Discurso de tomada de posse do Governador
23 de Fevereiro de 2000
Senhor Primeiro Ministro
Senhor Ministro das Finanças e da Economia
Senhores Secretários de Estado
Minhas Senhoras e meus Senhores
Em meu nome e dos meus colegas de Conselho agradeço a confiança que o Governo depositou na equipa que vai agora gerir o Banco de Portugal. No meu caso, trata-se de um regresso a uma instituição onde passei cerca de 15 anos da minha vida profissional em diferentes posições e responsabilidades. Não chego hoje, pois, ao Banco de Portugal. Exerci o cargo de Governador em 85-86 e considero interessante traçar brevemente um confronto entre o país que éramos e o país que somos hoje, quando assumo de novo essas funções. Naquela altura Portugal acabava de cumprir o seu segundo programa de estabilização com o FMI, o crescimento tinha sido negativo em 84 (-1,9%) e a inflação tinha atingido 28,9% após uma desvalorização de 20% da taxa de câmbio efectiva. O ano de 85 foi mais favorável, com um crescimento de 2,8%, mas ainda com uma inflação de 20% , uma taxa de desemprego de 8,7% e com necessidades públicas de financiamento de 10.5% do PIB. As taxas de juro do crédito eram de cerca de 27% e as dos depósitos de 25%. A situação do sistema bancário era preocupante com a rentabilidade afectada pelo enorme imposto implícito cobrado pelo Estado sob a forma de financiamento do défice abaixo das taxas de mercado e com uma situação de solvabilidade precária com um ratio de crédito vencido de 11% e os capitais próprios mais provisões a representarem apenas cerca de 80% do crédito vencido.
Não se estranha, assim, que o meu discurso de posse se tenha centrado então nas reformas necessárias do financiamento do Estado, na reforma dos mercados monetário e cambial, na reestruturação do sector bancário e na preparação da passagem a métodos indirectos de controle monetário para se poder abandonar os antigos limites de crédito. Pude ainda realizar parte do programa enunciado. A criação de Bilhetes do Tesouro com emissões em regime de leilão geridos pelo Banco de Portugal permitiu ter as primeiras taxas de juro formadas no mercado e lançou as bases de um verdadeiro mercado monetário, condição indispensável para a reforma do método do controle monetário de acordo com mecanismos de mercado. Começou-se a liberalizar as taxas de juro do sistema. O mercado monetário interbancário foi modernizado, e de presencial passou a funcionar em contínuo ao longo do dia. Foram abandonadas as taxas de câmbio administradas e foi criado um mercado spot com fixing diário. Foram definidas as regras que permitiram acomodar de forma rentável no contexto do sistema de limites de crédito, os novos bancos privados entretanto autorizados.
Em suma, foram dados os primeiros passos da liberalização financeira que a entrada na então CEE tornava indispensável. Foi um período interessante em que o Banco de Portugal pôde voltar a contribuir, como sempre fez, para a estabilização e modernização do sistema financeiro e da economia portuguesa.
Entretanto, a entrada na União Europeia galvanizou e transformou o país muito para além do que por vezes nos damos conta. A situação que temos hoje é a de um país desenvolvido e membro da união monetária europeia, com plena estabilidade macroeconómica e condições de desenvolvimento futuro. A inflação harmonizada é quase idêntica à média europeia, a taxa de desemprego, 4.2%; o défice orçamental, 1,9%; as taxas de juro médias situam-se em torno de 6%. Esta evolução foi acompanhada de profundas transformações estruturais e de um significativo aumento de nível de vida da população que viu o rendimento disponível em termos reais crescer 50% desde 1985.
Entre as transformações operadas sublinho a do sistema bancário que é hoje globalmente um sistema rentável, moderno, concentrado, bem capitalizado e em expansão. O crédito vencido era em Setembro apenas 2,4% do crédito total e os capitais próprios mais as provisões eram-lhe superiores em 600% . Entretanto, neste mesmo período os bancos colocaram em Fundos de Pensões próprios cerca de 1300 milhões de contos para assegurar as suas responsabilidades com as pensões dos empregados bancários. Por outro lado, os aumentos de produtividade permitiram um crescimento real do activo total do sistema em 230% mantendo-se sensivelmente o mesmo número de empregados. Se é certo que existem algumas zonas do sistema mais problemáticas, há que elogiar a capacidade revelada pelas principais instituições para se modernizarem com a introdução das melhores tecnologias por forma a apoiarem o desenvolvimento que o país conheceu.
