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Intervenção Inicial do Governador Carlos da Silva Costa na Comissão de Orçamento Finanças e Administração Pública – Audições no âmbito do processo de operações de capitalização de instituições bancárias

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Esta audição tem lugar no âmbito do processo das operações de capitalização das instituições bancárias portuguesas que ocorreu ao longo do último ano. Em 2012, seis dos oito principais grupos bancários portugueses – a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o BES, o BPI, o BANIF e a Caixa Económica Montepio Geral – foram objeto de operações de capitalização, num montante global de 9 mil milhões de euros. O reforço dos níveis de capitalização do sistema bancário português faz parte de uma estratégia abrangente de preservação da estabilidade financeira.

Quero por isso começar por explicar porque é importante que os bancos mantenham níveis de capital adequados

A salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro português é uma das missões fundamentais do Banco de Portugal, expressamente prevista na sua Lei Orgânica.

A solidez das instituições de crédito - que traduz a sua capacidade para absorver perdas decorrentes da atividade sem pôr em causa a confiança dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro - é, por isso, uma preocupação constante do Banco de Portugal.

A tendência de redução generalizada dos rácios de solvabilidade observada no período anterior à crise traduziu-se numa menor capacidade para fazer face aos efeitos da degradação da situação económica e financeira, tornando ainda mais premente o reforço da solidez dos bancos.

Quando, em junho de 2010, tomei posse como Governador do Banco de Portugal, assumi o compromisso de reforçar o caráter intrusivo da supervisão, com o objetivo de melhorar a avaliação de risco das instituições, assegurar a suficiência de capitais e promover práticas de gestão sãs que não pusessem em causa o papel central do sistema bancário, de salvaguardar as poupanças e assegurar um financiamento contínuo à economia, assente na avaliação prudente dos riscos.

Assim, o Banco de Portugal reagiu prontamente à deterioração da envolvente externa e, seguindo as tendências internacionais no plano regulamentar, adotou uma estratégia abrangente destinada a reforçar a resistência do sistema bancário. Esta estratégia foi posteriormente integrada e desenvolvida no contexto do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) negociado com a União Europeia e o FMI.

A ação desenvolvida pelo Banco de Portugal no quadro da sua estratégia de preservação da estabilidade financeira, em particular na vertente prudencial, e os resultados por ela alcançados, são objeto de uma apresentação detalhada num relatório hoje entregue aos Senhores Deputados, e que o Banco de Portugal irá também disponibilizar no seu sítio da Internet.

Passo agora a explicar qual a origem das necessidades de capital dos bancos portugueses

As necessidades de capital dos bancos portugueses resultaram de dois fatores principais.

Em primeiro lugar, de requisitos regulamentares de solvabilidade mais exigentes, impostos quer pelo Banco de Portugal quer pela Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla inglesa). Esta maior exigência regulamentar traduziu-se em necessidades adicionais de capital de 6,4 mil milhões de euros para os oito maiores grupos bancários em Portugal.

De facto, o rácio Core Tier 1 de 10% exigido pelo Banco de Portugal a partir do final de 2012 situa-se bem acima do rácio de solvabilidade de 8%, que constitui ainda o referencial previsto na legislação comunitária em termos de rácios prudenciais. Este fator explica, para os mesmos oito grupos bancários, 3,8 mil milhões de euros das necessidades de capital estimadas. Além dos requisitos adicionais de fundos próprios definidos pelo Banco de Portugal, os quatro maiores grupos bancários portugueses foram abrangidos pelo exercício de stress-test da EBA, que visou reforçar a solidez das instituições num contexto de forte incerteza associada à dívida soberana. Este fator traduziu-se num aumento das necessidades de capital estimadas em cerca de 2,5 mil milhões de euros.

Em segundo lugar, a deterioração da situação macroeconómica em Portugal traduziu-se, como era expectável, num aumento significativo dos níveis de incumprimento do crédito, e consequentemente no aumento das imparidades reconhecidas pelos bancos nos respetivos balanços.

Os níveis de incumprimento têm assumido particular expressão nas sociedades não financeiras e, nomeadamente nas empresas mais pequenas do setor não transacionável, o mais afetado pela contração da procura interna.

Uma análise da informação da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal sugere que o maior aumento do crédito concedido às empresas não financeiras que estão atualmente em incumprimento ocorreu entre 2006 e 2009. As empresas com crédito vencido são maioritariamente de micro e pequena dimensão, e foram criadas há mais de dez anos. Em termos de atividade económica, o crédito vencido concentra-se nas empresas dos setores da construção e atividades imobiliárias. No setor do comércio sendo, a percentagem de empresas com crédito vencido é também elevada.

