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Intervenção Inicial do Presidente da Comissão Diretiva do Fundo de Resolução e Vice-Governador José Berberan Ramalho na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo

25 de novembro de 2014

Senhor Presidente, Senhoras e senhores deputados, boa tarde,

Uma vez que fui convocado a esta Comissão em larga medida na minha qualidade de Presidente da Comissão Diretiva do Fundo de Resolução, centrarei a minha intervenção inicial neste Fundo e no seu papel no contexto da medida de resolução aplicada ao BES. Mais concretamente, a minha intervenção terá quatro partes. Primeiro, recordarei o enquadramento institucional da função de resolução em Portugal. A seguir, falarei sobre o financiamento da medida de resolução aplicada ao BES. Em terceiro lugar, abordarei mais genericamente o papel do Fundo de Resolução no contexto desta medida. E, por fim, abordarei a questão do modelo de governação do Fundo de Resolução.

1. Enquadramento institucional da Função de Resolução

O atual regime nacional de resolução de instituições de crédito e empresas de investimento foi criado em 2012, substituindo o anterior regime de saneamento por uma nova abordagem de intervenção do Banco de Portugal junto de instituições de crédito em dificuldades financeiras.

Esta nova abordagem teve por referência as versões preliminares do regime que veio a ser instituído a nível europeu em maio de 2014. O princípio orientador do regime – nacional e europeu – é o de que os prejuízos da instituição que é objeto de medidas de resolução devem ser suportados, em primeiro lugar, e por esta ordem, pelos seus acionistas e credores. Na medida em que seja necessário o recurso a fundos exógenos à instituição em dificuldades, este financiamento deve ser providenciado por um fundo de resolução, o qual, por seu turno, deve ser financiado por contribuições do sistema bancário. A lógica subjacente à criação deste mecanismo de financiamento é a de que o sistema deve ser capaz de ultrapassar situações de dificuldade pelos seus próprios meios, evitando-se a transferência de perdas para os contribuintes e, assim, promovendo-se a separação entre o risco soberano e risco bancário.

O regime instituído em 2012 conferiu ao Banco de Portugal poderes para aplicar medidas de resolução quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em sério risco de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade. A aplicação de medidas de resolução visa prosseguir qualquer das seguintes finalidades: assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; acautelar o risco sistémico; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; ou salvaguardar a confiança dos depositantes. A função de autoridade de resolução nacional ficou assim atribuída ao Banco de Portugal, o que foi consagrado na respetiva Lei Orgânica.

Para efeitos de prestação de apoio financeiro às medidas de resolução que sejam adotadas pelo Banco de Portugal, foi criado – também em 2012 – o Fundo de Resolução.

Para o desempenho da sua missão, o Fundo de Resolução dispõe de receitas próprias, provenientes, no essencial, do setor bancário. Mais concretamente, os recursos financeiros do Fundo de Resolução provêm, sobretudo, das contribuições – iniciais e periódicas – pagas diretamente pelas instituições participantes, bem como das receitas provenientes da contribuição sobre o sector bancário, a qual, nos termos do quadro legal, constitui, desde o exercício de 2013, receita do Fundo de Resolução, não podendo o respetivo produto ser usado para outra finalidade. Àquelas fontes de financiamento podem ainda acrescer contribuições especiais das instituições participantes, obtenção de garantias, pessoais ou reais, das instituições participantes para efeitos de obtenção de empréstimos, e, excecionalmente, empréstimos ou garantias do Estado.

Em suma, o quadro institucional de resolução atualmente vigente em Portugal assenta em duas entidades distintas, cada uma com as suas próprias atribuições: o Banco de Portugal, enquanto autoridade de resolução, à qual compete, em exclusivo, decidir e aplicar medidas de resolução; e o Fundo de Resolução, enquanto mecanismo de financiamento, ao qual compete, no essencial, prestar o apoio financeiro determinado pelo Banco de Portugal.

