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Intervenção de encerramento da Administradora Francisca Guedes de Oliveira no Encontro Nacional ALF 2023: O Futuro das Responsabilidades Ambientais, Sociais e de Governança
Boa tarde a todos.
Começo por agradecer o convite que foi dirigido ao Banco de Portugal para encerrar este importante e oportuno evento. E agradeço, em especial, ao Dr. Luís Augusto [Presidente da ALF] e ao Dr. Vítor Graça [Secretário-Geral da ALF] pela gentileza com que me receberam. Felicito ainda os participantes que me antecederam, pela qualidade das suas intervenções.
Pudemos já beneficiar, ao longo deste dia, de variadas e valiosas perspetivas sobre uma realidade – o universo ESG – que se tem imposto cada vez mais a todos nós.
Ainda recentemente, a McKinsey constatava que o número de pesquisas na internet pela expressão “ESG” tinha quintuplicado desde 2019. Não obstante todos os acontecimentos que solicitaram a nossa atenção nestes anos verdadeiramente excecionais: a pandemia de Covid-19, a invasão russa da Ucrânia, o regresso das pressões inflacionistas nas economias avançadas, os sinais de retrocesso da globalização – e um grande etc.
Cabe-me agora trazer a perspetiva particular do Banco de Portugal, desde logo enquanto entidade pública inserida na sociedade e empenhada em captar e refletir a sua evolução, no âmbito do mandato que nos foi confiado.
Um mandato centrado na salvaguarda da estabilidade de preços e na preservação da estabilidade do sistema financeiro. Mas que abrange também aspetos como a superintendência do sistema de pagamentos, a promoção da literacia financeira ou o aconselhamento ao Governo em matéria económica e financeira, para não ir mais longe.
Daí decorre que as questões relativas à sustentabilidade ESG, na sua grande diversidade, intersetam e afetam de múltiplas formas as missões e as atividades do Banco.
É o caso da vertente social e do que o Banco tem feito, por exemplo, para minorar as desigualdades no domínio da etnia ou do género. É também o caso da vertente de governo – ou governação, ou governança, como queiram – e do que o Banco tem feito, por exemplo, para fomentar a transparência no funcionamento das instituições. É ainda o caso de diversas questões da esfera ambiental e do que o Banco tem feito, por exemplo, na análise das implicações decorrentes da perda de biodiversidade.
Temos, de facto, procurado dar contributos a diversos níveis do universo ESG – e optámos deliberadamente, nos últimos anos, por uma abordagem integrada a este universo. Uma abordagem que combina as diferentes dimensões da sustentabilidade ESG e que se traduziu numa estratégia conjunta dos vários departamentos com um enquadramento institucional comum. Com execução descentralizada, mas coordenação transversal, reportando diretamente ao membro do Conselho de Administração responsável pela sustentabilidade.
É uma abordagem integrada e abrangente à sustentabilidade. Mas também uma abordagem que necessariamente confere especial destaque àquela que é uma das principais questões globais do nosso tempo – “uma escolha entre a ação coletiva e o suicídio coletivo”, nas palavras do Secretário-Geral da ONU. Falo, naturalmente, do desafio das alterações climáticas, que se impõe, também aos bancos centrais – e ao Banco de Portugal, em particular – pela urgência e pela dimensão do que está em causa.
Conhecemos bem, atualmente, as raízes e as caraterísticas do fenómeno, mesmo se não podemos antever de forma rigorosa o ritmo a que ele se irá desenrolar e a extensão que poderá vir a atingir. Vamos também conhecendo cada vez mais, e mais cedo do que se esperava, as consequências associadas ao problema, patentes na crescente frequência e magnitude dos eventos climáticos extremos e na intensificação dos eventos crónicos.
