17 de novembro de 2014
Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados,
Bom dia,
A minha intervenção inicial terá três partes. Uma primeira parte, centrada na medida de resolução, designadamente nos motivos que levaram o Banco de Portugal a decidir a sua aplicação e na descrição dos factos da semana que a precederam. Na segunda parte, farei uma descrição sumária do que foram o acompanhamento e a supervisão do Grupo Banco Espírito Santo nos últimos anos. Na terceira parte, tecerei algumas considerações sobre as lições para o futuro dos desenvolvimentos do caso BES.
I. A medida de resolução
No passado dia 3 de agosto, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo uma medida de resolução, transferindo o essencial da sua atividade para o Novo Banco. Esta decisão foi tomada numa situação de grande urgência, perante o risco iminente de cessação de pagamentos por parte do BES – o terceiro maior banco nacional –, com as graves consequências que daí adviriam para a economia portuguesa. Como já referi neste Parlamento, no fim de semana em que foi tomada a medida de resolução, a estabilidade do sistema financeiro estava severamente comprometida, tal a gravidade dos riscos com que estávamos confrontados. Hoje já é possível afirmar que a ação do Banco de Portugal, adotada no cumprimento das obrigações que a lei lhe atribui, salvaguardou a segurança dos depósitos, a confiança dos depositantes e a continuidade do financiamento da economia, isto é, a estabilidade do sistema financeiro.
Recordo que, no dia 30 de julho, o Banco Espírito Santo divulgou um prejuízo no montante de 3.577 milhões de euros relativo ao primeiro semestre de 2014, ultrapassando largamente os valores previsíveis à luz da informação disponível até às duas últimas semanas de julho. Estes prejuízos de dimensão inesperada e excecional:
- Puseram em causa a informação dada ao mercado no dia 10 de julho pelo Conselho de Administração do BES;
- Resultaram de factos supervenientes decorrentes da prática de atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do BES, que levaram a um prejuízo adicional de cerca de 1.500 milhões de euros;
- Consumiram a almofada de capital de 2,1 mil milhões de euros de que o BES dispunha para fazer face à exposição ao ramo não financeiro do GES (conforme comunicação ao mercado no dia 10 de julho);
- E colocaram o BES numa situação de grave incumprimento dos rácios mínimos de capital em vigor.
Estes factos estão a ser objeto de averiguação no âmbito da auditoria forense que o Banco de Portugal já tinha lançado no início de julho, para avaliar:
- O cumprimento das determinações prudenciais do Banco de Portugal;
- E apurar e documentar a existência de indícios de eventuais práticas ilícitas graves levadas a cabo pelo Grupo BES ou pelos membros dos seus órgãos sociais.
Como divulgado publicamente pelo Banco de Portugal, os trabalhos da auditoria forense encontram-se numa fase avançada, mas não estão ainda concluídos. É de salientar que estes trabalhos são de grande complexidade e que se confrontaram com limitações de acesso a informação relevante, fora do alcance dos auditores por ser informação residente em outras empresas do Grupo Espírito Santo ou noutras jurisdições.
Presentemente, a entidade contratada está a terminar os relatórios finais de quatro das cinco linhas de investigação. Estes relatórios e os respetivos documentos de suporte passarão a integrar os processos sancionatórios já instaurados ou a instaurar pelo Banco de Portugal, no âmbito dos quais se fará o apuramento de responsabilidades contraordenacionais, designadamente responsabilidades individuais. Os relatórios finais serão igualmente transmitidos ao Ministério Público para que possam ser apuradas eventuais responsabilidades no plano criminal.
Saliento que, até à presente data, o Banco de Portugal já instaurou diversos processos sancionatórios, submetidos ao regime de segredo de justiça com vista a salvaguardar a eficácia das investigações em curso. Estes processos visam matérias como:
- As condições de avaliação do risco na colocação de papel comercial da ESI em clientes de retalho e a ocultação dos prejuízos daquela entidade;
- As relações entre o BES e o BES Angola, sob diversos ângulos, incluindo a inadequação de procedimentos em matéria de prevenção de riscos de branqueamento de capitais;
- E a existência de indícios de atos dolosos de gestão ruinosa relativamente à emissão e colocação de dívida BES em sociedades veículo com sede em países estrangeiros, através de um conjunto de movimentos que passavam por um intermediário suíço, a par da substituição maciça de dívida GES por dívida BES, contornando o ring-fencing imposto pelo Banco de Portugal.
