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Intervenção da Vice-Governadora Clara Raposo na Sessão solene de abertura do ano letivo 2023/2024 da Universidade de Lisboa

Exmo. Senhor Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa,

Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa, Prof. Luís Ferreira (muito obrigada por este convite, que muito me surpreendeu, até me comoveu e que é uma honra),

Senhor Presidente do Conselho Geral da ULisboa,

Senhores Reitores Honorários,

Representantes dos Presidentes dos Tribunais Superiores,

Senhor Ministro da Administração Interna,

Senhora Procuradora-Geral da República,

Senhor Secretário de Estado do Ensino Superior,

E outros membros do Governo,

Restantes autoridades civis, militares, policiais e religiosas,

Senhoras e senhores reitores, ex-reitores e vice-reitores de outras universidades,

Caros membros da equipa reitoral e do Senado da ULisboa,

Senhoras e senhores presidentes e diretores das escolas,

Caros dirigentes das associações e das federações de estudantes,

Caros colegas, professores e funcionários da universidade de Lisboa,

Queridos estudantes, e, em especial, bem-vindos os que iniciam hoje uma nova vida na universidade,

Ilustres e distintos convidados,

Minhas senhoras e meus senhores,

 

Venho falar hoje de “boa educação”.

Não os vou maçar com linguagem erudita, nem com números e fórmulas complexos. 

Até porque este é um momento de nostalgia para mim, de regresso a casa.

 

Vou antes falar-vos diretamente do coração, 

Como Professora (de finanças, é certo, mas com um coração), e, inevitavelmente também, como cidadã atenta à realidade nas minhas funções no Banco de Portugal. Para além de, também inevitavelmente, como mãe de duas jovens universitárias, uma delas caloira aqui na nossa universidade (e aqui nesta sala) e como filha de um pai e de uma mãe que foram a primeira geração das suas famílias a estudar na universidade. 

 

Organizei esta intervenção em 3 partes: 

Vou começar por colocar o meu chapéu de Professora economista e tentar responder à pergunta: porque é que vale a pena estudar e ter um grau académico? Vivemos um tempo em que se questiona o valor acrescentado de tudo, inclusive do conhecimento. 

De seguida, espero partilhar algumas lições que aprendi enquanto gestora na Universidade, com o chapéu de ex-presidente do ISEG, a escola mais internacional da Universidade de Lisboa. E faço-o com o intuito de abordar uma segunda pergunta: a que é que devemos estar atentos na construção e entrega diária de uma universidade verdadeiramente moderna? 

No minuto final, usarei chapéu nenhum. Ou todos, todos aqueles que já usei na vida, de caloira em Lisboa a estudante e professora lá fora, em universidades diferentes cá dentro, e tantas outras coisas que fui fazendo. Irei, no fim, ao início de tudo, ao “novo começo” que o dia de hoje significa, a abertura de um ano letivo - e talvez até dê alguns conselhos (o que é tão pouco habitual em mim, que deve ser sinal de avanço de idade…) 

Como ponto de partida, peguemos num artigo do Financial Times, publicado a 18 de agosto. 

Debruçou-se sobre o facto de organizações pelo mundo inteiro estarem a recrutar jovens sem grau universitário, mas com conhecimentos, o que levanta a questão da valorização de um “curso”. 

Claro que também há profissões e organizações que recrutam jovens com qualificações académicas. 

Seja como for, a questão paira no ar – a utilidade da formação universitária e também o “prémio monetário” para uma formação de ensino “superior”. Para quê estudar na universidade?

Se adotarmos uma perspetiva meramente “economicista”, faz sentido pensarmos nos custos associados a estudar: propinas, materiais e equipamentos, alojamento, para além do custo de oportunidade de entrada mais tardia no mercado de trabalho.

A verdade é que longe vão os tempos (felizmente) em que mais um filho significava mais um par de braços para contribuir para o rendimento familiar. 