Sabemos ainda qual é o caminho mais eficiente para dar resposta à crise climática, que tem na sua origem “a maior falha de mercado que o mundo já viu”, nas palavras de Nicholas Stern. Ou seja, em bom economês, uma externalidade negativa colossal, uma diferença gigantesca entre o custo social das emissões globais de gases com efeito de estufa e o custo privado que é assumido pelos emitentes desses gases.
A resposta à crise climática, no âmbito da ação dos governos, deve necessariamente combinar um elemento de adaptação – uma vez que as alterações climáticas são já uma realidade – e um elemento de mitigação. Neste caso, abrangendo três aspetos críticos:
- Primeiro, a tributação do carbono, por via de impostos ou de licenças de emissão – o que não tem de significar necessariamente um aumento da carga tributária total, podendo ser conseguido através de um reequilíbrio do sistema fiscal. O FMI estima que o custo médio das emissões de carbono ronda atualmente os 6 dólares por tonelada e que será necessário atingir os 75 dólares até 2030.
- Segundo, a promoção da chamada I&D verde, envolvendo um esforço das empresas e da academia, mas também a concessão de subsídios por entidades públicas em domínios menos propícios à intervenção privada.
- Terceiro, a mobilização de vultuosos financiamentos, combinando capital e dívida. De acordo com diversas instituições internacionais de referência, o investimento anual necessário para atingir a neutralidade climática em 2050 pode ascender a 8% do PIB global. Se considerarmos apenas o investimento incremental, excluindo o que seria necessário para repor o stock de capital, a fatura anual variaria entre os 0,6 e os 0,9% do PIB global.
As políticas públicas elencadas estão no escopo de ação dos governos. Qual é então o papel dos Bancos Centrais na transição climática?
Para uma instituição como a nossa, integrada no Eurosistema, há duas tarefas principais a desempenhar no contexto da ação climática – dois grandes contributos a prestar.
O primeiro – e o mais importante – é cumprir a nossa missão principal de promover e assegurar a estabilidade de preços. Porquê? Essencialmente, porque níveis excessivos de inflação distorcem os preços relativos e comprometem uma afetação eficiente dos recursos. Isto tende a acentuar a incerteza no que é já um enquadramento complexo e volátil, podendo assim limitar e adiar o esforço de investimento que é necessário para a transformação das nossas economias.
O segundo grande contributo que podemos prestar nesta matéria é aprofundar o conhecimento sobre a vulnerabilidade do sistema financeiro ao risco climático e fomentar uma adequada integração das considerações climáticas nas estratégias, nos modelos de governo, nas práticas de gestão do risco e nos reportes dos bancos. Desta maneira, estaremos a promover a estabilidade financeira – e também, em última instância, a capacidade da banca para financiar a transição climática.
Para além destes dois aspetos críticos, um banco central com um mandato como o do Banco de Portugal pode ainda dar alguns outros contributos relevantes para a resposta à crise climática. Por exemplo, ajudando a ultrapassar as lacunas de dados climáticos, que são um obstáculo prático de grande importância para o bom desenvolvimento das atividades de vários parceiros nesta matéria, desde os investidores aos investigadores.
Ou, a propósito de investigadores, orientando para esta área uma parte da nossa capacidade técnica e analítica, que assim estará a contribuir para decisões mais informadas e políticas mais eficazes na esfera pública e ao nível da economia, em geral.
Foi com este enquadramento que definimos a estratégia do Banco de Portugal para a sustentabilidade ESG, enfatizando sobretudo as alterações climáticas. Uma estratégia subordinada ao lema “Agir pela sustentabilidade”, que sucedeu a uma abordagem inicial vigente em 2020-21 e que vai agora vigorar até 2025, em estreita articulação com o plano estratégico geral do Banco.
A nossa ação em prol da sustentabilidade desenvolve-se em três grandes eixos.
Primeiro, integrar as alterações climáticas na nossa missão que se desdobra na estabilidade dos preços, do sistema financeiro e apoio económico e financeiro ao governo. Esta integração na missão é, objetivamente, o mais importante dos três e também aquele em que colaboramos mais de perto com o BCE e os outros bancos centrais nacionais do Eurosistema.
