o ajustamento poderá ocorrer no saldo primário estrutural, se for mais favorável).

  • O país não se encontra em défice excessivo, mas a dinâmica da despesa líquida será mais exigente para que se respeitem as duas cláusulas de salvaguarda:

    • Resiliência do défice: exige que o Estado-Membro realize um ajustamento de 0,4 pp do PIB por ano (0,25 pp no caso de um plano de médio prazo de 7 anos) no saldo primário estrutural, até atingir um saldo estrutural de -1,5% do PIB;

    • Sustentabilidade da dívida: exige que o rácio da dívida diminua em média 1 pp do PIB por ano quando o rácio excede 90%, e 0,5 pp do PIB por ano quando se encontra entre 60% e 90%.

  • O país não cumpre os requisitos de sustentabilidade da dívida, analisados num horizonte de 10 anos além do final do plano de médio prazo. Neste caso, testam-se diferentes ajustamentos ao saldo primário estrutural em percentagem do PIB, de forma a garantir uma trajetória de referência capaz de assegurar que:

    • O rácio da dívida esteja numa trajetória descendente nos quatro cenários determinísticos projetados (cenários de ajustamento, stress financeiro, menor saldo primário estrutural e diferencial mais desfavorável entre a taxa de juro média da dívida pública e o crescimento económico);

    • A dívida apresente uma elevada probabilidade de diminuição, com base numa simulação estocástica que capta o impacto da incerteza macroeconómica. Este critério é verificado quando o rácio da dívida no percentil 70 da distribuição projetada apresenta uma redução no período de 10 anos simulado;

    • O défice seja inferior a 3% do PIB no cenário de ajustamento simulado. 
      Se um ajustamento inferior ao previsto pelos dois primeiros critérios for suficiente para garantir que a dívida seja reduzida (e/ou se mantenha) abaixo de 60% do PIB nos quatro cenários determinísticos, assegurando simultaneamente o cumprimento do terceiro critério, então será escolhido esse ajustamento menor.

  1. Critérios na determinação do valor de referência para a despesa líquida

Fonte: Esquematização do Banco de Portugal. | Notas: SE — Saldo estrutural; SPE — Saldo primário estrutural; RD — Rácio da dívida. Breve descrição dos cenários determinísticos: Ajustamento — Até 2028, SPE igual ao de 2024 menos o ajustamento requerido e, após 2028, variação com os custos do envelhecimento; Stress financeiro — Igual ao cenário de ajustamento, mas com um choque temporário de 100 pontos base nas taxas de juro de curto e de longo prazo em 2029 (choque aumentado se RD for superior a 90%); Menor SPE — Igual ao cenário de ajustamento, mas com redução permanente do SPE em 0,25 pp do PIB em 2028 e 0,5 pp do PIB após 2029; (r-g) adverso — Igual ao cenário de ajustamento, mas com um choque permanente de 50 pontos base nas taxas de juro de curto e de longo prazo e uma redução de 0,5% ao ano no crescimento do PIB a partir de 2029.

Em junho, a Comissão Europeia comunicou a cada Estado-Membro a trajetória de referência para a despesa líquida a considerar na elaboração dos respetivos planos orçamentais-estruturais de médio prazo. Entre julho e outubro, terá decorrido um processo de diálogo técnico que culminou na apresentação dos planos pelos Estados-Membros. No Pacote de Outono, a Comissão emitiu pareceres sobre os planos submetidos. A aprovação formal destes planos está prevista para as reuniões do Conselho Ecofin, agendadas para janeiro e fevereiro de 2025.

 
  1. Projeções para a despesa pública líquida em Portugal

Em junho, a Comissão Europeia comunicou a Portugal a trajetória de referência para a despesa líquida, determinada em conformidade com os procedimentos acordados (Caixa 2 — A trajetória de referência nas novas regras orçamentais europeias). Esta trajetória estabelece um crescimento médio anual da despesa líquida de 3,6% entre 2025 e 2028 — dado que o país optou por um plano de quatro anos — com um crescimento ligeiramente superior nos primeiros anos (Quadro C3.1). Nos ajustamentos face ao crescimento do PIB potencial nominal, apenas os critérios relacionados com a sustentabilidade da dívida se revelaram relevantes. Estes critérios implicaram um ajustamento de 0,08 pontos percentuais do PIB por ano, equivalente a 0,2% no crescimento da despesa líquida. Nenhuma das cláusulas de salvaguarda exigiu um esforço adicional no caso português.

  1. Trajetória de referência para a despesa líquida (a) comunicada pela Comissão Europeia para a elaboração do plano de médio prazo de Portugal 2025–28

 

Unidade

2025

2026

2027

2028

Média 2025–28 (b)

1. Crescimento do PIB potencial nominal

%

4,3

3,8

3,6

3,5

3,8

PIB potencial real

%

2,2

1,6

1,4

1,2

 

Deflator do PIB

%

2,1

2,2

2,2

2,3

 

2. Ajustamento devido a:

 
 
 
 
 
 

Défice excessivo e cláusulas de salvaguarda

% do PIB

0

0

0

0

 

Sustentabilidade da dívida

% do PIB

0,08

0,08

0,08

0,08

 

3. Conversão do ajustamento em crescimento da despesa líquida (c)

%

0,2

0,2

0,2

0,2

 

4. Trajetória de referência para o crescimento da despesa líquida (1. - 3.)

%

4,1

3,6

3,4

3,3

3,6

Fontes: Comissão Europeia e Banco de Portugal (esquematização). | Notas: a) Definida como a despesa pública primária excluindo o impacto de medidas discricionárias do lado da receita, a componente cíclica dos subsídios de desemprego, medidas temporárias, a receita de fundos europeus com contrapartida em despesa, bem como a comparticipação nacional mínima em projetos financiados pela UE. b) Média simples, de acordo com a Comissão Europeia. c) A conversão do ajustamento necessário, em percentagem do PIB, para pontos percentuais do crescimento da despesa líquida é feita dividindo o ajustamento em percentagem do PIB pelo rácio da despesa primária face ao PIB de 2024, e multiplicando por 100. O valor considerado pela Comissão Europeia foi 41,2% do PIB.

O plano orçamental-estrutural de médio prazo elaborado pelo Governo prevê um crescimento da despesa líquida mais acentuado do que a trajetória de referência nos anos de 2025 e 2026, seguido de um aumento mais moderado em 2027 (Gráfico C3.1). Ainda assim, a média para todo o período mantém-se alinhada com os 3,6% propostos pela Comissão. A discrepância no perfil é justificada no plano pelos empréstimos do PRR.

De acordo com as projeções do Banco de Portugal apresentadas neste Boletim, a despesa líquida regista um elevado crescimento em 2024, estimado em 10,8%, muito acima do crescimento do PIB potencial nominal, de 7,4%. Entre 2025 e 2027, o crescimento médio da despesa líquida atinge 5,3%, excedendo a trajetória de referência e a prevista no plano de médio prazo em 1,6 pp, o que resulta em desvios médios anuais de 0,7 pp do PIB. Após a execução orçamental de cada ano, os desvios face ao plano aprovado serão registados na conta de controlo do Estado-Membro, não podendo exceder 0,3 pp do PIB por ano ou 0,6 pp do PIB cumulativamente. Assim, as projeções do Banco de Portugal sinalizam um risco de incumprimento, tanto em termos anuais como acumulados.

  1. Trajetória de referência e variações da despesa líquida no plano de médio prazo e nas projeções do Banco de Portugal | Em percentagem

Fontes: Comissão Europeia, Ministério das Finanças e Banco de Portugal.

A variação da despesa líquida subjacente às projeções do Banco de Portugal pode ser desagregada nas suas diferentes componentes (Quadro C3.2). Para 2025, estima-se que a variação da despesa líquida atinja cerca de 6669 milhões de euros, distribuídos entre 5738 milhões de euros relacionados com a dinâmica conjunta das categorias da despesa primária — que inclui a evolução regular e os efeitos das medidas adotadas — e 932 milhões de euros associados ao impacto de medidas discricionárias de redução da receita.

Esta variação supera a implícita na trajetória de referência da Comissão Europeia (4576 milhões de euros) e no plano de médio prazo do Governo (5594 milhões de euros). Assim, as projeções do Banco de Portugal sugerem que, na ausência de novas medidas para conter a despesa ou aumentar a receita, será difícil alcançar o objetivo de crescimento da despesa líquida definido no plano de médio prazo, colocando em risco o cumprimento das regras europeias.

  1. Decomposição das projeções do Banco de Portugal para a variação da despesa líquida em 2024 e 2025 | Em milhões de euros

 

2024

2025

Variação das componentes da despesa

9531

5738

Despesas com pessoal

2586

2119

das quais:

 
 

Revisões das carreiras da função pública

194

473

Pensões e outras prestações sociais

5128

2339

das quais:

 
 

Expansão do CSI (inclui OE2025)

90

120

Suplemento das pensões de outubro de 2024

400

-400

Aumento adicional de 1,25% nas pensões (OE2025)

 

265

Consumo intermédio

961

868

Investimento nacional excluindo cofinanciamento de projetos UE e empréstimos PRR

198

-167

Outra despesa corrente e de capital (excluindo empréstimos PRR)

393

-143

Empréstimos PRR

265

722

Variação discricionária da receita

-1558

-932

IRS (a)

-2584

-840

IRC e outros impostos sobre as empresas (b)

75

-130

IVA (c)

481

-110

Imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP)

346

315

Outros impostos indiretos (d)

196

-60

Outra receita corrente (e)

-72

-108

1. Variação da despesa líquida nas projeções do Banco de Portugal

11 089

6669

2. Variação da despesa líquida consistente com o PIB potencial (f)

7602

 

Desvio (2. - 1.)

-3487

 

3. Variação da despesa líquida consistente com a trajetória de referência da Comissão Europeia (g)

 

4576

Desvio (3. - 1.)

 

-2093

4. Variação da despesa líquida consistente com o plano de médio prazo do Governo (g)

 

5594

Desvio (4. - 1.)

 

-1075

Fonte: Banco de Portugal. | Notas: a) Medidas do OE2024 e anteriores, redução das taxas de agosto de 2024, aumento da consignação do IRS, IRS jovem no OE2025, e atualização da dedução específica (2024 e 2025), do mínimo de existência (2025) e dos escalões do imposto (2025). b) Créditos fiscais no OE2024 e anteriores, redução em 1pp da taxa normal no OE2025 (25% do efeito), e fim da contribuição extraordinária sobre os setores da energia e alimentar. c) Fim do IVA zero para bens essenciais, redução do IVA nas bebidas da restauração no OE2024 e na eletricidade para baixas potências e famílias numerosas. d) Aumento dos impostos especiais sobre o consumo no OE2024 e isenção do imposto do selo e do IMT para os jovens. e) Eliminação de portagens nalgumas SCUT. f) Estimativa do Banco de Portugal para o PIB potencial nominal. g) Calculada pela aplicação das taxas de variação da despesa líquida na trajetória de referência e no plano de médio prazo, à base da despesa líquida estimada pelo Banco de Portugal para 2024.

 
  1. Efeito das alterações ao IRS e às prestações sociais na distribuição do rendimento em 2024 e 2025

No Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024) e ao longo deste ano, foram aprovadas medidas para reforçar por via orçamental o rendimento disponível das famílias, através da redução de impostos e aumento das prestações. O modelo de microsimulação EUROMOD permite simular o efeito direto das alterações às regras de impostos e prestações sociais no rendimento disponível e a sua distribuição por decil de rendimento3.

