O Banco de Portugal publica hoje o Relatório de Acompanhamento da Recomendação macroprudencial no âmbito de novos contratos de crédito a consumidores, que estabelece limites para os critérios utilizados pelas instituições na avaliação da solvabilidade dos mutuários. Esta Recomendação tem como objetivo mitigar a acumulação do risco sistémico e aumentar a resiliência do setor financeiro, promovendo igualmente o acesso a financiamento sustentável por parte das famílias. Recorde-se que nem todos os novos créditos celebrados com consumidores são abrangidos pela Recomendação. Os contratos de crédito cujo montante total seja igual ou inferior a dez vezes a remuneração mínima mensal garantida estão fora do âmbito da Recomendação. Adicionalmente, são excluídas, entre outras, as operações de crédito destinadas a prevenir ou regularizar situações de incumprimento, conferindo uma maior flexibilidade no desenho destes contratos. Excluíram-se, também, os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto e outros créditos sem plano de reembolso definido, incluindo cartões e linhas de crédito.
O Banco de Portugal tem vindo a monitorizar a implementação da Recomendação pelas instituições abrangidas, de forma a prevenir potenciais distorções de concorrência ou ações que ponham em causa a eficácia da Recomendação. Em maio de 2019, foi publicado o primeiro Relatório de Acompanhamento desta Recomendação macroprudencial, com informação até março desse ano. O presente Relatório evidencia os resultados da monitorização da Recomendação macroprudencial desde então, dando ênfase ao período de março a dezembro de 2019.
O perfil de risco dos mutuários continuou a melhorar e as instituições intensificaram o cumprimento dos limites definidos na Recomendação
Em 2019, o Banco de Portugal manteve uma forte interação com as instituições mais representativas do sistema financeiro português, continuando a aferir o grau de implementação da Recomendação através do reporte mensal efetuado por 13 instituições que apresentam uma quota de mercado de 95% das novas operações de crédito aos consumidores. O Banco de Portugal tem igualmente vindo a avaliar a atuação do conjunto das instituições face à Recomendação a partir dos dados reportados através da Central de Responsabilidades de Crédito.
Entre julho de 2018 e março de 2019, observou-se uma convergência significativa para os limites estabelecidos na Recomendação, sendo que, entre março e dezembro de 2019, praticamente não se detetaram situações de não observância dos limites recomendados nos novos créditos concedidos.
Esta avaliação foi corroborada pelo Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), no seu Relatório de Avaliação dos Mercados Imobiliários Residenciais Europeus, divulgado em setembro de 2019. Para Portugal, o risco foi avaliado como de nível médio, não tendo o país sido objeto de alerta ou recomendação por parte daquele Comité, contrariamente a 11 países europeus, precisamente porque as medidas tomadas para fazer face ao risco foram consideradas adequadas e suficientes.
A medida macroprudencial adotada pelo Banco de Portugal foi, de resto, percursora em algumas das suas caraterísticas, designadamente no envolvimento da governação das instituições na avaliação do grau de implementação da medida e constituiu um referencial para outras autoridades macroprudenciais de países europeus.
Contudo, no âmbito da monitorização da Recomendação, o Banco de Portugal concluiu que a manutenção da tendência de aumento do prazo médio e do montante médio das novas operações de crédito pessoal poderia constituir um risco acrescido para o sistema financeiro. Assim, por deliberação do Conselho de Administração, de 29 de janeiro de 2020, decidiu reduzir a maturidade máxima das novas operações de crédito pessoal para 7 anos. Excetuam-se os créditos com finalidades de educação, saúde e energias renováveis, cuja maturidade máxima continuará a ser 10 anos, desde que estas finalidades sejam devidamente comprovadas. As exceções previstas na Recomendação para concessão de crédito a mutuários com rácio DSTI (acrónimo na língua inglesa para debt service-to-income ratio, ou seja, rácio entre o montante total das prestações mensais associadas a todos os empréstimos detidos pelo cliente e o seu rendimento mensal líquido) entre 50% e 60% foram reduzidas até 10% do montante total das novas operações de crédito concedido por cada instituição. Adicionalmente, manteve-se a exceção que permite que até 5% do montante total de créditos concedidos por cada instituição e abrangidos pela Recomendação possa ultrapassar os limites previstos ao rácio DSTI.
