Apresentação do Governador - Boletim Económico de Março de 2002
30 de Abril de 2002
Ajustamento económico e consolidação orçamental
A publicação deste Boletim Económico constitui uma oportunidade para realizar uma primeira apreciação do comportamento da economia portuguesa no ano passado usando os dados por enquanto disponíveis. Um primeiro balanço da evolução da economia permite-me identificar três grupos de problemas que defrontamos neste momento:
- uma desaceleração da actividade económica, que partilhamos com o resto da Europa, mas que tem factores internos próprios;
- uma difícil situação orçamental que requer uma redução significativa do défice em pouco tempo;
- um défice estrutural de competitividade a que temos que fazer face com novas soluções que alterem o lado da oferta da economia, por forma a vencer os desafios que nos coloca o alargamento da União Europeia.
O ano de 2001 fica marcado por uma significativa redução da taxa de crescimento do produto de 3,6% em 2000 para 1,8%, valor ainda assim superior ao da média europeia. Este desempenho acompanhou a evolução da economia mundial, caracterizada também por uma forte redução do crescimento e por um afundamento do comércio internacional que implicou, no nosso caso, uma desaceleração da procura nos nossos mercados externos de 11,8 % em 2000 para apenas 1,2% em 2001. Para além deste factor, no entanto, há que sublinhar que a quebra do crescimento em Portugal se ficou a dever ao andamento da procura interna que aumentou apenas 0,9% após um incremento de 3,0% em 2000. Esta quebra do crescimento do consumo e do investimento, iniciada já em 2000 em menor grau, representa o ajustamento da economia após um período de forte crescimento que implicou uma forte progressão do endividamento dos agentes económicos. Assim, desde a segunda metade de 2000 que as famílias têm vindo a aumentar a respectiva taxa de poupança e a conter o consumo que cresceu apenas 0,8% no ano passado contra 2,8% em 2000. Este comportamento, apesar da continuação do aumento do Rendimento Disponível (1,9%) e da manutenção da situação de pleno emprego, constitui uma reacção normal ao endividamento atingido e às expectativas entretanto geradas num sentido mais negativo sobre o futuro da economia. No mesmo sentido, as empresas reduziram também o investimento que apresentou uma taxa globalmente negativa de 0,8% apesar do aumento do investimento público.
A desaceleração da procura interna foi entretanto compensada por um aumento do contributo das exportações líquidas de importações para o crescimento da economia. Na verdade, as exportações cresceram mais do que a procura internacional e, desse modo, verificou-se um ganho de quota de mercado das nossas exportações. Em consequência, o défice da balança de bens e serviços reduziu-se significativamente em 2 pontos percentuais. Por sua vez, o saldo conjunto da balança corrente e da balança de capital (equivalente à antiga balança de transacções correntes) reduziu-se para 8,1%. A desaceleração da procura interna contribuiu para esta melhoria do equilíbrio externo que deve, aliás, prosseguir este ano. Com efeito, continuam presentes os factores que determinaram a evolução recente da procura interna, possivelmente acentuados pelas inevitáveis medidas de consolidação orçamental. É, assim, natural que a economia portuguesa venha a crescer este ano abaixo da média europeia.
Nos próximos anos vai ter que continuar a reduzir- se o défice da balança de bens e serviços. Os limites ao défice e ao endividamento são introduzidos pelos próprios agentes privados ou pelos mercados que asseguram, assim, o funcionamento de mecanismos de autocorrecção dos défices, mecanismos que são naturalmente de natureza restritiva. Quanto mais tarde começasse este processo de desaceleração, mais abrupta poderia ser a paragem e maiores os riscos recessivos. Por essa razão se pode considerar como positiva a desaceleração que se começou a verificar na despesa interna, uma vez que isso significa o caminho de um ajustamento suave da economia portuguesa. Desde a segunda metade de 2000 a desaceleração da despesa interna deu-se no contexto de uma situação de pleno emprego, de uma subida dos salários reais e de um aumento do Rendimento Disponível dos particulares. O crescimento deste último, tendo sido superior ao do consumo, significa que houve uma subida na taxa de poupança, o que revela que as famílias começaram elas próprias a corrigir os excessos de crescimento da despesa.
Evidentemente que isso implicou uma quebra do crescimento da economia, mas a desaceleração da despesa interna não tem que se traduzir linearmente na redução do crescimento do produto, visto que há sempre a possibilidade das empresas desviarem mais produção para a exportação. Isso deve ter acontecido o ano passado, uma vez que, como referi antes, houve ganho de quota de mercado, incluindo nas exportações tradicionais. É necessário que esse processo continue nos próximos anos e este é um factor a ter em conta na gestão das expectativas dos agentes económicos por forma a evitar um pessimismo excessivo e injustificado sobre o futuro da economia.