Posteriormente ao OE 20244, foram aprovadas as seguintes medidas com impacto no rendimento de 2024: o reforço e a alteração das condições de elegibilidade do Complemento Solidário para Idosos (CSI) em maio; a redução das taxas de IRS e o aumento da dedução específica para rendimentos de trabalho e pensões com efeitos retroativos ao início do ano e refletidas nas tabelas de retenção a partir de setembro; e o suplemento extraordinário de pensão pago em outubro. O impacto global das medidas em 2024, incluindo as aprovadas no OE 2024, ascende a 3,6% do rendimento disponível, sendo o reforço do rendimento especialmente relevante para as famílias mais pobres por via das prestações sociais (Gráfico C4.1).

  1. Impacto das medidas sobre o IRS e as prestações sociais em 2024 por decil de rendimento | Em percentagem do rendimento disponível por adulto equivalente

Fontes: Cálculos do Banco de Portugal baseados nas simulações do EUROMOD e nos dados do EU-SILC 2022. | Notas: A quantificação dos efeitos diretos deste conjunto de medidas sobre a distribuição do rendimento disponível é feita face a um cenário base sem alteração de políticas e não considerando, pela sua natureza, as medidas temporárias que estavam em vigor. Os agregados são distribuídos pelos decis tendo em consideração o seu rendimento disponível por adulto equivalente nesse cenário base. O cálculo do rendimento disponível por adulto equivalente utiliza a escala modificada da OCDE.

A principal medida de alívio fiscal do OE 2025 é o reforço do IRS jovem, tendo sido também atualizados determinados parâmetros do imposto, com destaque para o aumento dos limites dos escalões em 4,6%5. Prevê-se, também, um novo aumento do valor de referência do CSI, que acresce ao efeito base do reforço aprovado em maio de 2024, e um aumento suplementar de 1,25% das pensões até três vezes o indexante dos apoios sociais. Estas medidas têm um impacto de 1,5% no rendimento disponível da população, menos de metade do das implementadas em 2024 e com maior relevância nos extremos da distribuição de rendimento (Gráfico C4.2).

  1. Impacto total das medidas sobre o IRS e as prestações sociais em 2025 por decil de rendimento | Em percentagem do rendimento disponível por adulto equivalente

Fontes: Cálculos do Banco de Portugal baseados nas simulações do EUROMOD e nos dados do EU-SILC 2022. | Notas: A quantificação dos efeitos diretos deste conjunto de medidas sobre a distribuição do rendimento disponível é feita face a um cenário sem alteração de políticas e não considerando, pela sua natureza, as medidas temporárias que estavam em vigor. Os agregados são distribuídos pelos decis tendo em consideração o seu rendimento disponível por adulto equivalente nesse cenário base. O cálculo do rendimento disponível por adulto equivalente utiliza a escala modificada da OCDE.

As alterações ao IRS jovem a introduzir em 2025 vêm reforçar o regime que se encontrava em vigor em 2024. A simulação do impacto conjunto destas medidas no imposto a pagar para trabalhadores por conta de outrem, solteiros e sem filhos, com diferentes salários, ilustra o funcionamento do IRS jovem. No primeiro ano de trabalho, estes jovens pagam IRS apenas a partir de salários equivalentes a 1,6 vezes o salário médio. Nesse nível salarial, a diferença face à taxa aplicada para maiores de 35 anos situa-se em 20 pp, reduzindo-se muito lentamente ao longo da distribuição (é de 18 pp para salários equivalentes a 3 salários médios) (Gráfico C4 — Painel A). O diferencial de tributação estreita-se à medida que passam os anos desde a entrada no mercado de trabalho, principalmente na passagem para o 8º ano no mercado de trabalho. Para um jovem que aufira o salário médio, este benefício é inicialmente de 235€ por mês e reduz-se para 106€ entre o 8.º e o 10.º ano de trabalho, enquanto para quem aufira três vezes mais, este benefício é inicialmente de 980€ e reduz-se para 625€ (Gráfico C4 — Painel B). Note-se que, como o limite à isenção não varia com os anos desde a entrada no mercado de trabalho, mas a percentagem de rendimento isento vai diminuindo, este limite aplica-se apenas para rendimentos sucessivamente mais elevados. Em particular, para os jovens entre o 8.º e o 10.º ano, o limite aplica-se a quem aufere mais de 5 vezes o salário médio.

Considerando a composição dos agregados familiares em que se integram os jovens até aos 35 anos, o IRS jovem permite que estes indivíduos beneficiem de uma taxa média de imposto de 5,6%, menos 4,3 pp do que na ausência deste mecanismo, o que significa um reforço de cerca de 5,6% do seu rendimento disponível (Quadro C4.1).

Apesar de o IRS jovem tornar o imposto mais progressivo, este efeito não é suficiente para compensar a redução da taxa média, que diminui o poder redistributivo do IRS por via da redução da receita deste imposto6. Esta perda de capacidade redistributiva do imposto é visível no aumento da desigualdade na distribuição de rendimento após imposto, refletida no aumento do coeficiente de Gini. O IRS jovem implica um aumento de 0,8% do rendimento disponível para a população, sendo no último quintil da distribuição de rendimento onde se verifica o impacto mais elevado.

  1. Simulações do IRS jovem em 2025 para um indivíduo solteiro e sem filhos

Painel A — Taxa média | Em percentagem

Painel B — Benefício mensal | Em euros

Fontes: Cálculos do Banco de Portugal baseados nas alterações ao código do IRS e nas simulações do EUROMOD utilizando a hypothetical household tool do EUROMOD. | Notas: As simulações consideram, para além da dedução específica e do mínimo de existência, a dedução à coleta por despesas gerais familiares. O salário médio mensal considerado foi de 1853€ (equivalente em 14 meses a 1588€). A coincidência entre a taxa de IRS para maiores de 35 anos e jovens do 8.ª ao 10.º ano no mercado de trabalho para salários baixos deve-se ao funcionamento do mínimo de existência.

  1. Impactos do IRS jovem | Em percentagem

Painel A — Taxa média, indicadores de desigualdade e progressividade do imposto

 

Sem IRS jovem

Com IRS jovem

Taxa média de imposto

9,9%

5,6%

<=35 anos

13,5%

12,9%

Toda a população

 
 

Progressividade

0,358

0,367

Coeficiente de Gini

 
 

Pré-IRS

37,49

37,49

Pós-IRS

32,01

32,20

Capacidade redistributiva

5,49

5,29

 
 
 

Painel B — Rendimento disponível

 

Variação

<=35 anos

5,6%

Toda a população

0,8%

Quintil 1

0,3%

Quintil 2

0,2%

Quintil 3

0,6%

Quintil 4

1,0%

Quintil 5

1,2%

Fontes: Cálculos do Banco de Portugal baseados nas simulações do EUROMOD e nos dados do EU-SILC 2022. | Notas: A quantificação dos efeitos diretos do IRS jovem considera a formulação do OE 2025 e é feita face a um cenário base onde não existe qualquer benefício fiscal específico para os jovens em sede de IRS, tudo o resto invariante. Os agregados são distribuídos pelos quintis tendo em consideração o seu rendimento disponível por adulto equivalente no cenário base. O cálculo do rendimento disponível por adulto equivalente utiliza a escala modificada da OCDE. A taxa média de IRS é calculada como o rácio entre os valores simulados do imposto e do rendimento total bruto, incluindo prestações sociais em dinheiro. O coeficiente de Gini mede o desvio entre a distribuição de rendimento de uma população face a uma distribuição perfeitamente igualitária, variando entre 0 e 100. A capacidade redistributiva é medida através do índice de Reynolds-Smolensky, que corresponde à diferença entre o coeficiente de Gini antes e depois de imposto. A progressividade é medida através do índice de Kakwani, que resulta da diferença entre o grau de concentração do imposto e o coeficiente de Gini pré-imposto.

 
  1. A distribuição da poupança das famílias em Portugal

A poupança das famílias tem assumido um papel importante ao longo dos dois últimos episódios de turbulência económica: a pandemia e o surto inflacionista. Nesta caixa analisa-se a distribuição da poupança em Portugal com base nos microdados do Inquérito às Despesas das Famílias 2022–23 (doravante designado IDEF 2022), cujos resultados foram publicados pelo INE em junho de 2024. O inquérito inclui dados detalhados da despesa e do rendimento de 11 700 famílias.7

A poupança é calculada como a diferença entre o rendimento total de cada agregado familiar e o total de despesas de consumo. O rendimento inclui todas as componentes monetárias, rendimentos do trabalho e de propriedade, pensões e benefícios sociais e é líquido de impostos e contribuições sociais. No rendimento e nas despesas são também incluídas as componentes não monetárias, nomeadamente o autoconsumo (bens alimentares e outros de produção própria), o autoabastecimento (bens e serviços obtidos, sem pagamento, em estabelecimentos explorados pelo agregado familiar), a auto-locação (autoavaliação do valor hipotético da renda de casa pelos agregados proprietários) e os salários em espécie.

Deve referir-se que este tipo de inquéritos envolve erros de medida significativos, como evidenciado em inúmeros estudos.8 No caso do IDEF 2022, os valores extrapolados9 para a despesa e para o rendimento encontram-se subavaliados face aos valores macroeconómicos das contas nacionais, sendo a subavaliação mais significativa no caso da despesa. Consequentemente, a poupança em euros e a taxa de poupança implícitas no IDEF 2022 estão sobreavaliadas face às das contas nacionais.10 Na análise da distribuição da poupança, assume-se implicitamente que estes erros afetam de forma relativamente uniforme os diferentes grupos de famílias.

A distribuição da poupança em Portugal, quando se ordenam as famílias por decil de poupança e por decil de rendimento, é bastante desigual. As famílias nos dois decis mais elevados da distribuição da poupança são responsáveis por cerca de dois terços da poupança (Gráfico C5.1 — Painel A). Por outro lado, os dois primeiros decis apresentam uma poupança média negativa, o que corresponde, por exemplo, a situações de financiamento de despesas com recurso ao crédito ou à riqueza acumulada. A análise por decis de rendimento documenta uma elevada desigualdade na distribuição da poupança (Gráfico C5.1 — Painel B). Os 20% de famílias com rendimentos mais elevados geram 55% da poupança. Por seu turno, no decil de rendimento mais baixo as despesas são superiores ao rendimento.

O aumento da poupança ao longo da distribuição de rendimento resulta, por um lado, da existência de padrões de despesa básicos para a vida em sociedade e, por outro, do habitual alisamento da despesa face a variações do rendimento. O perfil ascendente da despesa é menos acentuado do que o do rendimento (Gráfico C5.2 — Painel A). Estas diferenças resultam em taxas de poupança que aumentam ao longo dos decis de rendimento das famílias (Gráfico C5.2 — Painel B).11

  1. Distribuição da poupança das famílias, por decis de poupança e de rendimento | Em percentagem da poupança total

Painel A — Por decil de poupança

Painel B — Por decil de rendimento

Fonte: INE (IDEF 2022) (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Os valores médios por adulto equivalente são obtidos dividindo o valor do agregado familiar pelo número equivalente de adultos de acordo com a escala modificada da OCDE. Os decis de rendimento são calculados por adulto equivalente.

