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Como a política monetária está a ajudar a combater os efeitos da pandemia

Como a política monetária está a ajudar a combater os efeitos da pandemia

Contribuir para que as empresas e as famílias tenham condições favoráveis para se financiarem é uma das principais preocupações dos bancos centrais numa crise como a que resulta da pandemia de Covid-19. Garantir que o crédito chega à economia real, permitindo às empresas continuarem a pagar salários e faturas e às famílias assegurarem as suas necessidades, implica criar condições para que os bancos comerciais cumpram o seu papel de financiadores num cenário de incerteza.

É com esta preocupação presente que o Banco Central Europeu (BCE), o Banco de Portugal e os restantes bancos centrais da área do euro, que constituem o Eurosistema, têm vindo a adotar diversas medidas. O objetivo da sua atuação é apoiar as instituições de crédito para que continuem a proporcionar condições favoráveis de financiamento à economia. Perceba que medidas estão em causa e como é que estas decisões de política monetária estão a ajudar a combater os efeitos da pandemia do novo coronavírus.

 

Disponibilização de liquidez em larga escala

A primeira linha de atuação da política monetária do Eurosistema assentou na disponibilização de liquidez em larga escala ao sistema financeiro.

As condições das operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (TLTRO III) - como a taxa, o período de avaliação, o objetivo a cumprir, os limites de proposta e de montante colocado, e a possibilidade de reembolso antecipado - foram sendo alteradas ao longo de 2020, de forma a reforçar os incentivos à concessão de crédito à economia real. Com a última calibração, anunciada em dezembro de 2020, introduziram-se três novas operações em 2021, aumentou-se o limite de refinanciamento a que os bancos podem recorrer para 55% do stock de crédito elegível (situava-se em 30% antes do início da pandemia e já tinha sido aumentado para 50% em março de 2020) e alargou-se o período de taxas de juro mais favoráveis por 12 meses, até junho de 2022, para os bancos que cumpram os objetivos de concessão de crédito. Nestes casos, a taxa de juro pode chegar a -1%, o nível mais baixo alguma vez disponibilizado pelo BCE.

Foi criada em março, e manteve-se até junho, uma série de operações de cedência de liquidez adicional (LTRO-A), através da qual as instituições de crédito puderam aceder a recursos ilimitados (sujeito apenas à disponibilidade de ativos de garantia) a uma taxa de juro mais favorável do que a praticada nas operações regulares. Esta série de operações teve frequência semanal e venceu em junho de 2020, por forma a permitir a substituição com a TLTRO III de junho. Para garantir condições de liquidez favoráveis, foi criada também uma nova série de sete operações de refinanciamento de longo prazo associada à pandemia (PELTRO), com uma frequência aproximadamente mensal e prazo de vencimento variável, entre os 8 meses e os 16 meses. Esta operação tem também uma taxa de juro mais favorável do que a praticada nas operações regulares. Em dezembro de 2020, foram anunciadas quatro operações PELTRO adicionais, com periodicidade trimestral e maturidade de aproximadamente um ano.

Por outro lado, para facilitar o acesso das instituições de crédito às operações de financiamento do Eurosistema, foram flexibilizadas as exigências impostas para a aceitação dos ativos que os bancos têm de apresentar como garantia nessas operações. Desta forma, pretendeu-se alargar a lista de ativos que as instituições podem mobilizar para obterem liquidez junto dos bancos centrais.

Assim, passaram também a ser aceites os créditos bancários com garantias públicas, disponibilizados em diversos países para responder à pandemia, e outros empréstimos cuja qualidade de crédito seja avaliada pelo banco central nacional, mesmo que estejam em causa créditos a empresas de menor dimensão. Com esta última medida, as instituições de crédito têm mais um incentivo para concederem crédito a microempresas e a comerciantes.

Além disso, a redução de valorização aplicada na avaliação dos ativos dados como garantia diminuiu em 20% e, para efeitos de aceitação destes ativos, os bancos centrais fixaram as avaliações de risco (ratings), para limitar o impacto da eventual atuação das agências de rating. Desta forma, pretende-se que a avaliação dos ativos e as eventuais descidas das notações de rating não reduzam as garantias que permitem ter acesso à liquidez disponibilizada pelo Eurosistema.

Em dezembro de 2020, o Conselho do BCE decidiu prorrogar até junho de 2022 a duração do conjunto de medidas de flexibilização dos ativos de garantia. Desta forma, assegura-se que os bancos podem utilizar plenamente as operações de liquidez do Eurosistema, em especial as TLTRO III objeto de ajustamentos. As medidas de flexibilização dos ativos de garantia serão reavaliadas pelo Conselho do BCE antes de junho de 2022, para assegurar que as condições são as adequadas, caso se decida pela sua descontinuação, por forma a garantir que a participação das contrapartes do Eurosistema nas TLTRO III não é negativamente afetada.

