Intervenção de abertura do Governador, Carlos da Silva Costa, na Conferência sobre Supervisão Comportamental Bancária: novos desafios dez anos depois da crise financeira
Intervenção do Governador do Banco de Portugal, Carlos da Silva Costa [1]
Bom dia e bem-vindos,
É com particular satisfação que o Banco de Portugal promove a presente Conferência, 10 anos após ter sido atribuído ao Banco de Portugal um mandato abrangente de supervisão comportamental bancária.
A importância atribuída à supervisão da conduta das instituições bancárias no seu relacionamento com os clientes e depositantes é ainda relativamente recente, mas hoje sabemos que se trata de uma função fundamental para assegurar a confiança dos clientes bancários e, por conseguinte, para salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro.
Nesta minha intervenção de abertura, deixo três notas muito breves:
- Uma primeira nota sobre a crescente importância da supervisão comportamental bancária, designadamente numa perspetiva de salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro;
- Uma segunda nota sobre a abordagem que o Banco de Portugal tem seguido neste domínio;
- E uma nota final sobre o desafio digital.
Importância e evolução da supervisão comportamental bancária
A crise financeira internacional reforçou a perceção de que a relação entre clientes bancários e instituições de crédito é tendencialmente assimétrica e de que a atuação não informada dos clientes bancários gera riscos para o sistema financeiro. Um risco que é tanto maior quanto menores forem as suas competências específicas e o conhecimento necessário para tomar decisões financeiras ajustadas ao seu apetite de risco (literacia financeira) e quanto maior a incapacidade para gerir as suas despesas correntes e antecipar e prevenir os riscos de despesas ou encargos financeiros futuros (aptidão financeira).
Como consequência, tornou-se claro que a literacia e a aptidão financeiras são uma condição necessária da estabilidade financeira. Decisões financeiras robustas ou sustentáveis por parte de cada um dos indivíduos que integram um dado espaço económico-financeiro – e, em particular, por parte dos clientes bancários – são determinantes para a estabilidade financeira. Todavia, não são uma condição suficiente, na medida em que os agentes económicos não têm em conta e, portanto, não contemplam, as externalidades das suas decisões ou ações, em particular o risco sistémico. Esta constatação é particularmente relevante quando se desenvolvem situações de euforia no mercado, nomeadamente no mercado residencial e hipotecário. A intensidade e a propagação de expectativas distorcidas de valorização de ativos são tanto maiores quanto menor for a literacia e a experiência financeiras de uma dada população.
O que significa que uma melhoria da educação financeira contribui para a estabilidade financeira, mas não impede externalidades negativas que ponham em causa a estabilidade do sistema financeiro.
São também necessárias medidas que ataquem os desenvolvimentos sistémicos negativos resultantes da interação das decisões individuais, mesmo que fundamentadas - medidas que visem mitigar os efeitos sistémicos negativos sobre a estabilidade das instituições financeiras. Estas medidas serão função da literacia e da aptidão financeiras dos agentes económicos e, em particular, da sua capacidade para interpretar os sinais que resultem da intervenção das autoridades prudenciais. Como regra, uma menor capacidade de interpretação desta intervenção gera um maior risco de bolha de mercado e, por consequência, determina a necessidade de medidas prudenciais mais interventivas do lado da concessão de crédito, ou do lado da aplicação da poupança, para garantir a estabilidade financeira.
A literacia e a educação financeiras são, assim, determinantes da estabilidade financeira e da natureza e das políticas de supervisão comportamental e macro prudencial.
Em suma, para salvaguardar a estabilidade financeira não basta nem o acompanhamento das decisões individuais nem a regulação da conduta das instituições bancárias para com os respetivos clientes. É também necessário um acompanhamento do sistema como um todo, que mitigue as externalidades negativas das ações individuais, para além de uma supervisão de cada uma das instituições financeiras que garanta a sua robustez financeira, nomeadamente a sua capacidade para absorver os riscos resultantes da aplicação dos recursos que lhe foram confiados.