  1. Rendimento, despesa, poupança e taxa de poupança das famílias, por decis de rendimento

Painel A — Valores médios em euros, por adulto equivalente

Painel B — Taxa de poupança | Em percentagem de rendimento disponível

Fonte: INE (IDEF 2022) (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Os valores médios por adulto equivalente são obtidos dividindo o valor do agregado familiar pelo número equivalente de adultos de acordo com a escala modificada da OCDE. Os decis de rendimento são calculados por adulto equivalente.

De acordo com a teoria do ciclo de vida, a taxa de poupança deveria apresentar um perfil ascendente ao longo da vida ativa dos agentes, à medida que o seu rendimento aumenta e o seu grau de endividamento diminui.12 Na idade da reforma, as despesas médias dos agregados tendem a diminuir e a evolução da taxa de poupança depende em grande medida das regras vigentes do sistema de segurança social, do incentivo a poupar por motivos de precaução relacionados com a saúde, e do desejo de deixar um legado para as gerações futuras. O IDEF 2022 não permite esta quantificação dado que tem uma natureza seccional (cross-section) e não acompanha as famílias ao longo do tempo. Ainda assim, é possível obter evidência sugestiva sobre a questão. Considerando a distribuição por decil de rendimento e três escalões etários correspondentes à idade do indivíduo de referência da família (menos de 45 anos, 45 a 64 anos e mais de 64 anos), verifica-se que a taxa de poupança aumenta com o rendimento em todos os escalões etários (Gráfico C5.3 — Painel A). Adicionalmente, comparando as taxas de poupança em cada decil de rendimento, observa-se que as maiores taxas de poupança se encontram nos escalões etários mais elevados. O perfil ascendente da taxa de poupança parece assim persistir no final do ciclo de vida das famílias em Portugal. Este perfil implica que o contributo para a poupança total das famílias no escalão etário acima de 64 anos seja próximo do das famílias no escalão etário entre os 45 e 64 anos (Gráfico C5.3 — Painel B).

  1. Taxa de poupança e distribuição da poupança das famílias, por escalão etário e decis de rendimento

Painel A — Taxa de poupança | Em percentagem do rendimento disponível

Painel B — Distribuição da poupança | Em percentagem da poupança total

Fonte: INE (IDEF 2022) (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Os valores médios por adulto equivalente são obtidos dividindo o valor do agregado familiar pelo número equivalente de adultos de acordo com a escala modificada da OCDE. Os decis de rendimento são calculados para o total de famílias por adulto equivalente.

 
  1. Evolução recente da riqueza para diferentes grupos de famílias

Nos últimos anos, a riqueza líquida das famílias — a soma dos ativos financeiros com o valor da habitação deduzida de empréstimos — registou um crescimento, num quadro de aumento excecional da poupança durante o período da pandemia, de forte aumento dos preços dos imóveis e, desde 2021, do efeito nominal do surto inflacionista. O impacto destes fatores sobre a riqueza é diferenciado por tipo de famílias, dependendo da composição da riqueza e da distribuição da poupança acumulada durante a pandemia.

A distribuição e evolução da riqueza líquida das famílias em Portugal entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2024 pode ser analisada através das estatísticas experimentais sobre a distribuição da riqueza divulgadas pelo BCE para os países da área do euro (Distributional Wealth Accounts, DWA). As famílias são divididas em três grupos: os 50% de famílias com riqueza líquida mais baixa; os 40% de famílias com riqueza líquida entre o percentil 50 e 90; e os 10% de famílias com riqueza líquida mais elevada (o Quadro C6.1 inclui a caracterização da distribuição da riqueza líquida em 2024 T2). Estes grupos referem-se à distribuição da riqueza em cada momento, podendo a posição de uma família variar ao longo do tempo.

Entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2024, a riqueza líquida das famílias registou um aumento acentuado (36,9%). A riqueza em habitação aumentou 37,1% e os ativos financeiros 28%, o que mais do que compensou o menor acréscimo, de 10,8%, dos empréstimos (Quadro C6.2). O aumento foi particularmente pronunciado até ao percentil 50 (57,6%, face a 39,8% no grupo de riqueza intermédia e 32,4% no grupo de riqueza mais elevada). Perante um aumento generalizado do valor dos ativos, as famílias em que a dívida tem um peso maior nos ativos têm as variações percentuais mais acentuadas na riqueza líquida (efeito alavancagem).

O crescimento real da riqueza situou-se em 16,9%. No contexto inflacionista, a riqueza líquida real interrompeu a tendência de aumento em 2022 e apenas voltou a aumentar a partir do início de 2023 (Gráfico C6.1). Este comportamento foi comum às famílias de riqueza líquida acima do percentil 50 (Gráfico C6.2). A habitação teve o principal contributo para o aumento real (11,2 pp). O contributo da riqueza financeira líquida (ativos financeiros deduzidos de empréstimos) foi também positivo (5,7 pp), fruto de um aumento dos ativos financeiros e de uma redução do valor real dos empréstimos. O período inflacionista levou a uma evolução mais favorável da riqueza dos devedores do que a dos credores.

  1. Evolução da riqueza líquida das famílias a preços correntes e preços constantes | Índice 2019 T4=100

Fontes: Banco de Portugal e BCE. | Nota: A riqueza a preços constantes foi calculada com base no deflator do consumo privado, referindo-se a preços de 2021.

Os três grupos de famílias considerados registaram neste período um aumento da riqueza em termos reais: 34,5% no grupo de riqueza mais baixa, 19,3% no grupo de riqueza intermédia e 13% no grupo de riqueza mais elevada (Quadro C6.2). O contributo da riqueza em habitação foi positivo e importante em todos os grupos. O contributo da riqueza financeira líquida foi bastante mais elevado no grupo de riqueza mais baixo, o que se deve principalmente à redução real do valor da dívida. No grupo com a riqueza mais elevada, que é o que mais contribui para a riqueza e para a poupança agregada, no período de inflação mais elevada, a riqueza financeira líquida avaliada em termos reais perdeu alguns dos ganhos registados desde o final de 2019, mas retomou uma tendência de crescimento logo a partir do final de 2022.

  1. Variação acumulada desde 2019 T4 da riqueza líquida das famílias a preços constantes | Mil milhões de euros

Painel A — Todas as famílias

Painel B — Até ao percentil 50

 

 

 

Painel C —Percentil 50-90

Painel D — Maior que percentil 90

Fontes: Banco de Portugal e BCE. | Nota: A riqueza a preços constantes foi calculada com base no deflator do consumo privado, referindo-se a preços de 2021.

  1. Riqueza líquida das famílias em 2024 T2

 

Riqueza líquida total

Habitação

Riqueza financeira líquida

Ativos financeiros

Ativos financeiros mais expostos à inflação

Dos quais: Depósitos

Ativos financeiros menos expostos à inflação

Empréstimos

Ativos totais

 

Composição da riqueza líquida de cada grupo, em percentagem

Todas as famílias

100

66

34

48

23

21

25

-14

114

Grupos de riqueza líquida

 
 
 
 
 
 
 
 
 

Até ao percentil 50

100

127

-27

39

33

82

5

-66

166

Percentis 50-90

100

83

17

31

23

71

8

-14

114

Maior que percentil 90

100

44

56

62

21

31

40

-6

106

 

Peso no total de ativos de cada grupo, em percentagem

Todas as famílias

88

58

30

42

20

19

22

12

100

Grupos de riqueza líquida

 
 
 
 
 
 
 
 
 

Até ao percentil 50

60

76

-16

24

20

19

3

40

100

Percentis 50-90

88

73

15

27

20

19

7

12

100

Maior que percentil 90

94

42

52

58

20

18

38

6

100

 

Distribuição por grupos de famílias, em percentagem

Todas as famílias

100

100

100

100

100

100

100

100

100

Grupos de riqueza líquida

 
 
 
 
 
 
 
 
 

Até ao percentil 50

8

16

-6

7

12

12

2

39

12

Percentis 50-90

38

48

19

24

38

39

12

38

38

Maior que percentil 90

54

37

88

69

50

49

87

24

50

Fonte: BCE. | Notas: Os ativos financeiros mais expostos à inflação incluem depósitos e títulos de dívida. Os ativos financeiros menos expostos à inflação incluem ações cotadas, ações não cotadas e outras participações, ações ou unidades de participação em fundos de investimento e direitos associados a seguros de vida e anuidades.

  1. Evolução da riqueza líquida das famílias no período 2019 T4–2024 T2

 

Variação (%)

Contributos (pp)

 

Até percentil 50

Percentil 50-90

Maior que percentil 90

Todas as famílias

Até percentil 50

Percentil 50-90

Maior que percentil 90

Todas as famílias

Riqueza líquida total a preços correntes

57,6

39,8

32,4

36,9

57,6

39,8

32,4

36,9

Habitação

26,2

39,4

39,2

37,1

41,4

32,9

16,6

24,4

Riqueza financeira líquida

27,8

41,7

27,3

36,5

16,2

6,9

15,8

12,5

Ativos financeiros

34,4

32,6

25,8

28,0

15,7

10,6

16,7

14,4

Ativos mais expostos à inflação

36,4

30,1

18,1

24,5

14,1

7,4

4,3

6,2

Ativos menos expostos à inflação

23,3

40,4

30,3

31,3

1,6

3,1

12,4

8,2

Empréstimos

-0,4

23,0

13,6

10,8

0,4

-3,7

-1,0

-1,9

Riqueza líquida total a preços constantes

34,5

19,3

13,0

16,9

34,5

19,3

13,0

16,9

Habitação

7,7

19,0

18,9

17,0

12,2

15,9

8,0

11,2

Riqueza financeira líquida

38,4

21,0

8,7

16,6

22,3

3,5

5,0

5,7

Ativos financeiros

14,7

13,2

7,4

9,2

6,7

4,3

4,8

4,7

Ativos mais expostos à inflação

16,4

11,1

0,9

6,3

6,4

2,7

0,2

1,6

Ativos menos expostos à inflação

5,2

19,9

11,2

12,0

0,4

1,5

4,6

3,2

Empréstimos

-15,0

5,0

-3,0

-5,4

15,6

-0,8

0,2

0,9

Fontes: Banco de Portugal e BCE. | Notas: Os ativos financeiros mais expostos à inflação incluem depósitos e títulos de dívida. Os ativos financeiros menos expostos à inflação incluem ações cotadas, ações não cotadas e outras participações, ações ou unidades de participação em fundos de investimento e direitos associados a seguros de vida e anuidades. A riqueza a preços constantes foi calculada com base no deflator do consumo privado, referindo-se a preços de 2021.

 
  1. Uma análise dos fluxos de contratação e de separação no mercado de trabalho português

O mercado de trabalho português é caraterizado por uma forte dinâmica. Os fluxos de contratação e de separação de trabalhadores ao nível da empresa são demonstrativos dessa dinâmica. As contratações refletem o investimento das empresas em capital humano e o respetivo processo de recrutamento e seleção. As saídas podem ser voluntárias, assumir a forma de despedimento ou de aposentação, entre outras. Uma fração relevante destas separações decorre de decisões dos trabalhadores, nomeadamente as mudanças de emprego entre empresas. Estas decisões determinam em grande medida as flutuações cíclicas do emprego, sendo usualmente da variação nas contratações que vem o maior contributo.