Os dados do Financial Times indicam que há um prémio salarial muito significativo para quem chega ao mercado de trabalho com um canudo universitário (versus conclusão do 12.º ano). Dados de 2020 indicam que este prémio salarial varia de um mínimo de 34% na Austrália a um máximo de 81% nos Estados Unidos. O estudo revela, também, que o “prémio” tem caído nos últimos 15 anos, mas que, numa análise cumulativa ao longo de uma vida de trabalho, a estimativa é de um ganho considerável para quem concluiu um curso universitário.

No caso português vários estudos apontam no mesmo sentido. O estudo de 2017 da Fundação Francisco Manuel dos Santos calculou, para 2015, um prémio salarial para os licenciados superior a 50%.

Também no Boletim Económico do Banco de Portugal de março deste ano, foi publicado um tema em destaque sobre distribuição salarial entre 2006 e 2020. Durante estes 15 anos, o que é que observamos? 

Uma evolução demográfica em que a população ativa perdeu cerca de meio milhão de pessoas (uma descida superior a 7%), enquanto a população total, mais envelhecida, registou uma descida de menor expressão, na ordem dos 2%.

Temos hoje uma população empregada menos jovem. A idade média dos trabalhadores por conta de outrem aumentou 5 anos em 15 anos (de cerca de 38 anos em 2006 para 43 anos em 2020).

As qualificações dos jovens portugueses têm progredido neste terceiro milénio. Em 2002, Portugal estava na cauda da área do euro com cerca de 40% dos jovens com pelo menos ensino secundário completo, o que comparava com uma média europeia superior a 70%. 20 anos depois, em 2022, Portugal tem quase 90% dos jovens entre os 20 e os 24 anos com pelo menos o secundário completo. Passámos para a dianteira dos países da área do euro neste indicador.

É de notar que a percentagem da população em idade ativa com ensino superior mais do que duplicou. Eram 12% em 2006 e 26% em 2020. Este aumento é transversal a todos os escalões etários, mas particularmente marcado na faixa dos 25 aos 44 anos.

Quando olhamos para a estrutura de emprego no setor privado verificamos com clareza a redução do peso dos trabalhadores com apenas ensino básico (de 66% em 2006 para 43% em 2020) e o aumento dos licenciados e mestres (de 12% para 24%).

E como têm evoluído os salários de quem passou pela universidade? Em 2006, o salário médio real para os licenciados era muito superior ao da restante população. 

Desde então, o crescimento dos salários reais dos licenciados foi inferior ao crescimento dos salários dos que não têm qualificações académicas. 

Mas o nível do salário médio dos licenciados mantém-se muito superior, em termos reais, até aos dias de hoje. Em especial, quando comparamos pessoas da mesma geração.

 

Mas olhar exclusivamente para o “prémio” monetário, que existe, é uma forma redutora de encarar os benefícios de um percurso universitário.

O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos aborda outros benefícios da formação na universidade, como proteção contra o desemprego e sensação de segurança, a abertura a mais escolhas, a funções com mais complexidade, a uma formação que abre horizontes no sentido de promover um estilo de vida mais saudável e também mais participativo do ponto de vista cívico.

 

Eu vejo a universidade como a grande oportunidade de adquirir e gerar conhecimento específico, e, simultaneamente, ganhar perspetiva e elasticidade mental para conseguir continuar a aprender ao longo da vida. 

Estarmos rodeados por pessoas com interesses comuns e por pessoas muito diferentes de nós é um privilégio. Essa universalidade de um espaço como a Universidade de Lisboa é para ser aproveitada, para se desfrutar, para alargar horizontes. Para que é que serve uma gestora ou um médico que não gosta de ler ficção, um artista que não tem interesse em nova tecnologia, um cientista que não se preocupa com o bem-estar dos outros, um engenheiro que não desfruta de um bom filme, um advogado que não se incomoda com a crise ambiental?

Conhecer e saber a sério implicam a humildade – e o prazer - de dialogar com as outras áreas. É para isso também que aqui estamos. 

