Comunicado do Banco de Portugal sobre o Relatório de Estabilidade Financeira de dezembro de 2019
O Banco de Portugal publicou hoje o Relatório de Estabilidade Financeira de dezembro de 2019.
I – Vulnerabilidades e riscos
Em 2019, a economia portuguesa continuou a consolidar os progressos que tem observado nos últimos anos. Manteve-se um saldo positivo na balança corrente e de capital, embora o excedente projetado seja claramente inferior ao observado nos dois anos anteriores. O ajustamento do saldo orçamental prosseguiu, apesar de, quando considerado o efeito de medidas temporárias, o progresso projetado seja menor do que o registado em anos anteriores. De facto, os ajustamentos têm vindo a tornar-se menos intensos.
O crescimento da economia manteve-se superior ao que se estima ser o do produto potencial. As taxas de juro, que se situavam já num nível muito reduzido para um espetro alargado de maturidades, diminuíram ainda mais. O desemprego continuou a diminuir e a confiança dos consumidores permaneceu elevada, tendo retomado no segundo trimestre um perfil ascendente.
Os níveis de endividamento de empresas não financeiras e particulares, e, em particular, das administrações públicas continuaram elevados, tanto em termos históricos como no quadro da área do euro, apesar da redução observada nos últimos anos. Este facto assume importância acrescida quando associado quer à sensibilidade da economia portuguesa a eventuais choques externos, quer à manutenção de um crescimento potencial da economia relativamente limitado.
No sistema bancário, assistiu-se a um aumento da rendibilidade. O rácio de empréstimos não produtivos (non-performing loans, NPL) continuou a decrescer e prosseguiu o reforço dos rácios de capital.
Relativamente ao Relatório de Estabilidade Financeira de junho, foram revistas em baixa, para a área do euro, as estimativas de crescimento para 2019 e as projeções de crescimento para os próximos anos. A concretização de um cenário de abrandamento mais acentuado deverá ter repercussões significativas sobre a economia portuguesa, dada a elevada interligação entre as duas geografias. O Banco Central Europeu (BCE) anunciou, em setembro, um pacote de medidas de estímulo monetário. No seu conjunto, este pacote configura um cenário de taxas de juro mais baixas, por um período mais prolongado (o designado lower for longer). A redução das taxas de juro de médio e longo prazo sinaliza que a Euribor só deverá retomar valores positivos num horizonte consideravelmente mais longo do que o antecipado aquando da elaboração do último Relatório de Estabilidade Financeira.
O prolongamento do ambiente taxas de juro muito baixas traduz-se numa redução dos custos de financiamento, beneficiando a capacidade de serviço de dívida dos agentes económicos, em particular dos mais endividados. Porém, e em contraste com os ganhos de curto prazo, cria condições propícias à intensificação dos riscos associados à procura de rendibilidade (search-for-yield), o que poderá resultar em assunções excessivas de risco e sobrevalorizações dos ativos, as quais tenderão a ser corrigidas a prazo. Pode também promover a deterioração dos critérios de concessão de crédito e o aumento do endividamento para níveis não sustentáveis. A acumulação de vulnerabilidades que daí resulta torna os agentes económicos mais sensíveis a um eventual abrandamento mais acentuado da atividade económica, com impacto na sua capacidade de servir a dívida, e com possíveis implicações também nos prémios de risco e na valorização dos ativos. Dada a materialidade da exposição dos bancos a títulos de dívida pública a taxa fixa e a ativos imobiliários ou que beneficiem de garantia dessa natureza, a possível reversão dos prémios de risco e uma redução no valor destes ativos permanece como um risco relevante para a estabilidade financeira.
Adicionalmente, será imperativo que os bancos acautelem adequadamente os riscos inerentes à digitalização do setor financeiro e à entrada de novos atores na função de intermediação, os riscos decorrentes das alterações climáticas (riscos físicos e de transição) e respetivos mecanismos de transmissão para o setor financeiro e para a economia como um todo e, ainda, os riscos associados ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Num quadro internacional propício à acumulação de vulnerabilidades e à intensificação de riscos para a estabilidade financeira, continua a ser fundamental a conclusão de uma União Bancária robusta, que permita, de forma eficaz, reduzir a fragmentação da arquitetura institucional do setor financeiro na Europa.
Em suma, dado o contexto de incerteza acrescida sobre a evolução da atividade económica e de sobrevalorização de um conjunto alargado de ativos financeiros e reais, incluindo o imobiliário residencial, os agentes económicos residentes devem continuar a ajustar a sua posição financeira, por forma a aumentar a sua resiliência a choques futuros. As instituições de crédito, em particular, devem prosseguir políticas cautelosas, seja no controlo do risco das suas exposições, seja no reforço da sua capacidade para absorver a eventual concretização dos riscos elencados neste Relatório, incluindo na política de distribuição de dividendos.
II - Política macroprudencial
Desde a implementação da Recomendação no âmbito dos novos créditos aos consumidores, a 1 de julho de 2018, e até setembro de 2019, observa-se uma tendência de convergência significativa para os limites aí estabelecidos.
Prosseguiu a implementação faseada do requisito de reserva para outras instituições de importância sistémica (O-SII), que atingiu metade da reserva definida para cada instituição. A reserva contracíclica de fundos próprios foi mantida em 0% das exposições em risco. A generalidade dos indicadores utilizados na determinação da reserva contracíclica de capital não aponta para a acumulação de risco sistémico cíclico. Adicionalmente, apesar de o indicador compósito de risco sistémico doméstico (IRSD) manter, no primeiro semestre de 2019, a trajetória de recuperação iniciada em 2015, este ainda permanece negativo, não sinalizando portanto a acumulação de risco sistémico cíclico.
O Banco de Portugal, enquanto autoridade macroprudencial, monitoriza a evolução do endividamento das empresas e particulares, a resiliência das instituições de crédito, bem como os critérios de concessão de crédito, e, se necessário, tomará as medidas adequadas.
III - Temas em destaque e caixas
O Relatório de Estabilidade Financeira de dezembro destaca dois temas:
- “Uma revisão da literatura sobre o impacto do aumento dos rácios de capital das instituições financeiras”;
- “Metodologias de avaliação dos preços da habitação: uma aplicação a Portugal”.
Inclui ainda cinco caixas:
- “Avaliação dos mercados imobiliários residenciais conduzida pelo Comité Europeu do Risco Sistémico”;
- “Novo regime europeu aplicável às obrigações cobertas (covered bonds) ”;
- “A evolução do endividamento do setor privado não financeiro em Portugal e na área do euro nos últimos 30 anos”;
- “Revisão das expetativas de supervisão do BCE relativamente ao provisionamento, para fins prudenciais, de novas exposições não produtivas”;
- “Basileia III – O que falta ainda mudar? ”.
