A. Idoneidade
Compete às instituições assegurar, em permanência, que os membros dos seus órgãos de administração e de fiscalização e os titulares de funções essenciais que exercem funções na instituição são idóneos para o exercício de funções no sistema financeiro.
A idoneidade pode ser definida, para estes efeitos, como bom nome/boa reputação, integridade ou honestidade: uma pessoa idónea é uma pessoa de confiança, ou seja, é uma pessoa que, do ponto de vista de um terceiro, tende a adotar, na sua vida pessoal e profissional, comportamentos éticos, consentâneos com a gestão sã e prudente da instituição.
Os comportamentos em causa devem indiciar, designadamente, que a pessoa decide de forma ponderada e criteriosa, que cumpre pontualmente as suas obrigações e que age, em geral, de modo compatível com a preservação da confiança do mercado.
A avaliação da idoneidade é sempre uma avaliação individual, à qual não é aplicável o princípio da proporcionalidade.
Ao avaliar a idoneidade de uma determinada pessoa, a instituição deve, com base em informação o mais completa possível sobre o comportamento pessoal e profissional do avaliado, fazer um juízo de prognose quanto à sua capacidade de assegurar uma gestão sã e prudente da instituição.
O juízo de prognose traduz-se numa análise de risco, de cariz prudencial. Para o efeito, a instituição deve recolher os indícios relevantes e avaliar a respetiva perigosidade, em face da probabilidade de o avaliado adotar comportamentos que não assegurem a gestão sã e prudente da instituição. Caso entenda que esta possibilidade existe, com base em indícios concretos, a instituição não deverá considerar preenchido o requisito da idoneidade.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras elenca, de forma não taxativa, indícios relevantes para efeitos de avaliação da idoneidade:
- Indícios de que o membro do órgão de administração ou de fiscalização não agiu de forma transparente ou cooperante nas suas relações com quaisquer autoridades de supervisão ou regulação nacionais ou estrangeiras;
- Recusa, revogação, cancelamento ou cessação de registo, autorização, admissão ou licença para o exercício de uma atividade comercial, empresarial ou profissional, por autoridade de supervisão, ordem profissional ou organismo com funções análogas, ou destituição do exercício de um cargo por entidade pública;
- As razões que motivaram um despedimento, a cessação de um vínculo ou a destituição de um cargo que exija uma especial relação de confiança;
- Proibição, por autoridade judicial, autoridade de supervisão, ordem profissional ou organismo com funções análogas, de agir na qualidade de administrador ou gerente de uma sociedade civil ou comercial ou de nela desempenhar funções;
- Inclusão de menções de incumprimento na central de responsabilidades de crédito ou em quaisquer outros registos de natureza análoga, por parte da autoridade competente para o efeito;
- Resultados obtidos, do ponto de vista financeiro ou empresarial, por entidades geridas pela pessoa em causa ou em que esta tenha sido ou seja titular de uma participação qualificada, tendo especialmente em conta quaisquer processos de recuperação, insolvência ou liquidação, e a forma como contribuiu para a situação que conduziu a tais processos;
- Insolvência pessoal, independentemente da respetiva qualificação;
- Ações cíveis, processos administrativos ou processos criminais, bem como quaisquer outras circunstâncias que, atento o caso concreto, possam ter um impacto significativo sobre a solidez financeira da pessoa em causa;
- A insolvência, declarada em Portugal ou no estrangeiro, da pessoa interessada ou de empresa por si dominada ou de que tenha sido administrador, diretor ou gerente, de direito ou de facto, ou membro do órgão de fiscalização;
- A acusação, a pronúncia ou a condenação, em Portugal ou no estrangeiro, por crimes contra o património, crimes de falsificação e falsidade, crimes contra a realização da justiça, crimes cometidos no exercício de funções públicas, crimes fiscais, crimes especificamente relacionados com o exercício de atividades financeiras e seguradoras e com a utilização de meios de pagamento e, ainda, crimes previstos no Código das Sociedades Comerciais;
- A acusação ou a condenação, em Portugal ou no estrangeiro, por infrações das normas que regem a atividade das instituições de crédito, das sociedades financeiras e das sociedades gestoras de fundos de pensões, bem como das normas que regem o mercado de valores mobiliários e a atividade seguradora ou resseguradora, incluindo a mediação de seguros ou resseguros;
- Infrações de regras disciplinares, deontológicas ou de conduta profissional, no âmbito de atividades profissionais reguladas;
- Factos que tenham determinado a destituição judicial, ou a confirmação judicial de destituição por justa causa, de membros dos órgãos de administração e fiscalização de qualquer sociedade comercial;
- Factos praticados na qualidade de administrador, diretor ou gerente de qualquer sociedade comercial que tenham determinado a condenação por danos causados à sociedade, a sócios, a credores sociais ou a terceiros.