Em suma, o que tudo isto significa é que necessitamos de um outro padrão de crescimento, menos assente na procura interna e mais baseado em aumentos de produtividade que dêem maior solidez à nossa competitividade externa. O que nos remete para o terceiro problema que enunciei acima. Precisamos de um profundo choque estrutural do lado da oferta, que depende de algumas políticas públicas mas que terá que resultar, sobretudo, de mais iniciativa empresarial. Infelizmente, nem a generalidade dos agentes privados nem o Estado parecem ter interiorizado suficientemente as novas regras de funcionamento da economia de um país membro de uma união monetária. São regras que requerem a alteração de comportamentos, algumas reformas estruturais e um novo regime de regulação macroeconómica.
A questão mais séria e imediata é a situação das finanças públicas. No ano passado recordei a necessidade de cumprir o Pacto de Estabilidade e afirmei então que : "Esta exigência significa que, mais do que com uma crise económica, o país está confrontado com uma crise orçamental." O que está em causa são os compromissos que assumimos sobre a evolução a médio prazo do défice orçamental. Não existe, como é conhecido, um problema técnico de sustentabilidade das finanças públicas portuguesas. Temos um rácio da dívida em relação ao PIB de 55%, inferior à media europeia e as regras do Pacto de Estabilidade quanto aos défices asseguram que terá que continuar a diminuir.
O respeito pelas grandes orientações contidas no Programa de Estabilidade é essencial à credibilidade internacional da nossa política económica. O agravamento do défice orçamental em 2001 torna a tarefa mais difícil, sendo indispensável um elevado nível de consenso nacional quanto aos objectivos a atingir, sem dramatismos mas de acordo com um sentido de responsabilidade geralmente partilhada relativamente aos interesses do país. Nomeadamente, a referida credibilidade externa requer a manutenção do objectivo de um défice próximo do equilíbrio em 2004 dada a necessidade de darmos visibilidade a um esforço sério de consolidação orçamental. Para reduzir o défice terão que ser tomadas algumas decisões difíceis no sentido da contenção das despesas e evitar quaisquer medidas que possam reduzir as receitas do Sector Público Administrativo. A situação poderá mesmo justificar um aumento de alguns impostos indirectos com efeitos mais imediatos na recuperação das receitas do Estado.
Todas estas medidas têm, no curto prazo, consequências restritivas que se torna imperioso compensar com um maior dinamismo das exportações, impulsionado pela recuperação económica internacional e pelo redireccionamento da produção para mercados externos. Para possibilitar essa evolução torna-se necessário inverter a tendência dos últimos anos de aumentos salariais superiores ao crescimento da produtividade. Não se justifica propriamente um congelamento salarial, mas precisamos de uma maior moderação dos aumentos salariais. Todos devem ter consciência que, na situação actual, isso é uma condição para manter níveis elevados de emprego e evitar, assim, o agravamento de factores de exclusão e maior desigualdade na sociedade portuguesa.
Uma última palavra sobre a criação recente da Comissão liderada pelo Banco de Portugal e em que participam o Ministério das Finanças e o Instituto Nacional de Estatística, com o objectivo de analisar e actualizar as contas utilizadas na notificação do Procedimento dos Défices Excessivos do final de Fevereiro passado. Importa esclarecer que parte dos problemas de apuramento do valor final do défice se relacionam com assuntos conhecidos desde há bastante tempo, mas que requerem um esclarecimento final com o Eurostat. Trata-se de questões relacionadas nomeadamente com o tratamento dos aumentos de capital de algumas empresas públicas, matéria conceptualmente controversa uma vez que podem ser vistas como operações sobre activos financeiros ou como transferências de capital com influência no défice, e em segundo lugar, do problema dos valores dos impostos e contribuições sociais considerados em Contabilidade Nacional por contraponto com os registados em Contabilidade Pública. Por outro lado, subsistem ainda algumas questões relativas à aplicação do princípio de especialização do exercício na passagem da óptica da Contabilidade Pública à óptica da Contabilidade Nacional (SEC-95), para além de muitos Fundos e Serviços Autónomos só terem que apresentar contas finais até 15 de Maio. Sublinhe-se, no entanto, que os trabalhos da Comissão não se confundem com a realização de uma auditoria às contas públicas, no sentido técnico desse termo, uma vez que não existe tempo nem meios para tal nem se pretende invadir a esfera de competências do Tribunal de Contas. A Comissão deverá apresentar as suas conclusões, no máximo, até ao próximo mês de Agosto, a tempo da preparação pelo INE da próxima notificação do Procedimento dos Défices Excessivos que ocorrerá apenas no princípio de Setembro.