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Intervenção de abertura da Administradora Francisca Guedes de Oliveira na Conferência Anual da ASFAC
22 mar. 2023
Bom dia,
Gostava, em primeiro lugar, de agradecer o convite que foi dirigido ao Banco de Portugal para participarmos neste evento. Agradeço e cumprimento de forma especial o Dr. Duarte Gomes Pereira e o Dr. Pedro Alves pela amabilidade com que me acolheram nesta sessão.
- No atual contexto, um dos principais desafios com que se confronta o mercado de crédito aos consumidores prende-se com o impacto do aumento da inflação e da consequente subida das taxas de juro na resiliência financeira dos consumidores, exigindo das instituições rigor e empenho acrescidos na avaliação do risco de crédito dos clientes, assegurando que a concessão de crédito assenta em procedimentos e critérios robustos de avaliação da solvabilidade, e assumindo uma atitude proativa na identificação e acompanhamento dos mutuários com dificuldades no cumprimento dos seus contratos de crédito.
- Embora o aumento das taxas de juro tenha impacto mais direto nos contratos de crédito à habitação, mercado caracterizado por uma larga percentagem de contratos de crédito sujeitos a um regime de taxa de juro variável, a experiência tem vindo a demonstrar que, em caso de dificuldades financeiras, os clientes tendem a incumprir primeiro nos créditos ao consumo e, só depois, nos contratos de créditos à habitação.
- O aumento significativo e rápido das taxas de juro tem também impacto no ajustamento das taxas máximas aplicáveis ao crédito aos consumidores, assunto que, sei, vos é particularmente caro.
Com efeito, a evolução das taxas máximas no crédito aos consumidores não tem refletido integralmente o rápido e significativo aumento das taxas de juro de referência do mercado. Em todos os segmentos de crédito verifica-se uma redução da margem entre as taxas máximas e as taxas de referência do mercado, situação que é particularmente crítica nos segmentos de locação financeira automóvel, tendo a Euribor a 12 meses ultrapassado mesmo a taxa máxima definida para o segmento de locação financeira de automóveis novos no 1.º trimestre de 2023.
Não cabendo ao Banco de Portugal a definição da metodologia de cálculo destas taxas, estabelecido no artigo 28º do Decreto-Lei nº 133/2009, de 2 de junho, está, no entanto, atento e sensível a esta questão e tem vindo a refletir, em diálogo com algumas associações do setor (ASFAC e ALF) e instituições financeiras sobre o atual modelo. - No contexto atual, os procedimentos relativos à prevenção e gestão do incumprimento, criados em 2013, com o Regime Geral do Incumprimento PARI/PERSI (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento e Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), e ajustados ao longo do tempo, assumem especial importância.
- As soluções previstas neste regime estão alinhadas com as melhores práticas internacionais, indo também ao encontro a Orientações da Autoridade Bancária Europeia nesta matéria (cf. EBA Guidelines on arrears and foreclosure - EBA/GL/2015/12 e EBA Guidelines on loan origination and monitoring - EBA/GL/2020/06). O regime nacional parece também acomodar a solução que se perspetiva vir a ser adotada no contexto da revisão da Diretiva do Crédito aos Consumidores.
- Em particular no que se refere à monitorização do risco de crédito, as instituições devem ter, e têm tido, uma atitude cada vez mais proativa no acompanhamento da carteira de crédito, de forma a identificar, de forma precoce, os clientes bancários em risco de incumprimento.
Recorda-se que, desde 2021, o acompanhamento permanente e sistemático passa por (i) realizar monitorização, dos contratos de crédito com periodicidade mínima mensal, (ii) criar processos individuais para os clientes bancários abrangidos pelos procedimentos previstos no PARI que permita uma atuação mais eficiente e (iii) acompanhar a eficácia das soluções acordadas com os clientes no âmbito do PARI, avaliando regularmente a sua adequação à capacidade financeira, objetivos e necessidades dos clientes bancários e propondo, sempre que tal se revele adequado, outras soluções. - Para além dos mecanismos internos de deteção de situações de risco de incumprimento e de acompanhamento da execução dos contratos de crédito, é extremamente importante a definição e reforço de canais de comunicação com os clientes que favoreçam a tomada de conhecimento de alertas de risco por parte dos clientes, permitindo uma atuação cada vez mais precoce.
- Aos desafios do atual contexto de normalização da política monetária, acrescem os que se colocam ao mercado de crédito aos consumidores, fruto da crescente digitalização dos produtos e serviços bancários de retalho.
- A digitalização do setor financeiro acompanha uma tendência generalizada de alteração dos hábitos de consumo e a procura por produtos que satisfaçam as pretensões dos consumidores de forma célere e conveniente. Este processo sofreu um grande impulso em virtude da pandemia de COVID-19. As medidas sanitárias então adotadas promoveram um aumento muito significativo da utilização dos canais digitais, quer na utilização de instrumentos de pagamento digitais, quer na própria contratação de produtos e serviços bancários.
- A transformação digital a que se assiste é suscetível de trazer benefícios para os consumidores e instituições, mas também mais riscos.
- A contratação de produtos e serviços bancários através de canais digitais, por ser mais célere e por não implicar contacto físico do cliente bancário com a instituição, pode, por exemplo, dificultar a identificação do prestador do serviço bancário e a leitura e compreensão da informação pré-contratual e contratual. Por outro lado, pode permitir o acesso a créditos sucessivos (numa lógica de shopping around) mais difícil de controlar, trazendo perigos na avaliação do risco de crédito dos clientes.
Neste âmbito, o Banco de Portugal teve oportunidade, já em 2020, de emitir um conjunto de boas práticas, previstas na Carta Circular n.º CC/2020/00000044, aplicáveis à comercialização de produtos e serviços bancários de retalho (nomeadamente, depósitos bancários, produtos de crédito, serviços de pagamento e moeda eletrónica), através de canais digitais (online ou mobile), procurando mitigar os riscos decorrentes da digitalização.
Adicionalmente, o Banco de Portugal tem a função de promover a qualidade da procura, nomeadamente através do desenvolvimento e implementação de uma estratégia de formação financeira digital para Portugal (tema da literacia financeira que sei também ser pilar de ação da ASFAC). Aproveito desde já para vos convidar para o evento de disseminação das recomendações que farão parte da Estratégia de Literacia Financeira Digital para Portugal, o qual terá lugar no dia 10 de maio, durante a manhã, no Museu do Dinheiro, em Lisboa. - Fruto do desenvolvimento cada vez mais acelerado da tecnologia e do incremento de novos canais de distribuição, surgiram novos produtos e serviços (por exemplo, produtos buy now, pay later) e novos modelos de negócio, envolvendo terceiros (por exemplo, market places) e novos prestadores de produtos e serviços, operando por vezes a partir de outros EM da União Europeia.
- O supervisor é chamado a responder, de forma contínua, aos desafios trazidos pela inovação nos mercados bancários de retalho, assegurando o cumprimento do quadro normativo, garantindo que os clientes bancários, independentemente do canal utilizado para a realização de operações bancárias (balcão, telefone, homebanking, apps, etc.), beneficiam de idênticos direitos, sem, com isto, bloquear a inovação no setor financeiro.
Os desafios são muitos, a evolução tende a ser exponencial, e a estabilidade do sistema com a devida proteção de todos os stakehoders dentro de um quadro normativo exigente e internacional só se consegue com uma atitude colaborativa.
Acreditamos profundamente que todos temos um papel importante a cumprir no desígnio de ter um sistema financeiro robusto, estável e que sirva a economia, e, portanto, a todos nós, da melhor forma possível.