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Intervenção do Vice-Governador Luís Máximo dos Santos na Conferência Anual do CIRSF: "Supervisão comportamental bancária: novos desafios e perspetivas"

Gostaria de começar por agradecer o convite para participar na Conferência Anual do Centro de Investigação, Regulação e Supervisão Financeira. 

Cumprimento e felicito o Professor Luís Morais, bem como todos os que contribuíram para que a realização desta Conferência fosse possível, pela determinação revelada em evitar que neste dramático ano da pandemia da Covid-19 ficássemos privados também deste evento. Saúdo igualmente todos os demais oradores e participantes.

A pandemia da Covid-19 e as medidas adotadas para a combater impactaram enormemente em toda a atividade económica e social e, portanto, na atividade bancária e financeira em geral. 

Foi criado um novo contexto que condiciona – até quando ainda não sabemos – a atuação de todos os agentes económicos: famílias, empresas e Estado. 

Importa sublinhar que, desta vez, superadas algumas hesitações iniciais, provenientes, sobretudo, dos agentes políticos, a resposta das autoridades públicas foi fortemente convergente e coordenada a nível europeu e nacional, recorrendo a todos os instrumentos possíveis: à política monetária, sendo de sublinhar, mais uma vez, a atuação expedita e acertada do BCE; à política orçamental, com a suspensão das regras orçamentais europeias em vigor e a adoção de um pacote de estímulos sem precedentes; à política regulatória e de supervisão nos seus diversos planos: macro e micro prudencial e comportamental, com várias medidas de alívio dos requisitos regulatórios.  

A dimensão da crise, o seu caráter abrupto e global, conjugando um choque da oferta e da procura, não deixou muito espaço para que a atitude dos diversos poderes públicos pudesse ser outra. 

Esta crise gera - é verdade - efeitos assimétricos, mas, ainda assim, é mais simétrica e profunda do que a crise financeira global, o que facilitou maior consenso e rapidez nas respostas a adotar. Não se repetiu, portanto, o que se passou aquando da crise financeira.

Neste momento, está longe de ser claro qual vai ser o perfil da recuperação económica. A resposta a essa pergunta condicionará decisivamente o nosso futuro e o que se passará com o sistema bancário e irá iluminar qual a real dimensão dos problemas que teremos de defrontar, os quais, mesmo nas hipóteses mais otimistas, a meu ver, serão sempre de elevada magnitude.      

Irei focar-me nos desafios adicionais que a pandemia trouxe à supervisão comportamental bancária e à importância da mesma para garantir a confiança no sistema bancário e, desse modo, contribuir para a estabilidade financeira. 

Na verdade, esta crise tem-se revelado uma ocasião – que obviamente se dispensava – para demonstrar que as finalidades da supervisão prudencial e da supervisão comportamental, ao invés de conflituarem, convergem no propósito último de robustecer o sistema bancário. De facto, não se conseguirá a estabilidade das instituições sem propiciar aos seus clientes, no respeito do quadro regulatório geral, soluções adequadas e razoáveis para os respetivos problemas.  

A pandemia veio acelerar, em todos os domínios, o recurso aos canais digitais por parte dos consumidores de produtos bancários. Era uma tendência há muito em curso, mas com a pandemia, por força das circunstâncias, o incremento foi evidente. Essa aceleração constitui um desafio adicional para os supervisores comportamentais. 

Neste contexto, importa realçar que, em junho deste ano, o Banco de Portugal fixou, em decorrência de Orientações da Autoridade Bancária Europeia e da sua própria experiência na supervisão da comercialização dos produtos e serviços financeiros através de canais digitais, um conjunto de boas práticas a observar pelos bancos na comercialização de produtos e serviços bancários através de canais digitais.   

Por outro lado, logo na fase inicial da pandemia, o Banco de Portugal adotou várias providências regulamentares, no plano da supervisão comportamental, em função das circunstâncias criadas pela pandemia, designadamente: 

(i)Flexibilização de determinadas disposições regulatórias;

(ii)Recomendação às instituições para a necessidade de darem adequado cumprimento às Orientações da Autoridade Bancária Europeia relativas a moratórias públicas e privadas aplicadas a operações de crédito;

(iii)Regulamentação dos deveres de prestação de informação aos clientes bancários a observar pelas instituições relativamente às moratórias;

(iv)Definição do conteúdo da informação que as instituições devem reportar ao Banco de Portugal no que diz respeito à aplicação de moratórias. 

O quadro atual mostra-se muito exigente para todos os supervisores de conduta no domínio do setor bancário.  

O contexto pandémico ameaça a solvência de muitos clientes, pelo efeito de perda de rendimento e do aumento do desemprego; a litigiosidade com as instituições tenderá a aumentar e, portanto, as reclamações dirigidas ao supervisor também; a formação financeira – um dos pilares estruturantes da atuação do Banco de Portugal no domínio comportamental - terá de ser revista e ajustada a condições compatíveis com a pandemia, o que, aliás, já está a acontecer desde o início do segundo semestre deste ano. 

Por outro lado, a revolução tecnológica implica também uma revolução no modo de fazer supervisão e constitui, assim, um desafio complexo para que tenhamos uma boa e eficaz regulação. O chamado RegTech é um caminho sem retorno, mas está ainda no seu início. 

Mas o recurso às tecnologias digitais não tem virtudes mágicas ou salvíficas, nem resolve os problemas só por si. A rapidez da inovação tem como contrapartida que a obsolescência seja também mais rápida, sendo, portanto, mais curtos os ciclos de inovação e os ganhos que geram. 

O processo de transformação digital em curso tem efeitos encantatórios, quase mágicos, quando ouvimos certos oradores. Mas conhecer, no mais profundo sentido da palavra, é bem mais do que usar tecnologia. O conhecimento não advém unicamente do processo tecnológico. 

É, aliás, curioso verificar, como o extraordinário desenvolvimento tecnológico coincide num tempo em que, paradoxalmente, ganham terreno na sociedade conceitos e visões que se diriam pré-iluministas. 

Por isso, a revolução permanente do nosso modo de vida obriga-nos a não perder de vista que na sua base está, sem dúvida, a dimensão do comportamento humano. 

Numa era de difusão massiva da tecnologia, é o fator humano que tenderá a fazer a diferença e a ser a base do êxito económico duradouro. A solidez das instituições tem de assentar na ética praticada e não na ética proclamada. 

Por razões que todos sabemos, isso é ainda mais verdadeiro no que ao setor bancário diz respeito.    

O ano de 2020 já marcou as nossas vidas. De súbito, o mundo inteiro viu-se confrontado com uma pandemia que mina as bases da nossa vida em sociedade. Da incredulidade, rapidamente passámos ao medo mais profundo. A fragilidade da nossa condição emergiu com uma evidência surpreendente e esmagadora na hipertecnológica sociedade do nosso tempo. O Homo Deus, para usar o conceito do ensaísta israelita Yuval Harari, viu-se confrontado com um inesperado regresso a um passado muito distante, que sabíamos possível, mas na verdade só imaginávamos como abstração. 

Guiados pelo instinto de sobrevivência, as sociedades e os países reagiram, ainda que não de modo exatamente igual, nem a ritmos sincronizados, adotando medidas que no momento imediatamente anterior se julgariam impensáveis. 

No Banco de Portugal estamos unidos perante mais esta prova dura e tudo faremos para corresponder às exigências com que estamos confrontados na nossa missão e, assim, gerar confiança no setor bancário português e nos seus clientes. 

Muito obrigado pela vossa atenção.