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Relatório de Estabilidade Financeira – Novembro 2012
29 nov. 2012
- A envolvente em que o sistema bancário português tem desenvolvido a sua atividade continuou a ser muito desfavorável. De facto, a crise da dívida soberana na área do euro e a interação entre o risco apercebido pelos operadores de mercado relativamente à dívida pública e aos bancos da respetiva jurisdição persistem como importante fonte de incerteza e de vulnerabilidade dos bancos portugueses. Adicionalmente, a recuperação incerta da atividade económica a nível global é uma condicionante da evolução futura da economia portuguesa. Os riscos em baixa para o crescimento da economia internacional resultam não só da incerteza em torno da resolução da crise da dívida soberana, mas também da necessidade de ajustamento dos desequilíbrios do sector privado em diversas economias avançadas. Neste contexto, a que acresce o exigente ajustamento que está subjacente ao programa de assistência económica e financeira, a economia portuguesa está a atravessar um período de recessão prolongada, com um forte impacto adverso sobre as condições de exploração dos bancos.
- No primeiro semestre de 2012, os bancos portugueses continuaram a promover a desalavancagem gradual dos seus balanços, consubstanciada numa diminuição do crédito concedido e, simultaneamente, na resiliência dos depósitos de particulares. A rendibilidade do sistema bancário deteriorou-se face ao primeiro semestre de 2011, refletindo o aumento das provisões e imparidades associadas à carteira de crédito a clientes e a evolução da margem financeira. Por outro lado, observou-se uma melhoria face aos resultados do segundo semestre do ano anterior, embora estes tenham sido fortemente penalizados por eventos extraordinários.
- Os particulares e empresas continuaram a ajustar os respetivos balanços, tendo estes dois setores, em conjunto, apresentado uma situação em que a poupança é superior ao investimento (situação de capacidade de financiamento), o que acontece pela primeira vez desde o início da área do euro. A redução do rendimento por via do aumento do desemprego, da diminuição dos salários e do aumento da carga fiscal tem-se refletido no aumento da materialização do risco de crédito dos particulares, mais acentuada no segmento de crédito para consumo e outros fins e relativamente mitigada no crédito para aquisição de habitação. A redução dos preços no mercado imobiliário que se tem vindo a observar, decorrente do abrandamento da procura, poderá implicar algum risco de perdas para as instituições de crédito nos casos em que se verifique incumprimento que culmine em dação em pagamento ou execução de hipoteca, apesar de não se ter assistido a uma sobrevalorização dos preços neste mercado no período anterior à crise.
- A acentuada contração da procura interna teve um forte impacto no desempenho das sociedades não financeiras, limitando a sua capacidade para se financiarem através de recursos gerados internamente. Esta situação é agravada pela significativa restritividade das condições de financiamento bancário, num contexto de elevada incerteza e de um aumento da perceção do risco por parte dos bancos. A restritividade no acesso ao crédito é mais acentuada para as empresas de menor dimensão, mais opacas e menos rentáveis e para os setores de atividade mais dependentes da evolução da procura interna. Estes são também os segmentos que mais têm contribuído para a materialização do risco de crédito. A elevada exposição, direta e indireta, dos bancos aos setores da construção e promoção imobiliária, conjugada com a forte deterioração da situação financeira das empresas destes setores, levou o Banco de Portugal a realizar uma inspeção transversal à qualidade do crédito concedido a estes setores.
- O ajustamento em curso da economia portuguesa tenderá a persistir no futuro, com implicações diretas sobre as perspetivas de materialização do risco de crédito. O incumprimento dos particulares e, principalmente, das empresas deverá assim continuar a aumentar nos próximos trimestres. É importante assegurar que este processo seja consistente com a reestruturação em curso da economia portuguesa e que não adie a dinâmica de recuperação económica a médio prazo. Neste contexto, a situação financeira do setor empresarial e dos particulares continuará a ser acompanhada no sentido de identificar possíveis medidas que atenuem os efeitos do elevado endividamento destes setores na sua capacidade de financiamento e no seu grau de incumprimento junto do sistema bancário. Paralelamente, as autoridades nacionais, incluindo o Banco de Portugal, estão a identificar medidas visando a diversificação das fontes de financiamento das empresas e o apoio ao financiamento dos segmentos mais dinâmicos e produtivos da economia.
