Está aqui

Intervenção de abertura do Governador Mário Centeno no XXXII Encontro de Lisboa entre os Bancos Centrais de Língua Portuguesa

Senhores Embaixadores, Senhores Governadores e Vice-Governadores, Caros Convidados, 

É com muito gosto que vos dou as boas-vindas no início dos trabalhos deste 32º Encontro de Lisboa. 

Ultrapassada a pior fase da pandemia e retomada a reabertura das economias, que nos permite estar aqui, esperávamos puder testemunhar crescimento económico mais robusto, menos afetados por incertezas económicas ou geopolíticas. Mas um segundo choque exógeno sem precedentes – a injustificável invasão da Ucrânia pela Rússia – veio perturbar severamente esse panorama. 

A cooperação ganha com este novo contexto outro sentido de urgência.

As perspetivas para a economia mundial deterioraram-se. As projeções para a atividade económica, o comércio internacional e a inflação são piores do que aquelas que tínhamos há um ano atrás.

Desde o início da invasão tem-se observado uma saída acentuada de capitais das economias emergentes e em desenvolvimento, com a consequente degradação das condições financeiras para os devedores mais vulneráveis e para os importadores de matérias-primas. As depreciações cambiais, com reforço das pressões inflacionistas, tem vindo a afetar também as dívidas externas.

O papel dos bancos centrais neste quadro – em especial na defesa da estabilidade dos preços – e a cooperação exigida dependem muito da natureza dos choques.

A subida da inflação reflete maioritariamente um aumento dos preços dos bens energéticos e alimentares, inicialmente em resultado das disrupções na oferta e da recuperação pós-pandémica da procura global, mas foi, mais recentemente, exacerbada pela invasão da Ucrânia. 

Ora, sabemos que a eficácia da política monetária é limitada perante choques da oferta como: disrupções no mercado da energia, escassez de matérias-primas, aumentos dos custos de transporte marítimo e dos prazos de entrega dos fornecedores, fábricas temporariamente encerradas. O aumento dos preços originado por estas perturbações nas cadeias de abastecimento globais recomenda prudência nas nossas ações.

Tenho repetido que a normalização da política monetária é necessária e desejável. Ao mesmo tempo, as decisões de política monetária deverão ser graduais e pautar-se pela flexibilidade e pela proporcionalidade.

Os custos de uma política monetária agressiva superaram os benefícios: reações intempestivas são suscetíveis de se tornarem uma sobre-reação (overshooting), acrescendo às várias sobre-reações que muito tem caracterizado as economias na pós-pandemia. Um decisor não pode ele próprio ser um factor de instabilidade. Pior será se as decisões tiverem de ser revertidas pouco depois, afetando a credibilidade dos bancos centrais.

Sinais de desancoragem das expetativas de inflação e de efeitos de segunda ordem (inclusive na formação dos salários) exigem intervenções atempadas pois torna-se necessário evitar que se transite para um regime monetário de inflação elevada e de taxas de juro elevadas. Nesse caso, os custos de agir tardiamente são claramente superiores.

Em última análise, importa procurar compreender se os aumentos e a volatilidade de preços permanecem circunscritos a algumas categorias de bens e de serviços ou se, pelo contrário, têm efeitos de contágio. 

Em qualquer caso, permanece crucial uma comunicação clara e atempada das decisões, bem como da informação estatística que permita aos agentes económicos tomar decisões fundamentadas. 

Permitam-me ainda insistir nas questões de estabilidade macroeconómica e sobre o papel da política orçamental.

É certo que as políticas orçamentais em vários países e regiões do mundo estão sob forte pressão. Em 2021, vários países continuaram a recorrer a políticas orçamentais expansionistas para fazer face à situação de pandemia. 

Com a dívida pública historicamente elevada, a margem para acomodar os impactos da guerra sobre as respetivas economias em 2022 é, em muitos casos, bastante reduzida.

Acresce que o aumento das taxas de juro nas economias avançadas terá um impacto adicional sobre a dívida pública externa das economias emergentes e em desenvolvimento. 

Neste quadro, qualquer tentativa de mitigação do impacto da redução do poder de compra nas populações deverá ser muito cautelosa, para que não gere ainda mais inflação. 

Será fulcral que o apoio orçamental seja temporário e focalizado nos grupos populacionais afetados pela pandemia e nas famílias de menor rendimento. 