Os microdados da Segurança Social permitem calcular para cada empresa estes fluxos de contratação e de separação dos trabalhadores por conta de outrem. As taxas de contratação (separação) no trimestre podem ser definidas como o rácio entre as novas contratações (separações) registadas nesse trimestre e o emprego médio nos meses de término desse trimestre e do anterior. A taxa de contratação líquida corresponde à diferença entre as taxas de contratação e de separação.

As taxas de contratação líquida registaram valores elevados nos últimos dois anos: 1,5% em 2022 e 1% em 2023 (Gráfico C7.1).13 Estas taxas de contratação líquida correspondem a taxas de contratação e de separação de 13% e 11,5% em 2022, e de 12,5% e 11,4% em 2023. No ano terminado no segundo trimestre de 2024, a taxa de contratação líquida foi de 0,7%, refletindo taxas médias de contratação e de separação de 12% e 11,3%. Estes valores significam que cerca de um em cada oito empregos do trimestre resultaram de uma nova relação contratual trabalhador-empresa e que aproximadamente um em cada nove trabalhadores terminaram o seu vínculo com o empregador neste período. Note-se que o abrandamento da contratação líquida se deve à redução da taxa de contratação em 1 pp, dado que a taxa de separação se manteve quase inalterada (-0,2 pp). A evolução cíclica reflete-se sobretudo na vontade de contratar e não tanto numa revisão da política de cessação das relações laborais.

Os valores agregados das taxas de contratação líquida escondem diferenças nos fluxos de contratação e de separação por caraterísticas das empresas e dos trabalhadores.

O Quadro C7.1 apresenta as taxas de contratação, de separação e de contratação líquida no ano terminado no segundo trimestre de 2024, por setor de atividade económica. As taxas médias de novas contratações de trabalhadores foram mais elevadas nos setores da agricultura e pesca (27,6%), das atividades administrativas (23,6%), do alojamento e restauração (18%), da construção (14,8%) e das atividades artísticas e desportivas (13,3%). As taxas médias de separação foram, também, mais elevadas nestes setores. A maior rotação de trabalhadores — soma das contratações e separações — tipicamente associada a estes setores reflete a menor importância do capital humano específico nestes setores e a sua maior sazonalidade. O setor das atividades imobiliárias registou a taxa de contratação líquida mais elevada (1,6%), seguido do alojamento e restauração (1,4%), da construção (1,4%), das atividades de consultoria e científicas (1,3%) e dos transportes e armazenagem (1,3%).14 Os contributos para a taxa de contratação líquida foram mais elevados nos setores do alojamento e da restauração (0,15 pp), da construção (0,13 pp) e do comércio por grosso e a retalho (0,12 pp).

  1. Taxas de contratação, de separação e de contratação líquida | Taxas médias trimestrais, em percentagem do emprego médio nos meses de fim do trimestre

Fonte: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Cálculos ao nível da empresa. Considera-se a data de início (fim) da relação contratual para definir o mês de contratação (separação). O ano terminado em 2024T2 corresponde ao período entre o terceiro trimestre de 2023 e o segundo trimestre de 2024.

  1. Taxas de contratação, de separação e de contratação líquida no ano terminado em 2024 T2, por setor de atividade económica | Taxas médias trimestrais, em percentagem do emprego médio do setor nos meses de fim do trimestre; e contributos, em pontos percentuais

 

Taxa de contratação

Taxa de separação

Taxa de contratação líquida

Contributos para a taxa de contratação líquida

Agricultura e pesca

27,6

27,1

0,6

0,02

Indústrias extrativas

6,3

5,8

0,5

0,00

Indústrias transformadoras

5,8

6,2

-0,3

-0,06

Eletricidade e gás

3,4

3,9

-0,4

0,00

Água

6,1

5,2

0,8

0,01

Construção

14,8

13,4

1,4

0,13

Comércio

9,7

9,1

0,6

0,12

Transportes e armazenagem

9,6

8,3

1,3

0,07

Alojamento e restauração

18,0

16,6

1,4

0,15

Ativ. de informação e comunicação

7,2

6,4

0,8

0,04

Ativ. financeiras e seguros

4,0

3,2

0,8

0,02

Ativ. imobiliárias

10,9

9,2

1,6

0,02

Ativ. de consultoria e científicas

9,0

7,7

1,3

0,08

Ativ. administrativas

23,6

23,2

0,4

0,04

Ativ. artísticas e desportivas

13,3

12,1

1,2

0,02

Outros serviços

8,0

7,7

0,3

0,01

Total dos setores

12,0

11,3

0,7

0,7

Fonte: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Cálculos ao nível da empresa. Considera-se a data de início (fim) da relação contratual para definir o mês de contratação (separação).

A taxa de contratação líquida foi mais elevada nas empresas de menor dimensão (Quadro C7.2). Estas empresas tiveram o maior contributo para o crescimento líquido do emprego. Por sua vez, refletindo a sua maior margem para acomodar a rotação de trabalhadores, as empresas de maior dimensão (com 500 ou mais trabalhadores) registaram as taxas de contratação e de separação mais elevadas, que resultaram em taxas de contratação líquida mais baixas.

A percentagem de empresas com criação líquida de emprego está positivamente correlacionada com a dimensão das empresas. No período analisado, esta percentagem foi de 49% nas empresas de maior dimensão e de 7% nas empresas de menor dimensão.

  1. Taxas de contratação, de separação e de contratação líquida no ano terminado em 2024 T2, por classe de dimensão das empresas | Taxas médias trimestrais, em percentagem do emprego médio da classe de dimensão nos meses de fim do trimestre; e contributos, em pontos percentuais

 

Taxa de contratação

Taxa de separação

Taxa de contratação líquida

Contributos para a taxa de contratação líquida

Percentagem de empresas com criação líquida de emprego

[1, 10]

11,5

10,7

0,8

0,19

7,0

[11, 20]

11,8

11,0

0,8

0,08

20,4

[21, 100]

12,3

11,5

0,8

0,19

30,7

[101, 250]

11,4

11,0

0,4

0,05

41,5

[251, 499]

11,5

10,3

1,2

0,09

47,5

500+

12,5

12,3

0,2

0,05

48,5

Fonte: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Cálculos ao nível da empresa. Considera-se a data de início (fim) da relação contratual para definir o mês de contratação (separação). A classe de dimensão foi definida de acordo com o emprego médio da empresa no período em análise.

A intensificação do fluxo líquido migratório tem contribuído para a dinâmica no mercado de trabalho em Portugal, mitigando as dificuldades de contratação em determinados setores de atividade e sustentando o aumento do emprego. Nos setores em análise, os trabalhadores de nacionalidade estrangeira representavam 17,4% dos trabalhadores por conta de outrem no ano terminado no segundo trimestre de 2024, um aumento de 11 pp face a 2019.

As taxas de contratação e de separação de trabalhadores de nacionalidade estrangeira aumentaram 4,5 pp e 4,1 pp entre 2019 e o ano terminado no segundo trimestre de 2024, o que compara com uma redução de 3,9 pp e de 3 pp no caso dos trabalhadores nacionais (Gráfico C7.2 — Painéis A e B). Em particular, no ano terminado no segundo trimestre de 2024, a taxa média de contratação líquida, em percentagem do emprego médio de cada grupo, foi superior para os trabalhadores de nacionalidade estrangeira (1,2% vs. -0,2%), correspondendo a taxas de contratação mais elevadas (7,2% vs. 6,7%) e a taxas de separação mais reduzidas (6,1% vs. 6,9%). Estes resultados traduzem inter alia o envelhecimento demográfico da população de nacionalidade portuguesa, com uma maior transição para a reforma e uma menor entrada de trabalhadores jovens no mercado de trabalho, associada à continuada redução da fertilidade e ao prolongamento dos estudos.

No ano terminado no segundo trimestre de 2024, o contributo dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para a taxa de contratação líquida agregada foi de 0,9 pp, enquanto o contributo dos trabalhadores nacionais foi negativo, -0,2 pp (Quadro C7.3). Nesse período, o contributo dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para a taxa de contratação total da economia foi de 5,4 pp, o que compara com um contributo de 6,5 pp dos trabalhadores nacionais. Por sua vez, o contributo dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para a taxa de separação total da economia foi de 4,5 pp, o que compara com 6,8 pp no caso dos trabalhadores nacionais (Gráfico C7.2 — Painéis C e D). Esta evolução ocorre a par do aumento da taxa de participação da população de nacionalidade portuguesa para valores historicamente elevados, indicando que a contratação de trabalhadores de nacionalidade estrangeira não está associada a uma menor procura de trabalhadores nacionais.

Os contributos dos trabalhadores com nacionalidade estrangeira para as taxas de contratação foram superiores aos dos trabalhadores nacionais nos setores da agricultura e pesca (21,8 pp vs. 5,8 pp), da construção (8,8 pp vs. 6,0 pp), do alojamento e restauração (9,4 pp vs. 8,6 pp) e das atividades administrativas (12,0 pp vs. 11,6 pp) (Quadro C7.3).15 As taxas médias de separação dos trabalhadores com nacionalidade estrangeira foram inferiores às dos trabalhadores nacionais, exceto nos setores da agricultura e pesca (20,7 pp vs. 6,3 pp) e da construção (7,2 pp vs. 6,2 pp).

Os contributos dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira para as taxas de contratação líquida foram superiores aos dos trabalhadores nacionais na generalidade dos setores de atividade, à exceção das atividades financeiras e dos seguros, das atividades de consultoria e científicas, e das atividades artísticas e desportivas. Estes contributos foram especialmente elevados nos setores do alojamento e da restauração (1,8 pp), da construção (1,6 pp), das atividades administrativas (1,2 pp), da agricultura e pesca (1,1 pp) e dos transportes e armazenagem (1,1 pp). Por sua vez, os contributos dos trabalhadores nacionais foram negativos em metade dos setores em análise, destacando-se os contributos negativos nos setores da indústria transformadora (-0,8 pp), das atividades administrativas (-0,8 pp), da agricultura e pesca (-0,6 pp) e do alojamento e restauração (-0,4 pp).

  1. Fluxos de trabalhadores por nacionalidade | Taxas médias trimestrais de contratação, de separação e de contratação líquida, em percentagem do emprego médio por nacionalidade nos meses de fim do trimestre; e contributos, em pontos percentuais

Painel A — Nacionais

Painel B — Nacionalidade estrangeira

 

 

 

Painel C — Contributos para as taxas de contratação do total da economia

Painel D — Contributos para as taxas de separação do total da economia

Fonte: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Cálculos ao nível da empresa. Considera-se a data de início (fim) da relação contratual para definir o mês de contratação (separação).