A forte exposição dos bancos a estes setores (indissociável do crescimento excessivo do setor não transacionável na economia portuguesa nos últimos quinze anos) e a adoção, no passado, de uma postura insuficientemente conservadora perante o risco (alimentada pela vontade de apresentar resultados sempre crescentes) contribuíram para agravar a degradação da qualidade do crédito. Com o aprofundar da crise, as dificuldades enfrentadas pelos sistemas financeiros de alguns países da área do euro e o encerramento dos mercados à banca portuguesa, gerou-se um sentimento de desconfiança relativamente ao balanço dos bancos nacionais. Perante esta situação, tínhamos duas alternativas:

  • Ou ignorávamos essa desconfiança, o que seria um erro de consequências imprevisíveis;
  • Ou recolhíamos ampla evidência sobre a situação dos bancos, com o objetivo de assegurar que os respetivos balanços espelham de forma fiel a realidade patrimonial. Esta foi a via seguida pelo Banco de Portugal, que preparou, no contexto do Programa de Assistência Económica e Financeira, um vasto programa transversal de inspeções, que ficou conhecido por SIP (Special Inspections Programme).

O SIP compreendeu:

  • Uma auditoria externa às carteiras de crédito dos bancos;
  • A verificação dos métodos de avaliação de risco utilizados pelas instituições;
  • E a avaliação das metodologias utilizadas pelas instituições nos testes de stress. Estes testes passaram a ser realizados trimestralmente, com o objetivo de garantir que, mesmo em situações particularmente desfavoráveis, as instituições dispõem de capital suficiente para continuarem a exercer o seu papel de conversão de poupanças em financiamento da economia.

Este triplo exercício permitiu concluir que as políticas de gestão do risco de crédito dos principais grupos bancários e os respetivos procedimentos de controlo são globalmente adequados, não obstante terem sido identificadas possibilidades de melhoria e definidos planos para a implementação das mesmas.

O SIP forneceu uma “fotografia” da qualidade dos ativos dos bancos num certo momento no tempo. No entanto, numa abordagem de going concern, há que manter um acompanhamento cuidado dos efeitos da evolução macroeconómica subsequente sobre os balanços dos bancos. Deste modo, na sequência do SIP, o Banco de Portugal decidiu incluir, no quadro da supervisão regular do sistema bancário, inspeções periódicas transversais sobre a carteira global de crédito, ou sobre classes específicas de ativos particularmente expostas a desenvolvimentos macroeconómicos ou de mercado. Neste contexto, o Banco de Portugal realizou, em 2012, uma análise e avaliação detalhadas das carteiras de crédito relativas aos setores da construção e da promoção imobiliária, que abrangeram os oito principais grupos bancários nacionais.

Em resultado destes dois programas transversais de inspeções, os bancos foram obrigados a reforçar as suas imparidades, o que contribuiu para um aumento das necessidades de capital de 1,1 mil milhões de euros.

Em suma, as necessidades de capital dos bancos portugueses resultaram de dois fatores principais: em primeiro lugar, de requisitos regulamentares de solvabilidade mais exigentes, impostos pelo Banco de Portugal e pela Autoridade Bancária Europeia (que explicam cerca de 85 por cento das referidas necessidades de capital) e, em segundo lugar, do aumento das imparidades, associado à deterioração da situação macroeconómica e ao rigoroso escrutínio da qualidade das carteiras de crédito dos bancos promovido pelo Banco de Portugal.

Como se processou a capitalização do sistema bancário e o recurso a fundos públicos?

O reforço de capital do BES, da CGD e do Montepio Geral foi assegurado pelos respetivos acionistas. No caso dos restantes três bancos - BCP, BPI e BANIF - os acionistas não tiveram capacidade para reforçar os capitais nos montantes requeridos, recorrendo-se, por isso, a fundos públicos ao abrigo do mecanismo de apoio à solvabilidade de bancos, expressamente previsto no PAEF para responder a situações em que o reforço dos fundos próprios não seja possível através de soluções de mercado.

É importante referir que a capitalização dos bancos com recurso a fundos públicos não ocorreu apenas em Portugal; trata-se de um processo observado, desde 2008, em diversos países europeus, incluindo, entre outros, Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Áustria.

A participação do Estado no BCP e no BPI materializou-se na aquisição de instrumentos híbridos (num montante de, respetivamente, 3 mil e 1.5 mil milhões de euros), enquanto a capitalização do BANIF se repartiu em instrumentos híbridos (400 milhões de euros) e subscrição de ações especiais pelo Estado (700 milhões de euros). Da dotação global de 12 mil milhões de euros do mecanismo de apoio público à solvabilidade de bancos viáveis, foi, assim, utilizado um montante global de 5.6 mil milhões de euros (dos quais 300 milhões de euros já foram entretanto reembolsados pelo BPI).