Calaram-se, assim, as vozes que duvidavam da nossa capacidade para aproveitar positivamente a participação na União Europeia. Portugal surpreendeu também, mesmo os mais optimistas, pela forma como conseguiu realizar a convergência nominal com os seus parceiros europeus e participar no euro. O Banco de Portugal teve nesse processo um papel brilhante e é justo nessa perspectiva prestar homenagem ao Prof. António de Sousa e à equipa que o acompanhou pela maneira como conduziram o Banco no cumprimento das suas missões.
Não quero que a visão positiva que transmiti sobre a evolução do país neste período seja mal interpretada. Tenho uma aguda consciência das vulnerabilidades e carências que ainda nos caracterizam ¾ desde os indicadores educacionais, às insuficiências nas infra-estruturas, ao baixo conteúdo tecnológico de muitas produções, às desigualdades de rendimento. Além disso, a participação no euro, se nos abre grandes oportunidades, contém alguns riscos e impõe novas exigências de competitividade. Talvez por isso se tenham ouvido ultimamente algumas dúvidas sobre a sustentabilidade do padrão de evolução recente da economia portuguesa. Três aspectos aparecem geralmente referidos:
- Em primeiro lugar, o crescimento seria excessivamente baseado na dinâmica da procura interna, em especial do consumo, originando forte endividamento das famílias com reflexo no endividamento no exterior do sistema bancário para acomodar a diferença entre o crescimento do crédito e dos depósitos.
- Ouvem-se também preocupações com a balança de pagamentos com a ideia algo confusa de que poderia vir a perturbar o crescimento da economia
- Finalmente, manifestam-se preocupações com o comportamento recente das exportações e do investimento directo estrangeiro.
Quanto ao primeiro ponto, de acordo com o que tem sido afirmado sempre pelo Banco de Portugal, começo por sublinhar que, apesar de algumas previsões em contrário, não se verificou em Portugal um fenómeno de sobreaquecimento da economia: o crescimento é moderadamente superior ao do UE, a inflação é semelhante à média europeia e não existe também qualquer bolha especulativa no mercado de activos. O endividamento das famílias atingiu, é certo, cerca de 80% do rendimento disponível, mas com a descida nos últimos anos das taxas de juro o esforço financeiro com os encargos da dívida aumentou muito pouco. Aquela percentagem é, aliás, bastante inferior à verificada em vários países quando conheceram crises relacionadas com o mercado imobiliário. É evidente que o crédito às famílias não poderá continuar a crescer como nos últimos anos e a perspectiva de alguma subida nas taxas de juro conduziu já na parte final do ano passado a alguma desaceleração. Os bancos, por sua vez, têm que começar a mostrar-se mais selectivos e, sobretudo, a informar melhor os seus clientes sobre as consequências de possíveis aumentos futuros das taxas de juro. Disso também dependerá a situação das suas próprias contas e a capacidade de se continuarem a endividar normalmente junto de outros bancos da zona euro. Na verdade, o forte endividamento do sistema bancário no exterior é normal entre regiões de uma mesma zona monetária onde está assegurada a transferência de poupanças sem risco cambial. Os únicos limites têm a ver com a capacidade creditícia de cada uma das instituições bancárias tal como é avaliada pelo mercado e pelas suas congéneres estrangeiras.
Isto prende-se, aliás, com alguns equívocos sobre o significado da balança externa corrente para uma região de uma união monetária como é actualmente Portugal. Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento. A ressaca após um forte endividamento pode ter consequências recessivas, mas não é um problema macroeconómico de balança de pagamentos. A analogia mais pertinente é com o novo paradigma que vê a balança corrente externa como o resultado de uma optimização intertemporal do perfil de consumo de uma economia que defronta um mercado de capitais perfeito. A analogia é simplista para um país com moeda própria, mas serve como primeira aproximação para uma região de uma união monetária.