A relevância da literacia e da formação financeiras acentuou-se ainda mais com a globalização dos mercados e a crescente sofisticação dos produtos. A generalização do acesso a produtos e serviços bancários, cada vez mais diversificados e complexos, e o surgimento de novos canais para a sua comercialização, trouxeram novas fontes de risco.
Temos, assim, assistido, no plano internacional, à progressiva densificação do quadro de direitos conferidos aos clientes bancários, ao alargamento das áreas de intervenção da supervisão comportamental e a uma atuação mais intrusiva por parte dos supervisores.
O objetivo é promover a adequação dos produtos e serviços às características e às necessidades dos clientes e prevenir conflitos entre os interesses dos clientes e das instituições.
A informação e formação financeira dos clientes bancários passou também a ser reconhecida como uma dimensão estruturante da supervisão comportamental bancária, complementar da regulação e da fiscalização.
Clientes mais informados e com maior capacidade para compreender as caraterísticas dos produtos e dos serviços bancários são, por norma, clientes mais atentos e mais exigentes.
Estão também mais aptos a escolher produtos e serviços bancários adequados à sua situação financeira, necessidades e perfil de risco, contribuindo, desta forma, para o funcionamento eficiente do mercado e para a salvaguarda da estabilidade financeira.
Estratégia de supervisão comportamental do Banco de Portugal
O Banco de Portugal começou a exercer o seu mandato de supervisão comportamental no despontar da crise financeira internacional.
Desde o início, adotámos uma estratégia assente em três vetores fundamentais de atuação, que estão espelhados nos temas dos painéis desta conferência:
- (i) Em primeiro lugar, a estratégia do Banco de Portugal assenta no desenvolvimento de um quadro normativo que enquadre e regule as condições de comercialização dos produtos e serviços bancários de retalho;
- (ii) Em segundo lugar, o Banco de Portugal zela pelo cumprimento do quadro normativo aplicável às relações que as instituições de crédito estabelecem com os seus clientes, através de uma atuação fiscalizadora e sancionatória eficaz;
- (iii) E, em terceiro lugar, mas não menos importante, fizemos, desde o primeiro momento, uma forte aposta na informação e na formação dos clientes bancários. São exemplos desta aposta o Portal do Cliente Bancário, lançado em 2008 e completamente renovado no final de 2017, e o Plano Nacional de Formação Financeira, dinamizado com as outras autoridades de supervisão do setor financeiro e que conta com uma rede alargada de parceiros.
Os desafios do digital
Termino, como não poderia deixar de ser, com uma referência aos desafios que se colocam ao supervisor de conduta perante a progressiva digitalização dos canais utilizados na comercialização de produtos e serviços financeiros.
O ambiente digital promove o surgimento de produtos e serviços inovadores e de novos prestadores, com modelos de negócio por vezes disruptivos em relação à banca tradicional.
Adicionalmente, a desmaterialização associada à utilização de canais digitais facilita a comercialização de produtos e a prestação de serviços bancários num plano transnacional.
Os reguladores e os supervisores de conduta têm, por conseguinte, de assumir um papel ativo no ecossistema digital, catalisando os benefícios e acautelando os riscos que dele possam emergir.
A regulação e a supervisão não devem impedir a inovação, mas devem assegurar a proteção do cliente bancário, independentemente do canal utilizado para a realização das operações bancárias.
Impõe-se, assim, que o supervisor de conduta:
- Acompanhe de perto o processo de inovação tecnológica dos mercados bancários de retalho;
- Reflita sobre a adequação do quadro normativo existente;
- E desenvolva novas ferramentas e estratégias de fiscalização para assegurar que o quadro normativo é adequadamente cumprido, que existem condições equitativas para todos os operadores e que os clientes bancários estão protegidos.
A promoção da literacia financeira dos clientes bancários assume, também aqui, uma importância particular. Por isso, o desenvolvimento de iniciativas de informação e de formação financeira digital é uma das nossas principais preocupações.
Convido-vos, neste âmbito, a conhecer a campanha recentemente lançada pelo Banco de Portugal, nas redes sociais e no Portal do Cliente Bancário, para promover a segurança dos jovens na utilização de canais digitais.
Muito obrigado a todos e faço votos de que esta seja uma Conferência muito proveitosa para os presentes.