As conclusões da auditoria forense permitirão documentar os indícios testemunhais que têm vindo a ser colhidos nesses processos quanto à prática de graves irregularidades. É expectável que, a muito curto prazo, novos processos de contraordenação venham a iniciar-se, nomeadamente no respeitante ao incumprimento de determinações do Banco de Portugal. Lamento não poder aprofundar minimamente estes aspetos, mas compreenderão a necessidade de reserva, para proteção quer do interesse na boa prossecução da instrução dos processos quer da salvaguarda dos direitos e garantias dos diversos participantes processuais, sendo que já existem arguidos constituídos num desses processos.
Faço notar que o Banco de Portugal só tomou conhecimento dos valores ainda preliminares das contas do BES relativas ao primeiro semestre de 2014 no final do dia 25 de julho. Nessa data, a KPMG quantificou, pela primeira vez, o desvio dos resultados semestrais do BES face à informação transmitida ao mercado no dia 10 de julho.
Esta informação – que, repito, pôs drasticamente em causa a informação transmitida pelo BES ao mercado no dia 10 de julho – impunha:
- A busca imediata de uma solução de capitalização do BES, desejavelmente com recurso a investidores privados – plano A;
- E a preparação de cenários de contingência – plano B –, caso a opção de capitalização privada se revelasse inexequível em tempo útil.
Relembro que, de acordo com o quadro legal português, o plano de contingência poderia contemplar diferentes medidas, com diferentes graus de exequibilidade em termos de tempo e processos de decisão: capitalização pública (incluindo a modalidade de capitalização forçada), nacionalização, resolução e liquidação. A caracterização detalhada das diferentes opções é objeto de nota que deixo para análise da Comissão.
A confirmação final, pelo auditor externo, dos valores preliminares das contas do primeiro semestre teve lugar no dia 28 de julho, segunda-feira. Em face da grave insuficiência de capital daí resultante, na terça-feira, 29 de julho, o Banco de Portugal acionou o plano A, determinando a apresentação pelo BES, até ao final do dia 31 de julho, de um plano de restruturação e de aumento de capital com recurso a fundos privados, que permitisse cobrir as necessidades de fundos próprios num muito curto espaço de tempo.
Recordo que, como tive ocasião de informar a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP), ao longo do mês de julho, diversas entidades privadas tinham manifestado interesse em tomar posições no capital do BES. Este facto foi, aliás, salientado no comunicado ao mercado do Presidente da Comissão Executiva do BES no dia 30 de julho, na sequência da divulgação dos resultados semestrais. Contudo, a ordem de grandeza e a natureza das perdas divulgadas agravaram significativamente a perceção externa sobre a situação financeira do BES, inviabilizando uma solução de capitalização privada com a urgência requerida. No dia 31 de julho, quinta-feira, o Conselho de Administração do BES comunicou ao Banco de Portugal a impossibilidade de apresentar um plano de capitalização com base em investimento privado, nos termos e nos prazos solicitados.
Face ao incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios e na ausência de um plano de capitalização por parte do BES, na noite de 31 de julho, fui informado pela Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE) de que esta iria propor ao Conselho do BCE a suspensão do estatuto do BES como contraparte da política monetária do Eurosistema, com efeitos a partir do dia seguinte, sexta-feira, 1 de agosto. Tal implicaria o reembolso da totalidade do seu crédito junto do Eurosistema (cerca de 10 mil milhões de euros).
Perante este facto, e como forma de evitar a suspensão imediata, na noite de 31 de julho e na madrugada de 1 de agosto, foi necessário equacionar a única medida de contingência que era exequível num curto espaço de tempo e que salvaguardava a estabilidade do sistema financeiro: a medida de resolução. Após uma reunião por teleconferência, iniciada às 12h00 de sexta-feira, 1 de agosto, o Conselho do BCE decidiu adiar a suspensão do estatuto de contraparte do BES para segunda-feira, 4 de agosto, mediante o compromisso de concretização da medida de resolução durante o fim de semana, a tempo da abertura dos mercados na segunda-feira.