Para um país com moeda própria, e por hipótese tradicionalmente fraca, o limite do desequlíbrio chega em geral mais cedo, porque para pagar as importações se têm que obter divisas estrangeiras, recorrendo às reservas ou ao crédito e ambos têm limites óbvios. Ou seja, a suspeita de que um país nessa situação pode ter um problema macroeconómico de pagamentos externos, por se estarem a esgotarem as reservas, faz com a restrição externa se manifeste antes de se ter esgotado a capacidade económica de endividamento dos agentes económicos privados. É assim que, nesses casos, boas empresas ou bons projectos de investimento podem sofrer limites de financiamento se o país não tiver divisas estrangeiras. Isso não acontece, porém, no contexto de uma região que essencialmente transacciona com as restantes de uma mesma zona monetária. Se a economia estiver a crescer saudavelmente, com bons projectos, isso significa que tem produções competitivas e não existirão problemas de «balança de pagamentos» a travar o nosso processo de convergência real com a Europa desenvolvida. Se, pelo contrário a economia estiver a crescer menos que os nossos parceiros e a importar muito mais do que exporta, revelando falta de competitividade, então a balança corrente externa pode ser um indicador de problemas embora não seja ela própria um problema. É portanto um indicador que tem sempre que ser analisado juntamente com outros indicadores de competitividade.
Já referi que tudo isto não implica a ausência de uma restrição externa à economia, mas o importante de uma ponto de vista das políticas públicas é a existência de limites ao crescimento da despesa interna por causa das pressões inflacionistas que pode gerar e das consequências que isso tem sobre a competitividade das nossas produções. Além disso, também uma pressão excessiva da procura no mercado de activos pode criar as condições de uma crise futura com consequências recessivas.
O diferencial de inflação que se verifica actualmente é, porém, de dimensões reduzidas e tem ainda curta duração. Além disso, no contexto da união monetária e de um processo de convergência real de níveis de desenvolvimento, Portugal terá uma inflação superior à média europeia sem com isso perder necessariamente competitividade em relação aos restantes países membros. A justificação para isto é pacífica e tem a ver com o chamado efeito Balassa-Samuelson.
Isso não implica, porém, que possamos ignorar os riscos da inflação. As lições da experiência das últimas décadas nos países desenvolvidos e da evolução da teoria económica são precisamente que, para além de ser contraproducente tentar fazer o «fine tuning» da conjuntura, a taxa de inflação é neutra em relação à trajectória de equilíbrio do produto. Ou seja, não se consegue mais crescimento e mais emprego criando mais inflação e uma economia de mercado descentralizada funciona melhor num regime de inflação baixa. Logo, se as despesas privadas continuarem eufóricas e o crescimento for forte, o Estado tem que continuar a manter rigor orçamental. Como não se prevêem próximas descidas dos juros, pelo contrário, isto implica que as despesas de consumo público não poderão continuar a crescer ao mesmo ritmo dos últimos anos. Vai aumentar, pois, o nível de exigência e é bom não alimentar sobre isso quaisquer ilusões porque, no dizer do filósofo, «uma ilusão é muitas vezes pior do que um erro». Saúdo por isso como muito positivo o novo Programa de Estabilidade apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças que compromete o Governo numa trajectória exigente de contenção das despesas correntes do Estado, retomando o caminho da consolidação das Finanças Públicas portuguesas. Posso assegurar-lhe Sr. Ministro que o Banco de Portugal dará a esse esforço todo o apoio e estímulo, crítico se necessário, a fim de que o Programa possa ser cumprido.
