Introdução
Bom dia a todos. É com muito gosto que abro o segundo, e último dia, desta conferência do Jornal de Negócios dedicada à sustentabilidade.
A agenda e os oradores convidados, de áreas tão diversas, ilustram bem a sua importância e abrangência.
Um tema definidor do nosso futuro coletivo, ainda mais importante e urgente no atual contexto geopolítico.
Um tema que diz respeito a todos: agentes políticos e agentes de política; instituições financeiras e empresas não financeiras; academia, associações não governamentais e cidadãos.
Ninguém se pode alhear deste debate. Ninguém pode demitir-se de participar no esforço coletivo de adaptação às alterações climáticas e de descarbonização; de preservação dos ecossistemas; de promoção de uma economia circular e de cidades sustentáveis; e de criação de empresas mais inclusivas.
Para os economistas, a noção de sustentabilidade sempre foi familiar. Este conceito, importado das ciências exatas, transmite a ideia de um sistema que está em equilíbrio e se autoalimenta, um sistema que funciona eficientemente sem entrar em rutura.
O conceito era aplicado em domínios como a sustentabilidade das finanças públicas ou a sustentabilidade da balança de pagamentos. Hoje em dia, passou a ser intuitivo associar o termo “sustentabilidade”, se não em exclusivo pelo menos em paralelo, aos parâmetros ESG – à sustentabilidade na ótica ambiental, social e do governo das instituições.
Esta mudança de enquadramento mental, cada vez mais consolidada, reflete bem a dimensão dos desafios que se colocam nesta área, em especial, na esfera ambiental e das alterações climáticas. É uma mudança de enquadramento que resistiu à ascensão de outras preocupações globais nos últimos dois anos.
Arrisco dizer que esta preocupação com a sustentabilidade ambiental, com a resposta global às alterações climáticas e com a transição energética é uma preocupação que continuará no nosso radar coletivo com elevada prioridade e por muito tempo.
Nesse sentido, podemos dizer que é uma preocupação sustentada.
O papel das políticas públicas
A aposta na neutralidade carbónica e numa economia circular implica uma transformação profunda do nosso sistema económico. Uma transformação que abarca todos os setores de atividade e obriga as empresas e as instituições financeiras a alterarem os modelos de negócio.
A tarefa de reconversão da economia é ciclópica (como só poderia ser perante a ameaça com que estamos confrontados).
As políticas públicas têm um papel determinante a desempenhar neste processo, como facilitadoras, indutoras e catalisadoras da transição.
Não se trata de substituir o papel da iniciativa e dos agentes privados.
Trata-se, sim, de lidar com as falhas de mercado que, como bem sabemos, estão na origem destes fenómenos e resultam em níveis subótimos de investimento em tecnologias mais sustentáveis e investigação e desenvolvimento.
É o poder político quem, em primeira linha, tem a legitimidade e os instrumentos mais eficazes para agir.
Este deve, em primeiro lugar, penalizar atividades intensivas em carbono ou poluentes. Ao fazê-lo, aproxima o custo privado dessas atividades do custo social. Refiro-me, em particular, ao recurso a mecanismos baseados no funcionamento do mercado, como impostos sobre carbono ou licenças de emissão, a par de uma regulamentação ambiental mais estrita.
Também pode incentivar atividades ambientalmente sustentáveis, recorrendo a subsídios ou a investimentos públicos em infraestruturas “verdes”.
E, claro, não podemos ignorar os custos – significativos e desiguais – deste tipo de políticas, que já são bem visíveis. Para garantir que a transição é viável e aceitável, poderão ser adotadas políticas redistributivas que compensem as famílias, regiões e países mais afetados pela transição energética.
Paralelamente, o Plano de Recuperação e Resiliência vem permitir um conjunto de reformas e investimentos no domínio da transição climática. Em Portugal, cerca de 38% dos 16,4 mil milhões de euros serão investidos em áreas estratégicas, como sejam o mar, a mobilidade sustentável, a descarbonização da indústria, a eficiência energética em edifícios e as energias renováveis.
Uma implementação eficiente dos projetos do PRR é assim essencial, para aumentar a produtividade e a competitividade da economia portuguesa e também para a transição climática.
Adicionalmente, a emissão pela Comissão Europeia de dívida comum com notação de risco da máxima qualidade (AAA), que beneficia toda a Europa e não apenas alguns países, não pode ser desperdiçada, sob pena do momento de partilha de risco mais aprofundado da Europa ser dado como perdido. Por isso, só uma implementação eficiente dos recursos do Next Generation EU permitirá dar continuidade a esse momento de integração europeia lançado em 2020.
Papel dos bancos centrais e supervisores financeiros
E que papel podem ter os bancos centrais?
É inquestionável que a transição para uma economia mais sustentável afeta o mandato dos bancos centrais, em particular na salvaguarda da estabilidade financeira, mas também na política monetária. Desde logo, porque as alterações climáticas são uma importante fonte de risco para as instituições financeiras.
A maior ocorrência e severidade de catástrofes naturais e a transição para um novo modelo económico provocam a desvalorização de ativos que: foram financiados pelo sistema bancário; estão dados como garantia de empréstimos; integram as carteiras de fundos de investimento; ou estão cobertos pelas seguradoras.
Ora, enquanto responsáveis pela salvaguarda da estabilidade financeira e supervisores bancários, compete-nos promover a resiliência do setor financeiro também ao longo do processo de transição climática.
Por isso, o Banco de Portugal tem estudado os riscos financeiros decorrentes das alterações climáticas e avaliado a exposição e a resiliência do sistema bancário português a estes riscos.