  1. Fluxos de trabalhadores por setor de atividade económica da empresa e nacionalidade do trabalhador no ano terminado em 2024 T2 | Contributos por nacionalidade para as taxas médias trimestrais do setor, em pontos percentuais

 

Contributos para a taxa de contratação

Contributos para a taxa de separação

Contributos para a taxa de contratação líquida

 

Nacionais

Estrangeiros

Nacionais

Estrangeiros

Nacionais

Estrangeiros

Agricultura e pesca

5,8

21,8

6,3

20,7

-0,6

1,1

Indústrias extrativas

4,1

2,2

4,3

1,5

-0,2

0,7

Indústrias transformadoras

3,9

2,0

4,7

1,5

-0,8

0,5

Eletricidade e gás

2,9

0,5

3,6

0,3

-0,7

0,2

Água

4,5

1,6

4,2

1,1

0,3

0,5

Construção

6,0

8,8

6,2

7,2

-0,3

1,6

Comércio

6,9

2,8

6,9

2,2

0,0

0,7

Transportes e armazenagem

5,4

4,2

5,2

3,1

0,1

1,1

Alojamento e restauração

8,6

9,4

9,0

7,6

-0,4

1,8

Ativ. de informação e comunicação

5,2

2,0

4,8

1,6

0,3

0,5

Ativ. financeiras e seguros

3,5

0,5

2,9

0,3

0,6

0,2

Ativ. imobiliárias

7,2

3,6

6,6

2,6

0,6

1,0

Ativ. de consultoria e científicas

6,7

2,3

5,9

1,8

0,8

0,6

Ativ. administrativas

11,6

12,0

12,3

10,8

-0,8

1,2

Ativ. artísticas e desportivas

9,9

3,3

9,2

2,9

0,7

0,5

Outros serviços

5,4

2,7

5,6

2,1

-0,2

0,6

Total dos setores

6,5

5,4

6,8

4,5

-0,2

0,9

Fonte: Microdados da Segurança Social (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Cálculos ao nível da empresa. Considera-se a data de início (fim) da relação contratual para definir o mês de contratação (separação).

 

Tema em destaque

O comércio internacional português e a fragmentação da economia mundial1

A eclosão de conflitos armados, como a invasão da Ucrânia pela Rússia e o confronto no Médio Oriente, acentuou as tensões internacionais. As disrupções nos fluxos comerciais que resultaram da pandemia e dos conflitos armados suscitaram preocupações quanto à resiliência das cadeias de abastecimento globais e intensificaram o debate sobre a segurança económica. Em resposta, vários países adotaram políticas protecionistas que procuram substituir importações por produção interna ou favorecer o comércio com países aliados ou que partilham valores semelhantes (friendshoring). Muitas empresas têm também manifestado interesse em reduzir a sua dependência de fornecedores localizados em países com diferenças geopolíticas significativas, motivadas por receios de perda de acesso a inputs críticos para as suas atividades. As questões geopolíticas têm deste modo assumido uma influência crescente no comércio internacional, gerando preocupações sobre a fragmentação da economia mundial.

Assim, importa estudar a ligação entre a fragmentação da economia mundial nos últimos anos e a evolução do comércio externo português. Os resultados mostram uma estabilidade das barreiras tarifárias ao comércio português até 2022. No entanto, existe evidência de que as barreiras não tarifárias, que são mais difíceis de quantificar, têm vindo a aumentar até 2023. Num contexto de participação na União Europeia (UE) e de estabilização das barreiras tarifárias, o comércio português de bens e serviços não tem demonstrado sinais de abrandamento nos últimos anos, verificando-se um aumento continuado do grau de abertura da economia. Porém, há um papel crescente da distância geopolítica enquanto determinante das importações portuguesas de bens.

O aumento do protecionismo global e a evolução das barreiras ao comércio português

Nos últimos anos, intensificaram-se as pressões protecionistas globais, observando-se um aumento do número de novas intervenções que, direta ou indiretamente, restringem os fluxos comerciais (Gráfico 1). Dois exemplos claros do aumento do protecionismo são o aumento das barreiras tarifárias entre a China e os EUA a partir de 2018 e a saída do Reino Unido da UE em 2020, após o referendo de 2016.

  1. Novas medidas que afetam os fluxos comerciais a nível mundial | Número

Fonte: Global Trade Alert. | Notas: Os valores são ajustados pelo Global Trade Alert para assegurar que os desfasamentos no processo de recolha da informação utilizada no cálculo dos indicadores não afetam a comparabilidade das séries ao longo do tempo. As medidas prejudiciais correspondem a medidas que discriminam ou potencialmente discriminam os interesses comerciais estrangeiros, tal como classificadas pelo Global Trade Alert. As medidas liberalizadoras correspondem a intervenções que liberalizam de forma não discriminatória ou melhoram a transparência de uma política.

Sobretudo depois da pandemia, observou-se também um reforço dos apoios dos Estados a empresas nacionais, justificados pela necessidade de proteção do emprego interno e de segurança no acesso a matérias-primas críticas, bem como um reforço da cooperação com países que partilham valores semelhantes. Um exemplo de política de apoio às empresas nacionais é a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) implementada nos Estados Unidos em 2022. Os subsídios atribuídos às empresas ao abrigo deste programa estão condicionados a que os produtos sejam fabricados nos Estados Unidos ou utilizem materiais aí produzidos ou em países com os quais os Estados Unidos têm acordos comerciais específicos. Exemplos de políticas com caraterísticas de friendshoring são o Regulamento dos Circuitos Integrados (European Chips Act), em vigor na UE desde setembro de 2023, que promove colaborações no setor dos semicondutores com países que “partilham das mesmas ideias”.2 Outro exemplo é a Parceria para a Segurança dos Minerais, que envolve os EUA, a UE e países como o Canadá e a Austrália, com o objetivo de garantir o fornecimento regular de minerais críticos.

Em Portugal, a maior parte dos fluxos comerciais externos ocorre com parceiros que pertencem à UE, onde o mercado único assegura a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas entre os países membros (Gráfico 2). Tanto nas exportações como nas importações, o peso do comércio intracomunitário em termos nominais é superior a 60%, mesmo após a saída do Reino Unido da UE em 2020. Assim, a participação na UE constitui uma forte proteção para Portugal face à fragmentação da economia mundial.

  1. Peso do comércio intracomunitário no total do comércio português | Percentagem

Fontes: Banco de Portugal e INE (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Valores nominais de exportações e importações de bens e serviços, com base em dados de comércio internacional e de balança de pagamentos. O comércio intracomunitário corresponde ao comércio de Portugal com os restantes países da União Europeia na composição do respetivo ano (composição variável).

O comércio extracomunitário português de bens está sujeito à pauta tarifária exterior comum da UE e a tarifas impostas por terceiros aos produtos oriundos de países comunitários. Para medir a evolução das barreiras tarifárias no comércio extracomunitário de bens, considera-se o valor das tarifas efetivas implícitas nas importações e exportações portuguesas. A tarifa efetiva corresponde à tarifa efetivamente aplicada sobre as transações, ao nível do país-produto, tendo em conta a existência de acordos comerciais. Esses valores são depois agregados por produto, por país ou para o total das exportações/importações portuguesas, com base nos pesos de cada produto-país nos fluxos comerciais.

Para obter informação sobre as tarifas efetivas, utilizou-se a base de dados TRAINS. Para as agregações, utilizou-se informação sobre os fluxos anuais de comércio de bens entre Portugal e os países não membros da UE disponível na base de dados UNCOMTRADE. Os dados foram extraídos através da ferramenta World Integrated Trade Solution — WITS do Banco Mundial. A análise é feita até 2022, último ano disponível na base de dados TRAINS, e um produto é definido como um código do Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias a 6 dígitos (mais de 4500 produtos).

A tarifa efetiva média aplicada às importações portuguesas de bens tem-se mantido estável até 2022 em torno de 1% (Gráfico 3). No início dos anos 2000, a tarifa efetiva média tinha diminuído, o que correspondeu a um período de aceleração da globalização, após a integração da China na Organização Mundial de Comércio e com novos acordos comerciais celebrados pela UE.

A tarifa efetiva média aplicada às exportações portuguesas de bens tem vindo a diminuir desde 2014, situando-se em valores em torno de 4% em 2022. Embora refletindo cabazes de troca diferentes, a tarifa efetiva média que incide sobre as importações é mais baixa do que a aplicada sobre as exportações portuguesas. Tal significa que as exportações portuguesas extracomunitárias são mais penalizadas do que as importações portuguesas provenientes de países não membros da UE, limitando a capacidade de penetração das empresas nacionais nesses mercados. Este resultado já havia sido identificado no Tema em destaque do Boletim Económico de outubro de 2017 e mantém-se até 2022.

A evolução da tarifa efetiva média reflete não só alterações nas taxas tarifárias impostas a cada par produto-país, mas também alterações nos cabazes de trocas. No caso de as tarifas aplicadas a um determinado produto-país aumentarem, mas o valor das trocas comerciais desse produto-país diminuir, sendo substituído por comércio de outro produto-país com uma tarifa mais baixa, a tarifa efetiva média do comércio total pode diminuir em vez de subir, por via deste efeito composição.

  1. Tarifas efetivas médias aplicadas sobre as importações e exportações extracomunitárias portuguesas de bens | Percentagem

Fontes: UNCOMTRADE e TRAINS (dados extraídos da WITS; cálculos do Banco de Portugal) | Nota: Para o cálculo das tarifas efetivas com pesos variáveis, utilizou-se informação sobre as tarifas médias aplicadas nas exportações/importações extracomunitárias portuguesas ao nível do produto a 2 dígitos (96 categorias).

Para avaliar se o efeito composição tem um papel relevante na evolução da tarifa efetiva média que incidiu sobre as importações e exportações portuguesas de bens nos últimos anos, recalculou-se o indicador em 2021 e 2022 fixando as trocas comerciais no nível observado em 2014. Com este cálculo, o valor da tarifa efetiva média que incidiu sobre as importações portuguesas em 2021 e 2022 é semelhante ao obtido com pesos variáveis. Pelo contrário, a tarifa efetiva média aplicada às exportações portuguesas com pesos constantes é superior nestes dois anos. A diminuição observada na série com pesos variáveis resulta de um reajustamento das exportações portuguesas, entre 2014 e 2021–2022, para produtos-países sujeitos a tarifas mais baixas nos mercados internacionais.

A tarifa efetiva média que incidiu sobre as exportações de bens para os principais parceiros comerciais extracomunitários manteve-se estável entre 2014 e 2022 nos EUA, Brasil e Suíça, aumentou em Israel, Coreia do Sul e Reino Unido e diminuiu na China e Canadá (Gráfico 4). No caso de Angola, apesar da tarifa efetiva média com peso variável ter diminuído entre 2014 e 2022, a tarifa efetiva com pesos constantes aumentou. Esta evolução reflete em parte o aumento das tarifas aplicadas às bebidas alcoólicas, cujo peso nas exportações portuguesas para Angola diminuiu 5 pp no mesmo período.

Podemos associar alguns destes movimentos a desenvolvimentos específicos da política comercial da UE ou a desenvolvimentos particulares da economia portuguesa. A redução observada no Canadá (com pesos variáveis e com pesos constantes) pode estar associada ao acordo comercial assinado entre o Canadá e a UE (EU-Canada Comprehensive Economic and Trade Agreement — CETA), que entrou em vigor de forma provisória em setembro de 2017.3 No caso da China, observou-se uma redução da tarifa efetiva de 12,5% em 2014 para 4,7% em 2022. No entanto, esta redução foi bastante menor com pesos constantes (para 9%), o que sugere uma alteração do padrão de exportação, com maior orientação para produtos com tarifas mais baixas. Avaliando em detalhe os produtos exportados para a China, observa-se que, em 2014, o principal produto foi uma categoria de veículos automóveis com uma tarifa de 25%. Em 2022, o principal produto exportado correspondeu a partes e acessórios do corpo de automóveis sujeitos a uma tarifa de 6% (não se registando exportações da categoria de automóveis mais exportada em 2014). No que toca aos parceiros onde se registou um aumento da tarifa efetiva, destaca-se o caso do Reino Unido pelo seu peso nas exportações extracomunitárias portuguesas. Após o Brexit, o Reino Unido deixou de pertencer ao mercado único e passou a estar sujeito ao Acordo de Comércio e Cooperação com a UE. O acordo prevê a isenção de tarifas, mas apenas quando são cumpridas as regras de origem, ou seja, quando o produto é classificado como originário da UE ou do Reino Unido.4

  1. Tarifa efetiva média aplicada às exportações portuguesas de bens, por parceiro comercial | Percentagem

Fontes: UNCOMTRADE e TRAINS (dados extraídos da WITS; cálculos do Banco de Portugal). | Nota: O gráfico apresenta os dez principais destinos das exportações extracomunitárias portuguesas de bens em 2022.