No contexto da aplicação de medidas de resolução, é ao Banco de Portugal, enquanto autoridade de resolução, que compete, em particular:

  • A verificação dos pressupostos e condições para a resolução;
  • A seleção da medida a aplicar;
  • A seleção do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a alienar para um adquirente ou a transferir para um banco de transição;
  • A constituição de um banco de transição, quando o Banco de Portugal decida aplicar essa medida, bem como a aprovação dos respetivos estatutos e definição das regras que lhe são aplicáveis;
  • A designação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização da entidade que é objeto da medida e, se aplicável, do banco de transição;
  • A determinação do montante de apoio financeiro a prestar pelo Fundo de Resolução;
  • A condução do processo de alienação do capital social do banco de transição, ou do seu património;
  • Quando aplicável, a revogação da autorização da entidade que é objeto da medida de resolução e, consequentemente, a sua entrada em liquidação.

Por sua vez, ao Fundo de Resolução encontra-se atribuído um quadro limitado de competências, em reflexo da sua missão muito específica. Fora do âmbito de aplicação de medidas de resolução, ao Fundo compete, sobretudo, gerir os seus recursos próprios, mediante plano de aplicações acordado com o Banco de Portugal. No âmbito da resolução propriamente dita, ao Fundo de Resolução cabe, em especial, assegurar a realização de todos os procedimentos necessários à disponibilização dos recursos que sejam determinados pelo Banco de Portugal, o que pode passar pela mobilização dos recursos financeiros previamente acumulados, pela obtenção de empréstimos ou pela apresentação de propostas, ao Governo, para cobrança de contribuições especiais ou de prestação de garantias por parte das instituições participantes. Assinale-se que o Fundo não tem autonomia para se recusar a prestar o apoio financeiro determinado pelo Banco de Portugal, devendo disponibilizar esses recursos assim que tal seja deliberado por parte do Banco de Portugal.

2. O financiamento da medida de resolução aplicada ao BES

Na deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014, que determinou a aplicação de uma medida de resolução ao BES, foi determinado que o Fundo de Resolução deveria disponibilizar o montante de 4,9 mil milhões de euros para efeitos de realização do capital social do Novo Banco.

Atendendo a que o Fundo de Resolução apenas iniciou a sua atividade em 2012 e que, em 3 de agosto de 2014, dispunha de recursos próprios no montante de 377 milhões de euros, foi necessário que o Fundo recorresse a meios complementares de financiamento de modo a prestar o apoio financeiro à aplicação da medida de resolução ao BES.

Deste modo, atento o caráter extremamente urgente, inadiável e excecional da medida de resolução, e a necessidade de o Fundo de Resolução dispor dos fundos necessários para a implementar, a Comissão Diretiva do Fundo de Resolução, em reunião realizada no dia 3 de agosto de 2014, deliberou submeter ao Ministério das Finanças uma proposta de financiamento que previa (i) a obtenção de um empréstimo concedido pelo Estado no valor de 4,4 mil milhões de euros e (ii) a cobrança de uma contribuição especial junto das instituições participantes do Fundo, no montante de 135 milhões de euros.

Todavia, um conjunto de instituições participantes do Fundo de Resolução  manifestou a sua disponibilidade para, num prazo curto, conceder um empréstimo ao Fundo, o que permitiu que fosse alterada a estrutura do financiamento inicialmente proposta.

Nessa sequência, a Comissão Diretiva do Fundo de Resolução deliberou que o pedido de financiamento anteriormente remetido ao Ministério das Finanças fosse revisto e que, em alternativa, fosse solicitada a concessão de um empréstimo pelo Estado no montante de 3,9 mil milhões de euros.

Em suma, o apoio financeiro concedido pelo Fundo de Resolução à execução da medida de resolução aplicada ao BES pelo Banco de Portugal resultou de:

  • (i) Um empréstimo concedido pelo Estado no valor de 3,9 mil milhões de euros, com maturidade de três meses, prorrogável até dois anos, pelo qual o Fundo paga juros com periodicidade trimestral ;
  • (ii) Um empréstimo concedido por um conjunto de instituições de crédito participantes do Fundo de Resolução, no valor de 700 milhões de euros, com maturidade de três meses, prorrogável até dois anos, destinado a dotar parcialmente o Fundo do valor necessário para a realização do capital social do Novo Banco, bem como a assegurar o pagamento de juros devidos nos termos do empréstimo concedido pelo Estado; e
  • (iii) Mobilização dos recursos disponíveis do Fundo, nomeadamente as receitas provenientes das contribuições prestadas pelo setor financeiro, incluindo o produto da contribuição sobre o sector bancário.