Foi apenas na sequência desta decisão do Conselho do BCE que o Banco de Portugal decidiu avançar para a aplicação ao BES de uma medida de resolução. Esta decisão foi por mim, de imediato, comunicada à Senhora Ministra de Estado e das Finanças.
É crucial perceber que, nesse momento, e atendendo à perda de acesso ao financiamento do BCE na segunda-feira seguinte, as únicas opções disponíveis para o Banco de Portugal passaram a ser a resolução e a liquidação.
A opção de recapitalização pública, mesmo na modalidade da capitalização obrigatória, já não era exequível, porque requeria procedimentos prévios complexos e demorados.
A propósito desta opção, que seria inexequível face à urgência de resposta, importará ter presente que:
- Do ponto de vista da repartição dos encargos (burden sharing), e de acordo com as atuais regras de ajudas de Estado – em vigor desde 2013 e já acolhidas no regime jurídico português de recapitalização aprovado nesta Assembleia – os acionistas e credores subordinados são obrigatoriamente e, em primeiro lugar, chamados a absorver as perdas do BES, tal como no cenário de resolução;
- E, do ponto de vista do impacto sobre o erário público, os riscos de balanço e outras contingências associadas às práticas adotadas pela anterior gestão do BES não poderiam ser segregados, ao contrário do que acontece numa resolução, e, por isso, são assumidos pelo contribuinte.
Por sua vez, a liquidação de uma instituição com a importância sistémica do BES implicaria custos elevadíssimos para os depositantes, riscos graves para o financiamento da economia e, por consequência, colocaria em causa a estabilidade do sistema financeiro. Para os acionistas e credores subordinados, a opção de liquidação também não seria mais vantajosa, pois o regime legal da resolução garante que as perdas por eles sofridas não poderão exceder as que resultariam de uma liquidação.
Em suma, tendo em conta a iminente suspensão do acesso ao financiamento do BCE e a ausência de alternativas exequíveis em tempo útil, a resolução era a única solução que permitia manter a maior parte da atividade do BES, acautelar a segurança dos depósitos, assegurar a continuidade do crédito à economia, prevenir riscos sistémicos e salvaguardar os interesses dos contribuintes e dos trabalhadores do BES. O Banco de Portugal, em cumprimento das obrigações que a lei lhe atribui, tomou a única decisão que permitia salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional.
A complexidade e o risco operacional de uma medida desta natureza não podem ser menosprezados. Durante o fim de semana de 2 e 3 de agosto, foi necessário analisar a valorização dos ativos, estimar as necessidades de capital, separar os balanços do banco de transição e do BES, preparar instrumentos jurídicos e regulamentares, nomear os órgãos sociais das novas entidades e ainda preparar diversos instrumentos de comunicação.
Tal só foi possível porque, como referido, o Banco de Portugal estava a trabalhar ativamente nos diferentes cenários de contingência contemplados na lei, desde o fim de semana de 26 e 27 de julho. Este planeamento implicava garantir:
- O concurso de todas as entidades que, de acordo com a lei, teriam de estar envolvidas na preparação e na aprovação da solução que viesse a ser adotada: o Governo, o Banco Central Europeu e a Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia;
- Os instrumentos de intervenção necessários para a viabilização da opção de viesse a ser escolhida.
Neste contexto, de salvaguarda e viabilização de todas as opções, o Banco de Portugal, no dia 30 de julho, tendo em vista uma maior segurança jurídica e a proteção dos depósitos dos pequenos investidores, propôs ao Ministério das Finanças a antecipação de um conjunto de alterações ao regime da resolução previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). Tratava-se, em particular, de:
- (i) Assegurar que, em situação de resolução, nenhum credor pode sofrer perdas maiores do que as que teria em situação de liquidação (”no creditor worse off”);
- (ii) E de aumentar a proteção dos pequenos acionistas, garantindo que os seus depósitos não ficariam desprotegidos em caso de resolução (conforme resultava do regime até então em vigor).