As medidas de disponibilização de liquidez ao sistema financeiro incluíram também uma ação coordenada entre os principais bancos centrais, incluindo a Reserva Federal dos Estados Unidos, o Banco do Japão e o Banco de Inglaterra, entre outros, para a cedência de dólares com uma taxa de juro mais baixa do que o habitual.

O Eurosistema introduziu uma nova facilidade de cedência de liquidez em euros a bancos centrais fora da área do euro, disponível inicialmente até junho de 2021 e, mais tarde, alargada até março de 2022. Esta nova facilidade, a EUREP (do inglês Eurosystem repo facility for central banks), complementa os acordos bilaterais de cedência de liquidez vigentes e reflete a importância do euro no mercado financeiro global.

Por fim, o BCE decidiu continuar o procedimento de leilão de taxa fixa com satisfação integral da procura em todas as operações regulares de cedência de liquidez.

 

Compra de grandes volumes de dívida

A segunda linha de atuação da política monetária do Eurosistema passa pela compra de grandes volumes de dívida do setor público e do setor privado, para permitir que todos os cidadãos europeus e todos os setores da economia possam aceder a financiamento em condições favoráveis.

O BCE decidiu criar um novo programa, de 750 mil milhões de euros, para a compra de ativos devido à emergência pandémica (o pandemic emergency purchase programme – PEPP) e aumentar, em 120 mil milhões de euros, o valor do programa de compra de ativos (asset purchase programme – APP) que estava em curso, ambos a utilizar, pelo menos, até ao final de 2020.

Desde a sua criação, o PEPP foi recalibrado duas vezes. Em junho, em resposta às revisões em baixa das expectativas de evolução da inflação, o BCE decidiu aumentar o PEPP para 1350 mil milhões de euros, prolongar a sua duração, pelo menos, até junho de 2021 e anunciou que iria reinvestir os montantes vincendos neste programa, pelo menos, até final de 2022. Em dezembro, em resultado da quebra económica motivada pela ressurgência da pandemia, o BCE aumentou o PEPP em 500 mil milhões, para 1850 mil milhões de euros, e estendeu a sua duração, pelo menos, até março de 2022, com o compromisso de continuar a reinvestir os montantes vincendos, pelo menos, até ao fim de 2023.

O objetivo do PEPP é criar condições favoráveis de financiamento para todos os cidadãos europeus e para todos os setores da atividade económica. O Eurosistema compra com regularidade títulos de dívida do setor público e privado de todas as jurisdições da área do euro. O universo de ativos do setor público passíveis de serem comprados ao abrigo do PEPP passou a incluir títulos de dívida pública grega e títulos de dívida pública de curto prazo, também conhecidos como bilhetes do Tesouro, com um prazo de vencimento superior a 70 dias, para além de todos aqueles que já eram elegíveis para o APP. Apesar de as aquisições serem feitas tendo por base a chave de capital de cada banco central nacional no BCE, permite-se que, ao longo do programa, existam desvios entre jurisdições e classes de ativos. Também se decidiu que não se aplicam ao PEPP os limites que vigoram no APP para a compra de dívida pública e que impedem a compra de mais de 33% de uma emissão ou da dívida total emitida por um determinado Estado.

Outra medida importante foi o alargamento do universo de ativos do setor privado, que passou a incluir a aquisição de títulos de curto prazo, ou seja, papel comercial, que é uma das fontes importantes de financiamento das empresas europeias.

 

O objetivo destas medidas de política monetária

Ao disponibilizarem liquidez em larga escala aos bancos e ao adquirirem grandes volumes de dívida pública e privada, os bancos centrais do Eurosistema, incluindo o Banco de Portugal, estão a assegurar que as instituições de crédito dispõem de condições e incentivos para financiarem, em condições favoráveis, as empresas e as famílias, mesmo num contexto desafiante como o que resulta da pandemia de Covid-19. Estas medidas de política monetária mostram que os bancos centrais da área do euro farão tudo o que for necessário no âmbito do seu mandato para evitar que a crise causada por esta emergência sanitária traga restrições ao financiamento à economia como um todo. O Eurosistema está preparado para aumentar a dimensão dos seus programas de compra de ativos, ajustar a sua composição e duração e explorar todas as opções para apoiar a economia no contexto deste choque.

[última atualização: 22 de janeiro de 2021]