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Intervenção de encerramento do Vice-Governador Luís Máximo dos Santos na "Fintech Meeting: Onboarding Digital - uma abordagem baseada no risco": Estabelecimento da relação de negócio por meios digitais
As inovações tecnológicas e o processo de transformação digital a que temos assistido nos últimos anos têm contribuído decisivamente para uma progressiva desmaterialização dos serviços financeiros prestados aos clientes, tanto no momento do estabelecimento da relação de negócio como no seu desenvolvimento posterior.
Por razões óbvias, a pandemia da COVID-19 intensificou ainda mais essa tendência, que já se vinha afirmando com enorme força.
Um dos temas associados à digitalização do sistema financeiro que mais tem gerado interesse por parte de diversos stakeholders - governos, supervisores financeiros, prestadores de serviços financeiros, fintechs, e consultores – é precisamente o onboarding digital, ou seja, o momento em que os clientes entram e mergulham nesse admirável mundo novo.
Felicito, pois, o DAS por esta iniciativa, focada na análise desse momento do ponto de vista da supervisão preventiva do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT), sendo certo, no entanto, que o processo de transformação digital em curso impacta na generalidade da atividade do Banco de Portugal e, em particular, em todas as formas de supervisão que fazem parte do nosso mandato.
Ao longo da História, o avanço tecnológico tem sido, em geral, um motor poderoso e contínuo da melhoria de vida das pessoas; mas a tecnologia não é intrinsecamente boa ou má: isso depende sempre do uso que o Homem faz dela. Na verdade, mesmo nas formas mais sofisticadas atualmente conhecidas da denominada inteligência artificial não se vislumbra outro ser moral que não seja o ser humano.
O progresso tecnológico sempre deu novos e poderosos instrumentos à comunidade e às suas autoridades para combater as condutas delinquentes, mas também é verdade que sempre forneceu novas oportunidades e meios em quem quer incorrer nelas.
Não espanta, portanto, que o processo de transformação digital faça surgir novos riscos relativos ao BC/FT a que as instituições ficam expostas, conforme, aliás, tem vindo a ser amplamente reconhecido e divulgado por diferentes autoridades, incluindo o Banco de Portugal.
O Banco de Portugal tem acompanhado ativamente esta temática desde a sua génese, designadamente produzindo novos instrumentos regulatórios, tais como a Instrução n.º 9/2017, de 3 de julho, que estabeleceu pela primeira vez a possibilidade de recurso à videoconferência, ou o Aviso n.º 2/2018, de 26 de setembro, que estabeleceu a possibilidade de comprovação de elementos identificativos por recurso a prestadores qualificados de serviços de confiança, opção que veio mais tarde a ser consagrada pela própria Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.
Pela sua própria natureza, a prevenção adequada dos riscos relativos ao BC/FT decorrentes do processo de transformação digital, não se resolve, de todo, apenas com medidas adotadas pelas autoridades nacionais ou mesmo pelo Estado português. De facto, os contornos do quadro normativo aplicável em matéria de onboarding digital dependem, em larga medida, de opções e decisões internacionais.
É por isso mesmo que aguardamos com expectativa a evolução regulatória europeia, em particular as consequências que resultarão da Estratégia Financeira Digital (Digital Finance Strategy) da Comissão Europeia, adotada em setembro de 2020.
Especial expetativa neste contexto merecem os trabalhos preparatórios – em que o Banco de Portugal participa – da emissão, pela Autoridade Bancária Europeia, de uma proposta de orientações que verse, nomeadamente, sobre:
- Os tipos de documentação digital e de tecnologias inovadoras que podem ser aceites no âmbito do cumprimento de deveres de identificação e diligência, e as condições que devem ser cumpridas quanto à respetiva implementação;
- As condições em que a entidade financeira pode recorrer a informação recolhida por entidades terceiras.
Por outro lado, as futuras propostas legislativas relativas a um novo quadro em matéria de prevenção do BC/FT – em que se inclui uma proposta de regulamento – através das quais a Comissão Europeia pretende continuar a definir e a harmonizar os requisitos em matéria de cumprimento dos deveres de identificação e de diligência, com vista a facilitar o recurso a tecnologias inovadoras e a prestação de serviços financeiros transfronteiriços.
Está prevista a disponibilização de um primeiro draft deste pacote legislativo para maio de 2021.
Perante este cenário, o diálogo e o estabelecimento de sinergias entre diferentes players do mercado será, necessariamente, um ponto-chave para aproveitar as vantagens das novas tecnologias e da criação de uma economia digital, minimizando os riscos da sua utilização indevida.
A atuação do Banco de Portugal orienta-se por uma metodologia que não comporta o preconceito. Pelo contrário, temos promovido várias iniciativas – de que a Fintech Meeting de hoje é apenas mais um exemplo - precisamente com o objetivo de criar fóruns onde melhor possamos apresentar ao setor as nossas expectativas e, em paralelo, obter feedback sobre estes temas, na busca permanente por soluções eficazes, seguras e plenamente compliant.
A complexidade das matérias e dos desafios com que todos estamos confortados faz-nos reconhecer, sem dificuldade, que todos temos a aprender uns com os outros.
Ficou muito claro da nossa reunião de hoje como uma abordagem em função do risco é a melhor metodologia para alcançar os nossos objetivos, que, evidentemente, não se cingem ao momento onboarding, mas antes têm de acompanhar, de forma dinâmica, toda a relação de negócio.
Por outro lado, reafirmamos que o Banco de Portugal privilegia uma abordagem tecnologicamente neutra; ou seja, pretende-se uma regulação que nem entrave a inovação nem promova determinadas soluções em detrimento de outras. Com isso, queremos garantir que a evolução segue o seu curso sem dirigismos que se nos afiguram deslocados.
Num recente artigo[1], Fernando Restoy escreveu que a regulação adequada das fintech deve obedecer a dois princípios fundamentais: a prudência, para evitar o desencorajamento da inovação e salvaguardar bens públicos fundamentais como a estabilidade financeira e a integridade do mercado, e a determinação, para prevenir os riscos assim que são identificados e construir uma sólida cooperação entre autoridades de diferentes áreas e jurisdições.
Trata-se de uma boa síntese, sem dúvida mais fácil de enunciar do que concretizar, mas que pode e deve servir de inspiração a todos os que têm que lidar com estes temas.
Muito obrigado pela vossa atenção.