Refira-se que, uma vez que o empréstimo concedido ao Fundo por algumas instituições participantes apenas foi celebrado no dia 28 de agosto, no dia 4 de agosto o Estado disponibilizou ao Fundo um montante adicional de 635 milhões de euros para além do empréstimo de 3.900 milhões de euros. Este adiantamento foi reembolsado no dia 29 de agosto e deu lugar ao pagamento de juros ao Estado no valor de cerca de 1,3 milhões de euros.

Assinale-se também que, tendo já sido cumprido o primeiro período dos empréstimos concedidos ao Fundo de Resolução, ambos foram renovados por um período adicional de três meses. Por ocasião da renovação do empréstimo do Estado, em 4 de novembro, o Fundo pagou ao Estado juros no montante de 28,8 milhões, o que significa que, no total, o Fundo de Resolução já pagou ao Estado um total de juros de 30 milhões de euros, aproximadamente.

Neste enquadramento, o Fundo de Resolução encontra-se atualmente devedor de dois empréstimos, no montante total de 4.600 milhões de euros, e detém a integralidade do capital social do Novo Banco, presentemente avaliado em 4.900 milhões de euros.

Nos termos do quadro legal vigente, após a alienação do capital social do Novo Banco para uma estrutura acionista estável de base privada, o produto dessa alienação deverá ser prioritariamente afeto à devolução, ao Fundo de Resolução, de todos os montantes por este disponibilizados para a criação e desenvolvimento da atividade do Novo Banco, incluindo uma remuneração correspondente aos custos de financiamento suportados pelo Fundo de Resolução, adicionada de uma parcela destinada a cobrir os custos administrativos e operacionais daquele apoio.

O montante recebido pelo Fundo de Resolução pela venda do capital social do Novo Banco será, necessariamente, utilizado para o reembolso dos empréstimos obtidos, encontrando-se estabelecido contratualmente que o Fundo só poderá reembolsar outras responsabilidades depois de integralmente reembolsado e remunerado o empréstimo obtido junto do Estado.

Na eventualidade de o produto da venda do Novo Banco ser superior à soma dos montantes disponibilizados pelo Fundo de Resolução, o excedente reverterá para o BES (‘bad bank’), ou para a sua massa insolvente, se entretanto já tiver sido revogada a autorização ao BES para o exercício da atividade.

Na eventualidade de o produto da alienação do capital social do Novo Banco se revelar insuficiente para reembolsar os empréstimos, o Fundo de Resolução irá utilizar as suas receitas próprias para financiar a eventual insuficiência. Como referido anteriormente, estas receitas advêm da cobrança de contribuições periódicas anuais para o Fundo de Resolução (incluindo a contribuição sobre o setor bancário) e, eventualmente, de contribuições especiais. A definição da estrutura de financiamento de uma eventual insuficiência (em termos do tipo de contribuições, da sua distribuição no tempo, e do eventual recurso a empréstimos temporários) vai depender criticamente do montante dessa hipotética insuficiência. Em qualquer caso, o financiamento será estruturado de modo a não pôr em causa a solvência de qualquer banco e, naturalmente, preservar a estabilidade financeira.

3. O papel do Fundo de Resolução no contexto da medida de resolução aplicada ao BES

Em conformidade com o quadro de atribuições descrito anteriormente, a principal função do Fundo de Resolução no contexto da medida de resolução aplicada ao BES consistiu na realização de todos os procedimentos necessários à disponibilização dos recursos determinados pelo Banco de Portugal, no montante de 4.900 milhões de euros.

Para o efeito, o Fundo de Resolução apresentou ao Ministério das Finanças propostas quanto à estrutura de financiamento, já descritas atrás.

Constituiu também responsabilidade do Fundo de Resolução a apresentação, ao Banco de Portugal, de propostas quanto aos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Novo Banco, quer no momento da constituição do banco de transição, quer na sequência da renúncia da administração presidida pelo Dr. Vítor Bento.