Relativamente aos limites ao rácio LTV (acrónimo na língua inglesa para loan-to-value), observou-se uma alteração da distribuição das novas operações de crédito por intervalo deste rácio. Os novos contratos com rácio LTV acima de 90% representavam 22% do total das novas operações de crédito à habitação, em julho de 2018, 4%, em março de 2019, tornando-se imateriais em dezembro de 2019 (2%). Em contrapartida, verificou-se um aumento da importância relativa das novas operações de crédito com um rácio LTV compreendido entre 80 e 90%, que representavam, em dezembro de 2019, cerca de 50% das novas operações em apreço.
Esta convergência verificou-se também no que diz respeito ao rácio DSTI, cujo cálculo considera subidas de taxas de juro e reduções no rendimento, neste último caso, quando a idade do mutuário ultrapassa 70 anos no termo do contrato. Em dezembro de 2019, cerca de 92% das novas operações de crédito à habitação e ao consumo foram concedidas a mutuários com um rácio DSTI inferior ou igual a 50%. A proporção de novas operações de crédito ao consumo e habitação com rácio DSTI entre 50% e 60% variou pouco, entre julho de 2018 e dezembro de 2019, situando-se em torno de 7%, muito abaixo do limite de 20% previsto na Recomendação neste período. As novas operações de crédito à habitação e ao consumo com rácio DSTI superior a 60% representavam 3% das novas operações em dezembro de 2019, encontrando-se, assim, dentro do limite de 5% previsto na Recomendação.
Os limites à maturidade foram também respeitados: no caso do crédito à habitação, a partir de outubro de 2018; no que respeita ao crédito ao consumo, desde a entrada em vigor da Recomendação. Em dezembro de 2019, mais de 90% das operações de crédito à habitação apresentavam uma maturidade entre 20 e 40 anos, sendo que a maturidade média ponderada por montante de crédito à habitação se reduziu cerca de um ano, entre julho 2018 e dezembro de 2019, passando de 33,4 anos para 32,6 anos. No entanto, as instituições apresentam diferenças de evolução da maturidade média das novas operações de crédito, pelo que têm necessidades distintas para assegurarem a convergência, definida na Recomendação, para uma maturidade média de 30 anos, em 2022. No que diz respeito ao crédito ao consumo, verificou-se uma tendência de crescimento das maturidades médias, de cerca de 6 anos, em julho de 2018, para cerca de 8 anos, em março de 2019, mantendo-se neste valor em dezembro de 2019.
Por último, no que diz respeito ao requisito de pagamentos regulares, continuou a registar-se um elevado grau de conformidade com a Recomendação.
Observou-se igualmente uma melhoria gradual do perfil de risco dos mutuários com crédito à habitação, desde a entrada em vigor da Recomendação, considerando a conjugação dos rácios DSTI e LTV. Esta melhoria é evidente quando se analisa a evolução da percentagem de crédito concedido a mutuários de maior risco. Em julho de 2018, esta percentagem atingia 35%, passando para 9% em março de 2019 e reduzindo-se para 4%, em dezembro de 2019.
A análise apresentada no Relatório agora publicado aponta para que os limites considerados na Recomendação estejam, em geral, a ser adequados e eficazes no cumprimento dos objetivos estabelecidos: promover a resiliência das instituições financeiras através da aplicação de critérios adequados de concessão de crédito às famílias e fomentar o acesso ao financiamento sustentável das famílias.
Mais recentemente, com a propagação do Covid-19, as condições económicas e financeiras deterioraram-se significativamente. É neste contexto que o Banco de Portugal continuará a prosseguir o objetivo da estabilidade financeira, promovendo o fluxo de financiamento da economia, através dos instrumentos que considere adequados.