Estas propostas, que constavam do “pacote” de transposição da CRD IV (Capital Requirements Directive) e que estavam disponíveis no sítio da Assembleia da República desde o dia 14 de maio, tinham sido submetidas pelo Banco de Portugal ao Governo em novembro de 2013.
Os contactos com o Governo incidiram ainda sobre cenários de financiamento de uma eventual medida de resolução, já que o Fundo de Resolução apenas iniciou a sua atividade em 2012 e não dispunha de recursos próprios suficientes.
No que respeita ao Banco Central Europeu, foram estabelecidos contactos com o Presidente do BCE, com membros da Comissão Executiva e com a Presidente do Conselho de Supervisão, tendo sido prestada informação, no dia 30 de julho, sobre a situação do BES e sobre a preparação de um plano de contingência. A perspetiva de resolução do BES foi, como já referido, mencionada a partir da noite de 31 de julho e da madrugada de 1 de agosto, como forma de evitar a suspensão imediata do estatuto do BES como contraparte da política monetária.
Com a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia foi estabelecido um primeiro contacto, a nível técnico e numa base informal, no dia 30 de julho, no qual foram abordados os diferentes cenários de contingência que envolveriam recurso a auxílios de Estado. No dia 31 de julho, à tarde, contactei telefonicamente o Vice-Presidente Almunia, sensibilizando-o para a possibilidade de vir a ser necessária a disponibilidade dos serviços da Comissão durante o fim de semana e num período de férias.
Reitero, porque esta foi uma questão levantada a propósito das minhas declarações na COFAP no dia 8 de outubro, que os contactos com a Direção-Geral da Concorrência (DG-COMP) não constituíram, nem poderiam ter constituído, qualquer notificação de auxílios de estado, nem prenúncio dessa notificação. Conforme já esclarecido, o Banco de Portugal não se corresponde formalmente com a DG-COMP no quadro de processos de notificação de auxílios de estado e do seu seguimento. Estes são da competência exclusiva do Governo. Naturalmente, sem prejuízo deste enquadramento formal, o Banco de Portugal mantém contactos e partilha informação com a DG-COMP, no âmbito das suas competências e no quadro dos processos de auxílio estatal a instituições financeiras nacionais, sempre em estreita articulação com o Ministério das Finanças. Na documentação já remetida pelo Banco de Portugal à Comissão Parlamentar de Inquérito poderão encontrar uma cronologia detalhada de todos os contactos realizados com a DG-COMP, entre os dias 30 de julho e 5 de agosto.
Concluo este ponto, sublinhando que a medida de resolução foi tomada num quadro legislativo aprovado pela Assembleia da República em 2012, o qual é muito próximo do regime europeu em matéria de resolução (BRRD – Banking Recovery and Resolution Directive), aprovado em maio de 2014, que terá de ser transposto para a legislação nacional até ao final deste ano.
II. Acompanhamento e supervisão do BES
Nos últimos quatro anos, o Banco de Portugal efetuou um acompanhamento permanente e particularmente intrusivo do Espírito Santo Financial Group (ESFG). A supervisão foi desenvolvida num quadro de especial complexidade do grupo ESFG, constituído por múltiplas entidades sedeadas em várias jurisdições, algumas das quais impondo limitações à partilha de informação, conforme consta da nota técnica já entregue a esta Comissão.
Como é sabido:
- As filiais de instituições de crédito sedeadas em países terceiros estão sujeitas a supervisão em base individual pela autoridade de supervisão local;
- A supervisão em base consolidada do Banco de Portugal depende da informação partilhada por aquelas autoridades e da sua supervisão, além das análises e certificações realizadas pelos respetivos auditores locais;
- Para ultrapassar restrições de acesso a informação relevante sobre as atividades daquelas filiais em algumas jurisdições, o Banco de Portugal estabeleceu protocolos com os respetivos supervisores, o que não afasta dificuldades de acesso à informação em algumas jurisdições.
O acompanhamento do grupo ESFG pelo Banco de Portugal ao longo dos últimos quatro anos teve dois momentos específicos de intensificação:
- (i) No quadro do Programa de Assistência Económica e Financeira, desde meados de 2011;
- (ii) E no quadro dos problemas específicos decorrentes da exposição ao Grupo GES, a partir do último trimestre de 2013.