Dou-vos um exemplo muito concreto, do último ano letivo, em que assisti a três momentos maravilhosos e totalmente diferentes, nas últimas lições de três professores desta Universidade que completaram 70 anos: a curiosidade do Nuno Crato na sua Matemática Aplicada à Economia e à Gestão e na forma como vê a Educação; também no ISEG, a última aula emocionada do António Garcia Pereira em que o direito do trabalho andou de mãos dadas com a história contemporânea; pontos de vista tão distantes entre si e a tolerância que assim se aprende e cultiva; e a entusiasmante última lição do Fernando António Baptista Pereira em Belas Artes, que deu voz à imagem de artistas que nem sempre a tiveram ao longo dos tempos. 

 

É na diversidade e liberdade de pensar que a ciência e a cultura dão frutos. Um pouco que seja, todos os que passam pela universidade podem e devem respirar este ar, que é puro de tanta mistura. 

 

Apesar de estudar ser difícil, por vezes muito difícil, a universidade é um lugar com tempo. E tempo é capaz de ser ainda mais do que dinheiro.

 

Então, afinal, como deve ser a universidade?

Podem achar que tenho uma visão algo utópica, pela forma como me expressei até aqui. 

Mas também sei que os desafios que se nos colocam hoje são imensos e existe a necessidade de aproximar a universidade das dificuldades da realidade dos nossos dias.

A recente experiência de gestão no ISEG, trouxe-me muitas lições, para além da confirmação das dificuldades que já conhecia: tantos obstáculos formais e rigidez nas regras para gerir.

Só é possível fazer a diferença com uma força inabalável das direções que se sucedem. Mas isso implica correr riscos, com a convicção de fazer aquilo que é certo e nunca desviando o olhar dos grandes objetivos. Deixo aqui apenas 4 lições para o futuro, de entre as muitas que aprendi com os meus colegas e estudantes: 

#1. Numa universidade preparada para os nossos tempos temos de saber o que os outros fazem, em qualquer parte do mundo. Não só em termos científicos, mas também organizacionais. Aprender com os outros. Mas inovar não é copiar os modelos dos outros e passarmos nós próprios a ser outros. Inovar é uma coisa diferente. É construir uma evolução, fazer algo verdadeiramente único, diferente daquilo que já existe. É um caminho difícil, mas que traz muita satisfação quando os resultados surgem. Temos de olhar para acreditações, para rankings, para abertura a perfis mais diversificados de estudantes, professores, funcionários – e temos de fazer tudo isto sem nos descaracterizarmos.  Resumindo, a primeira lição é abrirmo-nos ao mundo, mas deixando que o mundo encontre aqui alguma coisa que seja também única e genuína.

 

#2. O mais difícil de tudo é ter a consciência de que os sucessos são passageiros, da necessidade contínua de mudança. Não é adotar todas as modas; mas implica estarmos sempre a fazer escolhas e a tomar decisões difíceis, muitas vezes controversas. Contudo, quando o objetivo final é claro, vale a pena. Resumindo, a segunda lição é: não descansar. 

 

#3. A abertura à sociedade é indispensável, e é-o, pelo menos, de três formas: (i) na relação com os “empregadores”; (ii) no acompanhamento que damos aos grandes temas do mundo; e (iii) na nossa comunicação.

  1. A proximidade ao meio empresarial é crucial para melhorarmos a preparação dos estudantes. Mas a relação com as empresas (e outras organizações) é de reciprocidade. Também temos o papel de lhes dizer que não formamos só à medida das suas necessidades do momento. Que as nossas pessoas não são produtos dum catálogo standardizado. Este diálogo com as empresas é enriquecedor. 
  2. Por outro lado, uma universidade que serve o mundo em 2023 tem de acompanhar os novos desafios da humanidade: tem de integrar os desenvolvimentos tecnológicos na forma como ensina e investiga, tem de saber explicar as alterações climáticas, contribuir para o desenvolvimento de novas soluções de energia limpa e para a descarbonização, para uma economia com menos desperdício, com consumo responsável de água, para uma sociedade que protege os direitos humanos. O desenvolvimento sustentável não são 17 cubos coloridos com os nomes dos ODS das Nações Unidas. E a abordagem a estes temas tem de ser séria, central e credível.
  3. Por último, a comunicação tem de estar centrada no recetor: ser direta, sincera, arrojada e profundamente humana. 
  4. Resumindo, lição #3: a universidade tem de conhecer a realidade e os seus defeitos, ser ativa na busca de soluções para os grandes problemas da humanidade, e saber comunicar isso mesmo.