Na missão de salvaguarda da estabilidade de preços, uma responsabilidade que partilhamos com o Eurosistema, temos estado empenhados em incorporar as questões climáticas na estrutura conceptual e no enquadramento operacional da política monetária.
Essas questões foram integradas na estratégia de política monetária do BCE, revista há cerca de dois anos, na mesma altura em que foi aprovado um plano de ação para desenvolver essa integração. Na esfera operacional, têm sido introduzidas diversas inovações relacionadas com a dimensão climática, ao nível dos programas de compra de ativos, dos colaterais e dos requisitos de reporte. Em março passado, foi também iniciado o processo de reporte da pegada carbónica desses ativos.
No eixo de salvaguarda da estabilidade financeira, destacam-se duas vertentes principais.
- Por um lado, avaliar a exposição dos bancos aos riscos climáticos e a resiliência do sistema financeiro face aos mesmos. Para esse efeito, desenvolvemos capacidade técnica própria, elaborámos e publicámos estudos, investimos na aquisição e desenvolvimento de bases de dados climáticos e participámos nos exercícios de stress test ao nível do Eurosistema.
- Por outro lado, adaptar a nossa abordagem de supervisão por forma a incentivar os bancos à incorporação dos riscos climáticos e ambientais nas diversas vertentes relevantes da sua atividade. Com esse intuito, adotámos um guia com as expectativas de supervisão quanto à gestão dos riscos climáticos e ambientais, quer ao nível do Mecanismo Único de Supervisão quer na sua aplicação aos bancos de menores dimensões que estão sob a nossa supervisão direta. E temos vindo a avaliar a forma como os bancos estão a incorporar essas expectativas, que passarão a ser imperativas a partir de 2025.
Finalmente, no que diz respeito à missão de aconselhamento ao Governo em matéria económica e financeira, temos prestado numerosos contributos para o debate da agenda de sustentabilidade e financiamento sustentável da UE e adotámos as questões climáticas e ambientais como uma das grandes linhas de trabalho da nossa Agenda de Estudos para 2022-25, já com diversos papers publicados.
O segundo grande eixo da estratégia de sustentabilidade do Banco de Portugal é incrementar a sustentabilidade ambiental, social e de governação na nossa gestão interna. Nesse sentido, e entre diversas outras iniciativas, publicámos uma Carta de Investimento Responsável, que consagra o nosso compromisso climático e ambiental na gestão das carteiras de ativos próprios, iniciámos a divulgação da pegada carbónica destes ativos e estamos a elaborar um programa de descarbonização das nossas atividades, tendo em vista a neutralidade carbónica em 2050.
Por fim, o terceiro eixo da nossa estratégia é reforçar a consciência dos nossos concidadãos para os temas da sustentabilidade ESG. Também aqui se inserem numerosas iniciativas dirigidas a diferentes stakeholders – incluindo os nossos colaboradores, o sistema bancário, o cliente bancário, grandes empresas não financeiras e os colegas dos bancos centrais dos países de língua portuguesa. Destaco, em particular, a divulgação no nosso site institucional de uma página dedicada à sustentabilidade, que convido todos a conhecer.
E concluo, se me permitem, citando o Governador do Banco de Portugal:
“Este é um tema que diz respeito a todos: agentes políticos e agentes de política; instituições financeiras e empresas não financeiras; academia, associações não governamentais e cidadãos.
Ninguém se pode alhear deste debate. Ninguém pode demitir-se de participar no esforço coletivo de adaptação às alterações climáticas e de descarbonização; de preservação dos ecossistemas.
Em suma, não podemos deixar de integrar considerações ambientais nas nossas políticas e nos nossos quadros de decisão no cumprimento dos nossos mandatos. E isto, por si só, é já um enorme desafio!”