No quadro do Programa de Assistência Económica e Financeira, e prosseguindo a estratégia iniciada em meados de 2010, o Banco de Portugal desenvolveu um modelo de supervisão ainda mais intrusivo, com maior enfoque no risco e de cariz mais transversal e prospetivo. O grupo ESFG foi, tal como os outros bancos nacionais, sujeito a um escrutínio do balanço sem paralelo no passado.
Para além da elaboração de planos de financiamento e de capital e da realização de testes de esforço, numa base trimestral, foram feitas cinco auditorias transversais, conforme amplamente documentado na informação já transmitida a esta Comissão e também referida nas minhas audições na COFAP.
Na sequência destes exercícios, o grupo ESFG teve de reforçar o nível global de imparidades num montante total de 1.366 milhões de euros. Mais de metade deste montante foi apurado no âmbito do ETRICC2, exercício lançado no início de setembro de 2013, que envolveu uma avaliação dos planos de negócio dos principais grupos económicos devedores do sistema bancário cuja recuperabilidade dos créditos depende da geração de fluxos financeiros do negócio.
Uma segunda dimensão do acompanhamento do BES resultou, como referido, de problemas específicos relacionados com a exposição à área não financeira do Grupo Espírito Santo, detetados no âmbito do ETRICC2, em novembro de 2013. Foi neste quadro que se descobriu que as contas da Espírito Santo International (ESI), entidade com sede no Luxemburgo e que está fora do perímetro de supervisão do Banco de Portugal, não registavam a totalidade da dívida emitida: omitiam 1,3 mil milhões de euros. Este facto foi revelado na sequência de uma inspeção particularmente intrusiva, realizada por iniciativa do Banco de Portugal, não obstante a ESI não estar sujeita à supervisão do Banco de Portugal.
A gravidade desta situação, que punha em causa a solvência da ESI, com impacto no balanço do BES, e que implicava riscos reputacionais elevados para o grupo ESFG, determinou:
- A exigência da elaboração imediata de contas consolidadas pró-forma da ESI, com referência a 30 de setembro de 2013, acompanhadas de parecer de auditor externo.
- Um reforço significativo da política de segregação do Grupo BES dos riscos emergentes do ramo não financeiro, assente em quatro pilares:
- 1. Reforço do ring-fencing face aos riscos emergentes do Grupo Espírito Santo, conforme detalhado em nota técnica hoje distribuída;
- 2. Reforço dos rácios de solvência;
- 3. Reforço do modelo de governo, incluindo a passagem para um modelo de administração independente dos acionistas;
- 4. Escrutínio permanente dos atos praticados para efeitos de idoneidade.
Assim, em primeiro lugar, o Banco de Portugal determinou, a 3 de dezembro de 2013:
- A eliminação da exposição total, direta e indireta, do grupo ESFG à ESI, que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas;
- A constituição de uma conta à ordem (conta “escrow”) alimentada por recursos alheios ao grupo ESFG, com um montante equivalente à dívida emitida pela ESI e detida por clientes de retalho do BES, devendo essa conta ser exclusivamente destinada ao reembolso dessa dívida;
- A obrigação de constituição de uma provisão, com referência a 31 de dezembro de 2013, definida pelo auditor externo, caso não se concretizassem estas medidas. O montante desta provisão, de 700 milhões de euros, foi determinado pela KPMG e confirmado pela PwC.
Em segundo lugar, o Banco de Portugal determinou o reforço dos fundos próprios do ESFG num montante que assegurasse que o rácio de capital Core Tier 1 se situaria, com referência a 31 de dezembro de 2013, num valor superior ao mínimo regulamentar em pelo menos 50 p.b.. O reforço de capitais deveria ainda assegurar uma almofada de capital que permitisse ao grupo ESFG acomodar choques decorrentes de cenários adversos e fazer face aos resultados do exercício de avaliação completa (“comprehensive assessment”) do BCE, então em curso. A 16 de junho de 2014, foi concluído um aumento de capital de 1.045 milhões de euros.