- No decurso de 2012 tem vindo a observar-se uma melhoria da posição de liquidez do sistema bancário português, na sequência das medidas anunciadas pelo BCE e pela União Europeia no sentido de mitigar as tensões nos mercados financeiros advindas da crise da dívida soberana da área do euro. Estas medidas permitiram estabilizar o financiamento dos bancos junto do Eurosistema e, desta forma, diminuir substancialmente as necessidades de refinanciamento dos bancos a curto prazo. Estes desenvolvimentos traduziram-se numa melhoria dos gaps de liquidez dos bancos em todas as maturidades, contribuindo para um aumento da resiliência do sistema bancário a potenciais choques negativos sobre a sua capacidade de financiamento. Mais recentemente, dois bancos portugueses realizaram emissões de dívida nos mercados financeiros internacionais. Ainda assim, não obstante a evolução positiva observada recentemente na avaliação do risco do sistema bancário português por parte dos investidores internacionais, o acesso dos bancos aos mercados financeiros internacionais permanece condicionado. Deste modo, mantem-se a necessidade de continuar a reforçar o conjunto de ativos disponíveis para utilizar como garantia nas operações de cedência de liquidez num contexto em que subsistem riscos sobre a sustentabilidade da diminuição das tensões nos mercados financeiros internacionais. Por outro lado, a adoção de regras mais exigentes no âmbito da futura regulamentação comunitária sobre requisitos de liquidez constitui um desafio adicional para os bancos a nível internacional, incluindo os portugueses. Neste contexto, a continuação do ajustamento gradual do balanço dos bancos portugueses, traduzido numa redução gradual do rácio entre o crédito e os depósitos permitirá convergir a prazo para uma estrutura de financiamento mais sustentável e menos sensível a alterações na perceção de risco por parte dos investidores internacionais.
- A rendibilidade dos bancos portugueses deverá manter-se sob pressão, num quadro de deterioração expectável da qualidade da carteira de crédito bancário, em conjugação com a persistência de níveis muito reduzidos de taxas de juro interbancárias. Neste contexto, a manutenção de níveis de capitalização adequados continuará a ser um elemento crucial para preservar a solidez e a resistência do sistema bancário a choques adversos. Por outro lado, é fundamental que a estratégia de restruturação das redes comerciais e, mais genericamente, de racionalização dos custos dos bancos, prossiga no futuro próximo de modo a permitir adaptar a capacidade instalada do sistema bancário ao menor nível estrutural de procura de serviços bancários. Estes desenvolvimentos irão ocorrer em simultâneo com a entrada em vigor de novo quadro regulamentar no contexto da União Europeia, que reflete em boa parte os preceitos de Basileia III, que se traduzem em requisitos de liquidez e solvabilidade gradualmente mais exigentes. A evolução recente da solvabilidade e liquidez dos bancos portugueses é consentânea com o cumprimento das metas nos calendários previstos.
- As condições de financiamento dos bancos continuam a estar fortemente influenciadas pela situação financeira dos respetivos Estados. Desta forma, é crucial que sejam reforçados os compromissos assumidos ao nível da área do euro ao longo dos últimos meses, tendo em vista a criação de uma União Bancária, cuja implementação deverá assegurar uma maior integração financeira e orçamental, permitindo criar os mecanismos necessários para interromper os efeitos de interação entre risco soberano e estabilidade financeira.
Artigos assinados
Este Relatório de Estabilidade Financeira inclui, como habitualmente, três artigos elaborados por economistas do Banco de Portugal. Estes artigos, da responsabilidade dos autores, são os seguintes:
- “Risco de Liquidez e Risco Sistémico”, de Diana Bonfim e Moshe Kim;
- “Probabilidade de incumprimento das famílias: uma análise com base nos resultados do ISFF”, de Sónia Costa;
- “Um modelo de scoring para as empresas portuguesas”, de Ricardo Martinho e António Antunes.
Lisboa, 29 de novembro de 2012