Para além de barreiras tarifárias, que pela sua natureza se aplicam apenas aos bens, o comércio português também é afetado por outro tipo de barreiras, nas suas componentes extracomunitária e intracomunitária. As barreiras não tarifárias são difíceis de quantificar e, consequentemente, o efeito nos preços e quantidades transacionadas é difícil de avaliar. No entanto, existe evidência de que estas barreiras têm um impacto significativo no comércio.5 Para ilustrar a sua evolução, recorreu-se à informação sobre as novas medidas não tarifárias implementadas que afetam negativamente o comércio português, disponibilizada pelo Global Trade Alert. Esta informação apenas mede o número de intervenções, sem ter em conta a sua duração e a dimensão dos fluxos comerciais afetados. Adicionalmente, o número de intervenções não é ajustado por possíveis desfasamentos no processo de recolha da informação e, como tal, a sua evolução temporal deve ser interpretada com cautela.

Os resultados mostram que o número de novas medidas não tarifárias em 2023 é superior ao observado antes da pandemia (Gráfico 5). Por tipo de medida, a principal intervenção são as subvenções financeiras a empresas nacionais. Estes apoios afetam indiretamente as exportações portuguesas nos vários mercados em que as empresas portuguesas concorrem com as empresas apoiadas por essas medidas. Em termos de países, o aumento das barreiras reflete sobretudo a ação da China e dos EUA. No caso da China observou-se um aumento dos subsídios às empresas, enquanto nos EUA as barreiras refletiram sobretudo condicionalismos em termos da contratação pública que exigem, por exemplo, a utilização de produtos produzidos nos EUA. O número de novas medidas implementadas por países da União Europeia manteve-se estável entre 2009 e 2019, tendo registado um aumento desde então, sobretudo devido a subsídios e ajudas estatais. As medidas não tarifárias implementadas por Portugal também aumentaram nos últimos quatro anos, refletindo principalmente medidas de política ao nível da União Europeia referentes a sanções e subvenções financeiras.

  1. Novas medidas prejudiciais não tarifárias que afetam Portugal | Número

Painel A — Por tipo de medida

Painel B — Por país

Fonte: Microdados do Global Trade Alert extraídos em outubro de 2024 (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: As medidas prejudiciais discriminam ou potencialmente discriminam os interesses comerciais estrangeiros, tal como classificadas pelo Global Trade Alert. Os totais dos anos mais recentes podem estar subestimados devido a desfasamentos no processo de recolha da informação utilizada no cálculo dos indicadores. O agregado dos países da UE inclui os países que pertencem à União Europeia na composição do respetivo ano (composição variável).

Evolução do comércio português: sinais de “desglobalização” ou de reconfiguração?

No quadro da participação na UE e de relativa estabilização das barreiras tarifárias efetivas, o comércio português de bens e serviços não tem demonstrado sinais de abrandamento, descontando os efeitos da pandemia do COVID-19, prosseguindo uma trajetória de aumento do seu peso no PIB, em termos nominais. Entre 1996 e 2019, o peso do comércio de bens no PIB aumentou de 50,3% para 65,2%. Comparativamente, no mundo como um todo, esse aumento foi menor, de 34,4% para 43,6% (Gráfico 6). Depois do choque da pandemia, o comércio português de bens registou um dinamismo assinalável, cifrando-se em 68,2% do PIB em 2023 (45,5% no caso dos fluxos mundiais). Este aumento foi generalizado a todos os tipos de bens, inserindo-se numa tendência mais longa e na estratégia de internacionalização das empresas portuguesas.

  1. Peso do comércio internacional de bens e serviços no PIB | Percentagem

Painel A — Portugal

Painel B — Mundo

Fontes: Banco de Portugal, Banco Mundial, INE e Organização Mundial do Comércio (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Utilizaram-se os dados do comércio internacional para os bens e os dados da balança de pagamentos para os serviços. Os valores correspondem à soma das exportações e importações em percentagem do PIB.

O aumento do grau de abertura da economia portuguesa tem também resultado do crescimento do comércio de serviços desde 2006. No período pós-pandémico, esta evolução é bastante mais marcada do que a registada a nível global, com um contributo mais relevante da componente de exportações. As exportações de serviços de turismo e transportes, que pesam, respetivamente, 48,1% e 19,4% do total das exportações portuguesas de serviços em 2023, foram bastante relevantes para esta evolução. Entre 2019 e 2023, as exportações de turismo cresceram 45,4% enquanto as exportações de serviços de transporte aumentaram 38,4%. O dinamismo nos outros serviços foi ainda mais marcado com o seu peso no PIB a subir de 8,7 pp para 10,9 pp, para o qual contribuíram as exportações de serviços de telecomunicações, informáticos e de informação, cujo valor em 2023 foi o dobro do registado em 2019.6 Esta tendência de aumento do grau de abertura da economia portuguesa é ainda mais marcada quando se analisam os dados em termos reais.

Embora ainda não se observem efeitos negativos das tensões geopolíticas no comércio português, pode existir uma alteração do padrão do comércio e do peso dos parceiros em função das suas caraterísticas. A nível global, existe evidência empírica de que a fragmentação não tem levado a uma “desglobalização” (Antràs, 2020), mas antes a uma reconfiguração dos fluxos comerciais. Por exemplo, Gopinath et al. (2024) mostram que, desde o início da guerra na Ucrânia, o comércio entre blocos de países politicamente distantes tem desacelerado mais do que o comércio dentro desses blocos. Alfaro e Chor (2023) e Freund et al. (2024) documentam uma diminuição das importações dos EUA provenientes da China nos últimos anos, enquanto países geopoliticamente mais próximos, como o Vietnam e o México, têm ganho importância nas importações americanas. Segundo os autores, o aparecimento de países “conetores”, que têm servido de intermediários entre blocos, terá contribuído para a resiliência do comércio mundial face à crescente fragmentação da economia mundial.

Neste contexto, é importante estudar se as considerações geopolíticas têm afetado de forma significativa as importações portuguesas nos últimos anos. O ponto de partida para esta avaliação passa pela análise da distância geopolítica de cada país a Portugal, ao longo do tempo, utilizando a medida proposta por Bailey, Strezhnev e Voeten (2017). Esta medida quantifica o desalinhamento da política externa entre dois países em cada ano com base no sentido de voto nas reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas e foi normalizada para assumir valores entre 0 (mínimo) e 100 (máximo). Os principais países de origem das importações portuguesas entre 2002 e 2023, tais como Espanha e Alemanha, apresentam-se bastante próximos em termos de distância geopolítica, o que os situa sempre no primeiro decil da distribuição do indicador. Os EUA e a China situam-se, em média, no centro da distribuição. No decil superior e nos anos mais recentes, encontram-se países como o Irão e a Síria (Gráfico 7).

  1. Distribuição da distância geopolítica a Portugal em 2023 | Número de países

Fontes: Bailey, Strezhnev e Voeten (2017) (cálculos do Banco de Portugal).

Observa-se uma relação negativa entre a variação da medida de distância geopolítica a Portugal e o crescimento das importações portuguesas entre 2019 e 2023, isto é, um aumento da distância geopolítica de um país em relação a Portugal está associado a um menor crescimento das importações provenientes desse país (Gráfico 8). Um exemplo notório é a Rússia (representada a vermelho no gráfico) que desde 2019 aumentou em 19 pontos a sua distância geopolítica e de onde as importações nominais caíram 70% no mesmo período. O peso da Rússia nas importações portuguesas de bens e serviços diminuiu de 1,2% em 2019 para 0,3% em 2023. Esta evolução refletirá em larga medida as proibições à importação de bens energéticos implementadas pela União Europeia, dado o elevado peso desses bens nas importações portuguesas da Rússia em 2019 (70%).

A evolução das importações oriundas dos países que se abstiveram na resolução da Assembleia Geral da ONU de 2 de março de 2022 que condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia (representados a amarelo) é heterogénea. Entre esses países, destaca-se a China, cuja distância geopolítica a Portugal aumentou 20 pontos desde 2019, mas de onde as importações nominais de bens e serviços cresceram 80% entre 2019 e 2023. O peso da China nas importações portuguesas subiu nesse período, de 3,5% em 2019 para 4,7% em 2023.

A evidência descritiva de um menor crescimento das importações de países que se tornaram mais distantes em termos geopolíticos é corroborada por uma análise baseada na estimação de equações gravitacionais, complementadas pela variável da distância geopolítica entre Portugal e os diferentes países. As equações são estimadas para o montante anual (em euros) das importações bilaterais de Portugal de bens e serviços. Num primeiro modelo, estimado até 2022, foram consideradas as caraterísticas dos países e dos diferentes anos, bem como a evolução das barreiras às importações impostas pela UE aos seus parceiros comerciais. Para determinar se a recomposição do comércio está relacionada com a distância geopolítica e não com um efeito de recomposição por aumento das barreiras ao comércio, a especificação inclui a evolução da tarifa média anual aplicada às importações de bens de cada país e variáveis binárias que controlam pela existência de acordos de comércio. No entanto, barreiras como a proibição de importação de certos produtos ou barreiras específicas ao comércio de serviços não foram incluídas devido à sua difícil quantificação. Num segundo modelo, a evolução das barreiras às importações impostas pela UE não foi considerada, o que permitiu estender a análise até 2023.

  1. Relação entre a taxa de crescimento das importações portuguesas e a variação da distância geopolítica a diferentes países entre 2019 e 2023

Fontes: INE, Banco de Portugal, Bailey, Strezhnev e Voeten (2017) e United Nations Digital Library (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: As cores refletem a posição dos países na resolução da Assembleia Geral da ONU de 2 de março de 2022 que condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia: verde — a favor; amarelo — abstenção, vermelho — contra. O gráfico inclui 60 países (exclui países que em 2019 representavam menos de 1% das importações portuguesas). A linha a tracejado representa uma tendência linear.

Os resultados da análise revelam que, nos anos mais recentes, a distância geopolítica passou a ser um determinante significativo das importações portuguesas (Gráfico 9). Considerando o modelo que controla para a variação das barreiras às importações de diferentes países, obtém-se que, em média em 2020-2022, um aumento unitário no índice de distância geopolítica traduziu-se numa redução de 1% do valor anual de importações. Esta semi-elasticidade é estatisticamente significativa, considerando um nível de significância de 5%. Nas amostras anteriores a 2017, essa sensibilidade não era estatisticamente significativa. Assim, os resultados sugerem que, nos anos mais recentes, o crescimento das importações de países geopoliticamente mais distantes foi sistematicamente mais fraco. Os resultados são muito semelhantes quando é utilizado o modelo que não controla para a evolução das barreiras às importações e que permite estender a análise até 2023.