No seu juízo, a instituição deve ter ainda em consideração, além dos factos enunciados e outros de natureza análoga, qualquer circunstância cujo conhecimento lhe seja legalmente acessível e que, pela gravidade, frequência ou quaisquer outras caraterísticas atendíveis permita fundar um juízo de prognose sobre as garantias que a pessoa em causa oferece de uma gestão sã e prudente da instituição.
A avaliação da idoneidade não deve ser confundida com o julgamento efetuado num processo contraordenacional ou num processo-crime. A questão que se coloca na avaliação de idoneidade não é se uma pessoa agiu ou não de determinada forma, para apurar se a mesma deve ser sancionada/punida. O que está em causa é se, atendendo aos indícios existentes quanto ao comportamento passado da pessoa, existe o risco de esta pessoa não assegurar, no futuro, uma gestão sã e prudente da instituição.
Uma avaliação negativa de idoneidade não constitui uma sanção, mas sim uma medida prudencial para salvaguardar a gestão sã e prudente das instituições, e, por essa via, a integridade e a estabilidade do sistema financeiro. Com esta avaliação pretende-se que a instituição não atribua o exercício de cargos com impacto na sua gestão a pessoas relativamente às quais existe o risco de não assegurarem uma gestão sã e prudente, designadamente por, tendencialmente, não decidirem de forma ponderada e criteriosa, não cumprirem pontualmente as suas obrigações ou, mais genericamente, não assumirem comportamentos compatíveis com a preservação da confiança dos mercados.
A existência de um processo-crime ou processo contraordenacional a correr contra uma determinada pessoa constitui um indício relevante para efeitos de avaliação da idoneidade e, como tal, a instituição deve incluir a apreciação de tal indício na sua avaliação.
O Banco de Portugal procede, no âmbito dos processos de autorização, a uma avaliação autónoma da idoneidade das pessoas elegíveis. Para o efeito, tem em atenção as informações prestadas pela pessoa elegível (designadamente por via do preenchimento do questionário anexo à Instrução do Banco de Portugal n.º 23/2018) e as informações obtidas ou recebidas pelo Banco de Portugal, diretamente ou através de outras instituições públicas. Neste processo é especialmente relevante a troca de informações entre as autoridades de supervisão financeira.
Na apreciação da idoneidade, o Banco de Portugal tem em consideração os critérios descritos acima e que resultam da lei nacional, interpretada de acordo com a Constituição da República Portuguesa e o Direito da União Europeia, incluindo as Orientações da Autoridade Bancária Europeia aplicáveis.
De acordo com as Orientações da Autoridade Bancária Europeia, o requisito de idoneidade de um membro do órgão de administração e de fiscalização considera-se preenchido se não existirem elementos objetivos e comprováveis que sugiram o contrário. Considera-se que um membro do órgão de administração e de fiscalização não preenche o requisito da idoneidade quando a sua conduta pessoal ou profissional suscitar dúvidas materiais sobre a sua capacidade de garantir uma gestão sã e prudente da instituição.
B. Qualificação e experiência profissional
As instituições, atendendo ao princípio da proporcionalidade, devem assegurar que os membros dos seus órgãos de administração e de fiscalização e os seus titulares de funções essenciais possuem as competências e as qualificações necessárias para o exercício cabal das suas funções, assegurando, deste modo, uma gestão sã e prudente da instituição.
As competências e qualificações em causa podem ser adquiridas através de:
- Habilitação académica ou formação especializada apropriadas ao cargo a exercer;
- Experiência profissional com duração e responsabilidade que estejam em consonância com as caraterísticas, a complexidade e a dimensão da instituição, bem como com os riscos associados à atividade por esta desenvolvida.
A formação e a experiência prévias devem ser relevantes para o cargo a exercer, permitindo aos visados:
- Compreender o funcionamento e a atividade da instituição;
- Avaliar os riscos (financeiros e não financeiros) a que a instituição se encontra exposta, nomeadamente os riscos mais diretamente relacionados com a função exercida;
- Analisar e decidir de forma autónoma e com espírito crítico sobre as questões que se lhes colocarem.