No quadro do Mecanismo Único de Supervisão, definimos expectativas de supervisão sobre a gestão dos riscos climáticos e estamos, este ano, a realizar um teste de esforço climático às instituições de maior dimensão na área do euro.
As alterações climáticas e respetivas políticas de adaptação e de mitigação afetam também variáveis como o crédito, a oferta e a procura agregada e os preços, impactando diretamente, por esta via, a condução da política monetária.
Por isso, o Banco de Portugal participa no plano de ação definido pelo BCE para adaptar os modelos e metodologias subjacentes à política monetária, tendo como principal preocupação salvaguardar o objetivo primordial de estabilidade dos preços e assegurar uma gestão prudente dos riscos do seu próprio balanço.
Adicionalmente, há uma outra área em que os bancos centrais podem e devem contribuir. Refiro-me à função de investigação e de aconselhamento ao governo no domínio económico e financeiro.
Ao darmos às alterações climáticas ou à biodiversidade um lugar mais proeminente nas nossas agendas de investigação, contribuiremos para políticas ambientais mais bem fundamentadas e mais eficazes.
É precisamente o que o Banco de Portugal tem vindo a fazer.
Publicámos, ao longo dos últimos dois anos, estudos e análises sobre os impactos macroeconómicos e financeiros das alterações climáticas e sobre as políticas ótimas de resposta. Estamos também a participar no projeto coordenado pela Agência Portuguesa do Ambiente para avaliar a vulnerabilidade do território nacional às alterações climáticas no século XXI, cujos resultados serão apresentados em 2023.
Em suma, não podemos deixar de integrar considerações ambientais nas nossas políticas e nos nossos quadros de decisão no cumprimento dos nossos mandatos. E isto, por si só, é já um enorme desafio!
O papel do setor financeiro
Como referi, a sustentabilidade ambiental coloca especiais responsabilidades aos poderes públicos, em geral, e aos bancos centrais, em particular.
Mas o setor financeiro tem também um papel determinante a desempenhar.
Foi já demonstrado por várias entidades de referência que a transição energética constitui um desafio comportamental e financeiro de uma dimensão absolutamente excecional.
O Banco Europeu de Investimento estimou que, para atingir o objetivo de reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, a União Europeia vai necessitar de investimentos adicionais equivalentes a 2,1% do PIB por ano.
O Fundo Monetário Internacional apresentou estimativas, que até considerou conservadoras, segundo as quais atingir a meta global de net zero em 2050 – ou seja, emissões nulas de gases com efeito de estufa, em termos líquidos – requer investimentos adicionais de 0,6 a 1% do PIB global em cada ano.
O McKinsey Global Institute, por seu turno, calculou que essa mesma meta de net zero em 2050 vai exigir um esforço cujo pico deverá acontecer entre 2026 e 2035, com investimentos adicionais que serão, nessa altura, equivalentes a 1,6% do PIB global.
Perante valores desta ordem de grandeza, há uma conclusão incontroversa: o investimento público terá necessariamente de ser acompanhado por um volume ainda maior de investimento privado.
Sobretudo tendo em conta:
- que estamos perante valores adicionais de investimento, ou seja, a acrescer aos investimentos brutos para substituir o capital produtivo, também reorientados para a transição, mas que teriam de ser realizados de qualquer forma;
- que se trata de um esforço a sustentar ao longo de décadas;
- e que falamos de valores globais, ou seja, o esforço será certamente desigual entre países e setores.
Já o disse: as políticas públicas são determinantes para a transição – e, portanto, são também determinantes para o investimento privado. Mas o envolvimento do setor financeiro também será crucial. A assimetria de informação é desfavorável aos governos e a capacidade de monitorização está do lado do setor financeiro.
Mas esta responsabilidade, que pode e deve ser encarada como uma oportunidade, tem várias implicações. Vou destacar duas.
A primeira é que as tipologias de investimento terão de ser ajustadas.
Os projetos de investimento sustentável tipicamente envolvem tecnologias inovadoras, acarretam custos consideráveis em investigação e desenvolvimento, incorporam uma forte intensidade de capital e têm horizontes de concretização muito longos, medidos em décadas. Estas caraterísticas requerem instrumentos de capital, quase-capital, capital de risco e outras modalidades menos comuns, além dos tradicionais mercados de crédito bancário e de obrigações.
Uma segunda implicação tem que ver com a qualidade da informação subjacente a estes investimentos.
A boa avaliação dos riscos e das oportunidades relacionados com a sustentabilidade ambiental exige que a informação esteja disponível, seja de boa qualidade e comparável e não comporte custos excessivos.
Várias entidades de referência têm estudado esta questão, que pode ser vista como os alicerces do edifício. Falo, por exemplo, do Fundo Monetário Internacional, do Financial Stability Board, da Network for Greening the Financial System e da International Financial Reporting Standards Foundation.
O Banco de Portugal tem acompanhado e contribuído para estes esforços.
De facto, necessitamos de dados:
- Que permitam aos supervisores monitorizarem os riscos para a estabilidade financeira de origem ambiental;
- Que forneçam aos investidores a informação necessária para avaliarem as empresas e os projetos efetivamente “verdes”;
- Que informem as diversas partes envolvidas quanto aos planos de transição das empresas para formas de funcionamento mais sustentáveis.
Todos devemos estar conscientes de que a transição energética está já a acontecer e tenderá a intensificar-se. As instituições financeiras nacionais, em particular, necessitam de interiorizar essa realidade.
O custo de adiar este processo de adaptação, aguardando que os quadros de regulação e de reporte estejam completos, será provavelmente muito superior ao custo de agir já, mesmo com as limitações e as lacunas de dados que todos reconhecemos.