Os resultados desagregados para importações de bens e de serviços mostram que o aumento da sensibilidade das importações à distância geopolítica está concentrado no comércio de bens (Gráfico 10). Este resultado mantém-se mesmo quando são excluídas as importações de bens energéticos. Os resultados das importações de serviços indicam que, nos anos mais recentes, estas também são sensíveis à distância geopolítica, mas essa sensibilidade já existia no passado.

  1. Sensibilidade das importações portuguesas à distância geopolítica | Estimativa da semi-elasticidade e intervalos de confiança a 95%

Fontes: INE, Banco de Portugal, TRAINS (dados extraídos da WITS), base de dados Mario Larch’s Regional Trade Agreements (Egger and Larch, 2008) e Fundo Monetário Internacional (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A estimação recorreu ao estimador de pseudo-máxima verosimilhança de Poisson (Santos Silva e Tenreyro, 2006). A amostra do modelo 1 inclui os anos 2002–2022 e a amostra do modelo 2 inclui os anos 2002–2023. Em ambos os modelos, as regressões incluem efeitos fixos ano e país, assim como o logaritmo do PIB anual do país de origem das importações. No modelo 1, as regressões também incluem uma medida da tarifa média anual aplicada às importações (de bens) desse país e variáveis binárias para a existência de acordos de comércio entre os dois países. Os erros padrão são agrupados ao nível do país.

  1. Sensibilidade das importações portuguesas à distância geopolítica — bens vs. serviços | Estimativa da semi-elasticidade e intervalos de confiança a 95%

Painel A — Bens

Painel B — Serviços

Fontes: INE, Banco de Portugal, TRAINS (dados extraídos da WITS), base de dados Mario Larch’s Regional Trade Agreements (Egger and Larch, 2008) e Fundo Monetário Internacional (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A estimação recorreu ao estimador de pseudo-máxima verosimilhança de Poisson (Santos Silva e Tenreyro, 2006). A amostra do modelo 1 inclui os anos 2002–2022 e a amostra do modelo 2 inclui os anos 2002–2023. Em ambos os modelos, as regressões incluem efeitos fixos ano e país, assim como o logaritmo do PIB anual do país de origem das importações. No modelo 1, as regressões também incluem uma medida da tarifa média anual aplicada às importações (de bens) desse país e variáveis binárias para a existência de acordos de comércio entre os dois países. Os erros padrão são agrupados ao nível do país.

Em suma, os resultados sugerem que as importações portuguesas tornaram-se mais sensíveis à distância geopolítica, em linha com os resultados obtidos na literatura para o comércio global de bens.7 Esta sensibilidade pode intensificar-se à medida que as empresas superam os custos decorrentes de alterar modelos de negócios, cadeias de valor e contratos. A evidência qualitativa disponível para países da área do euro8 sugere que, embora muitas empresas já tenham implementado estratégias para reduzir a sua dependência de países geopoliticamente distantes, outras planeiam fazê-lo apenas no futuro. Num inquérito realizado pelo Banco Central Europeu, em 2023, a multinacionais com atividade significativa na UE, mais de 40% indicaram a intenção de, nos próximos cinco anos, reorientar a sua cadeia de fornecedores para países politicamente mais alinhados. Na Alemanha, num inquérito realizado pelo Deutsche Bundesbank em 2023, 40% das empresas que importavam da China inputs críticos para a sua atividade já tinham reduzido ou estavam em processo de reduzir essa dependência, enquanto 20% manifestaram a intenção de a reduzir até ao final de 2024. A substituição de fornecedores da China por fornecedores da UE era, nessa data, a estratégia de mitigação de risco mais amplamente adotada.

Considerações finais

Um dos resultados mais fortes da teoria económica é o de que o comércio internacional potencia o bem-estar para os países envolvidos, e tal é corroborado pela evidência empírica.9 Embora a distribuição dos ganhos do comércio entre países não seja equitativa e exista a possibilidade de alguns grupos de trabalhadores em cada país sofrerem perdas, a limitação das trocas internacionais não é uma solução eficiente. O aumento de barreiras ao comércio conduz a perdas de bem-estar e as políticas que priorizam o comércio com países com valores semelhantes também podem contribuir para essas perdas, ao reduzirem os ganhos associados à exploração das vantagens comparativas.10 Por isso, a fragmentação da economia mundial e a intensificação do protecionismo deve constituir uma preocupação, ainda mais séria nos países de rendimento mais baixo11 e para aqueles que dispõem de um mercado interno relativamente menor.

A interdependência que resultou da integração das economias ao longo das últimas décadas é hoje encarada como um risco, levando muitos países a intensificar a competição pelo acesso a matérias-primas vitais e a tentar substituir importações por produção interna, ou a aproximá-las em termos de distância geopolítica. Embora as preocupações geoestratégicas devam ser tidas em conta e possam existir considerações de diversificação de risco das empresas, esta visão induz a adoção de medidas protecionistas que geram retaliações e que se tornam uma fonte de conflito económico entre países. Pelo contrário, a evidência histórica aponta para a integração económica como fonte de estabilidade. Assim, a defesa do multilateralismo, assente em instituições internacionais que promovem a cooperação entre países e que salvaguardam o respeito do direito internacional na resolução de litígios, é essencial.

O mercado único europeu tem sido o pilar básico da UE e é o espaço dominante no comércio externo português. O seu bom funcionamento depende da preservação da concorrência sã entre as empresas e não deve ser prejudicado por políticas nacionais, designadamente em termos do aumento e alargamento das ajudas de Estado.

O resultado do recente processo eleitoral nos EUA poderá conduzir a um aumento significativo das suas tarifas à importação e as eventuais medidas retaliatórias poderão acentuar a reconfiguração do comércio internacional, com impacto na economia portuguesa e europeia. Neste cenário, para manter o bom desempenho das exportações nacionais registado nos últimos anos, é importante reforçar o apoio às empresas na procura de novos mercados, promover o investimento direto estrangeiro e continuar a flexibilizar a alocação de recursos na economia. Para tal, sobressai a importância do capital humano como fonte de inovação e facilitador da mobilidade dos trabalhadores entre setores.

Referências

Alfaro, L., e Chor, D. (2023). “Global Supply Chains: The Looming «Great Reallocation».” National Bureau of Economic Research, Working Papers, No 31661.

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Políticas em análise

A tributação sobre o rendimento das empresas em Portugal1

O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) constitui o principal instrumento fiscal que incide sobre as empresas em Portugal, representando perto de 15% da receita fiscal. Na literatura económica, os impostos sobre o rendimento das empresas são amplamente estudados devido ao seu impacto direto na afetação de recursos, na competitividade entre economias e nos incentivos ao investimento privado. Assim, uma compreensão aprofundada do IRC e das suas implicações torna-se fundamental para uma tomada de decisão informada no contexto empresarial e na formulação de políticas públicas, visando equilibrar o rigor orçamental, a eficiência económica e a equidade fiscal.

Este Políticas em análise foca-se no IRC em Portugal, abordando a sua evolução, uma comparação internacional, a análise de benefícios fiscais e a incidência sobre empresas com caraterísticas diferentes. Adicionalmente, utiliza um modelo dinâmico de equilíbrio geral para avaliar o impacto macroeconómico de uma descida na taxa efetiva de IRC.

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O peso do IRC na economia e na receita fiscal em Portugal é semelhante à média da área do euro.

O IRC aplica-se às entidades empresariais residentes ou com estabelecimento permanente em Portugal, tributando os seus rendimentos globais. Este imposto incide sobre o lucro tributável, calculado a partir do resultado contabilístico ajustado conforme as disposições do Código do IRC. A matéria coletável, que representa o valor sobre o qual a taxa de IRC será aplicada, é obtida ao deduzir do lucro tributável os prejuízos de anos anteriores, até ao limite de 65%, bem como os benefícios fiscais elegíveis. A coleta de IRC resulta da aplicação da taxa de IRC à matéria coletável. Por fim, acresce à coleta a tributação autónoma sobre despesas predefinidas e abatem-se incentivos e deduções fiscais aplicáveis.

Em 2024, a taxa normal de IRC é de 21% e aplica-se uma taxa reduzida de 17% aos primeiros 50 mil euros de lucro tributável das micro, pequenas e médias empresas (Gráfico 1). Para empresas que operam no interior do país, a taxa reduzida é de 12,5%. Acrescem a derrama municipal, que pode ascender a 1,5%, e uma sobretaxa (derrama estadual) aplicada quando o lucro tributável é superior a 1,5 milhões de euros, que varia entre 3% e 9%.

O IRC é o terceiro maior imposto em Portugal, representando 13,7% da receita fiscal, 9,5% da despesa corrente primária e 3,4% do PIB em 2023 (Gráfico 2). Entre 2001 e 2023, a receita de IRC em rácio do PIB manteve-se estável, em torno de 3%. Já os pesos na receita fiscal e na despesa corrente primária apresentaram uma maior variabilidade, encontrando-se atualmente acima da média do período em análise. A importância do IRC na receita fiscal e no PIB é atualmente muito próxima da média da área do euro, verificando-se o mesmo em termos de capacidade de financiamento da despesa pública.

  1. Evolução das taxas estatutárias de IRC em Portugal continental | Em percentagem

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal. | Notas: A derrama estadual considerada corresponde à sobretaxa máxima a aplicar aos rendimentos mais altos. Desde 2018, a derrama estadual é de 3% para rendimentos tributáveis entre 1,5 e 7,5 milhões de euros, 5% entre 7,5 e 35 milhões de euros e 9% quando acima de 35 milhões de euros. Em 2022, mais de 80% das empresas com IRC declarado beneficiaram da taxa reduzida de 17%, enquanto apenas 1% esteve sujeita à aplicação da derrama estadual.

  1. Receita de IRC em Portugal e na área do euro

Painel A — Em percentagem da receita fiscal

Painel B — Em percentagem da despesa corrente primária

Painel C — Em percentagem do PIB

Fontes: Comissão Europeia (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: A média da área do euro é uma média simples dos países. A receita fiscal não inclui a receita de contribuições sociais.

A comparação das taxas estatutárias máximas entre países não permite tirar conclusões particularmente significativas, uma vez que não considera a complexidade dos sistemas fiscais, a progressividade das taxas e os benefícios fiscais aplicáveis. Na prática, a taxa estatutária máxima pode diferir substancialmente da taxa efetivamente paga pelas empresas. Em Portugal, esta taxa estatutária encontra-se entre as mais elevadas da área do euro (Gráfico 3). Na maioria dos países da área do euro, verificou-se uma redução das taxas estatutárias máximas ao longo das últimas duas décadas, com quedas mais acentuadas nos países com taxas mais elevadas. Portugal surge neste contexto como um caso diferente, uma vez que a redução da taxa normal foi compensada pela introdução e posterior agravamento da derrama estadual. Assim, a taxa estatutária máxima em Portugal em 2023 é apenas 3,7 pp inferior à de 2001, enquanto a redução média na área do euro foi de 8,8 pp. No entanto, importa destacar que a derrama estadual tem uma abrangência limitada, incidindo sobre um número muito reduzido de empresas (1% das empresas que pagaram IRC em 2022).

  1. Taxa estatutária máxima de IRC | Em percentagem

Fontes: Comissão Europeia (cálculos do Banco de Portugal). | Nota: A média da área do euro é uma média simples dos países. A taxa estatutária máxima em Portugal inclui as derramas municipal e estadual máximas, e aplicou-se a menos de 1% das empresas que pagaram IRC em 2022.