Do lado dos bancos centrais, continuamos a acompanhar a política orçamental, dadas as implicações para a salvaguarda da estabilidade de preços. 

A agenda das Instituições Financeiras Internacionais continua igualmente a dar destaque à questão da cooperação entre as políticas económicas. Têm vindo também a relembrar que um sistema mundial assente em regras é essencial para uma retoma sólida, enquanto equacionam respostas aos desafios conjunturais e estruturais.

Além das decisões de política monetária, permitam-me que me foque na importância do papel dos bancos centrais na promoção da estabilidade financeira.

Numa perspetiva mais estrutural, os esforços continuados de reforma na regulação e supervisão foram também decisivos para manter a robustez dos sistemas monetários e financeiros durante e após a pandemia. A concretização e visibilidade destes esforços de reforma permanecerá a mais importante ferramenta para fazermos face à incerteza e aos desafios dos sistemas.

A melhoria da capacidade de resposta dos bancos centrais e, deste modo, do seu papel na construção de economias e sociedades mais robustas, é o objetivo da cooperação do Banco de Portugal.

A atividade de cooperação – bilateral, regional e internacional – não se resume à Ajuda Pública ao Desenvolvimento. É muito mais do que isso. Refiro-me ao benefício conjunto sobre o debate de soluções para problemas que extravasam as nossas fronteiras. 

É essa noção que nos move na realização do Encontro de Lisboa e das várias iniciativas que à sua margem decorrem. Levamos, desta forma, para as reuniões anuais do FMI/GBM uma perspetiva rica e um conhecimento mútuo, que são um capital único e um efetivo contributo para o desempenho do nosso papel de bancos centrais.  

Em 2021, o Banco de Portugal participou num número sem precedentes de ações de cooperação (174), envolvendo mais de mil participantes externos provenientes de quase 40 instituições. Estes números demonstram a rápida adaptação do “modelo de negócio” da cooperação.

A cooperação tem vindo a alargar-se a novos temas e necessidades. Colocámos as alterações climáticas e a transição digital na nossa agenda e explorámos todas as potencialidades da tecnologia remota para alargar a nossa ação. 

Com a pandemia não reduzimos a cooperação, aumentámos a cooperação em abrangência de temas, em parceiros, em número de ações. Mantivemos o contributo nas questões fundamentais dos mandatos dos bancos centrais, como a supervisão e estabilidade financeira, os sistemas de pagamentos, a análise económica ou as estatísticas. Sabemos bem como a qualidade da governação é fundamental e, assim, dedicamos-lhe grande atenção. 

Continuámos disponíveis para os nossos tradicionais parceiros da lusofonia, mas também para outras latitudes. Trabalhamos com outras instituições, nomeadamente europeias, convocados também pelo esforço que a invasão da Ucrânia exigiu.

Serão também estes os pilares do debate em Washington, em que a cooperação multilateral assume renovada urgência. 

O apoio às economias mais vulneráveis, a dívida pública crescente, as alterações climáticas e a transição digital são desafios partilhados, exigindo ação global. O FMI, enquanto instituição no centro da rede de segurança financeira global, tem mostrado prontidão, calibrando o seu aconselhamento e instrumentos para uma resposta eficaz. 

Teremos, assim, oportunidade de avaliar os progressos da ação cooperativa na canalização voluntária de Direitos de Saque Especiais, na sequência da histórica atribuição geral de agosto de 2021 – processo no qual Portugal, com o envolvimento do Banco de Portugal, permanece firmemente comprometido. Destaco, também, a recente criação de uma janela para choques alimentares nas facilidades de assistência financeira de emergência e a esperada entrada em operação do novo Resilience and Sustainability Trust.

É patente a diversidade, mas também a convergência de preocupações e de respostas na cooperação entre bancos centrais e no plano da participação nas Instituições Financeiras Internacionais. 

É por isso que, ao longo do dia, é relevante auscultarmo-nos sobre o futuro da cooperação técnica, mas também sobre os grandes temas das instituições financeiras internacionais, para que possamos contribuir com conhecimento das perspetivas uns dos outros.

Senhoras e Senhores,

Num quadro de particular incerteza quanto ao futuro imediato, mas também de médio e longo prazo, os desafios que os bancos centrais enfrentam revestem-se de enorme complexidade.

Para nos falar destes desafios, temos connosco o Dr. Vítor Constâncio, que mais do que ninguém dispensa apresentações, pelo que lhe passo a palavra.

Muito obrigado.

 

Tags