Os membros do órgão de fiscalização e os membros do órgão de administração que não exerçam funções executivas devem possuir as competências e qualificações que lhes permitam efetuar uma avaliação crítica das decisões tomadas pelo órgão de administração e fiscalizar eficazmente a função deste órgão.
De acordo com as Orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA/GL/2017/12), os membros do órgão de fiscalização e os membros do órgão de administração que não exerçam funções executivas devem ter experiência suficiente que lhes permita contestar de forma construtiva as decisões e fiscalizar eficazmente a função de gestão. Devem também demonstrar que, no exercício da sua função de fiscalização, possuem, ou poderão possuir, os conhecimentos técnicos necessários para que compreendam suficientemente bem a atividade da instituição e os riscos a que esta está exposta.
A Autoridade Bancária Europeia recomenda que seja dada especial atenção ao nível e ao perfil de cursos académicos e à sua relação com serviços bancários e financeiros ou outros domínios pertinentes. De um modo geral, os cursos nos domínios da banca e das finanças, da economia, do direito, da administração, da regulamentação financeira, da tecnologia da informação e dos métodos quantitativos podem ser considerados pertinentes para o setor dos serviços financeiros.
No que respeita à experiência profissional, a Autoridade Bancária Europeia considera que os membros do órgão de administração e de fiscalização devem ter adquirido experiência prática e profissional num cargo de gestão durante um período suficientemente longo e com um grau de responsabilidade elevado.
Constitui uma boa prática a instituição definir as funções a desempenhar, em concreto, por cada membro dos seus órgãos de administração e de fiscalização, ponderando o respetivo pelouro e a sua integração em comités ou comissões, impostos ou facultativos e, com base em tal definição de funções, estabelecer os requisitos mínimos de qualificação e experiência profissional que o respetivo membro deve reunir.
As instituições devem assegurar que os seus órgãos de administração e de fiscalização, em termos coletivos, dispõem de conhecimentos, competência e experiência adequados. Atendendo ao princípio da proporcionalidade, uma eventual menor qualificação individual poderá ser ultrapassada atendendo à composição coletiva do órgão no seu conjunto, sem prejuízo de se assegurar um conjunto de competências e qualificações mínimo para o exercício cabal das funções em causa.
Atendendo ao princípio da proporcionalidade, as instituições devem colocar à disposição dos membros dos seus órgãos de administração e de fiscalização e dos seus titulares de funções essenciais meios de formação, internos ou externos, que lhes permitam colmatar eventuais falhas de conhecimentos e de competências relevantes e/ou a sua atualização, em face da evolução das matérias relevantes para o exercício das suas funções, designadamente no que respeita aos conhecimentos que detêm relativamente à instituição em que vão exercer funções.
C. Independência
Os membros dos órgãos de administração e de fiscalização e os titulares de funções essenciais devem exercer as suas funções com independência de espírito.
O requisito de independência tem em vista prevenir o risco de sujeição dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização à influência indevida de outras pessoas ou entidades, promovendo condições que permitam o exercício de funções com isenção.
Para assegurar a independência de espírito – e a independência aos olhos de terceiros – dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização e dos titulares de funções essenciais, a instituição deve aplicar uma política de prevenção, comunicação e sanação de conflitos de interesses robusta, que lhe permita avaliar, de forma contínua:
- A existência de conflitos de interesses, atuais ou potenciais;
- A materialidade de eventuais conflitos de interesses, atuais ou potenciais, detetados;
- A possibilidade de aplicar medidas para mitigar os riscos inerentes aos conflitos de interesses, atuais ou potenciais, em causa, de tal forma que um terceiro não coloque em causa a isenção e a objetividade da análise e da decisão na instituição.
Na avaliação deste requisito são tomadas em consideração todas as situações suscetíveis de afetar a independência de espírito dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização, nomeadamente as seguintes:
- Cargos que o interessado exerça ou tenha exercido na instituição em causa ou noutra instituição;
- Relações de parentesco ou análogas, bem como relações profissionais ou de natureza económica que o interessado mantenha com outros membros do órgão de administração ou fiscalização da instituição, da sua empresa-mãe ou das suas filiais;
- Relações de parentesco ou análogas, bem como relações profissionais ou de natureza económica que o interessado mantenha com pessoa que detenha participação qualificada na instituição, na sua empresa-mãe ou nas suas filiais.
As instituições devem ser capazes de identificar perante o Banco de Portugal os conflitos de interesses detetados e explicar a razão pela qual consideraram um determinado conflito de interesses material ou não material. Devem ser também capazes de explicar a adequação das medidas utilizadas para mitigar os riscos inerentes à existência de conflitos de interesses, atuais ou potenciais.