Em terceiro lugar, o Banco de Portugal emitiu um conjunto de determinações em matéria de governo societário:
- Obrigação de as determinações do Banco de Portugal serem dadas a conhecer a todos os membros dos órgãos de administração do ESFG e do BES e as medidas adotadas em resposta às tais determinações serem discutidas e, naturalmente, aprovadas em reunião do conselho de administração;
- Simplificação da estrutura do grupo ESFG;
- Reforço das disposições, processos, mecanismos e estratégias criados no âmbito do governo da sociedade, controlo interno e autoavaliação de riscos, de modo a garantir uma adequada independência face ao ramo não financeiro do GES;
- Desenvolvimento e implementação das medidas necessárias para garantir uma separação total e definitiva das marcas utilizadas por cada ramo do GES;
- Proibição da comercialização, de forma direta ou indireta (designadamente através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho;
- Alteração ao código de conduta tendo em vista a prevenção, deteção, monitorização e reporte de conflito de interesses;
- Criação de uma comissão sobre transações com partes relacionadas, com poderes de oposição, destinada a controlar todas as operações de crédito ou relações comerciais significativas (i) com os membros do órgão de administração e de fiscalização do BES ou entidades com eles relacionadas, (ii) com qualquer titular direto e indireto de uma participação superior a 2% no capital social ou direitos de voto do BES, (iii) ou com qualquer entidade que pertença ao mesmo grupo económico do titular da participação.
Em quarto lugar, a supervisão do Banco de Portugal prosseguiu na obtenção de explicações para factos de que ia tomando conhecimento, nos limites do quadro legal em matéria de avaliação de idoneidade, tema que é também objeto de uma nota que deixo a esta Comissão.
Este exercício, que teve sempre presente a necessidade de respeitar o quadro legal constante do RGICSF e de salvaguardar a confiança dos depositantes e a estabilidade financeira, conduziu:
- À apresentação, em meados de abril de 2014, de um plano de sucessão com afastamento dos membros da família do órgão executivo do BES;
- À retirada de pedidos de registo para exercício de funções em outras entidades do Grupo;
- E, por último, à antecipação da renúncia aos cargos que exerciam no BES de todos os membros da família Espírito Santo.
As medidas destinadas a isolar o grupo financeiro do risco GES foram sucessivamente reforçadas pelo Banco de Portugal ao longo do tempo, tendo sido igualmente impostos vários mecanismos de monitorização destinados a garantir o cumprimento das determinações do Banco de Portugal.
Tendo presente as quatro linhas de defesa da solidez financeira de uma instituição bancária, o Banco de Portugal manteve uma ampla interação, através de correspondência escrita e da realização de reuniões, com vários membros das Comissões Executivas e das Comissões de Auditoria do ESFG e do BES, bem como, naturalmente, com a KPMG, tendo presente a responsabilidade que a lei lhes atribuía no exercício das respetivas funções.
Através destas ações, o Banco de Portugal procurou garantir um forte envolvimento de todos os membros de órgão de administração e do órgão de fiscalização e os auditores externos no cumprimento das determinações emitidas. Importa sublinhar que o conselho de administração do BES integrava 25 pessoas, a larga maioria das quais com uma longa experiência no setor bancário, e incluía representantes de outros acionistas de relevo que não o GES.
A atuação do Banco de Portugal neste processo foi sempre comandada pelos objetivos de proteger os depositantes, preservar a confiança pública e, em última instância, salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro.
III. Lições para o futuro
A aplicação da medida de resolução ao BES permitiu preservar a estabilidade e confiança no sistema financeiro nacional, proteger os depositantes e assegurar a continuidade da prestação de serviços financeiros essenciais. Os indicadores do mercado acionista e de dívida dos outros bancos nacionais cotados e os spreads da dívida pública portuguesa no período subsequente à medida apontam para a ausência de perturbações sistémicas no mercado. Adicionalmente, a evolução dos depósitos bancários demonstrou uma apreciável estabilidade a nível agregado (com alguma reafectação dentro do sistema), evidenciando a manutenção da confiança dos depositantes nos bancos portugueses. Por último, também os dados mais recentes do crédito concedido pelo setor financeiro às sociedades não financeiras e aos particulares não evidenciam que a medida de resolução adotada tenha tido impacto relevante na evolução do financiamento bancário à economia.