Nos três casos, a operação de capitalização é estruturada em duas fases: na primeira fase o Estado assume a totalidade das necessidades de capital; na segunda, existe um aumento de capital subscrito por investidores privados, que serve para reembolsar parte do esforço inicial do Estado.

Como foi protegido o interesse público nestas operações?

As soluções de capitalização seguidas foram aquelas que, de entre as opções disponíveis às autoridades, melhor acautelaram os interesses dos contribuintes.

Em primeiro lugar, a entrada de fundos públicos no capital dos bancos estava condicionada à aprovação pelos acionistas de um plano de negócio. Este plano é sujeito a uma dupla verificação:

  • É escrutinado pelo Banco de Portugal, a quem cabe atestar que o plano condsuz, com elevada probabilidade e não obstante o clima de incerteza prevalecente, a um retorno à rentabilidade no final do processo.
  • É verificado pelo Ministério das Finanças, no quadro das negociações que antecedem a realização da operação de capitalização.

Todo o processo beneficia ainda de pareceres de entidades externas especializadas e do escrutínio da Comissão Europeia, do FMI e do Banco Central Europeu.

É importante referir que nenhuma das instituições que beneficiaram da entrada de capital público tinha, antes da operação de capitalização, capitais líquidos negativos, o que permite concluir pela sua solvência.

Em segundo lugar, os planos de negócio são definidos de forma a garantir que os acionistas privados da instituição capitalizada têm um incentivo claro em reembolsar os fundos públicos com a maior brevidade possível. Com efeito, não só existem penalidades associadas ao não cumprimento das metas do plano de negócio acordadas com o Estado, como o custo associado ao financiamento público é muito superior ao custo expectável do financiamento num contexto de normalização progressiva do acesso a financiamento de mercado.

Em terceiro lugar, durante o período em que a instituição beneficia de capitais públicos, o interesse público é salvaguardado pelo escrutínio permanente da gestão corrente da instituição exercido pelo administrador nomeado pelo Estado, bem como pelo direito de voto que o Estado detém relativamente às decisões estratégicas. Acresce que, de acordo com a proposta de lei ontem aprovada em Conselho de Ministros, quando o Estado subscreve ou adquire uma participação no capital social que lhe atribui uma posição de domínio, poderá exercer os direitos de voto inerentes à sua participação.

Finalmente, e em quarto lugar, todos os principais grupos bancários estão sujeitos a um acompanhamento intensivo por parte do Banco de Portugal, que inclui a revisão trimestral dos planos de financiamento e capital das instituições, a realização de testes de stress e uma supervisão crescentemente intrusiva. Neste quadro, os bancos têm apostado na aquisição das indispensáveis competências nas áreas de avaliação e gestão do risco.

Por todas estas razões, estou convicto de que as soluções de capitalização seguidas foram aquelas que melhor acautelaram os interesses dos contribuintes. Todavia, há que reconhecer que iniciámos este processo com lacunas no enquadramento regulamentar, que têm vindo a ser supridas, criando um novo contexto para o futuro. Refiro-me, em particular, ao novo regime de intervenção preventiva, corretiva e de resolução e à criação de mecanismos de recapitalização obrigatória.

Notas finais

Temos agora bancos mais capitalizados, mais transparentes e menos alavancados do que há um ano e meio atrás. O acompanhamento e a supervisão do sistema bancário foram significativamente reforçados e o quadro regulamentar é agora mais robusto.

Os desafios permanecem, no entanto, muito consideráveis (e, como sabemos, estão longe de se confinar às fronteiras portuguesas).

No que aos bancos portugueses diz respeito, o principal desafio é criar as condições de melhoria estrutural dos respetivos níveis de eficiência num novo paradigma caracterizado por menores rácios de alavancagem e por margens financeiras mais estreitas.

A resposta a estes desafios exige uma atuação em três vertentes complementares:

  • Em primeiro lugar, requer uma melhor utilização de recursos, permitindo alcançar uma redução estrutural dos custos;
  • Em segundo lugar, requer a procura de soluções para reduzir o peso no balanço dos bancos do crédito hipotecário contratado no passado, com spreads reduzidos, libertando desta forma liquidez para nova atividade;
  • E finalmente, mas não menos importante, requer a procura de investidores estratégicos que disponham de capital.

Estou naturalmente à disposição das Senhoras e dos Senhores Deputados para prestar os esclarecimentos que entendam necessários sobre o objeto desta audição.

Muito obrigado.

Lisboa, 1 de fevereiro de 2013

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