A independência de espírito e a independência aos olhos de terceiros não devem ser confundidas com a independência formal, prevista, por exemplo, para uma maioria de membros do órgão de fiscalização, incluindo o seu presidente, de entidades de interesse público.
D. Disponibilidade
As instituições devem assegurar que os membros dos órgãos de administração e de fiscalização e os titulares de funções essenciais dispõem de tempo suficiente para exercer cabalmente as suas funções.
Para o efeito, devem aferir qual o período de tempo considerado indispensável para o exercício das funções em causa, atendendo às funções inerentes a cada cargo ou pelouro, e assegurando-se de que os visados efetivamente dispõem e dedicam o tempo necessário ao exercício das suas funções. A disponibilidade (mínima) de tempo deve ser definida previamente na descrição do conteúdo do cargo em causa.
As instituições devem ter em consideração a disponibilidade efetiva de tempo do visado, atendendo a toda e qualquer situação que lhe ocupe tempo, incluindo, por exemplo, a acumulação de funções noutras entidades, mas também qualquer outra situação que lhe retire disponibilidade efetiva para o exercício cabal das suas funções.
Sem prejuízo dos parágrafos anteriores, as instituições significativas para efeitos da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (CRD IV) e do Regulamento (UE) n. ° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, 26 de junho de 2013 (CRR) devem ter em atenção, na sua avaliação, que é vedado aos membros dos seus órgãos de administração e de fiscalização acumular mais do que um cargo executivo com dois cargos não executivos, ou quatro cargos não executivos.
Para estes efeitos, considera-se um único cargo os cargos executivos ou não executivos em órgão de administração ou de fiscalização de instituições ou outras entidades que estejam incluídas no mesmo perímetro de supervisão em base consolidada ou nas quais a instituição detenha uma participação qualificada.
O limite quantitativo de cargos a acumular não se aplica aos membros dos órgãos de administração e de fiscalização de instituições que beneficiem de apoio financeiro público extraordinário e que tenham sido designados especificamente no contexto desse apoio.
Estão excluídos do limite quantitativo de cargos a acumular os cargos desempenhados em entidades que tenham por objeto principal o exercício de atividade de natureza não comercial, salvo se, pela sua natureza e complexidade, ou pela dimensão da entidade respetiva, se mostrar que existem riscos graves de conflitos de interesses ou falta de disponibilidade para o exercício do cargo na instituição.
O Banco Central Europeu ou o Banco de Portugal podem autorizar os membros dos órgãos de administração e de fiscalização das instituições significativas para efeitos de CRD IV e CRR a acumular um cargo não executivo adicional.
E. Maioria de membros formalmente independentes no órgão de fiscalização
As instituições devem dispor de uma maioria de membros formalmente independentes no respetivo órgão de fiscalização, incluindo o seu presidente.
Para serem qualificados como membros formalmente independentes, os visados têm de preencher um conjunto de critérios legalmente previstos para o efeito, relacionados com a ausência de relação entre o membro do órgão social e determinado grupo de interesses específico da instituição e a ausência de uma situação que coloque em causa a sua isenção de análise e decisão.
A previsão legal de um requisito de independência formal, associada à função de supervisão interna, visa:
- Promover a isenção na análise e decisão da pessoa, prevenindo casos de risco de influência indevida (ou seja, da interferência de interesses estranhos na análise e decisão, com prejuízo para os interesses que a pessoa em questão tem o dever fiduciário de proteger);
- Promover a isenção na análise e decisão do órgão no qual a pessoa em causa pretende exercer, ou exerce, funções;
- Promover a confiança de terceiros na isenção de análise e decisão da pessoa sujeita ao requisito e do órgão no qual esta exerce funções.
O legislador não elencou taxativamente um conjunto de critérios para aferir a independência formal dos membros do órgão de fiscalização. Ao invés, previu dois critérios abertos e indeterminados, que têm de ser aferidos à luz das circunstâncias materiais do caso concreto, a saber:
- Ligação a grupo de interesses específico da sociedade;
- Ausência de situações que coloquem em causa a isenção de análise e decisão.
A par destes critérios, a lei estabelece que se encontram em situação de falta de independência formal os que:
- Sejam titulares ou atuem em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do capital social da sociedade;
- Tenham sido reeleitos por mais de dois mandatos, de forma contínua ou intercalada.