 

#4. A quarta lição que quero partilhar é que, mesmo nos momentos difíceis, a alegria e o humor são armas poderosas. E que as pessoas fazem a diferença. Não são números, não basta contá-las, é preciso saber quem são. O segredo final do sucesso está na dedicação e nos detalhes.

 

 

Fechemos, então, com o significado e celebração do dia de hoje, o início de um novo ano letivo. E dirijo-me em especial aos novos alunos.

Na universidade todos os anos chega uma nova geração de estudantes, sempre diferentes! 

Há uma frase duma escritora que se aplica bem a nós: “i make so many beginnings there will never be an end” (eu faço tantos inícios que nunca haverá um fim). 

É esta a vida na universidade. Temos um “take” atrás de outro “take” todos os anos e podemos sempre ir fazendo adaptações.  O conhecimento vai-se acumulando e transmitindo, nunca diminui. 

 

Muitas vezes os novos alunos chegam à universidade bastante perdidos, sem saberem o que esperar. 

São os “absolute beginners” de David Bowie  “com os olhos completamente abertos, mas nervosos na mesma”. É natural. Eu ainda hoje fico nervosa no início do ano.

 

É aqui que vêm as minhas “recomendações” entre aspas 

(recomendações como hoje também faço aos bancos):

 

Caros estudantes, o espírito de camaradagem e colaboração é o melhor que podem levar destes anos na universidade. 

Mas um computador bem organizado com uma pasta para cada unidade curricular é também um bom ponto de partida, com os materiais todos recolhidos do fenix e uma boa dose de estudo! 

Não vão na conversa de que não é “cool” ir às aulas ou estudar regularmente. Há tempo para tudo num dia de 24 horas e numa semana com 7 dias. 

Se se sentirem perdidos, peçam ajuda. Todos temos de encontrar aliados e partilhar – aproveitem os anos da universidade porque no mundo do trabalho não é igual. Esforcem-se por olhar para o lado para as pessoas que conhecerem agora e façam amigos novos em vez de andarem sempre atrelados só aos que já conheciam no liceu ou no colégio. A realidade é maior do que isso. 

 

A universidade tem de nos trazer rigor, ciência, técnica, arte. E traz tantas outras coisas, como desporto, uma biblioteca para estar sossegado, um espaço para almoçar ou até oportunidade de mudar! Ou seja, a universidade pode-nos proporcionar equilíbrio. Temos de saber ter tempo livre – e não é só para atividades extra ou para trabalhar para ganhar algum dinheiro, como acontece a tantos estudantes para quem a vida é mais complicada.

A vida não é só um conjunto de linhas escritas num CV. A folha tem muito espaço em branco. É preciso tempo também para descansar e para pensar na vida. Decidir o que lá queremos escrever. 

E nos dias maus, é lidar! Acontece a todos e há que persistir, tentar, lutar. Com humildade. E preservando saúde a todos os níveis. 

 

Todos os anos, um novo começo, novos sonhos com os pés bem assentes na terra. Aquilo que nós desejamos é que se formem pessoas mais qualificadas e que sabem tratar os outros de forma generosa, que têm objetivos pessoais e coletivos que nos puxem a todos para cima. É disso que se trata aqui.

 

A Universidade de Lisboa é humana.  Por vezes também errará, mas é um espaço de liberdade e um espaço solidário. 

 

Um dia vão ter de fazer novas escolhas. Que a universidade vos dê essa oportunidade de terem escolha. Que o País consiga ir criando oportunidades e que o mundo também - e que vocês próprios também!

Na Universidade de Lisboa dizemos como no ISEG “Open minds. Grab the future!”, não deixem que o futuro vos passe ao lado.

 

Bom ano letivo 2023-2024! Que seja o melhor de sempre, que deixe saudades, que nos faça sorrir quando nos lembramos deste ano daqui a muito muito tempo! É um orgulho fazer parte desta comunidade. 

Viva a Universidade de Lisboa!