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Relatório de Estabilidade Financeira – Maio 2012

  1. Em 2011, a atividade do sistema bancário português desenvolveu-se num contexto particularmente adverso e exigente, motivado pela escassez do financiamento de mercado, pela intensificação da crise da dívida soberana na área do euro e pelo aumento da materialização do risco de crédito na atividade doméstica. A evolução da atividade dos bancos portugueses neste período é também enquadrada pelo processo de desalavancagem em curso e pelo reforço dos níveis de solvabilidade. A rendibilidade do sistema bancário deteriorou-se significativamente, refletindo o aumento das imparidades associadas a crédito e à carteira de ativos financeiros, que teve subjacente alguns eventos de natureza não recorrente. Excluindo estes efeitos, a rendibilidade foi virtualmente nula.
     
  2. Em 2011, os bancos portugueses realizaram um esforço assinalável de reforço dos seus níveis de solvabilidade, de forma a assegurar o cumprimento do rácio Core Tier 1 mínimo de 9 por cento, definido no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira para o final do ano. Em dezembro, o rácio Core Tier 1 médio do sistema bancário português situava-se em 9.6 por cento (8.7 por cento incluindo o banco BPN), o que representa um acréscimo de 0.9 e 1.5 p.p. face a junho de 2011 e dezembro de 2010, respetivamente. Esta melhoria é explicada quer pela diminuição dos ativos ponderados pelo risco, evolução natural no contexto do processo de desalavancagem em curso, quer pelo aumento dos fundos próprios considerados core.

    O reforço dos níveis de solvabilidade continua a ser uma prioridade para os bancos portugueses, que terão de cumprir objetivos bastante ambiciosos, no plano nacional e internacional, em 2012. No final de junho, os quatros maiores grupos bancários portugueses deverão assegurar o cumprimento das exigências de caráter prudencial definidas no Conselho Europeu de 26 de outubro, sob proposta da Autoridade Bancária Europeia (EBA). Para além das necessidades apuradas pela EBA para a constituição do buffer temporário de capital (buffer soberano) e das necessidades de capital decorrentes da diferença entre a definição portuguesa do rácio Core Tier 1 e a definição da EBA, estes bancos terão de reconhecer no capital regulamentar o impacto da transferência parcial dos fundos de pensões dos bancos para a Segurança Social e o impacto dos resultados das inspeções especiais à qualidade dos ativos dos bancos (Programa Especial de Inspeções - SIP). Nas necessidades de capitalização que decorrem destes quatro desafios, refira-se o contributo maioritário do buffer soberano, estimado em 3.7 mil milhões euros.
     

  3. O significativo aumento dos recursos de clientes sob a forma de depósitos tem permitido melhorar a posição estrutural de liquidez do sistema bancário português, em especial das instituições domésticas, num contexto de virtual ausência de acesso aos mercados internacionais de dívida por grosso. Paralelamente, as decisões do Conselho do BCE de 8 de dezembro de 2011, designadamente a condução de duas operações de refinanciamento de prazo alargado (3 anos) a taxa fixa com satisfação integral da procura, bem como o alargamento do conjunto de ativos elegíveis como colateral nas operações de política monetária, contribuíram também favoravelmente para mitigar o risco de liquidez do sistema bancário português. Estas medidas traduziram-se numa melhoria significativa dos gaps de liquidez, em particular no prazo até 1 ano. Contudo, continuam a existir riscos substanciais para a gestão de liquidez dos bancos portugueses. Por um lado, num contexto de persistência de tensões nos mercados financeiros internacionais, existe a possibilidade de revisões em baixa adicionais das notações de rating dos emitentes nacionais o que poderá afetar negativamente o valor das pools de ativos dados em garantia das operações de cedência de liquidez no âmbito da execução da política monetária. De qualquer modo, o reforço das pools dos ativos elegíveis através de carteiras de empréstimos bancários atua como mitigante deste risco, dado que estes ativos não são sensíveis às flutuações de rating. Por outro lado, a persistência de dúvidas quanto à capacidade de resolução da crise da dívida soberana na área do euro e, em particular, a possibilidade de intensificação do contágio da situação de outros países, poderá traduzir-se no reforço da saída de capitais associado a depósitos de não residentes. Finalmente, recorde-se que a adoção de regras mais exigentes para a gestão de liquidez, no âmbito da futura regulamentação comunitária sobre requisitos de liquidez, constitui a médio prazo um desafio adicional para os bancos em geral, incluindo os portugueses.
     
  4. O quadro recessivo que marcou o último ano e o início do ano corrente traduziu-se num aumento da materialização do risco de crédito, como reflexo da deterioração da situação financeira do setor privado não financeiro. Em resultado deste agravamento, o rácio de incumprimento e o fluxo anual de novos empréstimos em incumprimento atingiram o valor mais elevado desde o início da área do euro, sendo de esperar que esta situação se intensifique ao longo de 2012. Sublinhe-se que, enquanto o rácio de incumprimento nos empréstimos a particulares para aquisição de habitação tem vindo a crescer de forma relativamente gradual, o incumprimento nos empréstimos a particulares para consumo e outros fins e nos empréstimos a sociedades não financeiras tem registado fortes aumentos. Relativamente às sociedades não financeiras, a deterioração dos indicadores de qualidade de crédito foi transversal a todos os setores de atividade. Este aumento foi também generalizado por dimensão da empresa e da exposição, continuando o incumprimento a ser mais frequente e significativo nos empréstimos com montantes mais reduzidos e nas empresas de menor dimensão.
     
  5. Dada a natureza sistémica que a crise financeira tem assumido, a avaliação do risco torna-se necessariamente mais complexa. Para além dos fatores de natureza idiossincrática que condicionam o sector bancário e a economia portuguesa no geral, existe na atualidade um risco muito acentuado de contágio dos efeitos de desenvolvimentos adversos a nível internacional, com efeitos potenciais muito significativos ao nível da materialização dos riscos de mercado e de liquidez. Estes riscos mantêm-se em níveis muito elevados, tendo sido exacerbados no passado recente pelo reforço das conexões entre o sistema bancário e o risco soberano num número crescente de países da área do euro. Neste contexto, saliente-se que os Estados-Membros da área do euro já manifestaram a sua disponibilidade para apoiar Portugal até que o país consiga regressar ao financiamento nos mercados financeiros internacionais, desde que as autoridades nacionais continuem a apostar na concretização estrita do Programa.

Artigos assinados

Este Relatório de Estabilidade Financeira inclui, conforme habitual, três artigos elaborados por economistas do Banco de Portugal. Estes artigos, de responsabilidade dos autores, são os seguintes:

“O endividamento das famílias: uma análise microeconómica com base nos resultados do Inquérito à Situação Financeira das Famílias”, de Sónia Costa e Luísa Farinha;

“Acesso ao crédito por empresas não financeiras”, de António Antunes e Ricardo Martinho;

“Análise de risco sistémico e teoria e informação baseada em opções”, de Martim Saldías.

Banco de Portugal, 29 de Maio de 2012