Uma vez que o Fundo de Resolução é acionista único do Novo Banco, compete ainda ao Fundo desempenhar as funções que lhe advêm por via desse estatuto, embora com as adaptações impostas pelas especificidades do regime de resolução, o qual, como se viu, atribui determinados poderes exclusivos ao Banco de Portugal.

Nessa qualidade de acionista único do Novo Banco, o Fundo de Resolução foi chamado a pronunciar-se e a decidir, até ao momento, sobre um conjunto de matérias de natureza societária ou administrativa que estão listadas na documentação distribuída.

4. O modelo de governação do Fundo de Resolução e o papel do setor bancário

O Fundo de Resolução dispõe de autonomia administrativa e financeira, sendo dirigido por uma Comissão Diretiva composta por três membros: um membro do conselho de administração do Banco de Portugal, por este designado, que preside, um membro designado pelo ministro das finanças e um membro designado por acordo entre as duas instituições. Os serviços técnicos e administrativos indispensáveis ao bom funcionamento do Fundo de Resolução são assegurados pelo Banco de Portugal.

O Fundo é fiscalizado pelo Conselho de Auditoria do Banco de Portugal e apresenta, em cada exercício, o seu relatório e contas ao membro do governo responsável pela área das Finanças, para aprovação, após o que o relatório é disponibilizado no sítio do Fundo de Resolução na Internet. Em 2013, a Comissão Diretiva do Fundo de Resolução decidiu proceder à contratação de serviços de auditoria externa às contas do Fundo, ainda que não impenda sobre o Fundo qualquer obrigação legal ou regulamentar nesse sentido.

Neste quadro institucional, as instituições de crédito e empresas de investimento que participam no Fundo assumem, essencialmente, o papel de ‘contribuintes’ para o seu financiamento. Sobre elas incide a obrigação legal de pagamento das contribuições para o Fundo. Essas contribuições assumem natureza análoga à de um prémio de seguro destinado a cobrir o risco de uma instituição participante deixar de cumprir, ou ficar em sério risco de deixar de cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade e, por via desse facto, poder contagiar outras instituições financeiras. As contribuições do Fundo de Resolução constituem, neste contexto, a expressão de uma mutualização daquele risco. Em caso de ocorrência do evento contra o qual as instituições participantes se querem premunir, a intervenção do Fundo de Resolução protege o conjunto das entidades participantes, evitando que a situação verificada numa delas alastre às restantes e as contamine.

Importa sublinhar que as instituições participantes não dispõem de qualquer papel na gestão e administração do Fundo de Resolução, sem prejuízo da capacidade de acompanhamento da atividade do Fundo, através da análise do relatório e contas, que é divulgado publicamente, e da possibilidade de cooperação e diálogo institucional em que o Fundo sempre se mostrou disponível a participar.

Mais recentemente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, foi criado um órgão consultivo de apoio à Comissão Diretiva do Fundo, que será integrado por representantes das instituições participantes. A organização e o funcionamento desse conselho consultivo serão regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Conclusão

Senhor Presidente, Senhoras e senhores deputados,

Para finalizar, gostaria de salientar o seguinte:

A resolução do BES, um banco de inequívoca dimensão e natureza sistémica em Portugal, pôs à prova de uma forma violenta e inesperada o recente regime de resolução do país.

O impacto da aplicação da medida de resolução do BES sobre as contas do Fundo de Resolução e o respetivo reflexo nos vários sectores institucionais vai depender do produto da venda do Novo Banco.

Mas qualquer que seja este impacto, ele não nos pode fazer perder de vista o essencial. E o essencial é que, não obstante, a inequívoca relevância sistémica do BES, a medida adotada – a única que o Banco de Portugal podia efetivamente aplicar, em alternativa à liquidação, nas condições e no tempo disponível – permitiu salvaguardar a estabilidade financeira em Portugal, protegendo os depósitos, que não sofreram perturbações, e assegurando a prestação de serviços financeiros sem sobressaltos.

Muito obrigado pela vossa atenção.