O último dos pontos que referi a propósito da situação económica portuguesa parece-me ser potencialmente o mais preocupante. Refiro-me ao comportamento recente das exportações e do investimento estrangeiro. A perda, ainda que ligeira, de quota de mercado durante os últimos dois anos nos países para onde exportamos e a desaceleração do investimento directo pode representar uma perda de competitividade causada pela concorrência de países terceiros com mais baixos custos e melhores condições de atracção. É cedo para concluir se estamos perante um fenómeno conjuntural e passageiro influenciado pela crise asiática de 1998 ou se se trata de algo de mais estrutural. Afirmei muitas vezes que a nossa participação no euro tinha a dimensão de uma aposta, que sempre confiei que ganharíamos. No entanto, isso passa por transformações estruturais no tecido produtivo que criem as bases de novas vantagens comparativas. No contexto actual, isso depende mais dos agentes empresariais do que de políticas públicas. Faltará apenas mais capital de risco para estimular o investimento em Portugal e não no estrangeiro. Mas as políticas públicas fornecem agora um enquadramento de perfeita estabilidade macroeconómica e baixos custos de financiamento e de acesso ao capital, o que facilita o investimento produtivo modernizador e de expansão. São estas as grandes vantagens e a grande oportunidade criada pelo euro. Isto tem que ser aproveitado para operar um indispensável reposicionamento estrutural da economia portuguesa. As empresas concorrem agora a partir de uma moeda forte e não podem deixar-se embalar por facilidades de curto prazo. Aos sindicatos cabe também a responsabilidade de graduarem as suas reivindicações ao novo contexto competitivo em que estamos, se efectivamente querem defender o emprego. Não haverá desvalorizações nem subsídios para aguentar empresas que perderem posição competitiva por não se modernizarem, por não aumentarem o conteúdo tecnológico dos seus processos ou a qualidade das suas produções. O caminho em que embarcámos é o que melhor pode garantir a nossa prosperidade futura, mas é exigente e não tem recuo.
A acuidade do que afirmo será ainda maior quando o euro se valorizar num qualquer futuro próximo, fazendo aumentar a pressão da concorrência de países terceiros. Ninguém se iluda com a fraqueza recente do euro pensando remetê-lo para a categoria das moedas fracas. A depreciação actual tem a sua justificação na diferença de conjuntura com a economia americana. Nos anos noventa também o marco passou por dois ciclos de depreciação face ao dólar e ninguém retirou daí a conclusão de que o marco era uma moeda fraca.
Na verdade, o que define a qualidade de uma moeda pode resumir-se nos seguintes aspectos: ser bem gerida por forma a garantir estabilidade macroeconómica e inflação baixa; ter credibilidade suficiente para conduzir a taxas de juro baixas a longo prazo; ter liquidez em todos os instrumentos e maturidades. O euro cumpre bem todos estes critérios. A inflação é mais baixa na Europa. As taxas de juro das obrigações a 10 anos dos Estados europeus são mais baixas do que as taxas de juro americanas para a mesma maturidade. Ou seja, os mercados confiam que a longo prazo a inflação na Europa tenderá a ser mais baixa que nos USA, reflectindo assim a sua confiança na forma como o euro vai ser gerido. Finalmente, não existe falta de liquidez dos diferentes instrumentos financeiros denominados em euros.
Tudo indica, portanto, que o euro está destinado a ter um papel crescente no sistema monetário internacional e a valorizar-se no futuro. Os EUA continuam a ter uma balança de pagamentos muito desequilibrada, ao contrário da Europa, o que acabará por se reflectir na taxa de câmbio do dólar. O prazo, o euro ganhará importância e valor. Mais importante que isso, porém, é que sirva para manter a economia europeia com inflação baixa e boas condições e crescimento económico.
O Banco Central Europeu não tem como objectivo «defender» uma determinada taxa de câmbio para o euro. A política monetária europeia serve para prosseguir objectivos internos de estabilidade e controle da inflação. Ora, a Zona euro é uma economia relativamente fechada pelo que a taxa de câmbio não tem uma influência decisiva na inflação interna. Seria, pois, errado adoptar a taxa de câmbio como objectivo intermédio da política monetária. Se esta conseguir manter um regime de inflação baixa, o euro continuará a ser uma moeda forte com pleno reflexo na sua taxa de câmbio. A tentativa de criar um sistema de «target zones» para as principais moedas teria conduzido a taxas de juro mais altas na Europa para «defender» o euro e o resultado teria sido comprometedor para a recuperação da economia europeia e para a redução do desemprego. O sentido da União Europeia ter criado o euro reside precisamente na possibilidade que este lhe abre de ter uma política monetária autónoma essencialmente preocupada com a prossecução dos seus próprios objectivos e desligada de conjunturas externas. Os indispensáveis esforços de cooperação monetária internacional em situações pontuais de fortes desequilíbrios não põem em causa aquela orientação fundamental.
