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Artigo do Vice-Governador Luís Máximo dos Santos para a revista "Views - the Eurofi Magazine": Uma crise incomum, medidas incomuns, grandes desafios

Em novembro de 2020, a Presidente do BCE, Christine Lagarde, no Fórum do BCE, em anos anteriores realizado em Sintra, Portugal, qualificou a crise económica gerada pela pandemia da COVID – 19 como uma “highly unusual recession”.  

De facto, esta é uma crise profundamente incomum por ter origem numa pandemia (algo que sabíamos ser um risco não eliminado mas que, na verdade, apenas admitíamos como abstração), pelo seu caráter global e fortemente sincronizado, por materializar simultaneamente um choque da procura e da oferta e, claro, pela dimensão dos danos provocados no tecido económico e social.

Mas a reposta das autoridades políticas, económicas e de supervisão foi também incomum, pela sua rapidez, pelo elevado grau de convergência e coordenação, a nível nacional e europeu, pelo facto de se ter recorrido, em dimensões nunca vistas, à política monetária e à política orçamental, mas também à política laboral, à política social e à política regulatória e de supervisão.

No plano regulatório e da supervisão, recorreu-se a instrumentos de natureza macro e micro prudencial, tendo-se atuado igualmente ao nível da supervisão de conduta.  

Esta atuação produziu resultados muito positivos na medida em que evitou males maiores: foi mantida a capacidade de financiamento às empresas e aos cidadãos e assegurada a liquidez, foi preservada a capacidade produtiva, evitaram-se quedas mais drásticas do emprego e mitigaram-se as quebras do rendimento. Por outro lado, a aprovação de um inédito volume de fundos europeus para apoiar a recuperação das economias da União Europeia, boa parte a fundo perdido, dá consistência às perspetivas de crescimento no futuro próximo.         

Desse facto devemos extrair uma lição: os instrumentos ao dispor das autoridades públicas são bastante poderosos se manejados de forma tempestiva, coordenada e convincente.   

Estamos ainda numa fase da crise em que nos encontramos reféns da situação sanitária e da evolução da pandemia. O que significa, portanto, uma situação de elevada e anormal incerteza. O processo de vacinação, não obstante todas as suas dificuldades e percalços, veio alterar muito favoravelmente as expetativas, dando um horizonte de esperança mesmo para os setores mais afetados pela pandemia, ou seja, aqueles que dependem mais diretamente da mobilidade das pessoas.

Sabemos que se projeta para 2021 e 2022 uma trajetória de recuperação, mas a sua real dimensão é ainda bastante incerta.   

O setor bancário europeu encontra-se atualmente muito mais capitalizado e robusto do que no período da crise financeira e, portanto, muito mais bem preparado para enfrentar a crise originada pela pandemia. Em Portugal, por exemplo, houve nos últimos anos um reforço significativo dos rácios de capital, uma melhoria muito considerável da qualidade das carteiras de crédito, um ajustamento estrutural da liquidez que reduziu a vulnerabilidade do sistema a alterações da perceção de risco dos investidores internacionais, uma significativa redução dos custos operacionais e mesmo uma gradual recuperação da rendibilidade.

Ainda não sabemos qual a profundidade das alterações estruturais que a atual crise irá provocar. Como se irão comportar os consumidores? O que acontecerá no plano da motivação para investir, em especial no setor privado?  

Com os dados já conhecidos, parece inequívoco que as assimetrias e as desigualdades tendem a acentuar-se no interior de cada país e no interior da União Europeia. Se é verdade que os efeitos da crise pandémica são transversais, estão, contudo, muito longe de ser simétricos, dada, por exemplo, a diferente composição das economias dos Estados-Membros, com clara penalização para as economias mais dependentes do turismo. Neste contexto, não se compreenderá que a união bancária não seja completada rapidamente.   

O quadro geopolítico mundial encontra-se também numa fase de assinalável tensão e reajustamento, o que, em si mesmo, é um fator de instabilidade.

Mesmo que os cenários mais otimistas se verifiquem, o futuro próximo será de grande exigência para o setor bancário europeu. A pressão sobre a rentabilidade e a qualidade dos ativos, por exemplo, irá ser elevada.  

A fase em que vivemos requer uma gestão bancária muito mais focada em cada cliente, nos seus problemas e potencialidades. Por seu turno, as autoridades nacionais e europeias deverão ter presente que para serem bem-sucedidas nas suas políticas, em particular no que diz respeito à definição de uma estratégia de saída das moratórias, terão, uma vez mais, de ser tempestivas, coordenadas e convincentes.