O caso do BES pôs em evidência um conjunto de fragilidades e limitações do nosso quadro legal de supervisão e também a existência de práticas societárias de governo interno deficientes ou não conformes com os modelos estabelecidos (e não apenas no sistema bancário).
No plano regulamentar, destacaria quatro áreas de melhoria:
- Em primeiro lugar, a legislação atual, no plano europeu, permite que bancos façam parte de conglomerados mistos – simultaneamente financeiros e não financeiros –, situação que favorece mecanismos de contágio difíceis de controlar. É ilusório pensar que o controlo das chamadas “partes relacionadas” é captado através dos limites de exposição constantes do balanço. Por um lado, estes resultam de informação que é fornecida pelo cliente e de uma avaliação de risco feita pelo banco, o que, tratando-se de partes relacionadas, aumenta a probabilidade de condescendências quanto à qualidade da informação e à avaliação de risco. Por outro lado, os limites previstos na legislação não permitem contemplar as exposições fora do balanço, as quais, como aconteceu no caso concreto do BES, podem ser muito mais importantes;
- Em segundo lugar, a legislação permite a localização destes conglomerados em múltiplas jurisdições, algumas destas não cooperantes e opacas no acesso a informação relevante. É necessário avaliar o quadro legal existente e analisar a forma de supervisionar as instituições que têm filiais localizadas em jurisdições com limitações de acesso a informação. Bastará apenas deduzir ao capital os valores a elas referentes ou dever-se-á impedir que esse tipo de jurisdição faça parte do conglomerado? Trata-se de uma questão que importa debater no plano europeu e que é muito relevante para todos aqueles que integram a cadeia de análise da informação;
- Um terceiro problema prende-se com o modelo de governo das instituições. Importa garantir que a prática efetiva da instituição está conforme com as regras que integram o seu modelo de governo. Em particular, importa garantir que os órgãos de fiscalização exercem as funções que a lei lhes atribuiu de forma plena e eficaz. Atendendo à complexidade das instituições que desenvolvem atividade bancária, este órgão deve funcionar em permanência e não numa lógica de reuniões periódicas, trimestrais ou mensais, pois só assim será possível garantir um acompanhamento eficaz e a tomada de decisões tempestivas. Há também que assegurar que os responsáveis pelas áreas de compliance, gestão de risco e auditoria interna têm autonomia e independência para exercer as suas funções e são vistos pelos stakeholders como aliados na defesa do interesse geral da instituição. As questões de governo interno das instituições devem ser abordadas ao nível da legislação e das práticas. Os supervisores têm de sujeitar as instituições que supervisionam a escrutínios periódicos das suas práticas de governação;
4. Por fim, é preciso que o supervisor tenha capacidade para atuar decisivamente e com rapidez. O quadro jurídico em que o Banco de Portugal opera impõe uma tal proteção a quem está na gestão das instituições financeiras que a possibilidade de o Banco de Portugal agir – sem correr o risco de infringir regras ou violar jurisprudência – é muito limitada. Não posso deixar de assinalar que, em matéria de idoneidade, a alteração ao RGICSF recentemente aprovada com base numa autorização legislativa da Assembleia da República ficou aquém da que o Banco de Portugal consideraria necessária para obviar alguns constrangimentos que se colocam à sua atuação nesta matéria. E lembro também que a jurisprudência dos tribunais tem vindo sucessivamente a reforçar as limitações com que o Banco de Portugal se confronta nesta matéria.
Também no plano da supervisão, importa avaliar, com a distância, a serenidade e o conhecimento que o tempo permite, os processos e práticas de supervisão. O Banco de Portugal tem a convicção de ter atuado de forma totalmente empenhada, decidindo, com base na informação disponível em cada momento e no quadro das limitações já referidas, com o melhor da sua capacidade e sempre com a preocupação fundamental de proteger os interesses dos depositantes e salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional.
O Banco de Portugal não tem, no entanto, qualquer pretensão de infalibilidade e não deixará de fazer a sua própria avaliação da experiência deste caso, como, aliás, é dever de todas as instituições e em todas as circunstâncias. Também essa avaliação é necessária para, no novo contexto de União Bancária, introduzir os ajustamentos que permitam aumentar a eficácia da supervisão.
Muito obrigado.