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Intervenção de encerramento do Governador Mário Centeno na apresentação da Estratégia da Literacia Financeira Digital

Exma. Senhora Comissária Europeia da Coesão e Reformas, cara Elisa Ferreira,

Exma. Senhora Secretária-Geral Adjunta da OCDE, Fabrizia Lapecorella,

Exmos. Colegas do Conselho de Administração do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos e Francisca Guedes de Oliveira,

Exmos. Senhores oradores e parceiros de iniciativas de formação financeira,

Minhas senhoras e meus senhores,

 

A rápida e significativa transformação digital que temos vivido nos últimos anos veio alterar a forma como contactamos, como trabalhamos ou como fazemos compras. 

O sistema financeiro tem acompanhado estas mudanças com a digitalização de produtos e serviços financeiros e, também, com o aparecimento de novos prestadores assentes em canais digitais. 

A digitalização trouxe igualmente a diluição de fronteiras. Os consumidores podem aceder a serviços comercializados de forma transfronteiriça, nem todos sujeitos ao mesmo enquadramento regulamentar e de proteção. É o caso dos criptoativos, esperando-se para breve a implementação da regulamentação europeia.

Na perspetiva dos consumidores, como contraponto dos benefícios da conveniência e rapidez, temos os riscos de fraude. Quase todos os dias ouvimos falar de burlas assentes em engenharia social. Há também o risco de utilização incorreta dos novos produtos, pelo desconhecimento das características ou do modo de funcionamento de produtos e serviços financeiros digitais.

Os canais digitais são desenhados para exacerbar enviesamentos comportamentais. A arquitetura da escolha digital facilita decisões de consumo e potencia o recurso pouco ponderado ao crédito. Num tempo do buy-now-pay-later em plataformas de comércio online, este é um risco particularmente importante.

Reconhecendo estes riscos, interessa saber se os consumidores portugueses estão preparados para a digitalização e para a inovação financeira.

O diagnóstico da literacia financeira digital em Portugal revela que muito há para fazer neste domínio.

Em Portugal, muitos preferem continuar a gerir as suas finanças pessoais sem recorrer aos canais digitais. Por exemplo, só metade dos inquiridos no Inquérito à Literacia Financeira Digital da População Portuguesa de 2022, indicam que utilizam o homebanking ou as APPs dos bancos na gestão das suas finanças pessoais. Não conseguem, por isso, tirar partido das oportunidades e benefícios da inovação. 

Entre os que utilizam os canais digitais, verifica-se que existem também importantes lacunas de conhecimentos. As suas atitudes e comportamentos nem sempre são os mais apropriados para garantir a segurança digital e a proteção dos dados pessoais.

A Estratégia que hoje debatemos é, por isso, da maior importância para promover serviços financeiros digitais, com base em atitudes, comportamentos e conhecimentos financeiros adequados. 

Com a sua implementação, contamos tornar os nossos consumidores mais resilientes à fraude e a ataques cibernéticos; com uma maior consciência dos enviesamentos comportamentais no acesso a serviços financeiros em canais digitais. E contamos contribuir para reduzir a exclusão financeira digital. 

Por tudo isto, agradeço à Comissão Europeia por ter confiado no Banco de Portugal e pelo apoio à elaboração desta Estratégia. 

Agradeço igualmente o apoio da OCDE no diagnóstico da literacia financeira digital em Portugal e no desenho da Estratégia.

Desde cedo, o Banco de Portugal assumiu a formação financeira como uma linha de ação. Assim, em 2008, o Banco lançou o Portal do Cliente Bancário e, em 2010, conduziu o primeiro inquérito nacional à literacia financeira. 

Desde então, muitas foram as iniciativas de formação financeira, sempre cientes da importância da inclusão e formação financeira, não só para o bem-estar financeiro individual, mas também para a estabilidade do sistema financeiro. 

As duas últimas décadas foram de uma aprendizagem coletiva, forçada mais vezes do que desejávamos, de como lidar com a nossa dimensão financeira. 

O país, acusado e acossado interna e internacionalmente, entendeu que a estabilidade financeira devia fazer parte da sua autoestima. Em consequência, valoriza mais as conquistas dessa estabilidade do que as de outras áreas igualmente relevantes para a vida nacional. Em 2017, a saída do procedimento por défices excessivos ou a reclassificação da dívida portuguesa com recomendação de investimento foram mais relevantes para essa autoestima do que as conquistas que sempre estiveram no nosso imaginário coletivo, obtidas nos campos de futebol de França ou nos concursos musicais europeus. 

O Banco de Portugal não se pode alhear deste sentir coletivo; nas suas áreas de atuação tem acompanhado de perto as tendências e os riscos da evolução tecnológica, eliminando barreiras regulatórias, assegurando a neutralidade tecnológica e promovendo a formação financeira. 

O Banco tem trabalhado igualmente na promoção da literacia financeira digital com campanhas de alerta sobre os cuidados de segurança na utilização destes canais. 

A preocupação com a inclusão financeira levou o Banco a inscrever como prioridade no seu Plano Estratégico para 2021-25 a dinamização de uma estratégia de médio/longo prazo de literacia financeira digital. 

Também o Plano Nacional de Formação Financeira para 2021-25 estabelece a formação financeira digital como uma dimensão estratégica de atuação. 

Os três supervisores financeiros assumiram o compromisso de implementar em Portugal o referencial de competências de literacia financeira para a população adulta da União Europeia, elaborado pela Comissão Europeia e pela OCDE/INFE. Das cerca de 560 competências elencadas neste referencial, 114 estão relacionadas com a literacia financeira digital.

A Estratégia de Literacia Financeira Digital para Portugal apresentada nesta conferência define políticas públicas essenciais para promover uma inclusão financeira digital esclarecida, que permita às pessoas beneficiar das vantagens dos serviços financeiros digitais, enquanto mitigam comportamentos de risco. 

O Banco de Portugal está empenhado na implementação desta Estratégia e assume este ambicioso desafio. 

Para levar a bom porto este projeto, precisa de contar não só com os seus habituais parceiros, mas também com novos parceiros, para que as iniciativas sejam abrangentes e possam chegar a toda a população. 

A colaboração de todos é indispensável para a implementação da Estratégia e para alcançarmos o objetivo último de melhoria da resiliência e do bem-estar financeiro das pessoas. 

Vivemos um momento único na nossa história, das mais longas entre países europeus: a melhoria das nossas qualificações escolares. Nunca tantas famílias investiram tanto na educação dos seus filhos. Os entraves colocados pela transmissão de pais para filhos da educação estão a ser, pela primeira vez, ultrapassados em Portugal. Também para isso a inclusão financeira é crucial. Se as nossas instituições, públicas e privadas, decisores de políticas e executantes de políticas, não estiverem à altura desse esforço, não farão jus ao investimento das famílias, por vezes com muitos sacrifícios pessoais, e que tão necessário é para o progresso do país.

Soubemos ultrapassar as amarras que o atraso na literacia, entre outras a financeira, nos colocavam, não podemos utilizar essa liberdade, conquistada com um esforço ímpar na Europa, para deitar por terra o sonho que a estabilidade financeira traz às famílias portuguesas.

Entendo esta iniciativa como um contributo, uma estratégia para pôr o digital e as finanças ao serviço desse objetivo mais nobre e elevado, que é a convergência e a integração de Portugal numa Europa que deve mostrar ao mundo, também através de Portugal, o exemplo de inclusão e de rompimento com um passado que, sabemos, nos custou a ultrapassar.

Muito obrigado pelo trabalho já feito, mas mais ainda pelo que ainda falta fazer, que sabemos ser muito.

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