O que acabo de referir remete em pleno para a mudança de funções por que passou o Banco de Portugal. Sem política monetária própria, mas profundamente empenhado no Sistema Europeu de Bancos Centrais, aumentaram as exigências de preparação técnica para assegurar uma participação eficaz e para dar resposta às inúmeras solicitações de dados e análises que o BCE nos coloca. Aumentaram também as responsabilidades na vigilância do sistema de pagamentos e, sobretudo, na supervisão das instituições financeiras porque o Banco de Portugal é o guardião da estabilidade do sistema financeiro. O Sr. Ministro acaba de nos anunciar a reforma que pensa realizar na regulação financeira. As orientações que traçou parecem-me as adequadas à nossa situação e acompanham as melhores tendências internacionais no sentido de introduzir mais coordenação sem fundir instituições especializadas que podem até por vezes ter perspectivas conflituantes sobre os vários interesses a proteger.
Outras alterações se aguardam proximamente nesta área da supervisão, especialmente a mudança significativa da regulamentação sobre as exigências de capital para as instituições de crédito, no âmbito do Comité de Basileia e da Comissão Europeia. Por outro lado, considero necessárias alterações no regime do Fundo de Garantia de Depósitos e no próprio Regime Geral das Instituições de Crédito.
Não se esgotam nas tarefas enunciadas as funções do Banco de Portugal e há uma área em que procurarei mesmo alargar a missão do Banco ¾ a da prestação de serviços à comunidade. Refiro-me aos domínios da informação, investigação e formação económica em que as capacidades do Banco se têm que abrir mais às necessidades da sociedade. O Banco tem o dever de apoiar mais o debate informado dos problemas económicos e sociais do país mesmo que transcendam o domínio estrito da política monetária. Em particular, quero desenvolver um novo serviço de informação ao consumidor, à semelhança do que acontece nos Bancos do Federal Reserve System, por forma a fazer a pedagogia da utilização dos serviços financeiros e a promover as melhores práticas no sistema. Trata-se essencialmente de informar e esclarecer sem prometer apoios que ajudassem a criar um sentimento de irresponsabilidade nos próprios consumidores nas suas transacções com os bancos, em especial as que aumentam o seu endividamento.
Para além do serviço específico que presta esta função cabe na ideia de uma função de supervisão bem interpretada, porque por ela passa também a melhor protecção aos utentes do sistema financeiro. Por outro lado, um maior conhecimento e sofisticação no uso dos produtos financeiros por parte dos utilizadores são essenciais para que as suas escolhas não distorçam o processo de poupança e investimento. Isto contribui também para manter a confiança no sistema e garantir que este desempenhe melhor a sua importante função de afectação dos recursos financeiros.
Tudo o que acabo de enunciar significa que, apesar da estabilidade da situação portuguesa, só na aparência me esperam tarefas menos exigentes no Banco de Portugal do que as que enfrentei na primeira vez que exerci estas funções. Encaro este regresso ao serviço público com entusiasmo e enorme sentido de responsabilidade. Levo desta vez comigo a experiência de cinco anos no sector privado onde vivi por dentro o processo de fusão de três bancos naquilo que constituiu uma experiência estimulante e esclarecedora sobre as transformações em curso no mundo empresarial, sobre um regime de regras e incentivos que se preocupa com a produtividade e a gestão eficaz de todos os recursos indispensáveis ao cumprimento dos objectivos de uma organização. É uma experiência que, nos termos adequados, também enriquecerá o desempenho das minhas novas funções. Servir o país e o projecto europeu é uma missão exaltante que assumo com exigência. Estou consciente das dificuldades que Portugal ainda defronta para se afirmar plenamente como país desenvolvido e moderno no difícil quadro competitivo em que se move. Encaro, porém, o futuro com a confiança própria de alguém que presenciou todas as fases do progresso continuado que colectivamente, para além de governos e normais conflitos políticos, soubemos assegurar e que a democracia e a participação na União Europeia trouxeram a Portugal.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000