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Existem múltiplos benefícios fiscais em sede de IRC, que aumentam a complexidade do sistema e equivalem a 20% da receita total do imposto.

Os benefícios fiscais em sede de IRC foram atribuídos a mais de 60 mil empresas em 2023 e totalizaram 1,8 mil milhões de euros, o que corresponde a 20% da receita total do imposto e representa um aumento de 18% face a 2019 e de mais de 100% face a 2015 (Gráfico 4). Verifica-se um aumento do peso das deduções ao rendimento e à coleta ao longo dos anos.

Mais de metade dos benefícios em 2023 são deduções à coleta, onde se destaca o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento (SIFIDE), que representa 70% da despesa nesta categoria (657 milhões de euros). Ainda nas deduções, 25% da despesa fiscal é atribuída ao regime fiscal de apoio ao investimento (226 milhões de euros). Dos restantes benefícios destacam-se, pela dimensão, o regime fiscal de incentivo à capitalização da empresa (179 milhões de euros), as isenções para pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social (127 milhões de euros) e a redução de taxas para entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira (74 milhões de euros).

  1. Benefícios fiscais em sede de IRC em Portugal | Em percentagem da receita de IRC

Fonte: Autoridade Tributária e Aduaneira. | Notas: Os dados publicados pela Autoridade Tributária correspondem aos valores declarados pelos sujeitos passivos relativos ao período de tributação de 2011, 2015, 2019 e 2023. Apenas inclui benefícios fiscais de valor igual ou superior a 1000 euros. A isenção temporária de 2011 inclui a isenção atribuída à Zona Franca da Madeira que foi modificada a partir de 2012.

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Em 2022, a taxa efetiva mediana foi de 19%, sendo mais elevada nas empresas de maior dimensão, que suportaram 41% do imposto pago.

 

Com base nos microdados da Informação Empresarial Simplificada (IES), que abrange o universo das empresas não financeiras em Portugal — responsáveis por 85% do IRC pago — é possível caraterizar as empresas sujeitas ao IRC e calcular as taxas efetivas de imposto por tipo de empresa. A taxa efetiva é calculada como o rácio entre as despesas com o pagamento de impostos correntes e os rendimentos antes de imposto.

A economia portuguesa é dominada por microempresas, as quais representam perto de 90% do total de empresas não financeiras, 15% do volume de negócios, e 20% em termos do total do imposto pago em 2022 (Gráfico 5 — Painel A). Por outro lado, as grandes empresas representam apenas 0,3% do universo de empresas não financeiras, mas 45% do volume de negócios e mais de 40% do imposto pago. No que se refere à classificação setorial, a maioria das empresas pertencem ao setor dos serviços, representam 60% do volume de negócios e suportam mais de 65% do imposto (Gráfico 5 — Painel B).

Em 2022, a taxa efetiva mediana situou-se em 19% (Gráfico 6). Uma comparação entre empresas de dimensões diferentes revela que as microempresas pagam uma taxa efetiva 5,2 pp mais baixa do que as grandes empresas. Este diferencial seria de 7,2 pp na ausência de benefícios fiscais. Por setor de atividade, verifica-se que os setores da indústria, construção e serviços apresentam taxas efetivas próximas e em torno de 19%, enquanto o setor primário apresenta a taxa mais baixa (16%) e o setor da eletricidade, gás e água a taxa mediana mais elevada (20%).

  1. Distribuição do IRC pago pelas empresas em Portugal | Em percentagem

Painel A — Por dimensão da empresa

Painel B — Por setor de atividade

Fontes: IES (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Apenas são consideradas empresas não financeiras. O IRC corresponde à rubrica contabilística impostos correntes sobre o rendimento.

  1. Taxa efetiva de IRC (mediana) em Portugal em 2022 com e sem benefícios fiscais | Em percentagem

Fontes: Autoridade Tributária e Aduaneira e IES (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Apenas são consideradas empresas não financeiras. A taxa efetiva é calculada como o rácio entre as despesas com o pagamento de impostos correntes, incluindo a tributação autónoma, e os rendimentos antes de imposto de cada empresa. É apresentada a mediana para cada subconjunto de empresas, uma vez que as médias se encontram enviesadas por outliers. Apenas são consideradas empresas não financeiras com valores estritamente positivos de resultados antes de impostos. A amostra inclui apenas empresas cuja taxa efetiva se situa entre 0% e 100%. As barras mais claras correspondem ao acréscimo na taxa caso não existissem benefícios fiscais.

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As empresas grandes representam 2% das empresas com benefícios fiscais em sede de IRC e acumulam 27% dos benefícios concedidos.

As empresas de menor dimensão podem enfrentar dificuldades no acesso a benefícios fiscais, o que compromete a equidade dos instrumentos. Em Portugal, as empresas grandes representam 2% das entidades beneficiárias (6 vezes acima do seu peso no total de empresas da economia), concentram 52% do volume de negócios das empresas beneficiárias, e acumulam 27% do total de benefícios (Gráfico 7). Pelo contrário, 60% das entidades beneficiárias são microempresas (dois terços do seu peso no tecido empresarial) que representam 5% do volume de negócios das entidades beneficiárias e recebem 20% do seu valor. Os restantes 53% são atribuídos às pequenas e médias empresas, que representam 38% das empresas beneficiárias.

Em termos de setores de atividade, existe uma grande concentração em número (73%) e montante (63%) nos serviços, que é também o setor que suporta a maior parte do imposto. O setor primário, por outro lado, embora apresente um peso pequeno em termos de pagamento de IRC (em torno de 2%), inclui 6% das empresas beneficiárias e capta 4% dos benefícios atribuídos. Destaca-se também o setor da eletricidade, gás e água por receber o maior valor médio por empresa.

  1. Distribuição dos benefícios fiscais em sede de IRC por dimensão de empresa em Portugal | Em percentagem

Painel A — Número de empresas

Painel B — Montante

Fontes: Sistema de Partilha de Informação de Referência (SPAI) e Autoridade Tributária e Aduaneira (cálculos do Banco de Portugal). | Notas: Apenas entidades com benefícios fiscais de valor igual ou superior a 1000 euros são consideradas. Não foi possível caracterizar 1% das empresas beneficiárias quanto à sua dimensão.

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O impacto macroeconómico de uma redução do IRC depende da decisão das empresas reinvestirem o lucro líquido acrescido.

O impacto macroeconómico de longo prazo decorrente de uma redução permanente da taxa efetiva de IRC pode ser estimado com recurso a um modelo dinâmico de equilíbrio geral. Neste modelo, as empresas produtoras de bens intermédios e de bens finais operam num contexto de concorrência monopolística, gerando lucros tributáveis que constituem uma das fontes de receita pública. Os lucros líquidos de impostos podem ser reinvestidos nas empresas ou distribuídos pelas famílias proprietárias. Os equilíbrios do modelo assentam na hipótese de que a produtividade total dos fatores não é influenciada pela redução do IRC e não repercutem qualquer impacto relacionado com competitividade externa e possível atração de investimento estrangeiro.

No modelo, a perda de receita pública gerada pela redução permanente da taxa efetiva de IRC deve ser compensada no longo prazo para estabilizar a dívida pública em percentagem do PIB. São considerados três instrumentos alternativos para esta compensação: (i) um aumento dos impostos sobre o trabalho, (ii) um aumento dos impostos sobre o consumo, ou (iii) uma redução do consumo público.

Em todos os cenários analisados, sem reinvestimento da poupança fiscal, a atividade económica cai na sequência de uma redução do IRC, dada a necessidade de compensar a perda de receita fiscal (Gráfico 8). Se os lucros líquidos adicionais gerados pela redução da taxa efetiva de IRC forem integralmente distribuídos pelas famílias e não reinvestidos, verifica-se uma redução do investimento e da atividade económica, dado que prevalece o impacto adverso da redução do consumo público ou do aumento dos impostos para estabilizar a dívida pública.

Os resultados sugerem que a atividade aumenta em torno de 0,1% no longo prazo se a redução da taxa efetiva de IRC for totalmente reinvestida nas empresas, aumentando a sua capitalização. No cenário de reinvestimento total, a situação financeira mais favorável e os rácios de alavancagem mais baixos permitem às empresas melhores condições de financiamento, o que lhes facilita o aumento do investimento. Entre as três alternativas de compensação da perda de receita fiscal, a redução do consumo público gera um impacto menos negativo na atividade, uma vez que é menos penalizadora para as famílias e tem menor impacto negativo na afetação de recursos.

A decisão de reinvestimento do produto da redução fiscal encontra-se na esfera de decisão da empresa, pelo que uma alternativa à redução estatutária do IRC é criar incentivos diretos à capitalização das empresas e assim ao reinvestimento da redução da carga fiscal relativamente às empresas.

  1. Impacto de longo prazo na atividade económica de uma diminuição de 1 pp na taxa efetiva de IRC | Em percentagem

Fonte: Cálculos do Banco de Portugal. | Notas: Desvios em relação aos níveis registados no período que precede a redução da taxa efetiva de IRC, em percentagem. Os resultados foram obtidos a partir de simulações realizadas com uma versão atualizada do modelo apresentado em Júlio e Maria (2022), Choques pandémicos, Revista de Estudos Económicos, Vol. VIII, N.º 3, Banco de Portugal, o qual foi estimado com dados para a economia portuguesa entre 1999 e 2019. No modelo, o consumo público agrega consumo e investimento públicos, sendo assumido que esta variável não desempenha qualquer função na maximização da utilidade por parte das famílias e não existe qualquer stock de capital público com efeitos produtivos. A produtividade total dos fatores da economia é uma variável exógena em todos os exercícios de simulação, não sendo afetada pela redução do IRC. Não se consideram quaisquer vantagens comparativas assentes na alteração do nível de tributação de Portugal relativamente ao exterior.

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Políticas de redução do IRC exigem conciliar a restrição orçamental pública com os objetivos de crescimento económico.

A taxa estatutária de IRC em Portugal varia conforme a dimensão, lucro e localização da empresa. Embora a taxa máxima seja uma das mais elevadas da área do euro, ela aplica-se apenas a um número muito reduzido de empresas. A diversidade de benefícios fiscais e regimes preferenciais permite a muitas empresas acederem a uma taxa efetiva mais baixa. No entanto, uma proliferação excessiva destes instrumentos resulta numa maior complexidade do sistema fiscal e numa menor transparência. Estes benefícios somam-se a diversos subsídios e apoios diretos ao investimento empresarial disponíveis em Portugal, atribuídos fora da esfera fiscal e que assumem um valor muito significativo, em especial nos últimos anos. No contexto da crise pandémica e do processo inflacionista os subsídios rondaram, em média, 2% da despesa pública, representando 35% da receita de IRC.

As receitas provenientes do IRC desempenham um papel essencial no financiamento das despesas públicas em Portugal. Por isso, qualquer alívio fiscal do IRC deve ser avaliado dentro do espaço orçamental disponível. Além disso, os impactos macroeconómicos de longo prazo permanecem incertos. Recomenda-se que as alterações fiscais sejam previsíveis, de modo a reduzir os custos de ajustamento e a incentivar decisões de investimento bem fundamentadas.


A economia portuguesa

O comércio internacional português e a fragmentação da economia mundial

A tributação sobre o rendimento das empresas em Portugal